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Código Logístico 59194 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6586-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 8 6 8 Psicologia geral e do desenvolvimento Priscila Mossato Rodrigues Barbosa IESDE BRASIL 2020 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B381p Barbosa, Priscila Mossato Rodrigues Psicologia geral e do desenvolvimento / Priscila Mossato Rodrigues Barbosa. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2020. 98 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6586-8 1. Psicologia. 2. Psicologia - História. 3. Behaviorismo (Psicologia). 4. Gestalt (Psicologia). 5. Psicanálise. 6. Psicologia do desenvolvimento. I. Título. 20-66074 CDD: 150 CDU: 159.9 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Sylverarts Vectors/SofiaV/Shutterstock Priscila Mossato Rodrigues Barbosa Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Psicologia Clínica – Abordagem Psicanalítica Psicologia do Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Professora do ensino superior, ministrando as disciplinas Psicologia da Educação e Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Atua também como psicóloga clínica. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Psicologia Geral 9 1.1 Breve histórico da Psicologia 9 1.2 Psicologia como campo de estudo 12 1.3 Principais escolas psicológicas 16 2 Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 26 2.1 O que é desenvolvimento? 26 2.2 Métodos de pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento 34 2.3 Teorias do Desenvolvimento Humano 35 3 O desenvolvimento do pré-natal à primeira infância 45 3.1 Desenvolvimento embrionário 45 3.2 Desenvolvimento do bebê 48 3.3 Desenvolvimento na primeira infância 55 4 O desenvolvimento da infância à adolescência 62 4.1 O desenvolvimento na segunda infância 62 4.2 O desenvolvimento na terceira infância 67 4.3 O desenvolvimento na adolescência 71 5 O desenvolvimento do adulto à velhice 79 5.1 Adultez jovem 79 5.2 Adultez madura 84 5.3 A velhice 87 Gabarito 94 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! O estudo da psicologia tem ganhado cada vez mais força na sociedade, na medida que as demais áreas do conhecimento usufruem dos seus conceitos, suas teorias e de suas aplicações. A psicologia está presente em nosso cotidiano e, portanto, o prazer de compreendê-la está associado ao prazer de entendermos a nós mesmos, nossas relações com as outras pessoas e com o mundo. Esta obra apresenta conteúdos acerca da Psicologia Geral e do Desenvolvimento. No primeiro capítulo, é possível acompanhar a história da psicologia e o processo por meio do qual ela se instituiu como uma ciência independente da filosofia, que é sua área de origem. Evidencia-se quais são os seus objetos de estudo, seus métodos científicos e principais escolas teóricas. No segundo capítulo há uma introdução à Psicologia do Desenvolvimento, na qual se conceitua o desenvolvimento humano propriamente dito, as principais correntes filosóficas que embasaram o seu estudo, assim como sua perspectiva histórica, seus métodos de pesquisa. Além disso, discute-se as principais teorias sobre o desenvolvimento humano, as quais foram concebidas pelos expoentes da psicologia que mais contribuíram para área: Sigmund Freud, Henri Wallon, Jean Piaget e Lev Vygostsky. O estudo do desenvolvimento humano entende o ser humano como ser biopsicossocial, ou seja, ao estudar o ciclo de vida, busca a articulação entre as instâncias biológica, psicológica e social, pois elas compõem o ser integral de maneira interdependente. Assim, esse estudo compreende desde o primeiro momento de vida, a concepção, até a morte. Nesse sentido, e para abordar a temática de modo mais didático, o terceiro capítulo trata do desenvolvimento que antecede o nascimento até a primeira infância, descrevendo cada fase e suas conquistas físicas, psíquicas e sociais. Já o desenvolvimento da segunda infância, da terceira infância e da adolescência é abordado no quarto capítulo. Por fim, o quinto APRESENTAÇÃOVídeo 8 Psicologia geral e do desenvolvimento capítulo versa sobre o desenvolvimento na vida adulta, identificando suas três principais fases de desenvolvimento: adultez jovem, adultez madura e velhice. A proposta desta obra é favorecer a aquisição de conhecimento teórico da Psicologia Geral e do Desenvolvimento que seja capaz de sustentar uma perspectiva crítica, livre de estereótipos, ética e humana, para uma prática comprometida com o bem-estar das pessoas. Uma excelente leitura, bons estudos e produtivas reflexões! Psicologia Geral 9 1 Psicologia Geral Neste capítulo, apresentaremos inicialmente o percurso da Psicologia Geral a partir de um breve histórico que a contextualiza como campo de estudo científico. Na sequência, identificaremos seus objetos e principais métodos. Você também conhecerá as principais teorias da psicologia mo- derna e alguns dos conceitos básicos que compõem o panorama da Psicologia Geral e preparam para compreensão de suas áreas específicas, seja como ciência ou como profissão. 1.1 Breve histórico da Psicologia Vídeo O interesse em compreender as questões da mente é anterior à constituição da Psicologia como uma ciência. A filosofia grega já se ocu- pava dessas questões, sinalizando a origem da Psicologia. Essa origem é evidenciada inclusive na etimologia da palavra, que resulta da junção das palavras gregas psiché (alma ou mente) e logos (razão ou estudo), ou seja, estudo da mente. Dessa forma, o início do pensamento da Psicologia se deu a partir da Filosofia, até que emergiu como uma ciência independente. Segundo a autora Linda Davidoff (2004), é possível compreender a mente/alma como o princípio subjacente dos fenômenos da vida mental e espiritual do ser humano. Ou seja, no início, as questões que se apresentavam sobre o ser humano e sua mente tinham implicitamente relações com o que se acreditava ser a alma e também abarcavam o que poderia ser considerado espiritual. Quando a Psicologia se instituiu como ciência, as questões referentes à espiritualidade foram abandonadas. Duane Schultz e Sydney Schultz (1998) ponderam que até o último quarto do século XIX (aproximadamente entre os anos 1850 a 1900) a natureza humana era estudada pelos filósofos, mas esses estudos aca- 10 Psicologia geral e do desenvolvimento bavam sendo baseados em especulações, intuições e generalizações limitadas às suas experiências. Somente quando os filósofos passaram a aplicar instrumentos e métodos – já utilizados no estudo das ciên- cias físicas e biológicas – na busca do entendimento sobre a natureza humana, a Psicologia passou a criar uma representação própria e se distinguiu da Filosofia. O filósofo e físico Gustav Fechner (1801-1887) foi muito importante nesse processopor demonstrar que os métodos científicos poderiam ser empregados no avanço de pesquisas e estudos dos processos men- tais. Em 1860, ele escreveu seu trabalho mais importante, Elementos de Psicofísica, no qual se utilizou de procedimentos experimentais e matemáticos para estudar a mente humana (DAVIDOFF, 2004). Sendo assim, o que sinaliza a distinção entre a psicologia antiga – pertencente à filosofia – e a psicologia moderna – que nasceu há aproximadamente 140 anos – é a abordagem, bem como suas técnicas, que instituem a Psicologia como um campo de estudo próprio e independente da Filo- sofia e, sobretudo, científico. O marco do estabelecimento da Psicologia como ciência aconte- ceu quando o psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) criou o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig (Ale- manha) no ano de 1879, que foi precursor de vários outros, funda- dos em vários lugares da Europa e dos Estados Unidos da América. Segundo Davidoff (2004), Wundt ansiava pelo estabelecimento da Psicologia como uma identidade independente e considerava muito importante que se estudasse as operações mentais de atenção, de intenções e de metas. Então, nesse momento, houve a consolidação dos estudos da Psicologia sob os critérios científicos de observação e com métodos provenientes da Fisiologia. Wundt dedicava-se principalmente às pesquisas sobre reações de comportamento aos estímulos de maneira controlada e com muito rigor científico, o que limitava a Psicologia de certa forma. Seu méto- do de pesquisa e produção de conhecimento se caracterizava como estruturalista, visto que buscava compreender processos estrutu- rais do psiquismo. Por esse motivo, acreditava-se que a consciência era separada da mente. Como estava predominantemente ligada à Fisiologia, a Psicologia distanciava-se das ideias abstratas e espirituais, que não poderiam se Psicologia Geral 11 vincular à ciência. Para que a Psicologia se fortalecesse e se estabele- cesse como ciência própria, era importante vincular-se a princípios e métodos científicos reconhecidos. William James (1845-1910), influente psicólogo americano, criticava o estruturalismo ao considerá-lo limitado, inexato e artificial. Ele privile- giava a observação e a busca pela compreensão sobre o funcionamento dos processos mentais, caracterizando a corrente do funcionalismo, que mais tarde foi substituída pelo movimento americano denominado behaviorismo. Como você já deve ter percebido, para entendermos a história da Psicologia é preciso ter em mente a premissa de que ela, como tudo, sempre esteve submetida à cultura e aos contextos histórico e econô- mico de cada época. Schultz e Schultz (1998) sublinham que as três principais forças contextuais que impactaram a Psicologia nos primei- ros anos do século XX são: as oportunidades econômicas, as guerras e a discriminação. Em relação às oportunidades econômicas, destacamos que a psico- logia americana, inicialmente concentrada nos laboratórios de pesquisa, passou a ampliar seu campo para uma ciência aplicada fora dos laborató- rios. Isso só foi possível pelo excesso de psicólogos com mestrado e dou- torado trabalhando em laboratórios, o que gerava disputa por empregos. Nesse contexto, os psicólogos sentiram necessidade de sustentar uma prática que se convertesse em benefícios para sociedade. Para que se mantivesse investimento em pesquisas, a Psicologia precisou lançar-se de maneira aplicada com vistas à solução de problemas so- ciais, educacionais e industriais, buscando uma valorização por meio prático e teórico (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). Assim, cresceu o interesse da psicologia americana na direção da educação: psicologia da apren- dizagem, métodos de ensino e demais questões envolvidas na área. Outra força contextual significativa no desenvolvimento da Psicolo- gia foram as guerras. Sabemos que tanto a Primeira quanto a Segunda Guerra Mundial mobilizaram o desenvolvimento de várias áreas, desde a tecnologia até a Psicologia. As experiências na Psicologia se voltaram para os esforços de guerra, especialmente nos Estados Unidos, e hou- ve, portanto, um crescimento da Psicologia aplicada nos testes psicoló- gicos e na seleção de pessoas baseada em seus perfis de personalidade e comportamento. 12 Psicologia geral e do desenvolvimento O desenvolvimento da Psicologia na Europa também foi influencia- do pelas guerras, uma vez que os horrores promovidos por elas motiva- ram a análise e o desdobramento de conceitos que pudessem elucidar, por exemplo, a agressividade, na teoria de Sigmund Freud (1856-1939), e o fanatismo, na teoria de Erich Fromm (1900-1980). A terceira força contextual influente no percurso histórico da Psico- logia é nomeada discriminação e preconceito. Ao revisitar a história da Psicologia, Schultz e Schultz (1998) identificam nos Estados Unidos uma predominante discriminação em relação às mulheres, aos negros e aos judeus no acesso à formação acadêmica na área da Psicologia, que só parece ter cessado após os anos 1960. Diante desse cenário, podemos concluir que, no desenvolvimento de seu percurso, a Psicologia se ampliou para além da sua relação com a fisiologia, de modo que hoje pode ser considerada nas dimensões fisiológica, psíquica e social. A psicologia contemporânea é uma ciência que tem investido em um contínuo aprimoramento dos seus métodos de estudo e pesquisa. Desse modo, hoje ela abrange muitas áreas, con- forme veremos nas próximas seções. 1.2 Psicologia como campo de estudo Vídeo Na construção do conhecimento em Psicologia, é necessário que, além dos métodos científicos (observação, experimentação, descrição etc.), os estudiosos sirvam-se da introspecção, visto que o encanto pela Psicologia é decorrência do fato de que, por meio dela, podemos des- vendar a nós mesmos. Com o intuito de entender nosso funcionamento com base em nos- sa constituição como seres humanos, no que diz respeito aos aspectos físicos, psíquicos e sociais, a Psicologia tem como objeto de estudo os fenômenos psíquicos, que abarcam muitos conceitos, como: desen- volvimento, aprendizagem, percepção, atenção, inteligência, cogni- ção, memória, pensamento, emoção, sentimentos, comportamentos, motivação, agressividade, relação interpessoal, comportamento so- cial, linguagem, personalidade, consciente e inconsciente, resiliência, psicopatologias, entre outros. Logo, fica claro que, para produzir co- nhecimento em Psicologia, é necessário que se tenha também conhe- cimentos de várias áreas (como biologia, anatomofisiologia, filosofia, No livro História da Psicologia é apresentada uma breve biografia dos psicólogos mais influen- tes, de modo a situar as descobertas e teoriza- ções em seu percurso como ciência. HOTHERSALL, D. Porto Alegre: AMGH, 2019. Livro Psicologia Geral 13 antropologia e sociologia), pois é impossível dissociar o ser humano de tudo o que o determina psicologicamente. Consequentemente, a multiplicidade e a complexidade dos objetos de estudo também se refletem na diversidade das abordagens (tam- bém chamadas linhas) de pesquisa que a Psicologia possui. Seria im- possível que uma única teoria desse conta de aprofundar o estudo em todos os objetos, teorizar sobre eles e ainda desenvolver formas de intervenções aplicáveis. Assim, não é possível nos referirmos à teoria da Psicologia como única, pois as abordagens são muitas e cada uma delas pode privilegiar certos fenômenos e ter sua própria metodologia. Também não deve- mos considerar que uma abordagem possa ser superior a outra, já que todas são reconhecidas e contribuem para a construção do conheci- mento científico da Psicologia. Outra questão que é preciso ter em mente a respeito da multiplici- dade e diversidade na Psicologia é que, apesar das diferenças, todas as abordagens têm em comum a consideração pela subjetividade. Para ilustrar esse raciocínio, vejamos a afirmação de Bock et al. (2001, p. 23): nossa matéria-prima [...] é o homem em todas as suas expres-sões, as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos assim) – é o homem-corpo, homem- -pensamento, homem-afeto, homem-ação e tudo isso está sinte- tizado no termo subjetividade. Sendo o ser humano a matéria-prima da Psicologia, sua subjetivi- dade é premissa fundamental dessa ciência. Por isso, vamos abordá-la brevemente para contextualizar a complexidade da Psicologia em sua sustentação como ciência, já que ela não lida apenas com fenômenos universais e objetivos. Inicialmente, a subjetividade está relacionada à incursão do ser hu- mano no mundo simbólico da linguagem, pois é assim que a criança se situa em determinada cultura e adquire sua identidade particular. Somente o fato de sermos filhos de seres humanos não garante nossa humanização. Para que ela aconteça, são necessárias histórias e memórias, representadas pela linguagem, que constituem um reper- tório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida. As variáveis da formação de nossa subjetividade não dependem apenas 14 Psicologia geral e do desenvolvimento de nós mesmos e de nossos dotes inatos 1 da infância. A subjetividade consiste, portanto, em um processo complexo de enlaces subjetivos e simbólicos, os quais instituem bases e recursos para o desenvolvi- mento de novos processos interpessoais. Esses processos, por sua vez, atualizam-se e ampliam-se pelo resto da vida em todos os grupos e experiências sociais. Desse modo, a subjetividade pode ser entendida como a forma par- ticular de o sujeito se relacionar com o mundo. O ser humano subjetiva suas experiências e é essa capacidade de subjetivar que nos humaniza, que faz com que tenhamos um aparato simbólico internalizado de sig- nificação sobre o mundo. Como consequência, é a subjetividade que nos insere e nos adapta ao mundo. Ela se constrói por meio de diferentes elementos, como a história de vida e as experiências, e pela maneira como nos apropriamos destes e os representamos psiquicamente. À vista disso, a subjetividade pode ser representada como um mundo interno criado pela interação entre o sujeito e o mundo externo, e é articulada pela nossa forma própria de interpretar, registrar e simbolizar. O processamento singular do que se apreende no meio e na cultu- ra e a maneira como ele se inscreve subjetivamente caracteriza nossa forma de interagir com os aspectos da vida. Os sentimentos, a afetivi- dade, os pensamentos, as ideias, as representações, os desejos e as significações são componentes psíquicos (emocionais e cognitivos) que pertencem à nossa subjetividade e que estão submetidos a contextos históricos, culturais e sociais. Assim, não é possível pensar no sujeito e em sua subjetividade sem considerar os contextos nos quais ele se encontra. O estudo da subjetividade, portanto, possibilita conhecer o ser hu- mano em suas expressões comportamentais, sentimentais, singulares e genéricas, pois ela é a síntese singular e individual que cada ser hu- mano constrói durante seu desenvolvimento e suas vivências sociais e culturais. Posto isso, esse estudo atravessa e participa de todas as abordagens da Psicologia. Até agora, dissertamos sobre a Psicologia voltada para a compreen- são dos fenômenos psíquicos no ser humano, mas, a título de conheci- mento geral, é pertinente relatar que existem investigações psicológicas Como dotes inatos podemos tomar como exemplos nossos instintos biológicos e nossa herança genética. 1 Psicologia Geral 15 importantes sobre o comportamento dos animais. Esses estudos contri- buem para o entendimento de aspectos do próprio ser humano. Davidoff (2004) explica que certos experimentos não seriam viáveis em seres humanos devido à questão ética. Além disso, alguns proces- sos básicos comportamentais e mentais podem ser mais fáceis de se- rem detectados em criaturas simples do que em criaturas complexas, de maneira que determinadas descobertas sobre organismos mais simples podem ser generalizadas para os seres humanos. Evidentemente, depois de tudo que foi desenvolvido sobre a subje- tividade humana, os estudos experimentais com animais não são ca- pazes de analisar o raciocínio abstrato, a linguagem, a personalidade, o comportamento social e outros funcionamentos complexos do ser humano. Entretanto, algumas reações orgânicas, as características he- reditárias, os comportamentos condicionados, o estresse, entre outros funcionamentos podem ser apreendidos por meio de experimentos controlados com animais. Como podemos constatar até aqui, a Psicologia, conforme Davidoff (2004, p. 5), “não é um corpo de conhecimento nem unificado e nem completo”. Logo, não podemos contar com uma abordagem que seja absoluta em sua capacidade de explicar determinado fenômeno. Ao mesmo tempo em que isso a torna uma ciência difícil, a Psicologia é muito rica e se sustenta também em sua prática eficaz. Para tanto, precisamos nos questionar sobre como a ciência da Psicologia e suas teorias podem beneficiar a realidade em que vive- mos. Conforme mencionado anteriormente, para dar conta da nos- sa complexidade, existem muitas áreas de atuação, cada qual com suas especificidades e aplicações. As práticas aprovadas pelo Con- selho Federal de Psicologia (CFP) 2 são: psicologia escolar/educacio- nal; psicologia organizacional e do trabalho; psicologia de trânsito; psicologia jurídica; psicomotricidade; psicologia do esporte; psicolo- gia clínica; psicologia hospitalar; psicopedagogia; psicologia social; e neuropsicologia. Podemos mencionar ainda outras áreas que usufruem das teorias e técnicas aplicadas da Psicologia, como o Marketing, que tem em seus fundamentos a psicologia do consumidor e as pesquisas de mercado e tendências que buscam compreender os contextos sociais para que as O Conselho Federal de Psico- logia, órgão responsável pela regulamentação da Psicologia como profissão, descreve cada uma dessas áreas na Resolução CFP 03/2007. 2 16 Psicologia geral e do desenvolvimento marcas e ofertas de serviço atendam as demandas e sejam bem-suce- didas no estímulo do consumo. Os conhecimentos acerca da percepção construídos na Psicolo- gia beneficiam até mesmo a escolha da disposição dos produtos em um supermercado, como os produtos que atraem as crianças, os quais são expostos em prateleiras baixas para que fiquem visíveis e acessíveis a elas, levando em conta, portanto, a percepção dos con- sumidores. As campanhas publicitárias também recorrem aos co- nhecimentos da Psicologia por meio das sensações que provocam para alcançar aceitação e eficácia na promoção de um produto e de sua marca. Por essa razão, a Psicologia pode se associar a muitos campos do conhecimento, como as Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política), as Ciências Humanas, as Ciências Bio- lógicas e da Saúde, entre outros. Com base nesses exemplos, é possível entender o crescimento da Psicologia ao longo de seu percurso, desde seu estabelecimento como ciência até os dias atuais. Esse desenvolvimento é eviden- ciado pela presença cada vez maior da Psicologia como disciplina obrigatória em outras graduações, como Administração, Direito, Pedagogia, Licenciaturas, Gestão de Recursos Humanos, Nutrição e Medicina, deixando claro que conhecê-la enriquece a formação de vários profissionais. Diante disso, os múltiplos objetos de estu- do abarcados pelos fenômenos psíquicos, além das várias aborda- gens, efetivam-se em muitas áreas. A Psicologia, portanto, é muito expressiva socialmente, tanto na condição de ciência quanto na condição de profissão. 1.3 Principais escolas psicológicas Vídeo Conforme visto anteriormente, a Psicologia não pode ser tomada como uma ciência unificada, seja por questões históricas ou seja por fundamentos (múltiplos objetos e metodologias). Por essa razão, al- guns autores sugerem que talvez fosse mais adequado a nomearmos no plural (as psicologias) ou como Ciências Psicológicas(BOCK et al., 2001; DAVIDOFF, 2004; JAPIASSU, 1983). No livro Introdução à Psicologia, o autor disser- ta de maneira bastante completa a abordagem científica da Psicologia. FELDMAN, R. S. Porto Alegre: AMGH, 2015. Livro Psicologia Geral 17 Seguindo essa ideia sobre a Psicologia e seus diferentes sistemas teóricos e metodológicos, faz-se necessário conhecermos as principais escolas psicológicas: behaviorismo, gestalt e psicanálise. 1.3.1. Behaviorismo O behaviorismo (do inglês behavior = comportamento) , também cha- mado de comportamentalismo ou psicologia comportamental, como o pró- prio nome sinaliza, privilegia o comportamento como objeto de estudo. Segundo Davidoff (2004), o psicólogo americano John Watson (1878- 1958), considerado o fundador do behaviorismo, esforçou-se para que a Psicologia se tornasse uma ciência respeitável, equiparável às Ciências Fí- sicas. Ele entendia que, para tanto, a Psicologia deveria se ocupar do com- portamento observável e investigá-lo de modo objetivo, dispensando e se opondo ao recurso da introspecção. O psicólogo era plenamente convencido de que os processos mentais não deveriam ser estudados pela Psicologia, porque considerava não ser possível estudá-los por meio de métodos científicos, enquanto o compor- tamento, sim. Watson foi bastante influenciado pelos trabalhos do fisiologista e psi- cólogo russo Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936), que contribuiu significa- tivamente com a psicologia contemporânea por meio dos seus estudos acerca do comportamento animal, nos quais buscava distinguir o compor- tamento inato do comportamento adquirido. Pavlov também desvelou os reflexos condicionados, que são respostas musculares ou glandulares aprendidas pelo organismo. Um experimento muito famoso realizado pelo fisiologista, ca- paz de explicar o reflexo condicionado, foi feito com cães a par- tir da observação de seu reflexo em salivar diante da presença do alimento (Figura 1). Para tanto, uma campainha soava todas as vezes em que o animal recebia alimento, assim, havia dois es- tímulos simultâneos: o som e o alimento. Por meio de repetições, foi possível observar que os cães passaram a salivar só com o es- tímulo do som da campainha, mesmo na ausência do alimento (FALCÃO, 1984). 18 Psicologia geral e do desenvolvimento de sd em on a7 2/ Sh ut te rs to ck1. Antes do condicionamento 3. Durante o condicionamento 4. Após o condicionamento 2. Antes do condicionamento estímulo incondicionado salivação resposta incondicionada salivação resposta condicionada estímulo neutro estímulo condicionado sem salivação resposta não condicionada salivação resposta incondicionada Figura 1 Experimento de Pavlov Essas foram as bases nas quais Watson desenvolveu sua própria teoria, que visava um valor prático. Ele trabalhou para que a Psicologia fosse além dos laboratórios e alcançasse a realidade em muitas áreas (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). Como teoria, o behaviorismo de Watson, influenciado pelos es- tudos de Pavlov, reduzia todo comportamento a dois elementos: estímulo, vindo do ambiente (E), e resposta, vinda do organismo (R); representados por E – R. Para ele, tanto o comportamento hu- mano quanto o comportamento animal podem ser descritos e en- tendidos com base nesses elementos. Assim, seria possível prever qual é a resposta resultante de certo estímulo e determinar o estí- mulo que causou dada resposta. Desse modo, “o comportamento humano e animal pode ser eficazmente previsto, e controlado, pela sua redução ao nível de estímulo e resposta” (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998, p. 248). O behaviorismo de Watson foi mais tarde nomeado como beha- viorismo metodológico devido às suas características de privilegiar o método científico objetivo de uma forma tão rígida que desconside- rava a subjetividade, a qual pode ser considerada uma premissa da Psicologia. Resumidamente, além do comportamento, os objetos de estudo do behaviorismo são os estímulos e as respostas observáveis, e seus métodos de pesquisa são objetivos e dirigidos a pessoas e animais, visando alcançar um conhecimento aplicável. Psicologia Geral 19 Apesar de o behaviorismo ser bastante criticado, além de Watson, houve vários outros psicólogos que se ocuparam em prosseguir com sua teoria e, sem dúvida, o estudioso que mais contribuiu com essa escola foi Burrhus Frederick Skinner (1904-1990). O behaviorismo de Skinner, também chamado de behaviorismo radi- cal, passou a ser uma das escolas mais influentes da Psicologia a partir de 1950. Seu avanço se deu pela ampliação teórica que incidiu de for- ma especial na aprendizagem, tomada como a base na formação da maioria dos hábitos. Nessa teoria, consideramos que a aprendizagem é efetiva quando são promovidas mudanças no comportamento do aprendiz. Isto é, aprender é o processo no qual novos comportamentos são apresen- tados e o repertório comportamental, que é o conjunto de comporta- mentos que uma pessoa é capaz de produzir, é aumentado. Skinner tomou como pressuposto que os comportamentos apre- sentados pelos organismos (pessoas e animais) se constituem com base nas interações que estabelecem com o meio no qual estão inse- ridos. Por conta de seus estudos, ele publicou muitas obras sobre os processos comportamentais. Sobre os conceitos desenvolvidos por Skinner, vejamos a Figura 2. Condicionamento operante Consiste na promoção de comportamentos específicos conforme os estímulos propositalmente apresentados no ambiente. Requer punição quando a atuação manifestada não é a desejada, e reforço (premiação) quando o esperado se torna evidente. É trabalhado na educação de pessoas e no adestramento de animais. Condicionamento respondente Envolve hábitos que praticamos rotineiramente, sem uma autocrítica, como códigos que nos são passados para uma boa educação. A etiqueta é um exemplo: a forma como manipulamos os talheres, cumprimentamos as pessoas etc. Am m us /S hu tte rs to ck Figura 2 Conceitos de Skinner Fonte: Elaborada pela autora com base em Regato, 2005, p. 40. Skinner ampliou a teorização sobre o comportamento humano, trazendo minucias conceituais de maneira mais complexa do que Watson pôde fazer ao propor o behaviorismo, visto que sua teoria era muito reducionista. Para ampliar seus conhe- cimentos sobre outros conceitos da teoria e da prática behavioristas, su- gerimos a leitura da obra Sobre o behaviorismo, do psicólogo estudado nes- ta seção, B. F. Skinner. Nela é possível concluir que, de fato, é inegável que o behaviorismo evo- luiu e muito contribuiu para a compreensão de certos aspectos do comportamento. SKINNER, B. F. São Paulo: Cultrix, 2011. Livro 20 Psicologia geral e do desenvolvimento 1.3.2 Gestalt A escola psicológica da gestalt originou-se na Alemanha, em 1870, e seu movimento formal se estabeleceu com base em uma pesquisa realizada pelo psicólogo checo Max Wertheimer (1880-1943), publicada em 1912. Durante as férias, enquanto viajava de trem, Wertheimer teve a ideia de fazer um experimento sobre a visão do movimento quando nenhum movimento real tinha ocorrido. Abandonan- do prontamente seus alunos de férias, ele desceu do trem em Frankfurt, comprou um estroboscópio 3 de brinquedo, e verifi- cou a ideia que lhe ocorrera, de modo preliminar, num quarto de hotel. Mais tarde, fez pesquisas mais formais na Universidade de Frankfurt, que lhe forneceu um taquistoscópio. (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998, p. 298) O problema de pesquisa envolvia a percepção do movimento apa- rente, uma “impressão de movimento”. Assim, o psicólogo projetou luz por duas ranhuras de maneira que a percepção da visão a registrava mesmo quando ela não estava sendo projetada. Ele nomeou esse fe- nômeno como fenômeno phi: o todo (movimento aparente da linha) era diferente da soma de suas partes (as duas linhas estacionárias). Seu artigo publicado com os resultados dessa pesquisa marcaram o início da escola da psicologia gestalt. Considera-se que nãoé possível traduzir a palavra alemã gestalt para o português de modo que se expresse todo seu significado. To- davia, o sentido mais aceito e que talvez mais se aproxime refere-se ao processo de dar forma, de configurar o que é exposto ao olhar, visto que a palavra é usada no alemão para designar forma, padrão ou es- trutura e é associada com a convicção de que as experiências se carac- terizam por uma totalidade, ou seja, mais do que a soma de suas partes (DAVIDOFF, 2004). Tendo isso em vista, a gestalt se baseou nos fenômenos da percep- ção humana para desenvolver seus princípios. Schultz e Schultz (1998, p. 296) enfatizam que “os psicólogos gestaltistas acreditam que há mais coisas na percepção do que veem os nossos olhos, que a nossa percep- ção vai além dos elementos sensoriais, dos dados físicos básicos forne- cidos pelos órgãos dos sentidos”. Os elementos sensoriais, portanto, quando combinados, formam novo padrão e configuração. O estroboscópio, inventado pelo físico Joseph Plateau, foi o precursor da câmera de cinema. Ele projetava rapidamente uma série de quadros diferentes no olho, produzindo movimento aparente. 3 taquistoscópio: instrumento que exibe uma imagem por um tempo específico. Glossário Psicologia Geral 21 Nesse sentido, a grande máxima da gestalt é que o todo é mais do que a soma de suas partes (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998; DAVIDOFF, 2004.). A experiência subjetiva parte da relação dos processos que se dão na interação dos elementos que a compõe. Um exemplo bem fá- cil para entender isso de maneira metafórica é imaginar que todas as peças de um carro empilhadas não são um carro. O todo (carro) só se constitui como tal porque ele é mais do que a soma de suas peças; ele só se efetiva como carro na relação de montagem das peças. Nesse movimento, há uma declarada oposição à objetividade da psicologia experimental e behaviorista. Dessa maneira, os gestaltistas buscaram compreender a percepção, a solução de problemas e o pensamento. Além de Werteimer, os estudiosos Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgang Köhler (1887-1967) se destacaram e contribuíram para teoria da gestalt estabelecendo os princípios da organização da percepção, os quais representam leis que regem a maneira como o ser humano organiza seu mundo perceptivo. Nesse aporte teórico, o processo cerebral primordial na percepção visual é tomado como um sistema dinâmico, no qual todos os elemen- tos interagem entre si, produzindo fenômenos que só são possíveis por meio dessa interação, isto é, que não existiriam se os elementos agis- sem separadamente. Assim, o cérebro percebe, interpreta e incorpora uma imagem ou uma ideia por meio do todo e não dos elementos que compõe determinada coisa individualmente. Em suma, a lógica dessa escola sempre é a seguinte: para se com- preender algo, é necessário ir além da investigação de seus elementos separadamente, pois o todo é o que se dá na junção desses elementos, como na metáfora anterior do carro: analisar uma peça de modo isola- do não nos dá a ideia sobre ele. Um exemplo do que não deve ser feito, de acordo com a psicologia gestaltiana, seria tentar estudar o conscien- te do sujeito de modo separado do inconsciente, porque a mente é a interação entre essas duas instâncias. Com seu desenvolvimento teórico, a gestalt transformou-se em uma sólida linha filosófica e influenciou de maneira significativa a psicologia alemã e, na sequência, a norte-americana. Ela contribuiu para as áreas da Psicologia Infantil, Psiquiatria, Educação, Antropologia e Sociologia, e também foi aplicada no trabalho clínico que recebe o mesmo nome, terapia criada por Frederick Perls (1893-1970). 22 Psicologia geral e do desenvolvimento O seu objeto de estudo é a experiência subjetiva humana global, a sua ênfase é na percepção, no pensamento e na resolução de pro- blemas, e o seu principal objetivo é o conhecimento dessa experiência subjetiva global. Seus métodos de pesquisa pautam-se na introspec- ção informal, além dos métodos objetivos, aplicados principalmente em pessoas, apesar de já terem ocorrido investigações com chipanzés (DAVIDOFF, 2004). Schultz e Schultz (1998) ponderam que a psicologia americana tem considerado, em geral, os princípios teóricos da gestalt como acrésci- mos interessantes e potencialmente úteis a outros sistemas teóricos, mas não os toma como um sistema próprio, apenas os considera pro- veitosos na explicação de alguns processos psicológicos. Apesar disso, a gestalt continua estimulando pesquisas para aprimorar seus concei- tos, especialmente no estudo da percepção, do pensamento, da apren- dizagem, da personalidade, das psicologias social e da motivação. De maneira aplicada à psicologia organizacional, Chiavenato (2011) aponta que uma estrutura é mais do que a soma de seus dispositivos e com- ponentes, pois, por mais importante que um componente de uma es- trutura seja para determinada organização, os aspectos da estrutura é que se sobressaem. Com seus princípios e na condição de escola, a gestalt marcou a história da psicologia moderna, uma vez que se contrapôs ao redu- cionismo da psicologia experimental e do behaviorismo, trazendo à luz aspectos importantes sobre o processamento perceptivo e cog- nitivo. Além disso, a gestalt contribuiu com outras áreas do conhe- cimento e forneceu bases que influenciaram, mais recentemente, o desenvolvimento da psicologia cognitiva, especialmente no que se refere à percepção, aprendizagem e memória. 1.3.3 Psicanálise A psicanálise teve, desde seu início até hoje, grande impacto na psi- cologia moderna, na história e em muitos aspectos da cultura ociden- tal. Em termos cronológicos, foi contemporânea das outras principais escolas da Psicologia. Sigmund Freud, pai da psicanálise, publicou seu primeiro livro em 1895, sendo considerado uma das pessoas que alcan- çou maior destaque na humanidade. Para saber mais sobre essa escola psicológica, sugerimos a leitura do livro Isto é gestalt, que se trata de uma coletâ- nea de artigos com os principais conceitos e a descrição de todas as leis da gestalt. STEVENS, J. São Paulo: Summus Editorial, 1997. Livro Psicologia Geral 23 O conceito mais importante da teoria da psicanálise freudiana é o inconsciente. Além de ter sido a primeira teoria a estudar o incons- ciente humano, sem dúvida, foi a que o sistematizou com maior pro- fundidade. Esse conceito rompeu com a ideia de que o ser humano opera exclusivamente de modo racional e consciente. Segundo Shaffer (2005), Freud desafiou as noções predominantes sobre a natureza hu- mana ao propor que o ser humano é movido por conflitos e motivos inconscientes, e que nossa personalidade resulta das primeiras expe- riências da vida. Davidoff (2004) aponta que a psicanálise se diferencia das outras escolas da Psicologia por não ter pretensão de influenciar a psicologia acadêmica como as demais; inclusive, ela nasceu com o tratamento dos sofrimentos psíquicos, ou seja, da prática clínica. Com isso, a investi- gação psicanalítica alcançou uma vasta teorização sobre o desenvolvi- mento infantil, a personalidade e as psicopatologias. O maior objetivo da psicanálise é terapêutico, no sentido de preten- der melhorar a qualidade de vida e aumentar o bem-estar das pessoas que a buscam. Contudo, o sistema teórico desenvolvido por ela é tão significativo que os psicanalistas, ao longo do tempo, foram ampliando a atuação da psicanálise para além dos consultórios, o que proporcionou uma articulação entre a psicanálise e todas as outras áreas do conhe- cimento que se ocupam, de alguma forma, do ser humano. Educação, Administração, Medicina, Psiquiatria, História, Filosofia, Antropologia, Sociologia, Arte, entre outras, são áreas que dialogam com a Psicanálise. Com relação ao ensino, Morgado (2000), na sua obra sobre as contri- buições de Freud para a educação, afirma que a relação travada pelo alu- no com o saber elaborado é precedida da sua relação com o professor e isso envolve,necessariamente, além da dimensão cognitiva, a dimensão emocional e afetiva do processo pedagógico. Então, quando pensamos nas contribuições da psicanálise para a educação, certamente a maior delas é considerar que os processos inconscientes subjetivos também participam e interferem nos processos do trabalho pedagógico. Os psicanalistas acreditam que o relacionamento da criança com seus pais é muito importante, porque essa relação primordial marca a origem de todas as outras relações que o sujeito vai ter na vida, logo, há um grande investimento afetivo. A transferência é o conceito que se refere à operação psicológica inconsciente por meio da qual os refe- ridos afetos da relação original são trazidos para relação atual. Uma obra interessante e muito acessível sobre os principais conceitos da Psicanálise freudiana é Freud: para entender de uma vez. Nela você encontrará explicações didáticas e simplificadas, favorecendo a construção de uma ideia acerca da psicanálise. CARVALHO, A. São Paulo: Abril, 2017. Livro 24 Psicologia geral e do desenvolvimento A psicanálise desenvolveu uma ampla gama de conceitos (como identificação, pulsões, narcisismo) que explicam os fenômenos psíqui- cos (sintomas, ansiedade, atos falhos, sonhos, chistes, mecanismos de defesa psíquica, agressividade etc.) de modo a propiciar uma com- preensão sobre os sentimentos, os pensamentos, os comportamentos, as relações interpessoais e os fenômenos de grupo, contribuindo para a leitura do humano como um ser singular, mas também social. Essa escola integra as forças biológicas às psíquicas e sociais de maneira complexa, embora seja muito popular. Nessa perspectiva, talvez por- que as pessoas se reconheçam na sua teoria, ela seja tão elucidativa. De modo geral, a teoria freudiana se mantém como campo de estu- do e de atuação e, ao longo do seu percurso, também se tornou base para desenvolvimento de outras linhas terapêuticas dentro da Psicolo- gia. Isso posto, de acordo com Schultz e Schultz (1998), concluímos que a admissão do inconsciente na Psicologia é um legado incontestável da obra de Freud. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, pudemos conhecer um pouco a trajetória da Psicologia e como ela se instituiu como ciência. Vimos que o ser humano sempre se sentiu intrigado e buscou compreender a vida psíquica. Então, é muito co- mum que as pessoas busquem essa compreensão, ainda que, por vezes, não percorram os caminhos da psicologia científica e encontrem explica- ções no senso comum sobre sua personalidade, além de aconselhamen- tos nas mais variadas fontes disponíveis, como o misticismo, a religião e a astrologia. A Psicologia como ciência teve seu processo de construção cientí- fica e já conseguiu descobrir muito sobre o ser humano e seu psiquis- mo. Para tanto, muitos estudiosos levantaram hipóteses e, por meio de métodos científicos, puderam criar teorias que se sustentam e benefi- ciam a sociedade. Como vimos, a Psicologia teve muitos avanços e muitas áreas emer- giram desde seu início, ocupando-se do estudo do ser humano como ser biopsicossocial. Nesse sentido, é fundamental entendermos que tentar fragmentar o sujeito é um grande erro, bem como buscar com- preendê-lo sem considerar a trama que o humaniza. Portanto é pre- ciso sempre termos em mente que o homem é um ser biológico, mas também relacional, social e histórico. Psicologia Geral 25 A Psicologia não é única, pois apresenta uma multiplicidade de objetos de estudo e, ao longo de sua história, produziu alguns sistemas teóricos importantes, sendo o behaviorismo, a gestalt e a psicanálise as suas três principais escolas. Cada uma possui suas especificidades e todas fizeram contribuições relevantes, de modo que hoje a Psicologia é uma das disci- plinas mais importantes das Ciências Humanas, pois dialoga com muitas áreas do conhecimento, tanto de maneira teórica quanto aplicada. ATIVIDADES 1. Descreva as origens da psicologia clínica e da psicologia científica. 2. Discorra sobre o objeto de estudo da Psicologia e suas implicações. 3. Quais são as três principais escolas da Psicologia e qual é a contribuição de cada uma delas? REFERÊNCIAS BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Cortez, 2001. CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 8. ed. São Paulo: Campus, 2011. DAVIDOFF, L. Introdução à Psicologia. São Paulo: Pearson, 2004. FALCÃO, G. M. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1984. JAPIASSU, H. A Psicologia dos psicólogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1983. MORGADO, M. A. Contribuições de Freud para a educação. In: PLACCO, V. N. de. S. Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000. REGATO, V. C. Psicologia nas organizações. Rio de Janeiro: Rio, 2005. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 1998. SHAFFER, D. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2005. 26 Psicologia geral e do desenvolvimento 2 Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos Neste capítulo, estudaremos a Psicologia do Desenvolvimento, suas principais teorias e seus métodos científicos. Partiremos da questão: o que é desenvolvimento? Pois entendemos que é fun- damental ter clareza sobre o conceito de desenvolvimento para, assim, avançarmos na compreensão das correntes filosóficas que foram importantes para o percurso desse campo de estudo. Vamos, então, realizar uma incursão sobre o tema do desenvolvi- mento humano na perspectiva da história e, desse modo, adentrar- mos nas principais teorias sobre o tema, descobrindo a importância e as contribuições de cada uma delas para as concepções que nor- teiam a área da Psicologia do Desenvolvimento atualmente. As principais teorias que contribuíram para a Psicologia do Desenvolvimento que vamos conhecer neste capítulo são: a Teoria de Freud, a Teoria de Wallon, a Teoria de Piaget e a Teoria de Vygotsky. 2.1 O que é desenvolvimento? Vídeo O desenvolvimento como fenômeno é objeto de estudo de várias áreas do conhecimento: Biologia, Sociologia, Antropologia, Educação, Medicina, História, entre outras, por isso a ciência do desenvolvimento pode ser considerada multidisciplinar, ainda que a Psicologia do De- senvolvimento seja a disciplina que mais amplamente se ocupou em desvelar o desenvolvimento humano. O desenvolvimento pode ser tomado como o processo que conduz o ciclo de vida, desde a concepção biológica (fecundação) até a morte; o qual, enquanto processo, refere-se às continuidades sistemáticas e Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 27 mudanças no indivíduo que ocorrem durante todo período da sua vida (SHAFFER, 2005). Quando assinalamos as mudanças como sistemáticas, estamos esclarecendo que se tratam de mudanças ordenadas, sequenciais, pa- dronizadas e que implicam uma continuidade, ou seja, uma evolução. Essa concepção de desenvolvimento inclui, além da dimensão biológi- ca, a dimensão psicológica e a dimensão social do ser humano, em uma perspectiva integral dele. É importante entender que, nessa perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento, há uma interdependência indissociável entre o orgânico, o psíquico e o social. O sujeito se constitui como um ser biopsicossocial, de maneira articulada, entre a maturação, o crescimen- to, o desenvolvimento, a subjetividade e a aprendizagem. A Psicologia do Desenvolvimento estuda e produz conhecimento articulando o ciclo biológico do ser humano – desenvolvimento em- brionário, feto, nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte – com o desenvolvimento psicológico e socioambiental. O de- senvolvimento ocorre com a articulação de todas essas dimensões da existência humana. Sua separação para estudo é meramente didática, uma vez que essas dimensões incidem sobre o sujeito de maneira si- multânea e interligada. Embora alguns pesquisadores se ocupem com tópicos particularesdo desenvolvimento humano, por exemplo, o desenvolvimento físico, cognitivo ou moral, o desenvolvimento não pode ser fragmentado em virtude de suas características. Shaffer (2005) afirma que os seres hu- manos são, ao mesmo tempo, criaturas físicas, cognitivas, sociais e emo- cionais; cada um desses componentes do “eu” depende parcialmente das mudanças que ocorrem em outras áreas do desenvolvimento. Com base nessa premissa, podemos apresentar os elementos des- tacados por Mariotto (2018), os quais, além de serem interdependentes, são diferentes entre si, pois compreendem características específicas. Os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem acompanharão to- dos esses elementos. O primeiro elemento versa sobre a noção de maturação, ligada à fisiologia e ao avanço das estruturas nervosas. Essa evolução possibili- ta que haja instalação de funções e aquisição de habilidades, contudo é 28 Psicologia geral e do desenvolvimento importante entendermos que a maturação por si só não garante essas aquisições. Um exemplo disso é a fala, pois, para desenvolver a habili- dade de falar, os seres humanos necessitam de um aparato fisiológico fonador. Entretanto, a presença desse aparato não garante que o ser humano fale por si só, ele precisa, também, de condições relacionais e ambientais, ou seja, é necessário que alguém fale com ele. Enquanto o aparelho fonador não está maduro, a criança ainda não pode falar, embora se fale muito com ela. Desse modo, a maturação oferece con- dições para que haja o desenvolvimento e a aprendizagem. O segundo elemento compreende a noção de crescimento. O cres- cimento, assim como a maturação, diz respeito à dimensão fisiológica e à evolução corporal no sentido das medidas e proporções. Além dis- so, essa noção está relacionada às aquisições funcionais característi- cas de cada idade, por exemplo, as funções sexuais e reprodutivas. O terceiro elemento é o desenvolvimento, que representa a ca- pacidade adaptativa. Essa expressão adaptativa ao meio e ao mundo social se apoia nos recursos conquistados na maturação. Isso só é pos- sível em função das conquistas das habilidades físicas e mentais. O de- senvolvimento engloba os processos da personalidade e a aptidão para dar significação às experiências e às interpretações sobre seu entorno. O quarto elemento é a subjetividade. A formação da subjetividade está relacionada à incursão do ser humano no mundo simbólico da lin- guagem, pois é nesse momento que a criança se situa em determinada cultura e em uma identidade particular. Uma reflexão que nos ajuda na compreensão desse processo é o fato de antes de nascermos já sermos inseridos socialmente. Pense na se- guinte afirmativa: quando um bebê nasce, ele é imediatamente inserido em uma ordem simbólica da humanidade. Desde o nosso nascimento e por todo percurso de nossa vida, nos relacionamos socialmente com pessoas, grupos, bem como com contextos históricos e culturais. Segundo Barbosa (2009, p. 47): o contexto simbólico (social, histórico e cultural), portanto, é o que insere a existência de um ser na humanidade. É repre- sentado pela língua materna, pelo nome que é escolhido para designá-lo e pela a história sobre sua origem (data e lugar de nas- cimento, filiação), os quais são referências essenciais para que Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 29 se desenvolva o sentimento de pertença e segurança, a partir de algo que se torna sempre familiar, sua identidade. A maturação, o crescimento e, particularmente, o desenvolvimento dependem dos processos de formação da vida psíquica e são profun- damente sensíveis a eles. É importante ressaltar que todos esses pro- cessos estão condicionados pelos adultos que interagem com a criança, inicialmente por meio da relação entre mãe e filho. À figura materna pode ser aqui considerada uma função: sempre que nos referirmos a ela, estamos nomeando uma função que pode ser exercida pela mãe ou por outra pessoa que realize os cuidados próprios da maternagem. A constituição do sujeito ocorre na troca relacional e primitiva com a função da maternagem; ela ocorre por meio de identificações e pela transmissão de significações afetivas, morais, entre outras. O fato de sermos filhos de seres humanos não garante nossa huma- nização. Precisamos ter uma história e memórias que constituem um repertório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida. Nesse sentido, as variáveis da formação de nossa subjetividade não dependem somente de nós mesmos e de nossos dotes inatos quando crianças. Elas dependem especialmente de um humano adulto, com quem nos relacionamos e que cuida de nós em um processo complexo de enlaces subjetivos e simbólicos, que institui bases e recursos para o desenvolvimento de novos processos interpessoais. Esses processos se atualizam e se ampliam pelo resto da vida em todos os grupos e experiências sociais. Para compreendermos as dimensões do sujeito, vale reforçar o que Sève (1979) citado por Jacques (1998) expõe: o ser humano em todas as suas dimensões se forma a partir de um suporte biológico que lhe viabiliza possibilidades (próprias da espécie Homo Sapiens Sapiens) ao mesmo tempo que sustenta condições particulares de realidade (pró- prias de sua carga genética). Existem propriedades na forma do ser humano se relacionar que foram desenvolvidas ao longo da história da humanidade. Essas pro- priedades aparecem objetivadas nas relações sociais porque ajuda- ram a adaptar o ser humano e deixá-lo apto a viver e isso inclui o laço com o outro. O livro A criança em desenvolvimento é uma obra importante para compreensão dos processos maturacionais e de desenvolvimento. Organizado de maneira didática, o livro facilita a visualização das sequên- cias do desenvolvimento pelo leitor por meio de gráficos e sobre a perspectiva de diversos aspectos que integram o processo de aquisições e etapas pelas quais o ser humano passa. BEE, H.; BOYD, D. Porto Alegre: Artmed, 2011. Livro 30 Psicologia geral e do desenvolvimento 2.1.1 Correntes filosóficas do desenvolvimento Agora que já sabemos o que é desenvolvimento, como ele é estu- dado e quais são as premissas fundamentais para sua compreensão, abordaremos as três principais correntes filosóficas: a corrente inatis- ta, a corrente ambientalista e a corrente sócio-histórica. Para iniciar, lançaremos uma questão: o que você acha que deter- mina as características de uma pessoa, a determinação de sua genética ou a determinação do seu meio? Muitos filósofos também se perguntaram sobre essa questão e ten- taram respondê-la por meio de suas teorias, que configuraram tais cor- rentes do pensamento. Essas correntes filosóficas são anteriores ao estabelecimento da Psicologia como ciência independente da filosofia e elas basearam o conhecimento sobre o desenvolvimento. A importância em conhecê-las está na conscientização de que, mesmo com todo o desdobramento da ciência ao longo de séculos, é possível localizar cada uma delas, seja como influenciadora de teorias mais contemporâneas, seja no senso comum. As correntes filosóficas do desenvolvimento podem ser com- preendidas como um conjunto de concepções que sustentou deter- minada forma de interpretar como o desenvolvimento se efetiva no ser humano. A corrente inatista ou nativista caracteriza-se por privilegiar a dimensão biológica, ou seja, a herança genética na determinação das características e capacidades humanas. Essa ideia se desenvolve da seguinte forma: o ser humano, segundo essa concepção, nasce com todas as características definidas por meio de sua carga genética. Elas estariam presentes, desde sempre, como potência e se manifestariam naturalmente quando o ser humano adquire a maturidade própria de cada fase. As habilidades que cada ser humano viria a desenvolver seriam uma consequência da referida disposição genética e não sofreriam interfe- rências do meio, das experiências e nem mesmo da cultura na qual ele estáinserido. Isso porque o desenvolvimento é entendido como um processo interno. Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 31 Os principais filósofos que representam essa abordagem são: René Descartes (1596-1650), Baruch Espinoza (1632-1677) e Immanuel Kant (1724-1804). São filósofos racionalistas, ou seja, consideram a razão e desconsideram a experiência. A corrente ambientalista caracteriza-se por privilegiar a dimensão ambiental, ou seja, as características e capacidades humanas seriam determinadas pelas experiências que se estabelecem no meio, sendo que, para essa abordagem, a herança genética não teria influência nes- se processo. Todo desenvolvimento de habilidades dependeria dos estímulos, oportunidades e relações com o meio. O entorno da pessoa seria res- ponsável por propiciar o desenvolvimento. Os filósofos Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e Auguste Comte (1798-1857) foram os principais pensadores que sus- tentaram essa abordagem, que é fundamentada nas ideias empiristas e positivistas, teorias que valorizam a construção de conhecimento por meio da experiência. Por sua vez, a corrente sócio-histórica caracteriza-se por eleger a dimensão sócio-histórica como principal determinante no processo de desenvolvimento humano, ou seja, as características e habilidades se estabeleceriam a partir de uma transformação mútua entre o sujeito e o seu meio. Essa corrente de pensamento não desconsidera a determinação biológica, nem a determinação do meio, mas acredita que o ser huma- no se desenvolve nessa interação entre ambas as dimensões e entende a importância da bagagem histórica e social em todo o processo. Os filósofos Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e Karl Marx (1818-1883) são representantes dessa corrente filosófica que se baseia nos princípios da dialética hegeliana e do materialismo dialético, prin- cípios que têm como alicerce a ideia de que o organismo interage de modo inter-relacional com o ambiente. Depois de termos apresentado as três correntes filosóficas que influenciaram e ainda influenciam as concepções acerca do desen- volvimento humano, podemos retomar a questão proposta no início desta seção e para respondê-la nos apoiaremos em Davidoff (2001, p. 51): “há séculos os cientistas vêm debatendo se a mais poderosa 32 Psicologia geral e do desenvolvimento influência sobre o desenvolvimento das características específicas é a hereditariedade ou o ambiente”, e o que podemos entender até hoje sobre essa questão é que as dimensões biológicas e as dimen- sões ambientais e sociais são igualmente importantes e determinam o desenvolvimento humano. Desde que chegou a solução de considerar a hereditariedade e o meio como influentes no desenvolvimento humano, os estudos pude- ram se voltar para a busca da compreensão sobre como se dá a intera- ção entre essas duas instâncias. Nesse sentido, o interacionismo ganha espaço e sustenta que o desenvolvimento humano não pode ser explicado tomando por base fatores genéticos ou fatores ambientais de maneira isolada. 2.1.2 Desenvolvimento humano na perspectiva histórica A perspectiva histórica sobre uma disciplina é sempre interessante, pois é por meio da história que podemos entendê-la melhor. É per- tinente, por exemplo, saber que a Psicologia do Desenvolvimento se institui em um contexto histórico no qual a infância e a adolescência passaram a ser vistas como momentos especiais da vida do ser huma- no, valorização relativamente recente. Foi somente a partir dos séculos XVII e XVIII que pareceu haver o início de uma preocupação com as crianças e sua educação, e isso tem relação com o percurso do pensamento da filosofia social em relação às questões sobre o desenvolvimento. Shaffer (2005) explica que, dos debates teóricos que se estabelece- ram, podemos destacar três doutrinas: 1 Doutrina do pecado original, de Thomas Hobbes (1588-1679): doutrina baseada na ideia de que a natureza das crianças é egoísta, por isso precisam ser contidas socialmente, além de ensinadas a endereçar seus interesses egoístas para finalidades socialmente mais adequadas. 2 Doutrina da pureza inata, de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778): nessa doutrina, o fundamento é de que as crianças são essencialmente boas, que elas têm um senso intuitivo sobre o certo e errado, porém são corrompidas pela sociedade. (Continua) A obra Pontos de psicologia do desenvolvimento é uma leitura leve, que além de ex- plicar conceitos acerca do desenvolvimento, aborda questões sobre hereditarie- dade versus ambiente nos processos de desenvolvi- mento. Essa leitura é muito interessante por abordar a maturação na sua relação com a aprendizagem, além de apontar reflexões em termos de estimulação ambiental. BARROS, C. S. G. São Paulo: Ática, 2000. Livro Nem sempre a infância e a adolescência foram instituídas da forma como as conhecemos, como demonstra Philippe Ariés na sua obra História Social da Criança e da Família, cuja leitura é recomendada para quem deseja saber mais sobre o processo cultural que favoreceu o percurso da Psicologia do Desenvolvimento. Essa obra é uma grande referência e demonstra como a infância e a adolescência não se limitam às questões bio- lógicas, mas têm um lugar social construído. Alcançar tal entendimento nos ajuda a contextualizar os fatores que se inter-relacionam, pois é impossível com- preender o ser humano sem o considerar como sujeito histórico. ARIÉS, P. Rio de Janeiro: LTC, 2018. Livro Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 33 3 Doutrina da tábula rasa, de John Locke: os princípios dessa doutrina são de que a criança é como uma “tábula rasa”, uma “lousa em branco”, ou seja, que todas as características, habilidades, conhecimentos, motivações e comportamentos das crianças, são aquisições resultantes das experiências. Assim, não seriam naturalmente nem boas, nem más. É importante refletir sobre essas doutrinas porque elas localizam historicamente o início das considerações sobre a importância da edu- cação, além da noção de desenvolvimento, já que a preocupação com as crianças tem a ver com o adulto que elas viriam a se tornar. É possível perceber também que as teorias filosóficas eram fruto da observação, dedução, interpretação e construção de uma lógica, mas que não tinham base científica. Enquanto a Psicologia do Desenvolvi- mento propriamente dita nasce de estudos sistematizados e que aten- dem a critérios científicos apenas no final do século XIX. O americano Granville Stanley Hall (1846-1924) é considerado o fundador da Psicologia do Desenvolvimento por ter sido o primeiro pesquisador que realizou uma investigação científica em grande escala sobre o desenvolvimento (SHAFFER, 2005). A partir daí, a Psicologia do Desenvolvimento passou a produzir pes- quisas, estudos e teorias que resultaram em várias contribuições que ampliaram a compreensão sobre os processos implicados no desen- volvimento. Podemos destacar o neurologista austríaco Sigmund Freud que revolucionou o pensamento sobre a criança e a infância, como de- talharemos ainda neste capítulo. Já no século XX, em meados da década de 1960, a Psicologia do De- senvolvimento é influenciada pelo Behaviorismo e ainda temos a teo- rização do francês Jean Piaget (1896-1980) sobre o desenvolvimento do pensamento infantil (BIAGGIO; MONTEIRO, 1998). Ela se ampliou de modo que não tem mais como objeto de estudo apenas a infância e a adolescência, mas todo o ciclo de vida desde o início intrauterino até a morte. A disciplina se ampliou também no sentido interdisciplinar, o que favoreceu considerar em seu estudo o sujeito de uma forma in- tegral, como ser biopsicossocial, o que implica articular a fisiologia, a afetividade, a cognição, a personalidade, a dimensão histórica e social do ser humano. 34 Psicologia geral e do desenvolvimento 2.2 Métodos de pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento Vídeo Vimos que a Psicologia do Desenvolvimento se instituiue passou a empregar o método científico. Então, os estudiosos passaram a usar dados, na sua maioria objetivos, para determinar a factibilidade das teorias que produzem, pois, para ser considerada, a pesquisa precisa atender a critérios de validade e confiabilidade. Para isso, seu método precisa chegar a resultados sólidos, replicáveis e que reflitam com pre- cisão o que se pretendia medir. De acordo com Shaffer (2005), entre os métodos de coleta de da- dos utilizados pelos pesquisadores do desenvolvimento humano, estão as metodologias observacionais, no caso de crianças e de ado- lescentes, os autorrelatos, os estudos de caso, a etnografia e os mé- todos psicofisiológicos. • Metodologias observacionais: são realizadas de duas formas: observações entrevistas semiestruturadas naturalistas (no am- biente natural das crianças e adolescentes) e observações estru- turadas (em laboratórios). • Autorrelatos: englobam entrevistas estruturadas, as entrevistas semiestruturadas, questionários estruturados e o método clínico. • Estudos de caso: são realizados por meio de entrevistas, obser- vações, testes e informações de fontes confiáveis, como pais e professores. • Etnografia: é quando o investigador se torna um observador participante, que se insere no contexto dos observados, faz re- gistros, realiza conversas e constrói um panorama a respeito dos dados. • Métodos psicofisiológicos: investigam a relação entre as res- postas fisiológicas e os comportamentos. Geralmente revelam as bases fisiológicas do comportamento (percepção, cognição e emoção). Nesses estudos há duas considerações importantes a serem des- tacadas: a primeira diz respeito à relativização cultural, ou seja, há de se considerar as diferenças culturais, pois a comparação intercultural promove a identificação dos fenômenos universais que independem No livro Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças, o autor Juan Delval fundamenta sua produção na teoria piage- tiana. Além disso, encon- tramos nessa obra a des- crição do método clínico, de forma a favorecer a compreensão de como se realiza uma investigação sobre o desenvolvimento humano com crianças de maneira respeitosa, ética e extremamente eficaz na compreensão sobre os processos de pensamento. DELVAL, J. Porto Alegre: Artmed, 2004. Livro Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 35 da cultura e, ao mesmo tempo, identifica aspectos ligados ao contexto cultural. Outra consideração referente ao cuidado ético das pesquisas, que deve respeitar o consentimento livre esclarecido sobre a partici- pação das pessoas, além de se preocupar com a confidencialidade e a proteção, para que ninguém seja submetido a riscos. 2.3 Teorias do Desenvolvimento Humano Vídeo A Psicologia do Desenvolvimento Humano produziu muitas teorias em seu percurso, cujo objetivo é compreender o ciclo da vida, suas eta- pas e suas características. Seu legado inclui a localização dos aspectos universais, que invaria- velmente se manifestam em todos os seres da mesma espécie, além dos aspectos particulares e da influência das interações. Passemos agora as principais teorias, cujas contribuições promove- ram avanços importantes na ciência em questão e forneceram conhe- cimentos úteis para a prática da psicologia, da educação e intervenções preventivas para o desenvolvimento saudável. 2.3.1 Teoria de Freud O impacto da teoria freudiana na história é unânime, isso porque Sigmund Freud criou uma nova forma de compreender o ser humano ao estabelecer que o sujeito opera também por meio da instância psí- quica do inconsciente, além da racionalidade consciente reconhecida por todos. Ou seja, há motivações e conflitos ativos no ser humano, manifestos na forma de se comportar e até mesmo pensar, que perma- necem inconscientes no seu psiquismo. A teoria que Freud construiu a partir da existência do inconsciente, chamada psicanálise, é extensa e complexa. Por isso, nesse momento, focaremos a parte da teoria psicanalítica que se relaciona com a Psico- logia do Desenvolvimento. Ao teorizar sobre várias questões referentes à vida psíquica, Freud descobriu que as experiências infantis dos primeiros anos de vida são fundamentais na construção da personalidade. Assim, definiu as etapas do desenvolvimento psicossexual da criança e, antes de explicarmos cada uma dessas etapas, é importante considerar alguns pressupostos importantes para justa compreensão. 36 Psicologia geral e do desenvolvimento Por vezes, os termos utilizados pela psicanálise são tomados de maneira equivocada. Quando Freud utiliza o termo sexualidade, não se refere a atos sexuais, pois atos sexuais só são instituídos, tais como na vida adulta, quando já ocorreu toda maturação física e psíquica do su- jeito. A sexualidade infantil é de outra ordem e passa por um percurso de desenvolvimento até alcançar a sexualidade adulta, essa sim, ligada às funções de reprodução e prazer. Outro pressuposto é entender que as etapas do desenvolvimento psicossexual de Freud possuem relação com a fisiologia, ou seja, elas se dão de forma inter-relacionada, assim como são as primeiras formas de estabelecer relações com o mundo. Vejamos: Etapas do desenvolvimento psicossexual • Fase oral (nascimento a 1 ano): relaciona-se fisiologicamente com a necessidade de alimentação, mas, para além dela, o bebê busca relacionar-se com o mundo por meio da boca, explora os objetos e até experiências com o próprio corpo. É a famosa fase que os bebês colocam tudo na boca e há um grande prazer em sugar, mastigar e morder. A atividade oral se institui nessa fase e se atualiza por toda a vida, no falar, no comer, fumar etc. • Fase anal (1 a 3 anos): relaciona-se fisiologicamente com o controle esfincteriano, ou seja, é o momento da retirada das fraldas, um momento em que a criança e a pessoa que encarna a função materna estão voltadas para as atividades de micção e evacuação. O treino para o controle e a realização da evacuação no vaso ou no penico é algo socialmente valorizado, logo as fezes ganham estatuto de “produção”, de “presente” esperado pela função materna. A atividade anal se institui nessa fase e se atualiza por toda a vida, no produzir, nas trocas com as outras pessoas, na maneira de gastar ou economizar o dinheiro etc. • Fase fálica (3 a 6 anos): coincide com a descoberta por parte da criança das áreas genitais e da distinção anatômica entre os sexos. A curiosidade e o interesse sobre as áreas genitais causam sua exploração e consequente excitação. Nesse momento, inicia-se o estabelecimento das identificações a um sexo, a ideia sobre os papéis sexuais e padrões morais. • Fase de latência (6 a 11 anos): a sexualidade fica latente e sua energia é transformada em interesse intelectual, desejo de aprender, jogos e socialização. É quando surgem sentimentos sociais de pudor, vergonha, nojo e repugnância. • Fase genital (12 anos em diante): passada a fase de latência, a puberdade reativa as pulsões sexuais, e a identificação de gênero já está concluída, de modo que se inicia o interesse em namorar e manifestações socialmente aceitas da sexualidade. Para saber mais sobre as teorias freudianas indica- mos o texto do próprio Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. É uma oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o desenvolvimento psicossexual segundo Freud e “beber na fonte” ou seja, através do pró- prio autor. FREUD, S. Edição standart brasileira das obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2019. Livro Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 37 É importante entendermos os princípios dessa teoria, nos quais uma parte do corpo é inicialmente ligada a uma necessidade, cum- pre uma função, e, na relação com o mundo, passa a apoiar o de- senvolvimento de outra função psíquica, que, em consequência, transforma-se em social. 2.3.2 Teoria de Wallon Vamos conhecer um pouco mais sobre a teoria de Henri Wallon cuja posiçãoé notadamente interacionista, ou seja, considera que o desen- volvimento se dá também em função das interações do sujeito com o meio, sem desconsiderar a fisiologia. A ideia principal da teoria psicogenética de Wallon é a dimensão afetiva tanto na construção da pessoa quanto do conhecimento. As pri- meiras manifestações afetivas são consideradas por essa teoria como sendo primariamente fisiológicas, mas é com base nelas que se desen- volve o psiquismo. Ou seja, a afetividade não é apenas um elemento, mas é o que funda o bebê psiquicamente, pois é ela que marca a entrada na subjetividade. A inteligência e a afetividade estão ligadas e no início a afetividade é predominante. A evolução se dá de modo interdependente entre a afetividade e a inteligência, as dimensões incorporam conquistas uma da outra. Um exemplo disso é a linguagem que deriva da construção simbólica rea- lizada pela inteligência, e que passa a ser ponte de relação, portanto, a vinculação afetiva. Além da interligação entre inteligência e afetividade, a teoria de Wallon valoriza a interligação entre o individual e o social. Separar o homem da sociedade, ou seja, opor, como é frequente, o indivíduo à sociedade, é absurdo porque a sociedade é para o homem uma necessidade, uma realidade orgânica. Não que a sociedade já esteja organizada em seu organismo, mas o inverso é da sociedade que o indivíduo recebe suas determinações que são um complemento ne- cessário, por isso o sujeito tende para a vida social como para seu estado de equilíbrio (WALLON, 1995). Segundo Abigail Mahoney (2000), que é uma grande estudiosa da teoria de Wallon, um ponto muito importante da sua teoria é que ela 38 Psicologia geral e do desenvolvimento apreendeu, descreveu e explicou a relação natural, necessária, vital en- tre a criança e seu meio. Essa é uma relação evolutiva, que vai mudan- do com a idade conforme as necessidades da criança, reveladas em suas atividades, interesses e conforme os recursos que encontra ao seu alcance para satisfazê-la. Nessa teoria, as etapas da maturação biológica são fixadas de maneira relativamente estável, e as variáveis são os recursos que dependem das condições do entorno da criança e diante dos quais a criança reage. Estágios do desenvolvimento descritos por Wallon: 1. Estágio impulsivo-emocional (nascimento a 1 ano de vida): caracteriza-se por ser um momento cuja predominância é afetiva, e as emoções podem ser consideradas como recursos de interação com o meio. A motricidade ainda não se desenvolveu, então os movimentos das crianças são inicialmente descoordenados e sem intenções específicas e é justamente as respostas do meio a esses movimentos que vão organizando a desordem gestual inicial de modo que a criança passe então às emoções distintas. 2. Estágio sensório-motor (1 a 3 anos): caracteriza-se por ser um momento cuja predominância é a inteligência, e o mundo externo influi de modo privilegiado sob os fenômenos cognitivos. A inteligência, nesse fase, pode ser alcançada por meio da interação do corpo com os objetos (inteligência prática) e por meio da imitação e da apropriação da linguagem (inteligência discursiva). Assim, há uma relação entre os atos motores e o pensamento, ou seja, os movimentos são efeito do pensamento. 3. Estágio do personalismo (3 a 6 anos): nesse momento, a criança está dividida entre um desejo intenso de autonomia e seu vínculo profundo com a família. Assim, ao participar da escola de uma comunidade com outras crianças, há certo abrandamento do vínculo com a família, o que favorece alguns ensaios de autonomia. Por exemplo, fazer escolhas de livros, de amigos, de jogos, brincadeiras, da forma de realizar atividades, discordar do colega, fazer recusas etc. 4. Estágio categorial (dos 6 aos 11 anos): o desejo, nessa fase, é de satisfazer a curiosidade de conhecer e explorar o mundo. Podemos identificar que é uma fase de muitas perguntas, muita vontade de manusear os objetos, desmembrá-los, reconstruí-los, Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 39 há um interesse pelos livros e por discuti-los. Os vínculos com as pessoas significativas continuam muito importantes. 5. Estágio puberdade e adolescência (dos 12 aos 14 anos): o conflito maior é em relação a como manter o vínculo afetivo com as pessoas significativas enquanto explora o mundo real por meio de suas próprias experiências, vivenciando atitudes e comportamentos, tendo muitos sentimentos ambivalentes. Seu movimento é na direção do novo, seja real ou imaginário. Para satisfazer seu desejo de aventura, busca apoio de seus pares, dos amigos do grupo. Precisa elaborar e quer entender sua sexualidade, suas inquietações e suas aspirações. É preciso interpretar esses comportamentos como indicadores de uma identidade própria, diferenciada, e de abertura de caminhos possíveis para a vida adulta (MAHONEY, 2000). Concluímos que a teoria de Wallon é construída de modo a tomar o ser humano em desenvolvimento de maneira integral e tem a afetivida- de como principal elemento. 2.3.3 Teoria de Piaget Jean Piaget pode ser considerado o teórico que mais contribuiu para o entendimento do pensamento infantil. Influenciado por sua forma- ção em biologia, Piaget (1996) definiu a inteligência como sendo um processo básico da vida que auxilia o organismo em sua adaptação ao ambiente. Segundo sua teorização, ao amadurecer, as crianças adquirem es- truturas cognitivas mais complexas, fundamentais para sua adaptação no próprio ambiente. Assim, são as experiências físicas e as condições sociais que determinarão o acabamento daquilo que a maturação tor- na apenas possível, porque é o conhecimento das coisas que permite a adaptação, e esse conhecimento é construído pelo homem à medida que age sobre as coisas. Uma estrutura cognitiva que também foi denominada por Piaget como esquema é um padrão organizado de pensamentos ou ações usado para lidar com ou explicar algum aspecto da experiência. A assi- milação é o processo em que a criança interpreta novas experiências pela incorporação delas a seus esquemas já existentes. Desequilíbrios Para saber mais sobre a teoria de Wallon, indica- mos o texto A afetividade e a Construção do Sujeito na Psicogenética de Wallon. Nele, é possível entender como Wallon interpre- tou o desenvolvimento de forma centrada na afetividade. DANTAS, H. In: DE LA TAILLE, Y.; OLIVEIRA, M. K. de.; DANTAS, H. Piaget, Vygotsky, Wallon, Teorias Psicogenéticas em Discussão. São Paulo: Summus, 1992. Leitura 40 Psicologia geral e do desenvolvimento são desigualdades ou contradições entre os processos do pensamento e eventos ambientais. Em contraste, equilíbrio significa uma relação harmoniosa e balan- ceada entre as estruturas cognitivas e o ambiente de um indivíduo. Então, depois da experiência de não confirmação do seu esquema, a criança precisa se acomodar, o que significa alterar o esquema exis- tente de maneira a obter uma explicação, esse processo é a acomo- dação, no qual a criança modifica seus esquemas existentes de modo a incorporar ou adaptar novas experiências. Desse modo, as crianças curiosas, ativas e que interagem mais com o mundo externo certamen- te estão sempre formando novos esquemas e reorganizando o próprio conhecimento, ou seja, progredindo (SHAFFER, 2005). Piaget propôs quatro grandes estágios do desenvolvimento cogniti- vo (PELANGANA, 2001; SHAFFER, 2005): 1 Período sensório-motor (nascimento a 2 anos): os bebês se utilizam de suas capacidades motoras para explorar o ambiente. Entre as aquisições dessa fase está o início da distinção entre “eu” e o “outro”, a produção de imagens e esquemas mentais. 2 Período pré-operacional (2 a 7 anos): é através de simbolismos que as crianças representam e entendem o ambiente. É também a fase do egocentrismo e apresenta certa inflexibilidade no pensamento. 3 Período operacional concreto (7 a 11 ou 12 anos): já é possível o uso de operações cognitivas lógicas.
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