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O livro didático como documento histórico

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UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DA LUSOFONIA
AFRO-BRASILEIRA
INSTITUTO DE HUMANIDADES
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
HISTÓRIA E O MUNDO COLONIAL
DOCENTE: EDSON BORGES
DISCENTE: CARLA PONTES
O LIVRO DIDÁTICO COMO DOCUMENTO HISTÓRICO
GUAIÚBA-CE
2021
CARLA PONTES
O LIVRO DIDÁTICO COMO DOCUMENTO HISTÓRICO
Análise de livro didático realizada visando a
obtenção de nota na disciplina “História e o
Mundo Colonial” ministrada pelo Prof. Dr.
Edson Borges pertencente ao curso de
Licenciatura em História da UNILAB.
GUAIÚBA-CE
2021
MATERIALIDADE EXTERNA DO LIVRO
Publicado em 2009, porém válido pelos anos de 2011, 2012 e 2013 nas redes públicas,
“Projeto Radix – História – 7° ano” vivencia alguns acontecimentos bem marcantes em seu
ano de publicação: a eleição de Barack Obama como o 1º negro presidente dos Estados
Unidos da América; a conquista de “reeleições infinitas” na Venezuela de Hugo Chávez;
Brasil enquanto “queridinho” mundial pelo desempenho mediante a crise de 2008. São
eventos com potencial para constituírem os livros didáticos a nível político, social, econômico
tendo em vista os contextos apresentados e as temporalidades históricas.
O livro didático é uma 1ª edição proveniente da Editora Scipione, componente de uma
coletânea nomeada “Coleção Projeto Radix”. De modo introdutório, o autor o coloca
enquanto material que ofereceria os “fundamentos da disciplina de História” em um recorte
temporal que compreenderia “dos primórdios da humanidade até o início do século XXI”.
Tem autoria de Cláudio Vicentino, Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela
Universidade de São Paulo, professor de cursos pré-vestibulares e de Ensino Médio e autor de
obras didáticas e paradidáticas para os ensinos fundamental e médio. A capa traz uma
escultura em pedra-sabão da porta da Igreja de São Francisco de Assis, atribuída a
Aleijadinho e localizada na cidade mineira de São José Del Rei (MG), do ano de 2006 e
idealizada por Mauricio Simonetti da Pulsar Imagens. Uma grande referência, particularmente
falando, sobre as temáticas de natureza religiosa a qual o material irá trabalhar como no
capítulo 2 “Igreja e poder na Idade Média” (pág. 37) e o capítulo 8 “A Reforma religiosa”
(pág. 157). Em sua contracapa há um pequeno texto intitulado “Cuide bem do seu livro!” e
espaços para o preenchimento com o nome do/a aluno/a e o ano em que está utilizando o
livro. Na primeira página, a imagem por inteiro da porta da Igreja de São Francisco de Assis
que também faz parte da capa. Em seguida, há uma mensagem do autor Cláudio Vicentino
com o título “Seja bem-vindo” e abaixo uma seção destinada à explicação do termo "Radix''.
É um material didático de linguagem objetiva e sintetizada, o que acabou tornando-se
um padrão com relação a este tipo de ferramenta metodológica. É um livro didático acessível
aos professores e alunos/as pertencentes aos 7° anos e séries anteriores ou posteriores.
MATERIALIDADE INTERNA
A organização da obra é feita com base em 8 módulos e 14 capítulos que englobam de
Carlos Magno e o Império Franco à exploração de ouro em Minas Gerais. Abaixo estão
listados os módulos e títulos de cada capítulo conforme o livro didático:
MÓDULOS E CAPÍTULOS
● Módulo I
● Capítulo I - Europa: as migrações e o feudalismo
● Módulo II
● Capítulo II – Igreja e poder na Idade Média
● Capítulo III – A Idade Média e o Oriente
● Módulo III
● Capítulo IV – A Baixa Idade Média europeia
● Módulo IV
● Capítulo V - A expansão ultramarina europeia
● Capítulo VI – África: dos reinos antigos ao tráfico atlântico de escravos
● Módulo V
● Capítulo VII – O Renascimento cultural
● Capítulo VIII – A Reforma religiosa
● Módulo VI
● Capítulo IX – O Estado absolutista europeu
● Capítulo X – O mercantilismo e a colonização da América
● Módulo VII
● Capítulo XI – A administração na América portuguesa
● Capítulo XII – O açúcar e a América portuguesa
● Módulo VIII
● Capítulo XIII – As fronteiras na América portuguesa
● Capítulo XIV – Luxo e pobreza nas Minas Gerais
Em cada um desses módulos e capítulos existem 8 subseções:
SUBSEÇÕES
● I – Para começar
● II - Atividades
● III - Vocabulário
● IV - Fique ligado!
● V - Algo a mais
● VI -Aprendendo a fazer
● VII - Trabalhando com documentos
● VIII - Lendo textos
Os exercícios que propõem a análise de imagens e documentos históricos podem ser
encontrados em pelo menos 4 das subseções: “Atividades”; “Aprendendo a fazer”;
“Trabalhando com documentos”; “Lendo textos”. Infelizmente, são questões de natureza
conceitual ou que requerem a mínima atenção aos aspectos visuais de uma imagem, por
exemplo. Essas perguntas ainda assim não incitam uma postura crítica do/a aluno/a o que
poderia ocasionar conhecimentos de caráter "decorativo", como as datas geralmente são vistas
no ensino da disciplina de História. A história das sociedades foi elaborada com base na
presença dos europeus, um claro sinal da “Europa como o centro do mundo”, as imagens,
pinturas e vestígios documentais presentes no livro didático em sua maioria também possuem
ascendência europeia. Seu caráter mescla uma neutralidade e descritivismo com relação aos
fatos históricos mencionados, sem deixar transparecer críticas ou uma posição de apoio ao
que está citando. É um material didático, penso, que atribui a outros saberes ou disciplinas de
uma forma muito singela. Conta uma história em que “seus” inícios sempre incluem a
presença dos filhos do continente europeu: seu “local-global” dependerá dessa participação
nos territórios que lhe são próprios e os que foram ‘descobertos e conquistados’.
Cada um dos 8 módulos no Sumário apresenta seja uma ilustração, pintura, desenho ou
monumento; os 14 capítulos também estão recheados de elementos iconográficos “passados e
presentes”, linhas do tempo, tirinhas, mapas, esculturas, monumentos e fotografias. Tem um
total de 288 páginas e em sua última seção “Para saber mais” que está na página 284, são
feitas sugestões de livros/filmes/músicas/sites que tem relação com os temas dos módulos
estudados contando também com imagens, em alguns módulos, de um dos tipos de indicação.
Em sua última página (288), pode ser encontrada a bibliografia em ordem alfabética
que conta com nomes como Sérgio Buarque de Holanda com (“Raízes do Brasil”, 1963),
Eduardo Galeano (“As veias abertas da América Latina”, 1979), Tzvetan Todorov (“A
conquista da América: a Questão do Outro”, 1993) de um total de 31 autores e títulos. Vale
salientar a incidência da referenciação de trabalhos pertinentes ao continente americano e suas
veias latinas.
IDEIAS MOTRIZES A RESPEITO DE ALGUNS TEMAS
Sobre a Idade Média, a preocupação do autor repousaria no entendimento de requisitos
básicos como características desse período; modos de viver e pensar; economia e política em
uma linha de raciocínio que situava este período entre a Antiguidade e a Idade Moderna. Em
uma das “fases” da Idade Média, intitulada Alta Idade Média, as instituições de matriz
católica tiveram um aumento exponencial de sua força. Igreja e poder serão a base e título do
Capítulo II (“Igreja e poder na Idade Média”) que contará também com a citação de conflitos
como a “Questão das Investiduras” e os “Tribunais da Inquisição”, este último destinado aos
que se opunham aos cânones de matriz católica que ficaram conhecidos como “hereges”.
Em “A Idade Média e o Oriente”, nos deparamos com o desenvolvimento dos
impérios Bizantino e Árabe e a origem de duas matrizes religiosas: o Cristianismo Ortodoxo e
o Islamismo. A sustentação desse capítulo esta deposta na gênese de impérios, reinos e
civilizações como de Bizâncio, Justiniano e a Península Arábica; a difusão das religiões
citadas e de figuras como Maomé; e, por pôr fim, a ruina dessas estruturas. No Capítulo 4, “A
Baixa Idade Média europeia", o enfoque será dado ao século XI e as mudanças percebidas nos
meios sociais europeus. Seria um período de crises, guerras, renascimentos a nível comercial
e urbano e que acabariam acarretando o fim desse períodona história. São capítulos
marcadamente elaborados com vistas ao Ocidente e, consequentemente, sob sua perspectiva,
o que deve se perpetuar pelo restante do material didático.
O Capítulo 5, “A expansão ultramarina europeia", marca o fim desse trato da Idade
Média e dá boas-vindas aos “Tempos Modernos”; eurocentrismo; comercialização marítima
europeia; Portugal pioneiro; e “As Grandes Navegações”. Não há, de forma mínima, qualquer
intersecção com outras partes do mundo ou continentes nesse mesmo período por parte do
autor para além da Europa.
MÓDULO IV – CAPÍTULO 5: A EXPANSÃO ULTRAMARINA EUROPEIA
Este capítulo foi o escolhido para ser analisado de forma mais cuidadosa, de modo a
melhor compreendermos este período da história em específico. Em dada medida, a adoção
das rotas marítimas teria dívida com eventos como a Guerra dos Cem Anos e a difusão da
Peste Negra. Portugal e Espanha teriam sido os pioneiros na navegação, visando a expansão
comercial e a exploração de novos territórios e de suas riquezas. Essas viagens acabaram
elevando seus patamares com relação às demais regiões do globo, mediante o domínio
comercial e territorial de variadas partes do planeta. Ou seja, a partir de características sociais
e econômicas os europeus passaram a ser figuras centrais deste contexto histórico.
No século XIV, Portugal decide ir mais além em um período que ficará conhecido
como as “Grandes Navegações“. Graças a elas, os portugueses tiveram a possibilidade de
encontrarem as Américas que eles até então desconheciam. Diante dessa postura
expansionista, os negros africanos acabaram sendo submetidos ao chamado tráfico
transatlântico de escravos de seu continente de origem para a América o que provocou a
dissipação permanente de ocupação de suas terras. Seriam esses os primeiros passos do
racismo? Com os nativos americanos não houve tantas dessemelhanças: foram mortos pela
via da pólvora ou das enfermidades advindas dos povos estrangeiros. Inclui-se o genocídio
das sociedades conhecidas como pré-colombianas – incas e astecas– pela mão da Espanha em
prol do ouro e da prata em minas localizadas na atual Bolívia, no Peru e México. A violência
seria o termo que definiria a participação dos nativos nessa história, não sendo fornecidos
maiores detalhes sobre os primeiros contatos ou aspectos espaciais dos territórios
‘descobertos’ para além do que poderia ser retirado dos mesmos para ser comercializado.
Desse modo, o desejo expansionista europeu seria resumido ao contato com povos que mais
tarde por eles seriam submetidos e/ou mortos e a exploração das terras dessas populações. A
ausência de uma apresentação do continente africano, sob um âmbito não-exploratório,
continua a ser sentida. Como prova, o livro didático oferece o “Capítulo 6: África: dos reinos
antigos ao tráfico atlântico de escravos” que possui 15 páginas, sendo que apenas 7 páginas
possuem realmente um conteúdo. Os temas trabalhados - como a escravidão e o tráfico
transatlântico - de não incitam qualquer crítica, sendo puramente “informativos”.
Todos esses eventos acabaram sendo encaixados na Idade Moderna ou Tempos
Modernos, entendido como o período entre meados do século XV e o final do século XVII.
Teria sido também um “período de transição” que contava com transformações e
manutenções, esta última o autor optou pelo termo ``permanências''. Quanto às
transformações, houve o aumento exponencial das trocas comerciais e a gênese de um Estado
Absolutista e da Burguesia, em consonância com a classe nobre que tinha uma visão vantajosa
desta nova organização estatal. Outros aspectos que devem ser considerados dizem respeito à
utilização de políticas mercantilistas do mercantilismo pelos Estados absolutistas com os
objetivos de domínio, permanência e conquista de bens, produtos e terras a explorar; presença
de teorias como o teocentrismo e o antropocentrismo; preocupação com o estudo do corpo
humano e sua estrutura por parte dos escultores a fim de o esculpi-lo à perfeição. Isso os fez
rememorar Grécia e Roma antigas, o que acabou desencadeando o que chamaram de
Renascimento Cultural. Aqueles que ousaram desbravar o além-mar eram vistos como
homens de grande bravura por enfrentarem o que até então lhes era desconhecido, ou seja, o
caráter aventureiro das expedições marítimas segue presente. Quanto à religião, o autor
trabalha mais com a ideia das instituições dedicando capítulos inteiros ao campo religioso,
detendo-se em larga medida na Europa. A relação entre os nativos e o clero ou os
colonizadores e os nativos não tem grandes detalhes, a não ser neste segundo caso marcado
pelo aspecto cabal de regimes como o colonial: violência.
Concluo que seria necessário, por parte do autor, a superação do eurocentrismo
impresso em sua obra e que a tornou pobre, à medida que a construção dos contextos e
tempos históricos levou em consideração de forma única e exclusiva apenas um ponto do
globo terrestre.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VICENTINO, C. Projeto Radix: História 7° ano. São Paulo: Scipione, 2009.

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