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Primeira República (1889-1930) Autora Lidiane Vieira Apresentação Neste material, estudaremos os quarenta anos da Primeira República (1889-1930), um período conflituoso, cuja característica afeta até mesmo seu nome. Aqui, optamos por não utilizar a nomenclatura “República Velha”, atribuição pejorativa dada pelos entusiastas do movimento que pôs fim a esse período, a Revolução de 1930. O objetivo desta escolha é motivar você a estudar este momento histórico despido de impressões negativas. Alterar um regime político não se resume a depor o anterior, daí decorrem momentos importantes de fundação e estabilização do novo sistema. Este será o enredo da Unidade 1, em que aprenderemos sobre a primeira constituição republicana de 1891 e os acordos políticos que mantiveram, no poder, parte da elite oligárquica do país. Também veremos como os mecanismos desta estrutura envolvem um sistema eleitoral fraudulento e excludente. Este aspecto demofóbico da Primeira República será assunto da segunda unidade. Nela, será possível mapear as reações populares, ocorridas no campo e na cidade, ao padrão de cidadania que se consolidava no período. De características variadas, estudaremos os trágicos extermínios das Guerras de Canudos e Contestado e as lutas urbanas durante a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, e a Greve Geral de 1917, em São Paulo. Todas estas transformações, que ocorriam no campo político, social e econômico, são consequentemente representadas pelos movimentos no plano da produção artística. Como não poderia ser diferente, dedicamos uma unidade para explorar as contribuições que personalidades marcantes, como Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Anita Malfatti, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, produziram para a cultura nacional, com destaque para o movimento modernista e a icônica Semana de Arte Moderna de 1922. Na última unidade, destrincharemos o preâmbulo do fim da primeira experiência republicana no Brasil. Passaremos pelas condições econômicas e políticas no âmbito interno e externo para situarmos contextualmente as insatisfações dos atores e as circunstâncias nas quais estavam inseridos. Dessa maneira, será possível posicionar a falência da política oligárquica da Primeira República, o movimento tenentista e a insatisfação das elites alijadas do poder de maneira a compreender a Revolução de 1930 que depôs o governo e deu início a 15 anos consecutivos de Getúlio Vargas no poder. Ao longo desta trajetória, abordaremos perspectivas variadas dos acontecimentos, com o objetivo de que você possa construir um entendimento plural e consistente sobre a Primeira República. Esperamos que esta experiência te aproxime um pouco mais da história do nosso país. Montagem e construção do regime republicano1 Durante as últimas décadas do século XIX, aconteceram transformações centrais para os rumos do país, como o fim da escravidão e a queda do regime monárquico. Banida a família imperial, iniciou-se um novo período, conduzido pelos líderes do movimento republicano, que se organizavam formalmente desde os anos 1870. É importante relembrarmos que este movimento era plural, tanto no aspecto representativo, sendo composto por profissionais liberais e por cafeicultores, como, por conseguinte, em posicionamentos a respeito de pautas importantes, como a escravidão. Após a consumação do golpe de 15 de novembro de 1889, que foi encorpado pelos republicanos de 14 de maio e pelos militares, em especial Deodoro da Fonseca, estabeleceu-se o governo provisório. Estavam representados, nesse primeiro grupo, militares de carreira e os de formação científica, republicanos históricos, intelectuais reformistas, alguns deles positivistas e membros do Partido Republicano Paulista. Em quatro décadas de regime, o país contou com doze eleições presidenciais e alguns mandatos não concluídos. Para melhor compreendermos este momento de transições sociais, políticas e econômicas, nesta unidade, estudaremos as bases sobre as quais este regime foi construído. Em resumo, três são as principais temáticas abordadas a seguir: a Constituição de1891, a política dos governadores e a política do café com leite. A partir destas estruturas institucionais e políticas, será possível mapear e analisar os grupos reorganizados após o fim da monarquia e as principais pautas em disputa. Videoaula - As sufragistas brasileiras Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466145806] . Após 67 anos de regime monárquico no Brasil (1822-1889), o golpe militar de 15 de novembro instaurou a República. Divergindo da interpretação clássica a respeito da inevitabilidade da queda do Império, pesquisas recentes (LYNCH, 2018) demostram que as crises do sistema não datavam de décadas, mas de poucos anos antes de seu fim. Tal perspectiva demostra que, mesmo diante de boatos da abdicação de Dom Pedro II, a preferência pela monarquia se mantinha firme até entre republicanos moderados, que aguardavam a morte do monarca para implantar uma mudança evolucionista. Embora a monarquia não estivesse fadada ao fracasso, a ruptura institucional aconteceu e foi protagonizada pelo movimento republicano, ainda pouco popular – vide a baixa representatividade da bandeira nas esferas de poder eletivas –, e pelos militares que haviam sido alijados do poder, especialmente durante o ministério Ouro Preto, o último do Império. A união de última hora destas forças políticas, como os republicanos de 14 de maio, provocaria consequências na recomposição de forças durante a organização do novo sistema instaurado. A primeira constituição republicana (1891)1.1 Proclamada oficialmente a República, estabeleceu-se o governo provisório, formado por Deodoro como presidente e Eduardo Wandenkolk como ministro da Marinha, ambos militares de carreira; também militar, mas de formação científica, Benjamin Constant era ministro da Guerra; o intelectual reformista Rui Barbosa como ministro da Fazenda; positivistas, como Demétrio Ribeiro, no Ministério da Agricultura; Quintino Bocaiúva como ministro das Relações Exteriores e Aristides Lobo como ministro do Interior eram os representantes dos republicanos históricos, assim como membros do Partido Republicano Paulista, como o futuro presidente Campos Sales, como ministro da Justiça. Figura 1 – Deodoro da Fonseca. Deodoro da Fonseca (1827-1892). Fonte: Brasil, 1889. A coalisão de forças de matrizes variadas em prol da república, organizada nos últimos momentos, resultou em um processo de estabilidade mais acidentado ao longo da Primeira República. Derrotada a monarquia, inimigo comum, a coalisão se fragmentou diante das distinções já existentes. Ao longo do período, dois modelos políticos representariam esta disputa pela condução do país: o liberal federalista e o ditatorial positivista (MATTOS, 2012). A primeira corrente ganha força ao ser representada na Constituição de 1891, que estudaremos nesta seção. Já a segunda enfraqueceu-se especialmente após o massacre de Canudos, reforçando o poder das oligarquias. Enquanto não havia nova constituição, o governo provisório baixou o Decreto de nº 1 e, logo no primeiro artigo, estabelecia: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da Nação brasileira - a República Federativa”, alteração que haveria de ser confirmada pelo “pronunciamento definitivo do voto da Nação, livremente expressado pelo sufrágio popular”. Neste primeiro documento, também foi alterado o nome do país de Império do Brasil para República dos Estados Unidos do Brasil, além de transformar as antigas províncias em estados, sendo a cidade do Rio de Janeiro sede provisória do poder federal. Nos primeiros meses de governo, também por meio de decreto, foi implementada a separação entre Igreja e Estado, pondo fim ao regime do padroado e estabelecendo a liberdade religiosa para indivíduos, igrejas, associações e instituições. Outros decretos que antecederama Constituição de 1891 estabeleceram a secularização dos cemitérios, o casamento civil obrigatório e a regularização do registro civil, atividades antes administradas pela Igreja Católica. Outro aspecto importante, quando da mudança de regime, são os novos símbolos, que garantiram a identidade e a distinção para com o momento anterior. Embora alterações tenham sido feitas, aproveitaram-se cores, consideradas símbolos da pátria, e formas do período monárquico existentes para construir a identidade republicana, como podemos ver nas Figuras 2 e 3. O decreto foi publicado dia 19 de novembro de 1889, atual dia da bandeira. A nova bandeira foi desenhada por Teixeira Mendes, presidente do Apostolado Positivista do Brasil, juntamente com Miguel Lemos e o professor de Astronomia Manuel Pereira Reis. Figura 2 – Bandeira do Brasil Império. Fonte: Debret,1822. Figura 3 – Bandeira do Brasil República. Fonte: Brasil, 1992. Desde a independência, o Brasil teve apenas duas bandeiras oficiais, uma do período monárquico (1822-1889) e outra do republicano (1889-atual). Mas você sabia que, nos primeiros dias da República, foi criada uma bandeira provisória? Ela possuía forte inspiração na bandeira estadunidense e, por isso, foi rejeitada por Deodoro da Fonseca, que teria exclamado: “Senhores, mudamos o regime, não a Pátria! Nossa bandeira é reconhecidamente bela e não vamos mudá-la de maneira nenhuma!” Ainda em 1889, o governo provisório, por meio do Decreto nº 29, definiu a comissão responsável por redigir um projeto a ser apresentado ao Congresso Nacional Constituinte, grupo que ficou conhecido como Comissão de Petrópolis, ou Comissão dos Cinco. Faziam parte desta comissão Joaquim Saldanha Marinho, Américo Brasiliense de Almeida Melo, Antônio Luís dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro. Também por decreto, ficou estabelecido que as eleições dos constituintes ocorreriam dia 15 de setembro do ano seguinte e o Congresso iniciaria os trabalhos dois meses depois, dia 15 de novembro. Após elaboração de diversas versões, a Comissão de Petrópolis apresentou o projeto ao governo provisório, passando pelo crivo da Comissão de Ministros liderada por Rui Barbosa. Nos 85 artigos que compunham os documentos, estavam propostas de um sistema federativo, que concedia pouca autonomia aos estados, tanto política como financeira. Estabelecia, em seis anos, a duração do mandato presidencial, eleição indireta para presidente e vice-presidente, ensino público leigo e livre, possibilidade de que o presidente fosse processado por crimes de responsabilidade, separação entre Igreja e Estado, abolição da pena de morte em caso de crimes políticos, entre outras questões. Figura 4 – Bandeira Provisória da República. Fonte: Brasil, 1889. Foi no palácio imperial de São Cristóvão que as casas legislativas se reuniram e instalaram a segunda Assembleia Nacional Constituinte da história do Brasil. Segundo o regimento aprovado nos primeiros dias, foi eleita uma comissão com 21 representantes para dar parecer ao anteprojeto apresentado pelo governo provisório. Dentre as poucas modificações propostas, estavam a eleição direta para o Senado Federal e para presidente; a redução do mandato presidencial de seis para quatro anos; a criação de um Tribunal de Contas e um Supremo Tribunal Militar; fim da pena de morte em qualquer caso, reservada às disposições da legislação militar em tempo de guerra, entre outras. Depois de diversas discussões e emendas ao parecer do anteprojeto, o texto retornou à Comissão dos 21, que redigiu a versão final da Constituição, assinada pelos parlamentares e promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891. Estabelecida a Carta, terminou o governo provisório, foram eleitos, pela Constituinte, Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, presidente e vice-presidente, respectivamente. Em resumo, o documento implantava o presidencialismo, sendo o mandato de quatro anos, e o federalismo amplo, concedendo, aos estados, o direito de terem suas próprias constituições. Você sabia que a Constituição de 1891 recebeu fortes influências de instituições argentinas? O interesse na maneira como os vizinhos haviam adaptados o republicanismo estadunidense contribuiu para que o anteprojeto da primeira constituição republicana brasileira fosse muito próximo da Constituição Platina de 1853/1860. Para saber mais sobre esta relação, leia: LYNCH, Christian. O caminho para Washington passa por Buenos Aires: a recepção do conceito argentino do estado de sítio e seu papel na construção da República Brasileira (1890-1898). RBCS, v. 27, n. 78, fev. 2012. Videoaula - Voto de Cajado Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466146338] . Durante os debates na Assembleia Constituinte, duas correntes políticas ganharam destaque: os unionistas e os federalistas. O primeiro grupo defendia um federalismo mais centralizado, dando, à União, maiores poderes. Seu líder mais notável era o senador Rui Barbosa. Já os federalistas defendiam maior autonomia para os estados, sendo seus principais representantes: Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Campos Sales e Lauro Müller. Com a ausência do Poder Moderador, as eleições ganharam maior importância na definição da representatividade política. Contudo, a participação política continuou reduzida, à semelhança da reforma eleitoral de 1881, já que a Constituição manteve a proibição do direito de voto aos analfabetos. Mesmo com a redução da idade mínima de 25 para 21 anos, apenas 2% da população estava apta a participar do sufrágio, porcentagem que não ultrapassaria os 5% até o fim da vigência da Carta de 1891. Além dos analfabetos também estavam excluídos do direito ao voto, segundo o artigo 70 da Constituição, mendigos, os praças de pré e religiosos. Interessante que as mulheres não estavam nesta lista explicitamente. A lei dizia: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”. A ambiguidade do texto levou mulheres a tentarem se alistar para votar em diversos lugares do Brasil. Há quem entenda que a ausência do termo explícito se dá pela longa discussão prévia na Constituinte, em que foram rejeitadas emendas que possibilitassem o voto feminino. Outros tiveram o entendimento de que os constituintes deixaram a decisão final para lei ordinária posterior. Outro aspecto eleitoral determinado pela Constituição de 1891 foi o voto aberto, ao invés do secreto. A perspectiva de que o cidadão deveria expor livremente e defender suas concepções políticas, fundamento para o voto não ser secreto, não funcionou como o esperado na prática. Com a execução do sistema, havia consenso entre políticos governistas e de oposição que a fraude e o falseamento do voto eram constitutivos das eleições do período. Sendo assim, as juntas apuradoras, responsáveis por conduzir o processo eleitoral, possuíam maior importância para o resultado do pleito do que o eleitorado. Apesar de o voto feminino ter sido conquistado no Brasil apenas em 1932, a primeira eleitora brasileira registrou-se em 1927. Isso ocorreu devido à lei estadual do Rio Grande do Norte, que reconhecia o voto feminino: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”. Celina Guimarães Viana, professora em Mossoró, foi a primeira eleitora a alistar-se. Para saber mais, acesse: tse.jus.br [http://www.tse.jus.br/imagens/fotos/professora-celina-guimaraes-vianna-primeira- eleitora-do-brasil] . Talvez você esteja se questionando a respeito desta afirmação, já que o “voto de cabresto” é uma temática clássica dos estudos da Primeira República. E, se as eleições eram fraudadas, qual seria a importância para os coronéis de dominar o eleitorado local? Questionar a contribuição de Victor Nunes Leal no Coronelismo, enxada e voto não é o objetivo. Segundo oautor, o Coronelismo seria uma forma peculiar de manifestação do poder privado, em que é estabelecido “um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras”. Figura 5 – Voto de Cabresto. Fonte: Abscent84/istock.com No entanto, o entendimento a respeito das fraudes eleitorais esvazia as influências do mandonismo local a partir do voto de cabresto. Por outro lado, não anula as reflexões de Leal, porque o clássico nos apresenta o controle eleitoral como moeda de troca e poder entre os coronéis. Com a ampliação da autonomia local e a criação de prefeituras, aprofundou-se os conflitos entre as elites locais. Desta forma, o pacto coronelista era um mecanismo capaz de coordenar as negociações entre os coronéis locais e a oligarquia estadual (MATTOS, 2012). Embora não haja defesa a respeito da prática das fraudes eleitorais, é preciso ter certa cautela ao analisá-la, especialmente em duas questões: função e frequência. As fraudes eram entendidas como mecanismo de manutenção do status quo, portanto, inerentes ao sistema representativo oligárquico, além do fato de que tais práticas não estavam restritas ao Brasil ou à América Latina. De outro modo, estiveram presentes antes da consolidação democrática em diversos países (LYNCH, 2014). O diagnóstico de baixa representatividade política também pode ser estendido para o campo social. A ruptura com a monarquia, como vimos, não trouxe consigo de imediato a transformação de todas as esferas, foi preciso tempo e debate para que fosse elaborada uma nova constituição e um novo código civil. Clóvis Beviláqua foi o responsável por redigir o projeto do Código Civil Brasileiro para substituir as Ordenações do Reino, que regiam a vida civil dos brasileiros. Algumas temáticas, como o divórcio e a igualdade civil entre homens e mulheres presentes no projeto, não foram incorporadas no texto final, sendo as mulheres consideradas incapazes, assim como as crianças e as populações indígenas. Após intenso debate, especialmente com Rui Barbosa, foi aprovado o código, que entrou em vigor em 1917, vigorando até 2002. Amplas restrições de direitos se mantiveram após a Proclamação da República. Embora possa parecer um contra senso para alguns, observe a afirmação de um senador governista diante da reivindicação por um sistema mais plural: “A república não é a que o nobre senador quer que seja – uma democracia pura. Nós temos uma democracia autoritária, copiada da americana” (LYNCH, 2014). Diante da ausência de parcela da população participando da política, precisamos nos perguntar quem fazia parte do pacto oligárquico e como ele manteve o sistema de pé. Videoaula - A campanha civilista Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466146881] . Embora as transformações causadas pela Proclamação da República não tenham chegado no dia 16 de novembro de 1889, os quarenta anos que se seguiriam daquele golpe militar representariam mudanças profundas para a história do país. Ao longo do tempo, diagnósticos e interpretações diversas se consolidaram a respeito do primeiro regime republicano do Brasil. Entre eles, ganhou mais relevância a denominação de República Velha e a exploração da dimensão do atraso nela implícita. A fim de enfrentar esta perspectiva, Wanderley Guilherme dos Santos (2013) analisa o conceito de oligarquia e apresenta a Primeira República a partir de seus próprios termos. Isto é, a ausência de pluralidade que a leitura da Constituição de 1891 evidencia relaciona-se não com a falência do sistema, mas com sua estrutura oligárquica, sistema esse que garantiu, durante as quatro décadas em que esteve em vigor, um governo estável. Pode parecer estranho que um governo de transição que contou com revoltas urbanas e rurais do nível de Canudos e da Revolta da Vacina seja considerado estável. Mas a atenção de Política dos governadores1.2 Wanderley estava voltada para a maneira como a composição oligárquica gerenciou os conflitos do poder político durante a Primeira República. Em outras palavras, o fato de ser oligárquico e, portanto, contar com acordos prévios entre as elites dirigentes, garantiu, ao sistema, estabilidade institucional. Isto é, a previsibilidade dos acordos protegeu a República de sofrer golpes. Tal solidez das instituições é exemplificada pelo autor ao comparar o regime republicano (1889- 1930) com o monárquico (1822-1889). O argumento apresenta o tempo de permanência de deputados e ministros nos dois regimes. Em ambos os casos, a probabilidade de continuidade era significativamente maior na República, concluindo, portanto, que, embora, como sistema, a monarquia tenha sido estável —, já que permaneceu em vigor por mais de sessenta anos —, como exercício de governo, comparada à Primeira República, foi precária (SANTOS, 2013). Com este entendimento, passamos, então, a estudar as disputas políticas internas desse sistema. É comum, em estudos destes primeiros anos da República, dividir o período entre República da Espada, os anos governados pelos militares, e República Oligárquica, inaugurada com a eleição do primeiro presidente civil, Prudente de Morais. A ressalva é que esta definição de República Oligárquica não dificulta a percepção de que havia correntes políticas em disputa. Isto é, o período não é um monólito político formado por uma oligarquia homogênea. Apesar de a política dos governadores — entenderemos ela a seguir — ter dificultado a formação de partidos nacionais, persistiu, durante o regime, duas correntes em oposição: o clássico par conservadores e liberais. Os primeiros consolidaram-se com o governo Floriano e defendiam o ultrafederalismo, o presidencialismo, o princípio de autoridade e a negação ou justificação da fraude eleitoral, enquanto os liberais deixaram de compor o governo desde Floriano, organizando-se em torno do unionismo, da defesa da liberdade, do judiciarismo e da lisura nas eleições (LYNCH, 2014). Figura 6 – Floriano Vieira Peixoto (1839-1895). Fonte: Brasil, 1891. A ausência formal de partidos que encampassem estas bandeiras no Congresso não significa que estes grupos não existiam organizados. Os conservadores acabaram sendo representados pelas bancadas estaduais que se organizavam como coalisão governista. A principal figura deste grupo é Pinheiro Machado. É importante ressaltar o caráter conflituoso da coalisão dos governadores em torno do presidente, mas que, de forma geral, contribuíram para a sustentação do regime (LYNCH, 2014). De fora desta coalisão, os liberais, sendo Rui Barbosa seu principal representante, eram mais pulverizados, já que não possuíam um poder central em torno do qual se organizar. Os contornos liberais ganhavam força e evidência durante as crises, quando apareciam como alternativa ao poder estabelecido. Apesar das distinções, um valor compartilhado por ambas as correntes políticas era o entendimento de que a liberdade estava acima da igualdade, por isso garantir o liberalismo era mais importante do que a democracia plural e inclusiva (LYNCH, 2014). Este ambiente político foi fomentado por um acordo político que sustentou a Primeira República, a já citada política dos governadores. Representativo do modelo oligárquico conservador, esvaziava a esfera federal de conflitos políticos, visto que o presidente se comprometia a não interferir nos conflitos regionais. Este compromisso tinha sua contrapartida: o apoio por parte do Congresso ao poder executivo. Foi durante o governo de Campos Sales que esta medida foi implementada. Sendo assim, este acordo de cúpula entre presidente e governadores dos estados garantia ao corpo oligárquico, que apoiava o governo, a autonomia federativa e, portanto, a ausência de intervenção federal. Por outro lado, os líderes dos estados organizariam a política local em prol da eleição de candidatosao Congresso nacional que apoiassem as pautas do governo federal. Sendo as eleições frequentemente fraudadas, os resultados eleitorais eram frutos dos acordos entre executivo federal e estadual, o primeiro garantindo a manutenção do poder e o segundo, apoio eleitoral. Para tanto, eram utilizados institutos políticos: o estado de sítio e a intervenção federal (SATO, GONÇALVES, 2019) Este mecanismo político fica mais explícito quando observamos os processos eleitorais presidenciais. Entre os 12 pleitos presidenciais, oito contaram com consenso das oligarquias. Característica que explora a falta de competitividade, mesmo entre as elites oligárquicas, é o fato dos candidatos da situação serem eleitos com percentuais superiores a 84% dos votos. A exceção desta tendência foi a candidatura de oposição de Rui Barbosa contra Epitácio Pessoa, que angariou quase um terço dos votos. Segundo pesquisa de Christian Lynch (2014), as quatro eleições que não foram resultados do acordo oligárquico foram: Deodoro da Fonseca versus Prudente de Morais (1891); Hermes da Fonseca versus Rui Barbosa (1910); Artur Bernardes versus Nilo Peçanha (1922); e Júlio Prestes versus Getúlio Vargas (1930). Nestes casos, a maior competitividade foi resultado da ausência de um consenso prévio às candidaturas, fato que levou ao questionamento do resultado das eleições. Estes dissensos oligárquicos nos auxiliam na compreensão das transformações do sistema que geria a política nacional. A chamada campanha civilista de 1910, em que se enfrentaram Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, é representativa do desmantelamento da política dos governadores. Em 1909, o nome do Marechal foi apresentado como candidatura antissistêmica pelos militares. Em reação, São Paulo e Bahia lançaram Rui Barbosa. Figura 7 – Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (1855-1923). Fonte: Brasil, 1910. Com a vitória do candidato dos militares, os anos subsequentes foram permeados de intervenções federais, suspendendo o sistema federativo antes em vigor. Com o objetivo de evitar que as polarizações fortalecessem um sistema bipartidário (conservadores e liberais) e, assim, ameaçasse a condução política pelas oligarquias dos grandes estados, São Paulo e Minas Gerais estabeleceram um novo acordo no Pacto de Ouro Fino (1913), que ficaria conhecido, por alguns estudiosos, como política do café com leite, tema da nossa próxima seção. Videoaula - Convênio de Taubaté Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466147321] . Central na economia e na política da Primeira República, a exportação do café já era protagonista no Brasil deste a fase escravista do Vale do Paraíba, expandindo-se para São Paulo, onde encontrou condições favoráveis, e Paraná. Além do impacto da força de trabalho assalariada, fruto da imigração, do solo fértil e do capital investido, a produção do café contou com estímulos do governo federal para a comercialização e de efeitos das políticas emissionistas durante o governo provisório. O resultado de todos estes incentivos foi o crescimento acelerado do setor, ao ponto de a produção ultrapassar a capacidade de absorção do mercado consumidor. Foi durante o governo Campos Sales que a produção alcançou a marca de 22 milhões de sacas. Com a necessidade de equalizar a produção e a demanda externa, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais uniram-se no chamado Convênio de Taubaté (1906). Com o objetivo de retirar o produto do mercado e, assim, evitar a queda do preço por uma demanda excessiva, o acordo girava em torno de, ao menos, dois compromissos: os três estados comprariam a produção excedente, enquanto os produtores se comprometeriam em reduzir a produção, evitando novos excedentes. Também previa a manutenção do preço mínimo no mercado interno, emissão de papel moeda a um câmbio baixo, aplicação de sobretaxa para cobrir os juros, entre outras. Política do café com leite1.3 Com o passar do tempo, a política que foi implementada no governo de Afonso Pena não produziu os resultados esperados, especialmente no contexto da Primeiro Guerra Mundial. Contudo, a centralidade do café, representando 70% das exportações, é crucial para entender a importância das elites cafeeiras e seus acordos políticos e econômicos para o país. Consolidada no estudo do período, a política do café com leite, no entanto, ainda é alvo de disputas na historiografia. Wanderley Guilherme dos Santos (2013) ressalta que a literatura revolucionária, partidária da Revolução de 1930, teria construído perspectiva desmoralizadora do período, já que se contrapunha a ele. A respeito da dinâmica política, produziu interpretação limitada do período, reduzindo a um enredo de revezamento entre Minas Gerais e São Paulo na Presidência da República. Com o objetivo de revisitar a produção historiográfica a respeito do período, Cláudia Viscardi (2012) trava embate com diversas correntes a respeito do entendimento sobre a condução oligárquica da Primeira República. Embora a autora questione a existência da aliança café com leite à maneira que é comumente descrita, corrobora com a existência de alianças conjunturais entre São Paulo e Minas Gerais ao longo do período. Nas palavras da autora, “o que se contesta é que a aliança entre mineiros e paulistas tenha sido preferencial, permanente e isenta de conflitos.” Não há dúvida de que as elites cafeeiras possuíam importante influência nos rumos da política nacional em virtude da centralidade econômica deste insumo, assim como do interesse tanto na política cambial quanto na migratória para a boa condução das exportações. Contudo, daí não se pode derivar o monopólio exclusivo do regime por Minas Gerais e São Paulo. Isto porque a aliança possível, visto que ambos possuíam interesses similares em torno do café, também era permeada por conflitos e rupturas. A narrativa historiográfica sobre a “política do café com leite” ou “política do café com café” foi combatida por Viscardi (2012) ao demostrar, em pesquisa, que a estabilidade do regime não se sustentava na ausência de conflito intraelites ou na permanência constante dos acordos entre Minas Gerais e São Paulo, mas a estabilidade do regime estava “nas mãos de oligarquias regionais com peso político proporcional ao tamanho de suas bancadas e das suas potencialidades econômicas”. Portanto, teriam papel importante nas decisões de sucessão presidencial “bancadas numerosas e economicamente relevantes”, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. Entre os de porte médio estão os estados da Bahia, Pernambuco e Rio de janeiro. Enquanto os demais, considerados pequenos, ficavam dependentes dos jogos de força dos grandes e médios. Figura 8 – Colheita de café. Fonte: biblioteca.ibge.gov.br [https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao /fotografias/GEBIS%20- %20RJ/PR21638.jpg] Exercícios de fixação Marque a alternativa que apresente uma mudança implementada na Constituição de 1891: Parlamentarismo. Mandato de seis anos. Separação entre Igreja e Estado. Voto universal. Idade mínima eleitoral para 20 anos. Com relação ao sistema político da Primeira República, complete as lacunas: Durante a República Oligárquica, vigorou a , acordo entre o e governadores com base no compromisso presidencial de não intervir nos conflitos regionais em troca da garantia do pleno controle do Executivo sobre o Congresso. Selecione... Selecione... Recapitulando Nesta unidade, estudamos as estruturas políticas que garantiram a sustentação da Primeira República durante quarenta anos. O caráter oligárquico do regime estabeleceu marcar na Constituição e nos acordos político-eleitorais. A respeito da Constituição de 1891, enfatizamos a ausência de grandes conquistas no aspecto da ampliação da participação, isto é, as novas regras eleitorais não garantiam maior acesso, permanecendo sem direito de voto partes significativas da sociedade, como os analfabetos e as mulheres. Notocante aos arranjos políticos, sustentados pela fraude eleitoral, compreendemos as dinâmicas entre os poderes local, estadual e federal intensificados pelo sistema federalista, que ampliou o poder das oligarquias locais. Para além do aspecto oligárquico, estudamos a centralidade da política dos governadores para a estabilização da República, visto que concedia previsibilidade ao arranjo político. Também analisamos a clássica definição da política do café com leite, apresentando interpretação capaz de evidenciar as inconsistências e fragilidades desse acordo, que, portanto, não pode ser resumido em um revezamento automático das elites mineira e paulista no comando do governo do Brasil. Prática profissional - MASP Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466161022] . Diversos caminhos em busca de cidadania2 Proclamação da República em 1889, nova Constituição em 1891, Código Civil em 1917. Diante de tantas alterações formais de matriz oligárquica, a população, em suas diversas representações, não esteve inerte. Embora a mudança de regime tenha contribuído para algumas transformações importantes para a cidadania brasileira, o alcance destes direitos ainda estava restrito a certo grupo de pessoas. Neste período de tantas transformações, a força popular ganha maior notoriedade com a eclosão de manifestações públicas de insatisfação por todo território nacional. Nesta unidade, estudaremos as revoltas e greves que ocorreram durante a Primeira República. A busca pela modernização, característica do período, expôs dicotomias entre campo e cidade, urbano e rural e fomentou reações populares contra o poder constituído. Com o objetivo de representar as reivindicações para além dos grandes centros, mas também neles, serão abordados quatro movimentos: a Revolta de Canudos (1896-1897); a Revolta da Vacina (1904); a Revolta do Contestado (1912-1916); e a Greve Operária de 1917. Videoaula - Projeto de uma nova capital Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466147895] . De matriz oligárquica, na Primeira República estabeleceu-se parâmetros importantes para a construção de um processo democratizante de longo prazo no país, especialmente pela Tem espaço para o povo na República?2.1 Constituição de 1891. Por outro lado, como o próprio termo já explicita, este período estava organizado em torno de um grupo restrito, que tinha, como valor fundamental, a liberdade, sendo de menor importância o princípio da igualdade. Sendo assim, o novo regime foi projetado por seus idealizadores, especialmente pelos participantes da constituinte, em validação do interesse individual não tutelado pelo Estado, representado pelo federalismo. Daí deriva que a compreensão do liberalismo e da busca pela liberdade individual ficava restrita à manutenção da autonomia dos estados, interesse da elite oligárquica. Nos termos de Christian Lynch (2013), a concepção oligárquico-federativa se resume em: “Assegurada a liberdade desse modo, assegurava-se igualmente o progresso do país pela livre iniciativa dos agentes econômicos e, com ele, o bem-estar do povo, ou seja, das oligarquias estaduais contempladas pelo federalismo.” Tal composição produz consequências sociais cruciais para as temáticas de cidadania e direitos. Não se trata aqui de invalidar o regime, mas de analisar as estruturas sociais dele resultantes e, por conseguinte, a reação dos grupos com menos direitos em prol de mudanças das instituições. Levando em consideração a densidade demográfica do país e a relevância do Rio de Janeiro como antiga corte do Império e então capital da República, observar a relação do novo regime com a população ali residente lança luz sobre o lugar do povo no regime oligárquico. De baixa reputação, o Rio de Janeiro recebia críticas desde o Império pelo benefício de ser a corte. Com a mudança de regime, a relação não se alterou, especialmente pela composição da cidade: população pobre e monarquista, mestiça e sem ocupação fixa, o Rio passava por antipático ao novo regime (Carvalho, 2013). Deste sentimento, derivaram decisões de distanciamento entre poder político e povo. Um exemplo é a transferência da sede do Congresso Constituinte para São Cristóvão, antigo Paço Imperial, ao invés de utilizar a Câmara dos Deputados ou do Senado do Império, que eram mais acessíveis à pressão popular. Durante os primeiros anos da República, o desafio era consolidar um novo pacto político e garantir a estabilidade econômica, política e social. Contudo, o cenário de transição era permeado por manifestações da oposição na capital somadas às guerras civis nos estados do sul, ampliação da dívida externa e crise na exportação cafeeira. Portanto, a instabilidade política se apresentava como o inimigo a ser vencido. O caminho passava pela redução da influência da capital: afastando os militares, objetivo alcançado com a eleição do primeiro presidente civil, e contenção da participação popular. Na impossibilidade momentânea de isolar o poder político geograficamente, outras estratégias foram utilizadas para conter o espectro da multidão. Campos Sales foi personagem principal para a consolidação do regime oligárquico, especialmente pela implementação de três estratégias: 1) Utilizar o estado de sítio para controlar todo e qualquer movimento da oposição contra o regime, incluindo o uso de vaias como protesto; 2) Política dos governadores, que já estudamos, aprofundava os acordos entre presidência e governadores, afastando estes últimos da influência da opinião pública carioca; 3) Em busca de uma sociedade moderna e civilizada, promoveu uma reforma urbana no centro do Rio de Janeiro e nos costumes, com o objetivo de transformar a multidão indisciplinada de “pés descalços” em cidadãos. (LYNCH, 2013). Figura 9 – Manuel Ferraz de Campos Sales (1841-1913). Fonte: Brasil, 1898. Nas palavras do presidente, a república se governa “por cima das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas da Capital da União” (SALES, 1983). Com esta concepção demofóbica a respeito da população carioca, Campos Sales dissolveu a Câmara dos Vereadores. Durante todo o regime, o Rio foi governado por interventores e houve despolitização do governo municipal pelo intenso falseamento do processo eleitoral. No âmbito local, houve perseguição da capoeira e destruição de cortiços (CARVALHO, 2013). No clássico Os Bestializados, José Murilo de Carvalho demostra a reação popular de reprovação do regime, acentuando um abismo entre os pobres e a elite da Primeira República. A chegada da República trouxe consigo a expectativa de um regime mais inclusivo e participativo, mas com o passar do tempo o caráter oligárquico do sistema político evidenciou a frágil e limitada cidadania política estabelecida. Embora algumas transformações tenham sido benéficas para o processo de democratização, como o fim da vitaliciedade do Senado e outras que desconcentravam o poder, não vieram acompanhadas de uma robusta concepção de direitos sociais e políticos para uma grande extensão de pessoas. Videoaula - Os sertões de Euclides da Cunha Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466148560] . Fazia poucos anos que o regime republicano estava em vigor. Os primeiros governos, conduzidos por militares, foram permeados por intervenções nos estados, atitude que não ficou sem resposta. As ameaças de contestação espalharam-se pelo território. Entre os anos de 1891 e 1892 ocorreram levantes no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e São Paulo de “deodoristas” insatisfeitos com Floriano Peixoto. No ano seguinte, outras duas revoltas atormentaram a instável e nascente República: a Revolta da Armada e a Revolta Federalista do Rio Grande do Sul. Unia-se à instabilidade política, a crise do encilhamento, que ampliou os impostos. A Repúblicaherdou do período anterior uma abolição da escravidão desordenada, em que os antigos trabalhadores escravizados não receberam condições adequadas nem para promover subsistência. Tais questões afetavam os residentes do país em níveis distintos. Contudo, a realidade do interior, especialmente do sertão, carregava implicações que agravavam a situação. Havia uma crise generalizada nos engenhos, com fazendas improdutivas, reduzindo-se, assim, as ofertas de trabalho em um ciclo de desemprego crônico. Outra complicação geográfica eram as secas Revolta de Canudos (1896-1897)2.2 cíclicas. No ano de 1878, o Ceará foi declarado área de calamidade nacional devido aos estragos da ausência de chuvas na região. Foi neste contexto, no interior da Bahia, que sertanejos se associaram sob a liderança de Antônio Conselheiro, o nome pelo qual ficou conhecido Antônio Vicente Mendes Maciel. Original do Ceará, nasceu em 1830 e trabalhou como comerciante e rábula. Sabe-se que frequentou o seminário, embora não tenha chegado a ser ordenado. Após ser julgado e absolvido pela acusação de assassinato de sua esposa, na década de 1860, migrou para o interior da Bahia, onde, ao longo de suas peregrinações acompanhadas de seus sermões, era seguido por multidões contritas pela mensagem. Figura 10 – Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897), o Antônio Conselheiro. Fonte: Agostini, 1896. Por seus seguidores, era visto como um homem santo que realizava milagres e, por isso, seria capaz de socorrer os sertanejos. Durante o regime monárquico, pouca atenção foi dada ao movimento promovido por Conselheiro. O governo central considerava o caso responsabilidade local e o governador da Bahia via Antônio Conselheiro como um doido. Com a mudança do regime, alterou-se também a compreensão sobre o que acontecia no sertão da Bahia, que de loucura passou à ação revolucionária. Após anos de peregrinação, em 1893, Conselheiro e seus seguidores fundaram a aldeia de Belo Monte em uma antiga fazenda em Canudos. O local era entendido como propriedade da comunidade e gerida por uma concepção de solidariedade cristã. A notícia atraiu novos seguidores, principalmente ex-escravos, sertanejos, indígenas, vítimas da seca, pessoas pobres etc. Estima-se que a população tenha chegado ao número de 30 mil pessoas. O crescimento e a prosperidade de Belo Monte produziram incômodo na região, especialmente por seu caráter independente do governo, já que ali não eram cobrados impostos. Os conflitos iniciais se deram em 1893, quando fazendeiros e policiais tentaram impedir a migração de mão de obra para Belo Monte. Em virtude disso, organizaram-se grupos armados entre os seguidores de Conselheiro, que se popularizaram sob o nome de jagunços. Mas foi em outubro de 1896 que um conflito se tornou estopim para a Guerra de Canudos. Com o objetivo de construir uma nova igreja, Belo Monte comprou e pagou por madeiras de Juazeiro, que não entregou o produto como o combinado, gerando insatisfação dos compradores. Deste embate divulgou-se boatos de que os peregrinos invadiriam Juazeiro. Diante da ameaça, foram solicitados policiais para proteção. Após aguardar sem resultado, a tropa marchou até Canudos e foi emboscada por mais de mil conselheiristas. A luta de facões contra os rifles dos policiais, em 21 de novembro de 1896, resultou em vitória da tropa policial, que retornou para Juazeiro. Outra expedição foi organizada sob o comando do Major Febrônio de Brito em janeiro do ano seguinte. Mas, desta vez, foram os conselheiristas que saíram vitoriosos. A derrota foi amplamente noticiada. Para fortalecer o apoio contra Canudos, o presidente da República, Prudente de Morais, construiu uma imagem do líder de Canudos como um revolucionário antirrepublicano que pretendia invadir a capital, derrubar o regime e restaurar a monarquia. Embora Antônio Conselheiro fosse monarquista, posição fortalecida pela secularização promovida pela República, esta não era a motivação do arraial que fundou. Mas, diante da instabilidade política e da tarefa de consolidar a República, o governo federal decidiu enfrentar Canudos como inimigo político. Para isso, em março de 1897, foi organizada a terceira expedição, dirigida pelo Coronel Antônio Moreira César, que também fracassou. Depois da segunda derrota, a opinião pública foi mobilizada e se manifestou em vários setores contrários a Canudos: estudantes, deputados, senadores, imprensa etc. (GALVÃO, 2016). Figura 11 – Casa típica de Canudos. Fonte: Autor desconhecido, 1895. Disponível em: wikimedia.org [cola_File:Canudos_village.jpg] Em abril de 1897, a quarta e última expedição seria organizada pelo Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado de Bittencourt, ofensiva que Canudos não resistiria. Foram mobilizados cerca de 10 mil homens fortemente armados que, entre julho e setembro daquele ano, estabeleceram um cerco ao arraial e o bombardearam. Em setembro, o líder Antônio Conselheiro morreu, não em virtude dos ataques diretamente, mas de complicações de saúde. Também, neste mês, o arraial foi incendiado e a maioria dos que sobreviveram e se renderam foram degolados. Todos os homens foram mortos e as mulheres e crianças foram tratadas como espólio de guerra. Tamanha foi a construção simbólica de Antônio Conselheiro como inimigo, que seu corpo foi desenterrado e a cabeça levada para Salvador. Estima-se que foram mortas 20 mil pessoas. Para a pesquisadora Walnice Nogueira Galvão, a Guerra de Canudos contribuiu para a consolidação do regime republicano, já que pôs fim a possíveis manifestações favoráveis à restauração da monarquia. Depois de mais de 120 anos do conflito em Canudos, o nome de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Para ver a lei na íntegra, acesse: senado.leg.br [https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/14/antonio-conselheiro- sera-incluido-no-livro-dos-herois-e-heroinas-da-patria] Videoaula - A Revolta da Chibata Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466149219] . Na primeira seção desta unidade, tratamos dos impactos da mudança de regime na administração do Rio de Janeiro e, por conseguinte, na vida da população. O status de capital, sem dúvida, alterou significativamente os rumos da cidade, tanto no aspecto urbano, sendo a região a imagem do regime, como na relação entre poder público e pressão popular. O contexto econômico que, ainda sob a gestão de Campos Sales, apresentava sinais de deflação e recessão, produziu insatisfação e agitações urbanas entre os anos 1901 e 1902. Contudo, a chegada de Rodrigues Alves ao poder veio acompanhada de amplo investimento na cidade. O objetivo era transformar a imagem da capital, que era identificada por suas ruas estreitas e insalubres, pela falta de estrutura sanitária e pelas doenças, como malária, febre amarela, varíola, entre outras. Revolta da Vacina (1904)2.3 Falando em doenças contagiosas na Primeira República, não poderíamos deixar de falar da gripe espanhola, que teve seu surto no Brasil entre os anos de 1918 e 1920. Para saber mais, assista ao vídeo produzido pelo canal Nerdologia no Youtube sobre a doença: youtube.com [https://www.youtube.com/watch?v=_gm66nW1Jek] Na virada do século, a cidade sofreu alterações estruturais em sua arquitetura, resultado dos planos de reorganização liderados por Pereira Passos, engenheiro nomeado pelo presidente como prefeito da cidade, sob o lema “O Rio civiliza-se”. O objetivo era transparecer, na arquitetura da cidade, a modernidade que se pretendia nos costumes, com fortes inspirações na cultura parisiense. Para tanto, as obras foram iniciadas em 1903. Ruas foram alargadas, praças construídas, pessoas foram desapropriadas e casas demolidas a fim de abrir a Avenida Central. Figura 12 – Francisco Franco Pereira Passos (1836-1913). Fonte: Rio de Janeiro, 1906. Disponível em: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pereira_Passos.jpg] As transformações não se limitavam aos tijolos, mas alcançavam também os hábitos populares. Esta reforma se implementava pelo combate às expressões culturais, como o carnaval e o candomblé. Pereira Passos também havia implementado medidas, na busca pela Paris tropical, que afetavam diretamente os costumes da população, como a proibição de vacas nas ruas, a venda ambulante de loteria, ou o ato de cuspir e urinar no chão. Até mesmo que não se soltasse pipas (CARVALHO, 2013). Em conjunto com as mudanças estruturais e sociais, também se elaborou a frente da saúde e do saneamento básico sob responsabilidade de Oswaldo Cruz. O novo diretor de saúde pública do Rio de Janeiro era médico e havia chegado recentemente de Paris. Com o objetivo de extinguir as epidemias, Oswaldo Cruz implementou estratégia contra cada uma delas. Começando pela febre amarela, dirigiu uma ofensiva aos mosquitos e isolou os doentes em hospitais e, contra a peste bubônica, promoveu extensa desinfecção e limpeza não apenas do espaço público, mas também das residências. Os dados dessas medidas deixam explícito a dimensão da ofensiva: foram 153 ruas visitadas, 110.224 vistas domiciliares em seis meses, 12.971 intimações e 626 imóveis interditados (CARVALHO, 2013). As brigadas sanitárias eram acompanhadas por soldados da polícia, a fim de evitar resistência por parte da população. O método de implementação das medidas não agradou, especialmente aqueles diretamente atingidos com as ordens de interdição. A desinformação em conjunto com a medida autoritária do governo foram combustíveis para a revolta social. Foi durante as desapropriações de Pereira Passos e as interdições de Oswaldo Cruz que a chamada Revolta da Vacina estourou. A varíola era a terceira epidemia no radar do diretor de saúde pública, e implementar a vacina obrigatória era sua estratégia de combate. O medicamento em si não era novo no país, introduzido desde 1801. Mas, passando por vários decretos e mudanças na legislação, o governo considerou mais eficaz elaborar uma nova lei que tornou a vacina obrigatória, iniciativa que foi aprovada pelo legislativo no dia 31 de outubro de 1904, após profundo debate. Figura 13 – Oswaldo Gonçalves Cruz (1872-1917). Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File: Oswcruz.jpg] Lauro Sodré no Senado e o Correio da Manhã na imprensa eram representantes da oposição às ações do governo sobre a vacina. Denunciando o que chamaram de “despotismo sanitário” do governo, positivistas, como o médico Joaquim Bagueira Leal, atrelavam à vacina riscos de convulsão, gangrenas, meningite e outras. Também era pauta da oposição a ausência de competência do poder público de entrar nas casas, seja para aplicar a vacina forçosamente ou para fazer as desinfecções e remoções dos doentes. Antes das manifestações tomarem as ruas, no dia 5 de novembro, os oposicionistas, liderados por Lauro Sodré, Vicente de Souza e Jansen Tavares, reuniram, insatisfeitos, cerca de 2 mil pessoas no Centro das Classes Operárias, com o objetivo de fundar uma liga contra a vacina obrigatória. Com o passar dos dias, os ânimos foram se aflorando e manifestações pontuais contra a polícia e gritos de “abaixo a vacina” passaram a ser cada vez mais frequentes na cidade. Por consequência, o exército entrou de prontidão. Em ajuntamento na praça Tiradentes para aguardar as resoluções da comissão sobre o regulamento, o carro do chefe da polícia foi apedrejado, resultando em reação policial. No dia 13 de novembro, eclodiu a revolta e a violência se espalhou. Houve depredação de bondes, ataques às delegacias, à rede de energia, tiroteios e assaltos ocorreram por toda a cidade, que ficou sem iluminação. Figura 14 – “Os conflitos de ontem: mortes e ferimentos”. Gazeta de Notícias do dia 14/11/1904. Fonte: memoria.bn.br [http://memoria.bn.br/DocReader/cache/5934401162182/I0008736- 20Alt=001745Lar=001324LargOri=006428AltOri=008474.JPG] A convulsão social foi tamanha que, no dia 15 de novembro, feriado nacional, o desfile militar em comemoração à Proclamação da República foi cancelado. Juntamente com a insatisfação popular, uniu-se uma revolta de cadetes, que saíram da Escola Militar da Praia Vermelha com o objetivo de derrubar Rodrigues Alves. Vieram batalhões de outros estados para conter os manifestantes, até que, no dia 16 de novembro, o foi decretado estado de sítio e revogada a obrigatoriedade da vacina. Pela primeira vez, o mecanismo foi utilizado para conter uma revolta popular e durou três meses e sete dias. Poucas fontes documentais foram produzidas a respeito dos personagens apoiadores da revolta. Além dos números oficiais, 945 prisões, 110 feridos e 30 mortos e deportados, sabe-se que os civis A. Varela, Vicente de Souza, Pinto de Andrade e Arthur Rodrigues foram processados (CARVALHO, 2013). Também são identificados, como líderes da revolta, personagens anônimos como: Manduca, João Capoeira, Prata Preta e Beiço de Prata. Figura 15 – Prata Preta. Fonte: Carvalho, 2013, p. 182. A revolta começou impulsionada pela insatisfação com a obrigatoriedade da vacina, tanto pelo desconhecimento científico como pelo sentimento de invasão da privacidade, já que as mulheres deveriam desnudar seus braços diante de homens desconhecidos. No entanto, havia diversos motivos para a insatisfação popular: a alta dos preços, a crise econômica, a demolição dos cortiços, os despejos no centro da cidade, a violência com que as medidas sanitárias eram aplicadas. Para além dos resultados políticos, a Revolta da Vacina promoveu impacto construtivo no fortalecimento da cidadania. No canal Nerdologia no Youtube, você tem acesso a um material interessante sobre a Revolta da Vacina: youtube.com [https://www.youtube.com/watch?v=SlsHN-OWCkw] Contestado (1912-1916)2.4 À semelhança da Guerra de Canudos, a rebelião que estudaremos nesta seção também é de origem rural e apresenta a combinação de influências religiosas com monarquistas. Ocorrida na região em disputa entre os estados de Santa Catarina e Paraná, daí o nome, local rico em erva- mate e madeira, contou com a participação de 20 mil camponeses. Somado a estes, foi personagem importante o exército brasileiro. Como é tendência em movimentos de caráter religioso do período, os camponeses haviam se reunido em torno de um líder, o chamado Monge José Maria. Conhecido como curandeiro, era uma espécie de sucessor de outros dois monges que já haviam passado pela região anos atrás. Em 1912, instalaram-se no município de Curitibanos. Contudo, dali foram expulsos por diligência policial enviada pelo presidente do Estado de Santa Catarina, Vidal Ramos, após receber denúncia do superintendente da região. Fazia pouco mais de uma década que o regime republicano havia sido proclamado, portanto, a utilização do medo de uma revolta monarquista foi eficaz para que o estado expulsasse José Maria e seus seguidores, embora tal motivação não tivesse comprovação. Sendo assim, migraram para Irani, pertencente à região em litígio entre Paraná e Santa Catarina. Embora os camponeses tenham chegado em outubro de 1912, em 1906, já havia pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito da divergência territorial, que o executivo não acatou, mantendo o conflito ativo. A chegada dos fiéis de José Maria às terras em litígio, vindos de Santa Catarina não foi bem vista pelos paranaenses. Considerando uma tentativa de posse do território em contestação, o grupo foi novamente denunciado, mas agora pelo governador Carlos Cavalcanti de Albuquerque, que também enviou reforços para expulsá-los sob o comando do oficial do exército, Coronel Gualberto Gomes de Sá. Durante os conflitos, morreram mais soldados (onze) do que fiéis (seis). Figura 16 – Aviação na Guerra do Contestado. Oficiais do Estado-maior do Exército. Fonte:wikimedia.org [cola_File:Aviação_na_Guerra_do_Contest ado.jpg] O monge José Maria também não resistiu ao ataque, mas a morte do líder nãofoi suficiente para dispersar os camponeses. Àquela altura, o grupo já era composto por pessoas com origem e expectativas variadas: fazendeiros que se beneficiariam com determinações sobre limite de terras, aventureiros, ex- funcionários da ferrovia Brazil Railway Company, que atravessaria a região e levaria do Rio Grande a São Paulo, mas que teve suas obras interrompidas em 1906, como também os antigos empregados da madeireira Southern Brazil Lumber and Colonization Company. Ambas as empresas ligadas ao grupo de Percival Farquhar haviam causado impacto grande na região, especialmente desalojando a população nativa. Na ausência do monge, surgiram novas lideranças, dentre elas uma adolescente que dizia receber mensagens do próprio José Maria. Movidos pela esperança de que o líder voltaria dos mortos, os fiéis se reuniram em Taquaruçu. Também lá foram atacados pelo exército e, após algumas tentativas, em 1914, a comunidade foi destruída. O massacre, contudo, serviu de combustível para organizar o grupo, que se expandiu por outros povoados, cobrindo por volta de 28 mil quilômetros quadrados. Coordenados, aquela diversidade na composição do grupo ficou explícita nas pautas defendidas pelo movimento. Exigiam desde a punição pelas mortes de mulheres e crianças no massacre até a deposição do presidente da República, Hermes da Fonseca, passando pelo enfrentamento dos coronéis, a defesa de Santa Catarina nos litígios territoriais e o deslocamento da Southern Brazil Lumber and Colonization Company. A expansão das pautas transformou o conflito local, Paraná versus Santa Catarina, em nacional. Comandada por Setembrino de Carvalho, a tropa do exército desmobilizou o movimento do Contestado no ano de 1915. No ano seguinte, foi preso o último líder do movimento, Adeodato Ramos, e assinado o armistício entre os governadores de Paraná e Santa Catarina. As questões que motivaram o conflito vão além de desentendimentos locais. Do contrário, tratam de assuntos centrais para a política nacional como: “oposição ao coronelismo, à concentração fundiária, à exploração de empresas estrangeiras e à construção de comunidades autônomas em relação ao Estado e ao clero” (PINHEIRO, 2012). Na cidade de Irani, local do primeiro combate da Guerra do Contestado, há o Sítio Histórico e Arqueológico do Contestado. Lá, podem ser encontrados a sepultura do Monge José Maria, o cemitério do Contestado, entre outras atrações. Para saber mais, acesse: turismo.irani.sc.gov.br [https://turismo.irani.sc.gov.br/equipamento/index/codEquipamento/6861] Videoaula - Partido comunista Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466149918] . Ao longo desta unidade, demonstramos como a insatisfação com a condução política logo nos primeiros anos da República causou diferentes reações pelo território brasileiro. Nesta seção, trataremos mais especificamente da reivindicação organizada por direitos sociais e políticos que eclodiram, especialmente, em São Paulo, durante o ano de 1917, isto é, o surgimento do movimento operário e a greve que paralisou por volta de 100 mil trabalhadores. Antes de tratarmos diretamente dos antecedentes e do contexto da greve, é importante compor a cena que se formava. No ano seguinte da Proclamação da República, o tenente José Augusto Vinhaes criou o Centro do Partido Operário. Esta iniciativa foi seguida por outras no campo das lutas por direitos dos trabalhadores, tanto no Distrito Federal, Rio de Janeiro, como em São Movimento operário e greve geral de 19172.5 Paulo. Outro exemplo é o Partido Operário Brasileiro, criado em 1893, que tinha como pauta principal o sufrágio universal, incluindo analfabetos e mulheres (MATTOS, 2012). Apesar das restrições políticas implantadas a partir de 1902, o movimento social e político em torno das pautas operárias se fortaleceu. A ampliação do grupo pode ser observada a partir da variedade de seus componentes, contando com imigrantes de nacionalidades diversas, com experiências de lutas sociais e pelas orientações políticas: sindicalistas, reformistas, revolucionários, socialistas, trabalhistas, anarquistas. As correntes que ganharam mais força foram as que rejeitavam as políticas institucionais, representadas pelos anarquistas e sindicalistas revolucionários, marco do I Congresso Operário Brasileiro em 1906. Também é possível mapear este movimento acompanhando as mobilizações grevistas, que ocorreram nos anos de 1903, 1906/1907,1917-1919. Fortalecidos, os canais de lutas operárias somavam-se à baixa expansão dos direitos sociais e políticos para fora da elite oligárquica, característica do regime em vigor, e à eclosão de dois eventos de suma importância: a I Guerra Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa (1917). Para responder à demanda dos países europeus durante o conflito, houve aprofundamento da exploração dos trabalhadores, com jornada laboral excessiva, péssimas condições de trabalho e de moradia, aumento dos preços e estagnação dos salários. Embora a substituição das importações e o aumento das exportações para os países que foram palcos da Guerra terem multiplicado os lucros das empresas, estes não resultaram em melhoras de condições de trabalho e renda para os operários. Em março de 1917, iniciou-se um movimento, em diversas cidades do país, contra a “carestia de vida”, isto é, o aumento dos preços. Em São Paulo, cuja força de trabalho das fábricas era, em sua maioria, compostas por imigrantes italianos, uma das pautas do movimento foi contra o aumento do trabalho de menores de idade. Embora neste período as mulheres tivessem formalmente menos direitos do que os homens, e, portanto, tenham suas trajetórias invisibilizadas, elas não estiveram ausentes das lutas populares, como é o caso da Greve Geral de 1917. Para saber mais sobre a participação feminina confira o artigo: FACCARO, Glaucia. Mulheres, sindicato e organização política nas greves de 1917 em São Paulo. Rev. Bras. Hist., São Paulo, v. 37, n. 76, set. 2017. Naquele ano, a criação da liga de operários por bairros reorganizou o movimento operário, que, nos primeiros meses, realizou passeatas e comícios. Em junho de 1917, iniciaram-se paralizações que, com o passar do tempo, foram atingindo seus objetivos e ganhando adeptos. No dia 7 de julho, eclodiram confrontos na cidade de São Paulo, sendo o estopim a morte de José Gimenez Martinez, sapateiro e militante espanhol, no dia 10. Para coordenar as ações, foi criado o Comitê de Defesa Proletária. Entre os líderes, estavam Edgard Leuenroth, Luigi Damiani, Antônia Soares, Candeias Duarte, Teodoro Monicelli e Giuseppe Sgai. Entre os dias 9 e 16 de julho de 1917, desenhou-se, em São Paulo, o maior movimento de grevistas já ocorrido na história do país. Os movimentos de rua contavam com a presença de 70 mil pessoas, mas se estima que o apoio à causa chegava a 100 mil, isto significava um quinto da população da cidade. No dia 12 de julho, a cidade ficou paralisada: não havia pão, leite ou bonde. A paralisação, que começou em São Paulo, espalhou-se pelo país. Entre as principais pautas reivindicadas pelo Comitê de Defesa Proletária estavam: aumento de salário de 25 a 35%, abolição do trabalho noturno para mulheres, pagamento em dia, fim do trabalho infantil, jornada de trabalho de 8 horas, direito de greve e reunião. Com a intermediação da imprensa, o Comitê, o governo e os donos das fábricas estabeleceram um acordo, que girava em torno das seguintes medidas: “reconhecimento do direito de reunião, aumento salarial de 20%, libertação de presos e proibição de demissão de grevistas” (FACCARO, 2017). A aparente vitória do acordo contribuiu para que as agitações se espalhassem por outras regiões, como Campinas, Santos e Jundiaí. Da mesma maneira, como o movimento que gerou a greve não se iniciou em 1917 também não acabou neste ano. Os resultados da maior paralisação da história, além das conquistas pontuais, tambémrepresentaram significativa organização da classe trabalhadora e, por consequência, também da classe patronal. O fortalecimento da luta dos trabalhadores anos depois se materializaria na fundação do Partido Comunista (1922). Figura 17 – Passeata de trabalhadores em São Paulo de 1917. Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File: S%C3%A3o_Paulo_(Greve_de_1917).jpg] Exercícios de fixação Assinale a alternativa que NÃO apresenta uma revolta popular ocorrida durante a Primeira República: Revolta Federalista do Rio Grande do Sul. Guerra de Canudos. Revolta da Chibata. Revolta Praieira. Guerra do Contestado. Com seus conhecimentos a respeito da Greve Geral de 1917, preencha as lacunas: No ano de 1917, o organizou diversas paralizações, que culminaram na maior Greve Geral do país na cidade de entre os dias . Por volta de trabalhadores aderiram aos protestos. Selecione... Selecione... Selecione... Selecione... A partir do entendimento dos impactos que o caráter oligárquico da Primeira República trouxe para a cidadania, nesta unidade, estudamos algumas das principais revoltas rurais e urbanas do período. Entender que a mudança do regime não trouxe ampliação dos direitos e de seus sujeitos é crucial para analisar as motivações e insatisfações que permearam as manifestações políticas populares daquele momento. As quatro revoltas que estudamos com maior atenção, a Revolta de Canudos (1896-1897); a Revolta da Vacina (1904); a Revolta de Contestado (1912-1916); e a Greve Operária de 1917, apresentam motivações diversas. Desde a defesa pela preservação de estilos de organização social subversivo àquele proposto pelo Estado, passando por reivindicações a direitos básicos, como moradia e condições dignas de trabalho. Cada qual em sua geografia, as revoltas da Primeira República nos auxiliam a observar as insatisfações que o regime, em busca de modernização, produzia naqueles que eram excluídos dos benefícios dessas mudanças. A demofobia se transformou em combustível para a busca por ampliação da cidadania. Videoaula - Auguste Comte e o positivismo Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466150418] . Mudanças no mundo, mudanças nas artes3 Na segunda metade do século XIX, o mundo ocidental sofreu transformações radicais. Regimes políticos se modificaram e as tecnologias da Segunda Revolução Industrial aumentaram a capacidade de produção exponencialmente. Além disso, novas descobertas científicas ocorrem na Biologia, na Química e na Física. Alguns exemplos célebres são a Teoria da Evolução de Darwin e o uso de novas fontes energéticas, como o petróleo. Como consequência, passamos a ter um mundo que passa a se guiar cada vez mais pela ciência e com um otimismo em relação ao progresso que por ela poderia ser gerado. Como você deve imaginar, isso teve impacto também nas artes. No caso do Brasil, é marcado pelas escolas literárias do realismo e do naturalismo. Como o próprio nome indica, o principal objetivo destes autores era narrar, por meio da literatura, a sociedade como ela de fato seria e não como idealizavam os românticos. Daí, ao invés do passado colonial e de um indígena idealizado, as obras passam a tratar da própria sociedade do século XIX, com as suas contradições e com personagens baseados em figuras sociais contemporâneas aos autores. Na Filosofia, um dos grandes expoentes da visão sobre ciência do século XIX foi o positivismo de Auguste Comte. Nessa concepção, a história humana seria dividida em três fases: a teológica, a metafísica e a positiva. Essas etapas seriam marcadas pelo aumento contínuo do uso da razão pelo homem, até se chegar a uma sociedade industrializada, com líderes políticos esclarecidos e na qual a ciência é a única explicação para todas as questões. Embora historicamente o modelo já tenha se mostrado equivocado, ele foi muito influente não só na Europa, mas também no Brasil. Na poesia, o período foi de apogeu do parnasianismo, escola que buscava aplicar o novo “método científico” ao poema. Como resultado, passou-se a valorizar muito a forma, a métrica, o ritmo e a rima. Ao mesmo tempo, buscava-se a impessoalidade na narrativa, preocupação oposta ao subjetivismo emotivo dos românticos. Nas artes plásticas, o ideal seguiu similar: priorizou-se a descrição da sociedade da época e seus personagens, pintando-os com as mesmas formas e cores da realidade percebida pelos artistas. Tanto na literatura em prosa e verso como nas artes plásticas, muitos dos ideais realistas serão postos em xeque por outra escola, que surge junto com a crise da Primeira República. Com o modernismo, as formas fixas e o uso das cores foram modificados radicalmente quando comparadas ao paradigma anterior. Na literatura, o cientificismo foi abandonado, junto com a tentativa de descrição da realidade tal como ela era percebida e as formas fixas dos romances descritivos e da poesia racional do parnasianismo. Tanto o realismo e o naturalismo quanto o início do modernismo serão o tema desta unidade, que abordará artes e cultura durante a Primeira República. Como se trata de escolas vastas, optamos por comentar a obra de Machado de Assis e Aluísio Azevedo, autores paradigmáticos destas primeiras produções literárias. No caso do romantismo, iremos explorar sua contribuição como movimento cultural mais amplo, que ressignificou não só a literatura, mas também as artes plásticas. Nesse período, este estudo é especialmente importante, porque nos ajuda a entender a visão de mundo dos agentes sociais daquela época. Para além do universo das artes, tanto o realismo quanto o modernismo eram, ao mesmo tempo, expressão de movimentos mais amplos que ocorriam na sociedade enquanto motores das transformações dela. Figura 18 – Auguste Comte, filósofo positivista. Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File: Auguste_Comte.jpg] Em 1873, o literato Machado de Assis publicou no jornal O Novo Mundo um artigo de título “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”. Nele, o autor decida-se a avaliar a produção literária do país em seu tempo, inventariando o que considerava devido e não devido. Nas considerações de um dos maiores escritores em língua portuguesa, o principal “erro” seria o de representar a nacionalidade com figuras que não teriam a ver com a sociedade brasileira assim como ela de fato era. Para Machado, não seriam temas como a história colonial ou a interação entre indígenas e europeus que dariam característica nacional à literatura. Ao contrário, seria preciso um engajamento “[...] nos problemas do dia e do século” (MACHADO DE ASSIS, 1959). A recomendação do literato é que seus colegas abandonassem as idealizações e as antigas doutrinas e passassem a descrever a realidade em sua literatura. Em outras palavras, ele queria que a literatura falasse de um Brasil real e não um Brasil romântico. As considerações do autor expressam o espírito da literatura realista, a qual ele mesmo foi um dos maiores expoentes. Marcada pelo pensamento científico da época e pelas mudanças sociais e políticas do último quartel do século XIX, a prosa realista passaria a escrever romances sobre as relações entre ricos e pobres e entre brancos e negros. Também seriam temas a vida na corte e nos sobrados da então emergente burguesia, assim como o cotidiano dos cortiços. A concepção romântica de amor também foi abandonada, sendo substituída por casos conflituosos, traições, prostituição, ciúmes patológicos e paixões não realizadas. Tudo isso em nome de tratar da sociedade tal como ela se apresentava para estes autores. Aqui analisaremos brevemente as obras de alguns deles, começando pelo próprio Machado de Assis. A literatura da Primeira República3.1 A obra de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) é ainda, dois séculos depois, considerada uma das mais grandiosas já feitas em língua portuguesa. Mulato de origemsocial humilde, ele não frequentou universidades. Sua ascensão social se deu pela carreira no funcionalismo público e pelo seu notável talento como escritor. Em 1897, ele ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras e foi seu primeiro presidente. Autor profícuo, Machado também escreveu contos, peças de teatro, crônicas e críticas literárias. No entanto, trataremos aqui do seu principal legado: os romances. Estes textos costumavam ser publicados em partes a partir de jornais e folhetins para posteriormente serem agrupados no formato de livros. Por isso, seus capítulos tendem a ser curtos, o que também foi uma inovação machadiana na forma. Tendo como pano de fundo principal a cidade em que vivia, – o Rio de Janeiro - Machado de Assis criava tramas complexas e personagens bem desenvolvidos, sempre os colocando frente a situações e eventos históricos próximos de sua época. Sendo este período marcado pela ascensão da burguesia no final do Império e no advento da República, os personagens costumavam se situar entre aqueles que se beneficiaram e aqueles que se prejudicaram com este processo. Figura 19 – Machado de Assis. Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File: Machado_de_Assis_aos_57_anos.jpg] A obra completa de Machado de Assis está em domínio público. Você pode baixá-la gratuitamente no link abaixo: http://machado.mec.gov.br/ [http://machado.mec.gov.br/] Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, é narrada em primeira pessoa a história de um filho da elite imperial que não realizou absolutamente nada de relevante em sua vida. O protagonista teve suas ambições políticas frustradas, não se casou com quem desejava, foi mal sucedido na criação de um remédio para a melancolia e morreu de pneumonia. Segundo o próprio afirma no livro, sua única sorte na vida foi não precisar trabalhar para viver. Na obra, o eu-lírico usa de sua condição de homem morto para poder dizer verdades que não diria em vida e ironizar as situações sociais em que viveu. Embora este elemento fantástico de um narrador que escreve após a morte possa parecer contraditório com o realismo, este artifício também pode ser lido como uma forma que o autor encontrou de um membro da elite do Império falar livremente sobre as contradições de sua própria condição. Por não ter as amarras que tinha em vida, o personagem pôde nos narrar em suas memórias póstumas que, na infância, maltratava escravos por diversão e que não levou a sério os estudos universitários. Brás Cubas também pode contar que recusou um casamento pela pretendente ter uma deficiência física e que buscou a política apenas pelo prestígio social. Em Esaú e Jacó, novamente a elite imperial foi tema explorado por Machado de Assis. Contudo, desta vez, trata-se de uma nobreza decadente do final do período e da ascensão da ordem republicana. Na história, uma mulher abastada vai até o Morro do Castelo se consultar como uma adivinha e fica sabendo que seus filhos gêmeos terão uma rivalidade que os marcará durante a vida. Dito e feito, Pedro e Paulo têm como principal divergência o fato de que um era monarquista e outro republicano. Com a mudança de regime, os dois se tornam deputados em partidos distintos. Só que o ponto em comum entre os irmãos está na forte devoção à mãe e a paixão pela mesma mulher, que morre doente sem se casar com nenhum dos dois. É no célebre romance machadiano Dom Casmurro que temos a personagem Capitu e o mais famoso ainda dilema sobre se ela teria ou não cometido adultério. Nesta obra, percebe-se tanto a crítica ao ideal românico de amor quanto a perspicácia do autor de nunca esclarecer se a traição de fato ocorrera. Machado de Assis coloca como narrador Bentinho, o marido de Capitu e o que nos é apresentado é sua percepção sobre os acontecimentos, assim como os efeitos de sua fixação nesta questão. Mais importante do que o que aconteceu é o que o eu-lírico suspeita que aconteceu. Neste ponto, há outra marca da prosa de Machado de Assis: o desenvolvimento psicológico de seus personagens, o que os fornece mais uma camada de complexidade. Outra lição que o romance nos deixa é a importância da perspectiva e que, quando personagem, os narradores também têm a sua visão própria sobre o que é contado. O reconhecimento de Machado de Assis como um grande escritor transpasse as fronteiras nacionais. A última edição de Memórias Póstumas de Brás Cubas publicada em inglês esgotou em apenas um dia. Confira na notícia abaixo: folha.uol.com.br [https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/06/nova-traducao-de-machado- de-assis-nos-eua-esgota-em-um- dia.shtml#:~:text=A%20nova%20tradu%C3%A7%C3%A3o%20em%20ingl%C3%AAs,mesmo%20aco ntece%20na%20Barnes%20%26%20Noble.] A preocupação realista na descrição da vida social e as influências dos paradigmas científicos então vigentes são levados a outro grau por uma derivação do realismo que ficou conhecida como naturalismo. Tendo em vista que, no final do século XIX, a concepção de ciência que se tinha era a das ciências naturais, esta produção enfatizava aspectos biológicos e geográficos como determinantes da vida social. Temas como doenças, relações raciais e a influência do clima e da paisagem são comuns à literatura naturalista. No pensamento social brasileiro, o impacto do paradigma científico importado da Biologia também foi muito sentido. Os males do país passaram a ser associados ao clima tropical, alimentação e às relações raciais. Neste último tópico, autor de destaque pela sua interpretação foi Silvio Romero, que partia do pressuposto da superioridade dos brancos em detrimento dos negros e indígenas para defender casamentos interraciais e migração de europeus para o país. Seu objetivo era de que, com o tempo, o Brasil se tornasse um país de maioria caucasiana. Embora o juízo dele fosse muito controverso, era o pensamento comum dos cientistas de sua época. Nos séculos seguintes, o avanço dos estudos e a reivindicação política por direitos de minorias tornou suas considerações obsoletas e moralmente condenáveis. Autor naturalista que merece comentários mais detidos foi o maranhense Aluísio de Azevedo (1857-1913), autor do romance de 1890, O cortiço. Nele, o autor narra a vida sofrida dos residentes deste tipo de moradia popular na cidade do Rio de Janeiro. No livro, são enfatizados pontos compartilhados pelo pensamento científico de sua época, tais como a degeneração humana pelo meio. Um dos vários personagens é um português que se muda com a família para o cortiço e, com o tempo, o ambiente transforma o trabalhador exemplar e marido pio em um beberrão preguiçoso e adúltero. Também é personagem outro português, o dono da moradia. Este serve para o autor criticar a ordem econômica burguesa de seu tempo. João Ramão era um comerciante que ascendeu porque colocou o lucro acima de qualquer juízo moral, trabalhando obsessivamente e explorando a mão de obra, os sentimentos e a boa vontade alheia. A compra do terreno da moradia por parte do imigrante se deu justamente por seu objetivo maior de ficar rico a qualquer custo. Perto do final da obra, o cortiço pega fogo e o comerciante transforma o terreno em uma avenida com casas melhores, a fim de aumentar não só seus rendimentos, mas seu status social. Os moradores se mudam para outro cortiço, dando a entender que sua situação permaneceria igual. Figura 20 – Aluísio de Azevedo. Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File: Aluisio_Azevedo.jpg] Videoaula - Cientificismo e relações raciais- Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466151333] . Videoaula - O chamado pré-modernismo Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui [https://player.vimeo.com/video/466152684] . “Só me interessa o que não é meu” (ANDRADE, 1976) é uma das afirmações presentes no Manifesto antropofágico, documento escrito por Oswald de Andrade em 1928. Embora pequena, a frase sintetiza