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EXTINÇÃO DOS CONTRATOS MODO NORMAL DE EXTINÇÃO Os contratos, assim como os negócios jurídicos em geral, têm também um ciclo vital: nascem do acordo de vontades, produzem os efeitos que lhes são próprios e extinguem -se. Como assinala Humberto Theodoro Júnior, “ao contrário dos direitos reais, que tendem à perpetuidade, os direitos obrigacionais gerados pelo contrato caracterizam -se pela temporalidade. Não há contrato eterno. O vínculo contratual é, por natureza, passageiro e deve desaparecer, naturalmente, tão logo o devedor cumpra a prestação prometida ao credor”. A extinção dá -se, em regra, pela execução, seja ela instantânea, diferida ou continuada. O cumprimento da prestação libera o devedor e satisfaz o credor. Este é o meio normal de extinção do contrato. Comprova -se o pagamento pela quitação fornecida pelo credor, observados os requisitos exigidos no art. 320 do Código Civil, que assim dispõe: “A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante. EXTINÇÃO DO CONTRATO SEM CUMPRIMENTO Causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato As causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato são, pois: Defeitos decorrentes do não preenchimento de seus requisitos, que afetam a sua validade, acarretando a nulidade absoluta ou relativa (anulabilidade): a) subjetivos (capacidade das partes e livre consentimento); b) objetivos (objeto lícito, possível, determinado ou determinável); e c) formais (forma prescrita em lei). Implemento de cláusula resolutiva, expressa ou tácita; e Exercício do direito de arrependimento convencionado. NULIDADE ABSOLUTA E RELATIVA Nulidade absoluta: decorre de ausência de elemento essencial do ato, com transgressão a preceito de ordem pública, impedindo que o contrato produza efeitos desde a sua formação (ex tunc). Tratando -se de vício originário, verificado na fase genética da obrigação, e sendo o caso de ineficácia em sentido amplo (ato nulo é ineficaz), como observa Ruy Rosado de Aguiar Júnior261, o pronunciamento da nulidade pode ser requerido em juízo a qualquer tempo, por qualquer interessado, podendo ser declarada de ofício pelo juiz ou por promoção do Ministério Público (CC, art. 168). Se a hipótese for de nulidade parcial, só quanto a ela poderá ser exercido o direito (art. 184). Quando cabível a conversão (art. 170), a procedência do pedido extintivo de nulidade será apenas parcial, devendo o juiz declarar qual o negócio jurídico que subsiste. Anulabilidade: advém da imperfeição da vontade: ou porque emanada de um relativamente incapaz não assistido (prejudicando o interesse particular de pessoa que o legislador quis proteger), ou porque contém algum dos vícios do consentimento, como erro, dolo, coação etc. Como pode ser sanada e até mesmo não arguida no prazo prescricional, não extinguirá o contrato enquanto não se mover ação que a decrete, sendo ex nunc os efeitos da sentença. Malgrado também contenha vício congênito, é eficaz até sua decretação pelo juiz. Diversamente da nulidade, não pode ser arguida por ambas as partes da relação contratual, nem declarada ex officio pelo juiz. Legitimado a pleitear a anulação está somente o contraente em cujo interesse foi estabelecida a regra (CC, art. 177). Tratando -se apenas de proteger o interesse do incapaz, do lesado, do enganado ou do ameaçado, só a estes — e, nos casos de incapacidade, devidamente assistidos por seu representante legal — cabe decidir se pedem ou não a anulação. CLÁUSULA RESOLUTIVA. O ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO Na execução do contrato, cada contraente tem a faculdade de pedir a resolução se o outro não cumpre as obrigações avençadas. Essa faculdade pode resultar: a) de convenção (cláusula resolutiva expressa ou pacto comissório expresso); ou b) de presunção legal (cláusula resolutiva tácita ou implícita). • Cláusula resolutiva tácita: em todo contrato bilateral ou sinalagmático pre sume -se a existência de uma cláusula resolutiva tácita, autorizando o lesado pelo inadimplemento a pleitear a resolução do contrato, com perdas e danos. O art. 475 do Código Civil proclama, com efeito: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir -lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” O contratante pontual tem, assim, ante o inadimplemento da outra parte, a alternativa de: a) resolver o contrato; ou b) exigir -lhe o cumprimento mediante a execução específica (CPC, art. 497). Em qualquer das hipóteses, fará jus à indenização por perdas e danos. • Teoria do adimplemento substancial: o adimplemento substancial do contrato, todavia, tem sido reconhecido, pela doutrina, como impedimento à resolução unilateral do contrato. Sustenta -se que a hipótese de resolução contratual por inadimplemento haverá de ceder diante do pressuposto do atendimento quase integral das obrigações pactuadas, ou seja, do descumprimento insignificante da avença, não se afigurando razoável a sua extinção como resposta jurídica à preservação e à função social do contrato (CC, art. 421). A introdução da boa -fé objetiva nos contratos, como requisito de validade, de conclusão e de execução, em regra expressa e norma positivada pelo art. 422 do Novo Código Civil, trouxe consigo o delineamento da teoria da substancial performance como exigência e fundamento do princípio consagrado em cláusula geral aberta na relação contratual. É pela observância de tal princípio, notadamente aplicável aos contratos massificados, que a teoria se situa preponderante, como elemento impediente ao direito de resolução do contrato, sob a inspiração da doutrina de Couto e Silva. Para a caracterização do adimplemento substancial (tal qual reconhecido pelo Enunciado 361 da IV Jornada de Direito Civil — CJF), leva-se em conta tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos” (Enunciado 586). Ou seja, em uma obra de construção civil, por exemplo, de construção de um edifício de vários andares, pode ser considerada falta grave uma única omissão, como a não colocação dos elevadores, porque impossibilitaria ou dificultaria muito o seu uso; e de pouca monta, aplicando-se então à hipótese a teoria do adimplemento substancial, vários pequenos defeitos, que não inviabilizam a utilização da obra. Pior que a disparidade entre decisões proferidas com base em situações fáticas semelhantes — notadamente, aquelas em que há cumprimento quantitativo de 60 a 70% do contrato —, o que espanta é a ausência de uma análise qualitativa, imprescindível para se saber se o cumprimento não integral ou imperfeito alcançou ou não a função que seria desempenhada pela relação obrigacional em concreto. Em outras palavras, urge reconhecer que não há um parâmetro numérico fixo que possa servir de divisor de águas entre o adimplemento substancial ou o inadimplemento tout court, passando a aferição de substancialidade por outros fatores que escapam ao mero cálculo percentual. • Cláusula resolutiva expressa: o Código Civil de 2002 prevê a cláusula resolutiva expressa sem qualquer limitação, seja quanto à natureza do contrato, seja quanto à parte beneficiada (pode afetar qualquer das partes), no art. 474, verbis: “A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.” Bem andou o atual diploma, tratando como cláusula, e não como condição, a hipótese prevista no dispositivo retrotranscrito. Também, acertadamente, suprimiu a referência que o parágrafo único do art. 119 do Código de 1916 fazia à condição resolutiva tácita, por não se tratar propriamente de condição em sentido técnico, considerando-se que esta só se configura caso aposta ao negócio jurídico. E a denominada condição resolutiva expressa — que é, juridicamente, condição — opera, como qualquer outra condição em sentido técnico, de pleno direito. • Necessidade de pronunciamento judicial: em ambos os casos, tanto no de cláusula resolutiva expressa ou convencional como no de cláusula resolutiva tácita, a resolução deve ser judicial, ou seja, precisa ser judicialmente pronunciada. No primeiro, a sentença tem efeito meramente declaratório e ex tunc, pois a resolução dá -se automaticamente, no momento do inadimplemento; no segundo, tem efeito desconstitutivo, dependendo de interpelação judicial. Havendo demanda, será possível aferir a ocorrência dos requisitos exigidos para a resolução e, inclusive, examinar a validade da cláusula, bem como avaliar a importância do inadimplemento, pois a cláusula resolutiva, “apesar de representar manifestação de vontade das partes, não fica excluída da obediência aos princípios da boa -fé e das exigências da justiça comutativa. DIREITO DE ARREPENDIMENTO Quando expressamente previsto no contrato, o arrependimento autoriza qualquer uma das partes a rescindir o ajuste, mediante declaração unilateral da vontade, sujeitando -se à perda do sinal ou à sua devolução em dobro sem, no entanto, pagar indenização suplementar. Configuram -se, in casu, as arras penitenciais, previstas no art. 420 do Código Civil272. O direito de arrependimento deve ser exercido no prazo convencionado ou antes da execução do contrato se nada foi estipulado a esse respeito, pois o adimplemento deste importará renúncia tácita àquele direito. O Código de Defesa do Consumidor concede a este o direito de desistir do contrato, no prazo de sete dias, sempre que a contratação se der fora do estabelecimento comercial, especialmente quando por telefone ou em domicílio, com direito de devolução do que pagou, sem obrigação de indenizar perdas e danos (art. 49). Trata -se de caso especial de arrependimento, com desfazimento do contrato por ato unilateral do consumidor. O fundamento encontra -se na presunção de que, por ter sido realizado fora do estabelecimento comercial, o contrato não foi celebrado com a reflexão necessária. CAUSAS SUPERVENIENTES À FORMAÇÃO DO CONTRATO Verifica -se a dissolução do contrato em função de causas posteriores à sua criação por: resolução, como consequência do seu inadimplemento voluntário, involuntário ou por onerosidade excessiva; resilição, pela vontade de um ou de ambos os contratantes; morte de um dos contratantes, se o contrato for intuitu personae; e rescisão, modo específico de extinção de certos contratos. RESOLUÇÃO A obrigação visa à realização de determinado fim. Nem sempre, no entanto, os contraentes conseguem cumprir a prestação avençada, em razão de situações supervenientes, que impedem ou prejudicam a sua execução. A extinção do contrato mediante resolução tem como causa a inexecução ou incumprimento por um dos contratantes. Resolução, portanto, na lição de Orlando Gomes, é “um remédio concedido à parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial”. O inadimplemento por ser voluntário (culposo) ou não (involuntário). RESOLUÇÃO POR INEXECUÇÃO VOLUNTÁRIA A resolução por inexecução voluntária decorre de comportamento culposo de um dos contraentes, com prejuízo ao outro. Produz efeitos ex tunc, extinguindo o que foi executado e obrigando a restituições recíprocas, sujeitando, ainda, o inadimplente ao pagamento: a) das perdas e danos; e b) da cláusula penal, convencionada para o caso de total inadimplemento da prestação (cláusula penal compensatória), em garantia de alguma cláusula especial ou para evitar o retardamento (cláusula penal moratória), conforme os arts. 475 e 409 a 411 do Código Civil. Entretanto, se o contrato for de trato sucessivo, como o de prestação de serviços de transporte e o de locação, por exemplo, a resolução não produz efeito em relação ao pretérito, não se restituindo as prestações cumpridas. O efeito será, nesse caso, ex nunc. O devedor acionado por resolução pode apresentar várias defesas, de direito material ou de natureza processual, por exemplo: que o contrato não é bilateral; que o cumpriu integralmente ou de modo substancial, suficiente para impedir a sua resolução (não foi paga apenas pequena parcela do preço); que não o cumpriu porque o credor, que deveria cumprir antes a sua parte, não o fez (exceptio non adimpleti contractus); que o credor já não está legitimado à ação, porque houve cessão da posição contratual, ou que o réu já não é o devedor, em virtude de assunção dessa posição, com exclusão da responsabilidade; prescrição do direito de crédito; ou advento de circunstâncias que alteraram a base do negócio, tornando inexigível a prestação (onerosidade excessiva). É necessário que o não cumprimento invocado por quem pede a resolução “seja razoavelmente sério e grave, e prejudique, de modo objetivamente considerável, o seu interesse”. Se uma parte manifestou sempre tolerância por certa margem de atraso ou de pagamento de valor inexato, pouco inferior ao convencionado, “isto pode ter relevância para excluir a possibilidade de resolução do contrato por falta de cumprimento integral”. O juiz, ao avaliar, em cada caso, a existência desses pressupostos, levará em conta os princípios da boa-fé e da função social do contrato, bem como as legítimas expectativas das partes em relação à complexidade econômica do negócio. RESOLUÇÃO POR INEXECUÇÃO INVOLUNTÁRIA A resolução pode também decorrer de fato não imputável às partes, como sucede nas hipóteses de ação de terceiro ou de acontecimentos inevitáveis, alheios à vontade dos contraentes, denominados caso fortuito ou força maior, que impossibilitam o cumprimento da obrigação. • Requisitos — a inexecução involuntária caracteriza -se pela impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato. Há de ser: a) objetiva, isto é, não concernir à própria pessoa do devedor, pois deixa de ser involuntária se de alguma forma este concorre para que a prestação se torne impossível285; b) a impossibilidade deve ser, também, total, pois, se a inexecução for parcial e de pequena proporção, o credor pode ter interesse em que, mesmo assim, o contrato seja cumprido; c) há de ser, ainda, definitiva. Em geral, a impossibilidade temporária acarreta apenas a suspensão do contrato. Somente se justifica a resolução, neste caso, se a impossibilidade persistir por tanto tempo que o cumprimento da obrigação deixa de interessar ao credor. Mera dificuldade, ainda que de ordem econômica, não se confunde com impossibilidade de cumprimento da avença, exceto se caracterizar onerosidade excessiva. O inadimplente não fica, no caso de inexecução involuntária, responsável pelo pagamento de perdas e danos, salvo se expressamente obrigou -se a ressarcir os “prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior” ou estiver “em mora” (CC, arts. 393 e 399). A resolução opera de pleno direito. Cabe a intervenção judicial para proferir sentença de natureza declaratória e obrigar o contratante a restituir o que recebeu. O efeito da resolução por inexecução decorrente do fortuito e da força maior é retroativo, da mesma forma como ocorre na resolução por inexecução culposa, com a diferença que, na primeira hipótese, o devedor não responde por perdas e danos. Todavia, deve restituir o que eventualmente tenha recebido, uma vez resolvido o contrato. RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA - CLÁUSULA “REBUS SIC STANTIBUS” E A TEORIA DA IMPREVISÃO Embora o princípio pacta sunt servanda ou da intangibilidade do contrato seja fundamental tanto para a segurança nos negócios quanto a qualquer organização social, os negócios jurídicos podem sofrer as consequências de modificações posteriores das circunstâncias,com quebra insuportável da equivalência. Tal constatação deu origem ao princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva, que se opõe àquele, pois permite aos contratantes recorrerem ao Judiciário para obterem alteração da convenção e condições mais humanas em determinadas situações. • Breve retrospecto histórico — essa teoria originou -se na Idade Média, mediante a constatação de que fatores externos podem gerar, quando da execução da avença, uma situação diversa da que existia no momento da celebração, onerando excessivamente o devedor. Desenvolveu -se com o nome de rebus sic stantibus e consiste basicamente em presumir, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar -se em razão de acontecimentos extraordinários, como uma guerra, que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente. A referida teoria permaneceu longo tempo no esquecimento, sobretudo após o movimento revolucionário do século XVIII, quando se pregou que o homem, livre e igual, podia obrigar -se em pactos individuais com a mesma força vinculativa e obrigatória da lei. O recrudescimento da cláusula rebus sic stantibus veio a ocorrer, porém, efetivamente, no período da I Guerra Mundial, de 1914 a 1918, que provocou um desequilíbrio nos contratos de longo prazo. Na França, editou -se a Lei Faillot, de 21 de janeiro de 1918. Na Inglaterra, recebeu a denominação de Frustration of Adventure. Outros a acolheram em seus Códigos, fazendo as devidas adaptações às condições atuais. A teoria da impossibilidade superveniente, regulada nos Códigos contemporâneos, aplica -se a diversas situações criadas por modificação posterior da situação de fato, ensejando a quebra do contrato287. Entre nós, a teoria em relevo foi adaptada e difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca com o nome de teoria da imprevisão. Em razão da forte resistência oposta à teoria revisionista, o referido autor incluiu o requisito da imprevisibilidade para possibilitar a sua adoção. Assim, não era mais suficiente a ocorrência de um fato extraordinário para justificar a alteração contratual. Passou a ser exigido que este fosse também imprevisível. É por essa razão que os tribunais não aceitam a inflação e alterações na economia como causas para a revisão dos contratos. Tais fenômenos são considerados previsíveis entre nós. A resolução por onerosidade excessiva tem a característica de poder ser utilizada por ambas as partes, seja pelo devedor, seja pelo credor. Onerosidade excessiva e contratos aleatórios — em linha geral, o princípio da resolução dos contratos por onerosidade excessiva não se aplica aos contratos aleatórios, porque estes envolvem um risco, sendo -lhes ínsita a álea e a influência do acaso, salvo se o imprevisível decorrer de fatores estranhos ao risco próprio do contrato. A propósito, que “nunca haverá lugar para a aplicação da teoria da imprevisão naqueles casos em que a onerosidade excessiva provém da álea normal e não do acontecimento imprevisto, como ainda nos contratos aleatórios, em que o ganho e a perda não podem estar sujeitos a um gabarito determinado. RESILIÇÃO A resilição não deriva de inadimplemento contratual, mas unicamente da manifestação de vontade, que pode ser: a) bilateral; ou b) unilateral. Resilir, do latim resilire, significa, etimologicamente, “voltar atrás”. Resilição bilateral — a resilição bilateral denomina -se distrato, que é o acordo de vontades que tem por fim extinguir um contrato anteriormente celebrado. Resilição unilateral — a unilateral, por sua vez, pode ocorrer somente em determinados contratos, pois a regra é a impossibilidade de um contraente romper o vínculo contratual por sua exclusiva vontade. DISTRATO E QUITAÇÃO Dispõe o art. 472 do Código Civil: “O distrato faz -se pela mesma forma exigida para o contrato.” A quitação, porém, segundo o art. 320 do mesmo diploma, inserido no capítulo concernente à prova do pagamento, “sempre poderá ser dada por instrumento particular”. Não precisa, destarte, obedecer à mesma forma do contrato. Hipoteca, por exemplo, só pode ser convencionada por escritura pública. A quitação do crédito hipotecário, contudo, pode ser outorgada por instrumento particular. Entretanto, como o citado dispositivo exige determinados requisitos para a validade da quitação, dentre eles a assinatura do credor, obviamente esta deve ter a forma escrita. Conceito de distrato: segundo a lição de Caio Mário, distrato ou resilição bilateral “é a declaração de vontade das partes contratantes, no sentido oposto ao que havia gerado o vínculo. É o contrarius consensus dos romanos, gerando o contrato liberatório. Algumas vezes é chamado de mútuo dissenso”. Mais adequada se mostra a expressão mútuo consenso, que dá a ideia de vontade concordante. Qualquer contrato pode cessar pelo distrato: é necessário, todavia, que os efeitos não estejam exauridos, uma vez que o cumprimento é a via normal da extinção. Contrato extinto não precisa ser dissolvido. Se já produziu algum efeito, o acordo para extingui-lo não é distrato, mas outro contrato que modifique a relação. O mecanismo do distrato é o que está presente na celebração do contrato: a mesma vontade humana, que tem o poder de criar, atua na direção oposta para dissolver o vínculo e devolver a liberdade àqueles que se encontravam compromissados. • Interpretação racional do art. 472 retrotranscrito: a exigência de observância da mesma forma exigida para o contrato, feita no citado art. 472, não deve ser interpretada, contudo, de forma literal, mas com temperamento: o distrato deve obedecer à mesma forma do contrato a ser desfeito quando este tiver forma especial, mas não quando esta for livre. Desse modo, a compra e venda de imóvel de valor superior à taxa legal, que exige escritura pública, só pode ser desfeita, de comum acordo, por outra escritura pública. Mas o contrato de locação, que tem forma livre, pode ser objeto de distrato verbal, mesmo tendo sido constituído mediante contrato escrito, por exemplo. Proclamou o Tribunal de Justiça de São Paulo: “Nos termos do art. 472 do Código Civil, ‘o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato’. Vale salientar que, consoante referido dispositivo, o distrato deve ocorrer pela forma exigida por lei. Logo, se o contrato tem forma livre, como é o caso do contrato de locação ora em análise, o distrato também o terá. Destarte, ainda que as partes tenham celebrado o contrato de locação de fls. 06/08 por instrumento escrito, possível que o distrato seja realizado de modo verbal do caso em análise”. Os efeitos do distrato são, efetivamente, ex nunc, para o futuro, não se desfazendo os anteriormente produzidos. Resilição unilateral: denúncia, revogação, renúncia e resgate A resilição, como já se disse, não deriva de inadimplemento contratual, mas, sim, unicamente da manifestação de vontade. O fundamento para a sua efetivação seria, assim, a vontade presumida. Outras vezes, o contrato se baseia na confiança e só perdura enquanto esta existir entre as partes. Por último, os próprios sujeitos reservam -se o direito de arrependimento, submetendo -se à perda ou ao pagamento em dobro das arras penitenciais. Segundo Orlando Gomes304, a faculdade de resilição unilateral é suscetível de ser exercida: a) nos contratos por tempo indeterminado; b) nos contratos de execução continuada, ou periódica; c) nos contratos em geral, cuja execução não tenha começado; d) nos contratos benéficos; e e) nos contratos de atividade. A resilição é o meio próprio para dissolver os contratos por tempoindeterminado. Se não fosse assegurado o poder de resilir, seria impossível ao contratante libertar -se do vínculo caso o outro não concordasse. Pode ocorrer, assim, somente nas obrigações duradouras, contra a sua renovação ou continuação, independentemente do não cumprimento da outra parte, nos casos permitidos na lei (p. ex., denúncia prevista nos arts. 6º, 46, § 2º, e 57 da Lei n. 8.245, de 18-10-1991, sobre locação de imóveis urbanos) ou no contrato. • Denúncia: obrigação duradoura é aquela que não se esgota em uma só prestação, mas supõe um período de tempo mais ou menos extenso, tendo por conteúdo ou uma conduta duradoura (cessão de uso, arrendamento, locação), ou a realização de prestações periódicas (como no pagamento dos aluguéis e no fornecimento de gás, de alimentação, de energia, de mercadorias etc. por prazo indeterminado). Nesses casos, a resilição denomina -se denúncia. • Revogação ou renúncia: podem ser mencionados, ainda, como exemplos de contratos que admitem resilição, os de mandato, comodato e depósito. No primeiro, a resilição denomina -se revogação ou renúncia, conforme a iniciativa seja, respectivamente, do mandante ou do mandatário. Efetivamente, os contratos estipulados no pressuposto da confiança recíproca entre as partes podem resilir -se ad nutum, pelas formas mencionadas. • Resgate: na enfiteuse, ocorre o resgate (CC/1916, art. 693), como modo de liberação unilateral do ônus real. • Declaração receptícia da vontade: a resilição unilateral independe de pronunciamento judicial e produz efeitos ex nunc, não retroagindo. Para valer, deve ser notificada à outra parte, produzindo efeitos a partir do momento em que chega a seu conhecimento. É, destarte, declaração receptícia da vontade. A princípio, não precisa ser justificada, mas em certos contratos exige - se que obedeça à justa causa. Nessas hipóteses, a inexistência de justa causa não impede a resilição do contrato, mas a parte que o resiliu injustamente fica obrigada a pagar à outra perdas e danos306. • Hipótese em que uma das partes efetuou investimentos consideráveis: dispõe o art. 473 do Código Civil de 2002, inovando: “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.” Na hipótese, em vez de simplesmente determinar o pagamento de perdas e danos sofridas pela parte que teve prejuízos com a dissolução unilateral do contrato, o legislador optou por atribuir uma tutela específica, convertendo o contrato, que poderia ser extinto por vontade de uma das partes, em um contrato comum, com duração pelo prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. Em um contrato de comodato de imóvel sem prazo, por exemplo, não é razoável que, poucos dias depois de o comodatário se instalar, o comodante solicite a sua restituição sem a ocorrência de fato superveniente que a justifique. Nesse caso, se o comodatário realizou obras no imóvel para ocupá -lo, esse prazo ainda pode estender -se por muito mais tempo. Certos contratos, todavia, não comportam a incidência da regra do mencionado parágrafo único do art. 473 do atual diploma. O de mandato, por exemplo, admite por sua natureza a resilição incondicional, porque se esteia na relação de confiança entre as partes. Nessas situações, resta ao lesado “apenas obter indenização pelos danos sofridos, sem a possibilidade de extensão compulsória da vigência do contrato”. Quando, em um contrato bilateral, as partes convencionam a possibilidade de resilição voluntária por declaração unilateral de vontade (no contrato de trabalho por tempo determinado em que se reservam o direito de resilir ante tempus, mediante aviso prévio, p.ex.), produz ela as consequências do distrato. Embora a notificação seja unilateral, a cessão do contrato é efeito do ajuste bilateral realizado. Por essa razão, é tratada por alguns autores, como Orlando Gomes308, enquanto resilição convencional. MORTE DE UM DOS CONTRATANTES A morte de um dos contratantes só acarreta a dissolução dos contratos personalíssimos (intuitu personae), que não poderão ser executados pela morte daquele em consideração do qual foi ajustado. Subsistem as prestações cumpridas, pois o seu efeito opera -se ex nunc. Nesses casos, a impossibilidade da execução do contrato sem culpa tem como consequência a sua resilição automática, dado que é insubstituível a parte falecida. Essa cessação, segundo expressa Caio Mário, citando os irmãos Mazeaud, pode -se dizer resilição convencional tácita, por entender -se que os contratantes a avençaram com a cláusula implícita de extinção. RESCISÃO Entre nós, o termo rescisão é usado como sinônimo de resolução e de resilição. Deve ser empregado, no entanto, em boa técnica, nas hipóteses de dissolução de determinados contratos, como aqueles em que ocorreu lesão ou que foram celebrados em estado de perigo. Segundo Messineo, dois, efetivamente, são os casos em que se admite a rescisão: a) quando o contrato é celebrado em estado de perigo e em condições iníquas; b) quando acarreta uma lesão sofrida por uma das partes, determinada por uma situação de necessidade que a impulsionou a concluí -lo. ■ A lesão: é defeito do negócio jurídico, que se configura quando uma pessoa obriga -se a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação assumida pelo outro contraente (CC, art. 157). É, assim, como dissemos na 1ª Parte desta obra, item 7.5.6.1, o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as prestações de um contrato, no momento de sua celebração, determinada pela premente necessidade ou inexperiência de uma das partes. O Código Civil a considera um vício do consentimento, que torna anulável o contrato (art. 178, II). ■ O estado de perigo: assemelha -se à anulação pelo vício da coação e caracteriza -se quando a avença é celebrada em condições desfavoráveis a um dos contratantes, que assume obrigação excessivamente onerosa, em situação de extrema necessidade, conhecida da outra parte (CC, art. 156). Os efeitos da sentença retroagem à data da celebração do contrato, em ambos os casos. Destarte, a parte que recebeu fica obrigada a restituir. O art. 178, II, do Código Civil declara anulável o negócio jurídico celebrado em estado de perigo.
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