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1 NEMOEL ARAUJO NUTRIÇÃO CLINÍCA DOENÇAS HEPÁTICAS HEPATITE É qualquer inflamação do fígado. Pode ser causada por infecções (vírus e bactérias), álcool, medicamentos, drogas, doenças hereditárias (depósitos anormais de cobre e ferro) e doenças autoimunes. Hepatites virais: É uma inflamação disseminada do fígado, causada pelos vírus das hepatites A, B, C, D e E, que apresentam carac- terísticas epidemiológicas, clínicas e laboratoriais seme- lhantes, porém, com importantes particularidades. A e E Benignas e de transmissão fecal-oral. A evolução para a cura é regra B 5 a 10% dos indivíduos podem evoluir para as formas crônicas da doença C Mais importante causa de doença hepática crônica e a maior indicação de transplante de fígado D Só se manifesta na presença do vírus B. A evolução pode variar entre cura, cronicidade e casos fulminantes Hepatite fulminante: É a síndrome na qual a disfunção hepática grave é acom- panhada por encefalopatia hepática. Ausência de hepatopatia pré-existente e desenvolvimento de encefalopatia dentro de 8 semanas após o início da enfermidade Causas: hepatite viral, toxicidade química, malignidade disseminada, isquemia hepática, doença de Wilson Doenças hepáticas CRÔNICAS: A cirrose representa o produto final de uma agressão crô- nica do fígado, caracterizada do ponto de vista histológico pela presença de fibrose e formação nodular difusas, com desorganização da arquitetura do órgão Etiologia: METABÓLICAS: decorrentes de erros congênitos do metabolismo e acometem, preferencialmente, crianças ou adultos jovens. Nesse grupo estão incluídas: galacto- semia, tirosinemia, a doença de Wilson, hemocromatose. VIRAIS: ocasionados pelos vírus B e C da hepatite ALCOÓLICA: ocorre após período médio de 5 a 10 anos de ingestão de quantidade superior a 80g de etanol por dia para o homem e 60g para a mulher. INDUZIDA POR FÁRMACOS: por exemplo: metotrexato, isoniazida, oxifenisatina e -metildopa. AUTOIMUNE: Consequente à evolução da hepatite ou da colangite autoimune, caracteristicamente afetando mulheres em idade jovem ou na pós-menopausa, com fe- nômenos autoimunes concomitantes. BILIARES: é o processo final de patologias crônicas que acometem a árvore biliar com colangites de repetição. CRIPTOGÊNICAS: etiologia indeterminada (10 a 15%). 2 DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA: Pode apresentar-se em três formas diferentes: esteatose hepática, hepatite alcoólica aguda e cirrose alcoólica Esteatose hepática: É reversível com a abstinência alcoólica, mas se o abuso do álcool continuar, a cirrose pode se desenvolver Acúmulo de triglicerídeos no citoplasma celular Causas: ↑ na mobilização de AG do tecido adiposo ↑ na síntese hepática de AG ↓ na oxidação hepática de AG ↑ na produção de triglicerídeos (TG) Aprisionamento de TG no fígado Hepatite alcoólica: Caracterizada por hepatomegalia, ↑ transaminases, ↑ bi- lirrubina sérica e albumina normal ou diminuída Dor abdominal, Anorexia, Náuseas/vômitos/diarreia Fraqueza, Perda de massa corporal, Febre Cirrose alcoólica: Cirrose é a forma mais grave do dano hepático por abuso de álcool. A taxa de sobrevivência é de 60 a 70% após um ano e 35 a 50% até cinco anos de diagnóstico Os pacientes podem desenvolver sangramento gastroin- testinal, encefalopatia hepática, hipertensão portal, as- cite, edemas Hepatopatias colestáticas: Cirrose biliar primária (CBP) Doença colestática crônica causada por destruição pro- gressiva de ductos biliares intra-hepáticos de tamanhos pequenos e intermediários Progride lentamente, podendo resultar em cirrose, hiper- tensão portal e transplante hepático 90% dos pacientes são do sexo feminino Apresenta-se tipicamente com elevação moderada de en- zimas hepáticas com sintomas físicos de prurido e fadiga 3 - Colangite esclerosante: Inflamação fibrosante dos segmentos de ductos biliares intra-hepáticos, com ou sem envolvimento de ductos ex- tra-hepáticos Distúrbios hereditários: Hemocromatose Doença hereditária de sobrecarga do ferro Os pacientes absorvem ferro excessivamente através do intestino e podem armazenar de 20 a 40g de ferro com- parados com 0,3 a 0,8g em pessoas normais Hepatomegalia, varizes esofágicas, ascite, pigmentação da pele anormal, intolerância à glicose, complicação car- díaca, hipogonadismo, artropatia e carcinoma hepatoce- lular Doença de Wilson: Distúrbio autossômico recessivo associado à excreção bi- liar prejudicada de cobre Há acúmulo de cobre em vários tecidos, incluindo fígado, cérebro, córnea e rins São utilizados agentes quelantes de cobre e possivel- mente a suplementação com Zn (para inibir a absorção intestinal de cobre e ligação no fígado). UMA DIETA DE BAIXO TEOR DE COBRE É EXECU- TADA SE OUTRAS TERAPIAS NÃO OBTIVEREM SU- CESSO. Doença hepática gordurosa não-alcoólica (DHGNA): Inclui desde a esteatose hepática benigna até a esteato- hepatite não alcoólica (NASH) NÃO TRATADA Fibrose, cirrose e insuficiência hepatocelular Entre as causas mais frequentes de esteatose estão a he- patite pelo vírus C e a doença hepática alcoólica No entanto, atualmente, a causa mais frequente é a DHGNA Os casos de DHGNA, sempre após exclusão de doença hepática alcoólica e hepatite viral, são classificados em primários e secundários Primários: São observados em paciente obesos, diabéticos e hiper- lipêmicos Secundários: Doenças familiares, exposição a agentes ambientais, hi- potireoisdimo, etc. DHGNA x distúrbios metabólicos Obesidade central Desequilíbrio do metabolismo da insulina Dislipidemia Hipertensão e hiperglicemia Manifestação hepática da síndrome metabólica, as- sociada à ingestão excessiva de açúcar simples e gordura saturada Diagnóstico: USG que identifica infiltração lipídica nas células hepáti- cas Biópsia hepática 4 Hepatócitos aumentados e com grandes quantidades de lipídios acumulados no citossol Esteatose, inflamação lobular e presença de fibrose Quadro clínico: Pacientes assintomáticos ou que não desenvolvem sinto- mas específicos Desconforto abdominal e sensação dolorosa no qua- drante superior direito Obesidade e hepatomegalia Co-morbidades associadas: DM, dislipidemia e síndrome metabólica Tratamento: Para as causas secundárias, o tratamento da doença de base é obrigatório Mudanças do estilo de vida: atividade física e hábitos ali- mentares adequados Esses pacientes são, em sua maioria, sedentários e com ingestão proteico-calórica elevada, especialmente em gordura saturada e carboidratos Terapia nutricional – DHGNA: Até o momento, não existe uma dieta ou um guia que possa ser considerado ideal Dietas direcionadas para a síndrome metabólica Estimular o consumo de gorduras insaturadas e carboi- dratos de baixo índice glicêmico Além da perda de peso, deve-se ressaltar a importância de reduções significativas da circunferência da cintura Decréscimo da ingestão de produtos ricos em gorduras saturadas e trans, estimulando o consumo de frutas, ve- getais, carboidratos complexos e ricos em fibras, além de recomendar o consumo moderado das gorduras satura- das Classificação da Doença hepática crônica e prognós- tico: De acordo com as formas clínicas os pacientes podem ser classificados em compensados e descompensados (pre- sença de ascite, encefalopatia hepática e icterícia). Podem também ser classificados por meio de critérios clí- nicos e laboratoriais da função hepática (A, B e C) Classificação da Doença hepática crônica e prognós- tico: 5 Manifestações clínicas e complicações: Entre as complicações possíveis da cirrose destacam-se: hipertensão portal, encefalopatia e a ascite. Hipertensão portal Síndrome caracterizada pelo aumento crônico da pressão venosa no territórioportal causada por interferência no fluxo sanguíneo venoso hepático e traduzida, clinica- mente, por hepatoesplenomegalia, ascite e rede venosa visível na parede abdominal. A hemorragia por VARIZES ESOFAGOGÁSTRICAS re- presenta a complicação mais comum da hipertensão por- tal, sendo uma das principais causas de óbito entre os por- tadores de hepatopatias crônicas. Ascite: Acúmulo de líquido na cavidade peritoneal dos portadores de cirrose hepática decorre da ávida retenção renal de só- dio, em consequência da hipertensão portal A restrição hídrica não deve ser implementada, exceto nos pacientes com quadro avançado 6 Encefalopatia hepática: Alterações neuropsíquicas de origem metabólica e poten- cialmente reversíveis, que traduzem agravamento funcio- nal do fígado. Fatores desencadeantes: infecções, hemorragia diges- tiva ou desequilíbrio hidroeletrolítico ou ácido-básico, uso de sedativos, excesso de ingestão proteica, obstipação in- testinal. Classificação da encefalopatia hepática: Grau I: alteração do comportamento e do ritmo sono-vigí- lia. Pode haver sonolência ou vigília Grau II: Igual ao grau anterior, com maior predomínio de sonolência e aparecimento de flapping ou asterix Grau III: paciente dorme a maior parte do tempo, mas res- ponde a estímulos verbais. Confuso, voz atrasada. Asterix evidente Grau IV: paciente comatoso podendo responder ou não a estímulos dolorosos. Asterix ausente Teorias para explicar o processo da EH: Deficiência de substâncias neuro-estimuladoras (ureia, falsos neurotransmissores) Excesso de substâncias depressoras da atividade cere- bral (teoria do GABA) Nenhuma delas isoladamente conseguiu esclarecer satisfatoriamente a gênese da encefalopatia Uma vez que a absorção intestinal de compostos nitroge- nados está diretamente relacionada ao aparecimento ou agravamento da encefalopatia hepática, medidas visando ao bloqueio dessa absorção ou modificações na flora in- testinal estão indicadas, ao lado da modificação proteica Lavagem intestinal com neomicina, lactulose ou lactose deve ser realizada especialmente em pacientes constipa- dos ou eventualmente nos casos de hemorragia digestiva DIETA LAXANTE Avaliação Nutricional – Doença Hepática Crônica: Pacientes com doença hepática crônica, principalmente de etiologia alcoólica, apresentam ingestão dietética ina- dequada, alteração dos indicadores antropométricos, bio- químicos e clínicos que evidenciam prejuízo nutricional Avaliação nutricional clássica pode ficar comprometida se houver repercussões do dano hepático sobre o metabo- lismo hídrico e distribuição de líquido nos compartimentos corpóreos intra e extracelulares História nutricional: - Alimentar - Psicossocial - Clínica Exame físico: -Antropometria 7 - Sinais clínico-nutricionais - Exames laboratoriais Albumina, pré-albumina, transferrina, proteína carrea- dora de retinol, contagem total de linfócitos – CTL, de- vem ser utilizados com cautela em pacientes hepatopatas, uma vez que podem refletir o grau da disfunção hepática e não necessariamente o estado nutricional do indivíduo - Avaliação subjetiva global Terapia nutricional-Doença Hepática Crônica: Favorecer aceitação da dieta e melhorar o aproveitamento dos nutrientes administrados; Restabelecer ou manter um bom estado nutricional; Minimizar o catabolismo proteico; Contribuir para a melhora da função hepática sem preci- pitar a encefalopatia; Minimizar a velocidade de progressão da DHC e melhorar a qualidade de vida Recomendações energéticas: Hipermetabolismo x cirrose Ascite compartimento metabolicamente ativo ↑ 10% o gasto energético A utilização da equação de Harris & Benedict para esti- mar o GER não é recomendada 35 a 40Kcal/Kg de peso atual/dia manter ou restaurar o estado nutricional Não ofertar lipídios acima de 30% do VET, para evitar des- conforto abdominal, retardo no esvaziamento gástrico e hiperlipidemias Esteatorréia usar TCM Os carboidratos podem compor 50 a 60% do VET, dando- se preferência aos complexos Recomendações de proteínas: Para hepatopatas estáveis, com bom estado nutricional, a proteína pode ser ofertada em quantidades similares às sugeridas à população saudável 1,0g/Kg/dia Para melhorar ou elevar a retenção nitrogenada, é ne- cessário administrar valores de proteínas em torno de 1,2 a 1,5g/Kg/dia Atualmente, não se recomenda restrição proteica na pro- filaxia ou no tratamento da encefalopatia hepática, pois a maioria dos pacientes com DHC tolera bem a proteína dietética até valores próximos de 1,5g/Kg/dia No caso de intolerância proteica, pode-se substituir a proteína animal por vegetal e as fórmulas padrão por fórmulas suplementadas com AACR Intolerância proteica presença de sintomas neuroló- gicos iniciais da EH, como flapping, raciocínio lento e fala arrastada, associados à quantidades significativas de pro- teína animal Pacientes com cirrose hepática cursando com EH po- dem receber 1,2g de proteína/Kg/dia A restrição de proteína, mesmo que temporária, não ofe- rece nenhum benefício no tratamento da EH e pode com- prometer ainda mais o estado nutricional dos pacientes Para pacientes com indicação para transplante de fígado, hepatectomia ou ressecção esofágica, recomenda-se ad- ministrar proteína na quantidade de 1,2 a 1,5g/Kg/dia Uma vez instalada a encefalopatia, A DIETA DEVE SER IMEDIATAMENTE MODIFICADA em relação à proteína (AACR). Uma vez que a absorção intestinal de compos- tos nitrogenados está diretamente relacionada ao apare- cimento ou agravamento da EH, medidas visando ao blo- queio dessa absorção ou modificações da microbiota in- testinal estão indicadas, ao lado da modificação proteica. ALIMENTOS CONTRA-INDICADOS E PERMITIDOS PARA A DIETA RICA EM AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA A restrição de sódio está indicada somente quando ocor- rer retenção hídrica, de sódio e sobrecarga de fluidos A restrição de líquidos é desnecessária, a não ser que o sódio plasmático seja inferior a 125mEq/L Terapia nutricional enteral e parenteral: A indicação deve considerar a condição clínica de cada paciente, os riscos e os benefícios de cada método NE x varizes esofágicas?? pode ser indicada desde que não haja sangramento recente Gastrostomia percutânea endoscópica é contraindi- cada nos pacientes com ascite, alterações no sistema de coagulação, hipertensão portal e circulação colateral porto-sistêmica Fórmulas suplementadas com AACR são indicadas quando houver intolerância à proteína animal A nutrição parenteral está indicada quando as necessi- dades nutricionais não podem ser supridas por via oral ou enteral, em situações como a presença de hemorragia gastrointestinal, falência intestinal ou pós-operatório ime- diato de grandes cirurgias abdominais Na presença de EH grau 1 e 2 pode-se utilizar solução de aminoácidos-padrão, desde que haja acompanha- mento cuidadoso da carga proteica total e do quadro clí- nico do paciente 8 Se a EH evoluir para os níveis 3 e 4, recomenda-se a uti- lização de fórmulas suplementadas com AACR Transplante hepático Única terapêutica eficaz para os pacientes no estágio fi- nal da DHC O aumento da morbimortalidade é significativamente maior nos pacientes com histórico clínico e familiar de obesidade, hipercolesterolêmica, hipertensão, doenças cardiovasculares ou diabetes O acompanhamento nutricional individualizado é muito benéfico Pré-transplante Corrigir as deficiências específicas de micronutrientes e a desnutrição energético-proteica 35 a 40Kcal/Kg/dia Ingestão proteica: 1,8 a 2,0g/Kg/dia (mínimo de 1g/Kg/dia) Pré-transplante Corrigir as deficiências específicas de micronutrientes e a desnutrição energético-proteica 35 a 40Kcal/Kg/dia Ingestão proteica: 1,8 a 2,0g/Kg/dia (mínimo de 1g/Kg/dia) Pós-transplante imediatoDesnutrição x complicações infecciosas e mortalidade Deve-se instituir uma dieta que favoreça a preservação e recuperação do enxerto com administração dos nutrien- tes essenciais para a cicatrização dos nutrientes essenci- ais para a cicatrização da ferida cirúrgica 35 a 40Kcal/Kg/dia 1,2 a 1,5g/Kg/dia Pós-transplante tardio Objetivo: prevenir ou reduzir complicações comuns no pós-transplante como obesidade, hiperlipidemia, hiperten- são arterial, diabetes e osteoporose, decorrentes dos efeitos das drogas imunossupressoras 30 a 35Kcal/Kg/dia 50 a 65% de carboidratos 1g de proteína/Kg/dia 30% de lipídios Caso clínico - Cirrose hepática alcoólica Paciente L.O.P.T, sexo masculino, 57 anos, advo- gado, internado há 18 dias na enfermaria de gastroente- rologia com queixa de febre e aumento do volume abdo- minal. Há cerca de um mês vem apresentando fadiga para caminhar e dispneia. Apresenta episódios febris, hérnia umbilical e desconforto pós-prandial. Alega transgressão de orientação de abstinência alcoólica durante os finais de semana. Há dois anos começou a apresentar aumento progressivo do volume abdominal, tendo sido diagnosti- cado cirrose hepática alcoólica. Etilista por 15 anos. Nega tabagismo e drogas ilícitas. Nega HAS, DM e dislipide- mias. Diagnóstico: Cirrose hepática alcoólica e peritonite bacte- riana espontânea. Com sinais de encefalopatia hepática. Gravidade da doença hepática segundo Child & Pugh: C Dados antropométricos: Peso atual: 96Kg Peso usual: ---- Peso seco estimado: 86Kg Altura: 1,86m IMC: CC: 114cm Exames laboratoriais: Albumina: 2,6g/ml (3,9-4,6) Qual a conduta nutricional a ser realizada?