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LITERATURA INFANTOJUVENIL Debbie Mello Noble A relação texto–leitor Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a importância do leitor na interpretação da literatura. Avaliar a “intenção do autor” frente ao sentido global do texto. Analisar o papel do professor enquanto leitor e mediador na inter- pretação textual. Introdução As concepções sobre escrita, autor e leitura parecem ser muito evidentes, já que, teoricamente, todos sabem o que é escrever, o que é um autor e o que é ler. Todavia, quando você olha para o passado, é possível ver que esses não são conceitos tão evidentes. Desse modo, olhar para o passado leva a repensar o presente. Durante muito tempo, a interpretação de um texto esteve ligada às intenções do autor, ou seja, para compreender um texto, principalmente uma obra literária, um dos principais caminhos era a compreensão da biografia do autor. Segundo Santos (2007), ao leitor cabia somente o papel passivo de buscar entender o que o autor quis dizer. Neste capítulo, você conhecerá as concepções de leitura, de autoria e de leitor que modificam estes saberes sobre a interpretação, bem como verá que o leitor assume um papel imprescindível na interpretação do que lê, principalmente em se tratando da leitura literária. Assim, você terá instrumentos para analisar o papel do professor enquanto leitor e mediador da leitura, o qual poderá guiar o leitor/aluno para além da clássica questão: “o que o autor quis dizer?”. Leitura e autoria Pode-se dizer que a compreensão da importância da relação entre o texto e o leitor é relativamente nova. Para compreender essa relação e chegar ao estatuto do leitor nos dias atuais é preciso, primeiramente, que você conheça diferentes perspectivas da leitura, da interpretação e do papel que o autor ocupou em relação à obra ao longo do tempo. Até certo ponto da história, a obra literária era entendida como um objeto próprio, cuja existência era apartada tanto do autor como do leitor. Segundo Compagnon (2006), algumas correntes teóricas pensavam a interpretação do texto remetendo a obra ao seu contexto ou buscavam somente na materialidade do texto sua significação. Essa busca pelo “centro do sentido” dos textos é de diferentes ordens ao longo da história. Na Idade Média e na Grécia Antiga, por exemplo, procurava- -se “[...] compreender a intenção oculta de um texto pelo deciframento de suas figuras [...]” (COMPAGNON, 2006, p. 56). No século XVIII, pela filologia, buscava-se “[...] fazer prevalecer a razão contra a autoridade e a tradição [...]” (COMPAGNON, 2006, p. 56), abrindo caminho à interpretação histórica dos textos. Com a hermenêutica, as obras são interpretadas a partir de uma “verdadeira significação”, sendo necessário retomar a intenção do autor para interpretá-la. Chega-se, então, à ideia de que a autoria seria uma resposta para desvendar os sentidos do texto. Segundo Santos (2007, documento on-line), essa ideia imperou por muito tempo na crítica literária, sendo um texto literário considerado “[...] a expressão das ideias de seu autor [...]”. Até determinado momento da história, autoria significava todo um conjunto de atividades, envolvendo diferentes sujeitos, desde aquele que escrevia, aquele que editorava, que fazia a compilação até o que vendia os escritos. Atualmente, a autoria também não é algo evidente, já que a internet cria novas e diferentes formas de ser autor e do sujeito se constituir como leitor. Leia, no link a seguir, o artigo “EAD: efeito leitor — indicação de processos de indi- viduação do sujeito contemporâneo” (PAULA, 2012). https://qrgo.page.link/SjvJV A relação texto–leitor2 Pensando no surgimento da figura do autor, Barthes (1973) aponta a transformação da escrita em uma expressão de identidade que se dá com o surgimento da assinatura, marcando a escrita como uma propriedade, a partir de uma ordem do rei da França, Henrique II. A partir desse ato, há a atribuição de responsabilidade àquele que escreveu, ou seja, surge a figura do autor. Para Barthes (1973), é a partir desse momento que há o início de um “império do Autor”, já que o sentido de um texto ou de uma obra começa a ser centralizado naquele que escreveu. Para Santos (2007, documento on-line), esta “[...] concepção de um autor fechado e fonte da interpretação [...]” está ligada ao desenvolvimento do capitalismo, já que, a partir daí, se configura “[...] a ideia de um indivíduo que possui direitos, o qual passa a ser [...] o centro de seu próprio ego e de suas próprias decisões [...]” (SANTOS, 2007, documento on-line). A morte do autor e o nascimento do leitor Essa concepção de autor como aquele no qual o sentido está centrado é as- sumida por muitos anos. Em 1968, Roland Barthes publica a tese A morte do autor, na qual apresenta a mudança do centro do sentido de um texto do autor para o leitor. Ou seja, a tese de Barthes (1988) afirma que não está no autor, enquanto indivíduo, enquanto personalidade, o centro dos sentidos de um texto. O autor propõe a figura do scriptor, o qual desfaz a necessidade da origem do dizer, pois se inscreve na língua, desfazendo as paixões, os sentimentos, as impressões que estavam em torno da figura do autor. Assim, ele afirma que, exatamente ao contrário do autor, [...] o scriptor moderno nasce ao mesmo tempo que o seu texto; não está de modo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita, não é de modo algum o sujeito de que o seu livro seria o predicado; não existe outro tempo para além do da enunciação, e, todo o texto é escrito eternamente aqui e agora [...] (BARTHES, 1988, p. 67–68). 3A relação texto–leitor O que Barthes (1988) provoca com sua tese é uma espécie de corte do cordão umbilical imaginário entre a obra e o autor, pois afirma que, no momento em que se escreve, já está se construindo uma autoria. Assim, não haveria uma relação direta entre a escrita e aquele que escreve, mas sim entre a escrita e a construção da autoria, o que faz toda a diferença para a mudança de paradigma operada. A partir dessa proposta, é possível afirmar que é preciso que o autor “morra” para que haja o nascimento do leitor. Ou seja, a ideia de que é no autor de carne e osso que se encontra a verdadeira interpretação acerca de um texto é que morre. Se não há mais autor, o sentido não pode mais ser decifrável, definível a partir deste. Dessa forma, Barthes (1988) restitui o papel do leitor como aquele que entende as ambiguidades, o lugar onde a multiplicidade de sentidos se reúne. Não pensa este como um leitor empírico, biológico, de carne e osso, mas como um lugar de destino, onde os sentidos de um texto significam. Para compreender melhor a proposta de “morte do autor”, de Barthes (1988), veja o exemplo a seguir, correspondente a um trecho da peça de Luiggi Pirandello, Seis personagens à procura de um autor: “— Quem são os senhores? Que desejam?... — Estamos aqui à procura de um autor. — De um autor? Que autor? — Qualquer um, senhor. — Mas aqui não há nenhum autor. Não estamos ensaiando ne- nhuma peça nova. — Tanto melhor! Tanto melhor, então, meu senhor. Poderemos ser nós a sua nova peça! [...] No sentido de que o autor que nos criou vivos não quis, ou não pôde, materialmente, meter-nos no mundo da arte. E foi um verdadeiro crime, senhor, porque quem tem a sorte de nascer personagem viva pode rir até da morte. Não morre mais! Morrerá o homem, o escritor, instrumento da criação, a criatura não morre jamais!” A relação texto–leitor4 Outro ponto importante a destacar da teoria de Barthes (1988) é a con- tribuição dos estudos linguísticos para sua tese da destruição do autor, já que a enunciação é tomada como um processo vazio, o qual funciona sem a presença física e imediata de interlocutores. Isto é, a escritura é um ato de enunciação realizado em um espaço/tempo do aqui e do agora, que não tem correspondência necessária no mundo empírico. Assim tambémocorre com os interlocutores, que não são tomados como pessoas, mas como sujeitos da enunciação. Para Barthes (1968), um texto não é composto de um sentido único, pelo contrário, é exatamente onde há espaço para a multiplicidade de sentidos. É isso que você verá a seguir, ao entender a perspectiva discursiva sobre o leitor. O leitor e a interpretação O processo de leitura, como você já percebeu, não é um ato de decodifi cação de um sistema de escrita. Apesar de o ato de decodifi car ser parte essencial da leitura, sabe-se que ler é, especialmente, atribuir sentidos ao código lido. Dessa forma, atribuir sentidos é um gesto de interpretação do qual o prota- gonista é o leitor. Para Orlandi (2012a, p. 19), “[...] a incompletude é característica de todo processo de significação [...]”. Considerando que a leitura é um processo de significação, isso quer dizer que um texto escrito não contém, em si próprio, todos os sentidos, e que, ao ler, o leitor não deverá procurar o que o texto quer dizer, ou o que o autor quis dizer, perguntas que muitas vezes aparecem em práticas pedagógicas escolares, mas sim deve atribuir sentidos de acordo com o seu lugar de interpretação. Sendo assim, considera-se que a interpretação é um gesto, portanto, que não se fecha na escrita do texto, cabendo ao leitor o papel de realizar o seu próprio gesto de leitura e de interpretação. Na concepção discursiva adotada por Orlandi (2012b, p. 11), a leitura é “[...] o momento crítico da produção da unidade textual, da sua realidade significante [...]”. É nesse momento, segundo a Esta peça de Pirandello ilustra, simbolicamente, que, após a criação da obra, o autor pode “morrer”, pois o que fica é a própria obra, seus personagens e suas histórias. A partir da “morte” do autor, quem passa a lidar com a obra é o leitor, e é ele quem atribuirá sentidos ao texto. Fonte: Pirandello (1977, p. 360–365). 5A relação texto–leitor autora, que os interlocutores assim se identificam, desencadeando um processo de significação do texto. Nesse processo, há o envolvimento de um “leitor virtual”, aquele que está sempre inscrito no texto. Este é o leitor constituído no ato de escrita, quando aquele que escreve imagina para quem está escrevendo e a quem seu texto se destina. Portanto, a questão do leitor na leitura é intrínseca à constituição de sentidos: se o escritor considera um leitor imaginário para quem escreve, a constituição de sua escrita já é condicionada a um leitor virtual. Orlandi (2012a, 2012b) acrescenta a este leitor virtual aquele que ela de- nomina leitor real, ou seja, aquele que efetivamente lê o texto. Para a autora, ambos os tipos de leitores estão em uma relação necessária, ou seja, quando o leitor real lê o texto, está inevitavelmente se relacionando com um texto escrito para um suposto leitor imaginado pelo autor. Para que você compreenda melhor a relação estabelecida por Orlandi (2012a, 2012b) entre leitor real e leitor virtual, imagine que você entra em casa e encontra um bilhete, passado por debaixo da porta, que foi colocado ali por engano, ou seja, que não foi escrito para você. A relação que você tem com o texto desse bilhete, com quem o escreveu e com o leitor para quem ele foi dirigido é de certa estranheza até o momento em que você se dá conta de que não foi escrito para você. Você provavelmente o lerá muitas vezes até chegar a alguma compreensão do todo, identificar para quem foi escrito, sobre o que se trata e resolver a situação (provavelmente tentando redirecionar o bilhete para quem ele se dirigia, ou seja, o seu vizinho do lado). A partir dessa história, você pode perceber que, na situação descrita, você seria o equivalente ao leitor real, quem efetivamente leu o texto (bilhete), ao passo que o texto foi dirigido ao seu vizinho, que seria o leitor virtual, a quem se imaginou que se escrevia. É claro que esta é uma situação hipotética, criada para facilitar o entendimento dos conceitos propostos por Orlandi (2012a, 2012b), porém a relação de estranheza ante um texto que lemos pela primeira vez é muito semelhante. Isso não quer dizer que devamos deixar de lê-lo, como se ele não nos pertencesse, mas que devemos sempre tentar reunir as “pistas” (nossa história de leituras, nossas interpretações de mundo) para compreendê-lo. A relação texto–leitor6 Leia o artigo Leitor real/leitor virtual: quem é você? (PINTO, 2003), sobre a relação do leitor virtual no ciberespaço da educação, disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/pxfxP O sentido global do texto Diante de tudo que você viu até aqui, é possível perceber que, quando se lê, não se considera apenas o que está escrito. O ato de leitura vai além do texto e até mesmo das possíveis relações feitas do contexto externo com ele. Assim, é preciso considerar também o que não está dito na escrita, ou seja, o que está implícito e que também está produzindo signifi cados para o que se lê. Segundo Orlandi (2012a), o que não está dito pode ser de várias naturezas, passando por: 1) aquilo que está suposto para que se entenda o que está dito; 2) aquilo que se opõe ao dito; 3) as diversas maneiras que se poderia dizer o que está dito. Ou seja, o sentido não está contido na materialidade linguística do texto, nem está “por trás” do texto, como um sentido oculto deste. O sentido de um texto é global, pois é preciso considerar diversos aspectos para interpretá-lo. Nesse sentido, a leitura é uma questão linguística, pedagógica e social, ao mesmo tempo, conforme propõe Orlandi (2012b). Linguística porque é por meio da materialidade da língua que temos acesso à leitura de textos escritos; pedagógica porque possui, na escola, um dos pilares de formação do leitor, possuindo a leitura também uma importante função no trabalho intelectual praticado por esta instituição; e social porque a leitura não pode estar desvinculada da sociedade, de seu papel de tornar o cidadão crítico em relação ao mundo. Nessa perspectiva, o texto é tomado em seu sentido global porque a leitura é entendida como processo de significação. Assim, os fatores externos ao texto tornam-se intrínsecos a eles. Dessa forma, o leitor não apenas apreenderá um sentido que está no texto, mas atribuirá sentidos a ele (ORLANDI, 2012b). Isso não quer dizer que qualquer sentido pode ser atribuído apenas porque o leitor assim o desejou. Pelo contrário. Conforme Orlandi (2012b), há diferentes leituras previstas para um texto, mas não há somente uma leitura. Para identificar as possíveis leituras, é preciso considerar que os sentidos têm história, ou seja, para se atribuir determinado 7A relação texto–leitor sentido à determinado texto, há que se ancorar a interpretação realizada nas condições de produção do texto, bem como nas relações possíveis deste com outros textos e com outros dizeres que circulam/circularam em condições de produção semelhantes. O modo de condução da leitura em sala de aula pelo professor é determinante na forma como o aluno produzirá seu gesto de interpretação, ou seja, ele pode tanto ser conduzido para a abertura dos sentidos de um texto quanto para uma única forma de ler, em geral, aquela do professor. Nesse sentido, “O ensino da leitura pode, dependendo das circunstâncias pedagógicas, colocar a ênfase tanto na multiplicidade de sentidos quanto no sentido dominante [...]” (ORLANDI, 2012b, p. 61). Dessa maneira, é o conjunto de relações que o leitor consegue estabelecer que determinam o modo como o texto pode ser lido. Essas relações precisam ter o aval, a legitimação de diferentes instituições — como a mídia, a famí- lia, a igreja, o jurídico, a escola —, que, muitas vezes, regem o modo como atribuímos sentido. Por tudo isso, é possível afirmar que não é nem o autor, nem o próprio texto, como um objeto fechado em si mesmo, que possibilitam uma leitura, mas sim diversos fatores que levam a tomar o texto como um objeto global, que envolve uma multiplicidade de fatores para que sejacompreendido. Considerando a importância pedagógica da leitura e, ao mesmo tempo, da leitura na esfera pedagógica, veja, a seguir, os diferentes papéis do professor em relação à leitura. O papel do professor: leitor e mediador da leitura O papel do professor como leitor e mediador da leitura pode ser percebido como um posicionamento diante de um texto. Isso porque a mediação de leitura depende dos diferentes modos de leitura, que, segundo Orlandi (2012b), são muito variáveis e indicam as formas de o leitor se relacionar com os textos que têm diante de si. A relação texto–leitor8 O professor deve não somente estar preocupado com seu papel de media- dor, inevitável em sala de aula, mas, primeiramente, deve se colocar no lugar de leitor das obras que lê. Estar no lugar de leitor é não perder o prazer da leitura, colocando nela um foco utilitarista, mas sim se colocar diante de uma obra buscando desfrutá-la antes de tudo. Assim, será mais fácil despertar nos alunos, em sala de aula, a vontade de desfrutar das leituras indicadas pelo professor — agora investido do papel de mediador. Considere que, ao escolher determinado texto para trabalhar em sala de aula, o professor se coloca, primeiramente, na posição de leitor e, então, na posição de quem mediará o trabalho de outros leitores com aquele texto. Ou seja, primeiro o professor precisa realizar a leitura de diversos textos, tomar contato com outros tantos, refletir sobre quais são seus objetivos na hora de escolher um texto e, então, começar um trabalho de mediação, estabelecendo os ganhos que seu aluno terá ao ler o texto escolhido em relação aos objetivos previamente pensados. Nesse processo, o professor deve, sempre, colocar-se primeiro como um leitor e, só posteriormente, tornar-se mediador, tomando seu aluno como o foco do seu imaginário, ou seja, colocando-o numa posição de leitor-virtual. Diante disso, observe os modos de leitura a seguir, que elementos cada modo coloca como organizador da leitura e perceba que o professor pode assumir alguns destes em seu papel de leitor-mediador, levando o aluno a, possivelmente, reproduzi-los: 1. O que o autor quis dizer? — a relação do texto com o autor organiza esse modo de leitura. 2. Em que este texto difere de tal texto? — relação do texto com outros textos. 3. O que o texto diz de X? — relação do texto com seu referente, ou seja, com o tema sobre o qual fala. 4. O que você entendeu do texto? — relação do texto com seu leitor. 5. O que é mais significativo neste texto para o meu professor? — relação do texto com aquele “para quem se lê” (quando o aluno lê conforme o que o professor desejaria que ele lesse). 9A relação texto–leitor Nesses modos de leitura que o professor, muitas vezes, retoma em seu trabalho, há sempre um viés assumido do que seria uma leitura ideal. Por vezes, ainda, esse modo de leitura ideal, como aponta Orlandi (2012b), está relacionado diretamente ao que é fornecido pelo livro didático. O que o autor quis dizer? Quando essa pergunta é feita, muitas vezes desde os anos iniciais da es- colarização, o aluno é levado a crer em um autor onipotente (ORLANDI, 2012b), cujas intenções podem controlar todo o percurso de signifi cação de um texto. Além disso, tal pergunta fecha as portas para a multiplicidade de interpretações a serem realizadas pelo leitor, uma vez que o aluno se sente incumbido de buscar um tal “verdadeiro sentido” para o que lê. Dos modos de leitura apresentados por Orlandi (2012b), vistos anteriormente, este é o mais frequentemente assumido pelo professor que baseia no livro didático suas leituras e sua aula de leitura. Diante de situações como esta, um leitor em formação passa a perceber o texto como um objeto a decifrar, não no sentido convidativo, mas sim um lugar onde ele deve procurar o sentido certo, assumindo como necessária a relação da leitura com o par erro/acerto. Dessa forma, o leitor estabelece uma leitura parafrástica, na qual há o reconhecimento e a reprodução “[...] de um sentido que se supõe ser o do texto (dado pelo autor) [...]” (ORLANDI, 2012b, p. 14). Como ensinar leitura, então? É o que questiona Orlandi (2012a), refletindo que a leitura é um gesto de constituição de sentidos que não se aprende. No entanto, ao se tomar a leitura também como uma relação incessante do leitor com a memória, em que estão envolvidos outros textos, histórias e experi- ências, a escola pode ter um papel fundamental em retirar o aluno da leitura parafrástica. Essa outra forma de ler é denominada leitura polissêmica, ou seja, aquela em que uma multiplicidade de sentidos é considerada. Essa leitura é pro- porcionada quando o professor modifica as condições de leitura do aluno, proporcionando que este construa sua própria história de leituras, e, ao mesmo tempo, trazendo à tona outras relações possíveis, quando necessário, para as quais o texto aponta, “[...] resgatando a história dos sentidos do texto [...]” (ORLANDI, 2012b, p. 59). Para que isso ocorra de forma natural, um dos caminhos é a oferta de diversos textos, obras literárias e não literárias, que dialoguem entre si e com um tema específico, sem, no entanto, cobrar que essa leitura seja para dar conta de uma atividade posterior obrigatória, pois esta se torna uma forma mecânica e utilitarista de leitura pelos alunos. Segundo A relação texto–leitor10 Riter (2009, p. 73), para que isso ocorra, é preciso que o professor seja “[...] um ser apaixonado pela leitura, alguém que tenha consciência de que ler faz a diferença [...]”, pois somente dessa forma ele será um incentivador da leitura. Riter (2009) fala sobre três importantes funções do professor formador do leitor literário na escola: 1. Deve ser um contador de histórias: é preciso envolver o aluno-leitor na história, a fim de aproximá-lo do texto e, assim, propiciar a vivência literária a partir da escuta. 2. Ser um guia do estudante na biblioteca: sugerir livros para os alunos, orientá- -los na leitura, realizar eventos atrativos envolvendo leitura, como saraus culturais, feiras do livro e horas do conto. 3. Mediar a leitura em sala de aula: não conduzir o aluno para uma única interpre- tação, mas levá-lo a realizar relações com sua história de leitura e outros elementos do mundo. Além disso, a escolha dos inúmeros textos a ofertar aos alunos deve passar pela história de leitura destes, ou seja, devem se relacionar, na medida do possível, com elementos do mundo do aluno e que lhe causem interesse e prazer. Assim, o professor atuará como um leitor e mediador eficaz entre a leitura e o leitor. BARTHES, R. Variaciones sobre la escritura. [S. l.: s. n.], 1973. BARTHES, R. A morte do autor. In: BARTHES, R. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988. COMPAGNON, A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 2006. ORLANDI, E. Discurso e texto: formulações e circulação dos sentidos. 4. ed. Campinas: Pontes Editores, 2012a. ORLANDI, E. Discurso e leitura. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2012b. PIRANDELLO, L. Seis personagens à procura de um autor. São Paulo: Abril, 1977. 11A relação texto–leitor RITER, C. A formação do leitor literário em casa e na escola. São Paulo: Biruta, 2009. SANTOS, G. T. O leitor-modelo de Umberto Eco e o debate sobre os limites da interpre- tação. Kalíope, São Paulo, ano 3, n. 2, p. 94–111, jul./dez. 2007. Disponível em: https:// revistas.pucsp.br/kaliope/article/viewFile/3744/2444. Acesso em: 21 jun. 2019. Leituras recomendadas PAULA, R. A. M. EAD: efeito leitor - indicação de processos de individuação do sujeito contemporâneo. In: SEMINÁRIO NACIONAL DISCURSO, CULTURA E MÍDIA, 1., 2012, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: UNISUL, 2012. Disponível em: http://desacato. info/1o-seminario-nacional-discurso-cultura-e-midia/. Acesso em: 21 jun. 2019. PINTO, A. C. Leitor real/leitor virtual: quem é você? 2003. Disponível em: http://www. abed.org.br/congresso2003/docs/anais/TC38.htm. Acesso em: 21jun. 2019. A relação texto–leitor12
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