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Mecânica Clássica - Tarcísio Marciano da Rocha Filho

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MECÂNICA CLÁSSICA
Tarcísio Marciano da Rocha Filho
Prefácio
Este livro é o fruto de cursos ministrados na disciplina Mecânica Clássica
Avançada, no Instituto de F́ısica da Universidade de Braśılia, acrescidos de
tópicos que julgo relevantes em um curso de Pós-Graduação. A intenção não
é substituir os manuais clássicos, que se aprofundam mais em vários assuntos
tratados aqui, mas sim dar um visão geral da Mecânica Clássica, salientando
a elegância da teoria, procurando ser direto e sucinto. O presente livro foi
inicialmente concebido para um curso de um semestre, para estudantes já
com uma base preliminar dos conceitos e ferramentas matemáticas relaciona-
dos. Foi dada também especial atenção a alguns tópicos pouco explorados
em outros textos, embora bastante tratados na literatura especializada, e
que são úteis em alguns campos de pesquisa. Dentre eles citaria a deter-
minação de constantes de movimento e de densidades conservadas, tratados
no caṕıtulo 3, o formalismo hamiltoniano para lagrangeanas degeneradas,
tratado no caṕıtulo 6, assim como a extensão do formalismo lagrangeana e
hamiltoniano para sistemas cont́ınuos (campos).
Cabe aqui agradecer a meus colaboradores e estudantes, que direta ou
indiretamente me ajudaram ao longo do tempo na elaboração do presente
livro. Sempre com medo de cometer um esquecimento grave, gostaria de citar
em particular: Ademir Santana, Annibal Figueiredo, Iram Marcelo Gléria,
Joaquim José Soares Neto, José David Mangueira Vianna, Léon Brenig, Lúıs
i
ii Prefácio
Silva da Costa, Marco Cezar Fernandes e Zolacir Oliveira Junior. Quero aqui
também agradecer a hospitalidade do Instituto de F́ısica da Universidade
Federal da Bahia, onde parte deste livro foi escrito durante um semestre
sabático, e a Beatriz Rocha pela revisão do português.
Braśılia,
julho de 2009
Sumário
Prefácio i
1 Formalismo lagrangeano 1
1.1 Coordenadas generalizadas e v́ınculos . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Prinćıpio de D’Alembert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Equações de Euler-Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3.1 Forças derivando de um potencial . . . . . . . . . . . . 6
1.4 Prinćıpio de mı́nima ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.5 Sistemas com v́ınculos não-holonômicos . . . . . . . . . . . . . 10
1.5.1 Exemplo: part́ıcula deslizando sem atrito sobre um disco 12
1.6 O problema de Kepler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.7 Pequenas oscilações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.8 Movimento de um corpo ŕıgido . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.9 Formulação relativ́ıstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.10 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2 Sistemas com infinitos graus de liberdade - Campos 35
2.1 Funcionais e derivada funcional . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.2 Formulação lagrangeana de uma teoria de campo . . . . . . . 37
2.3 Formulação explicitamente covariante . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
iii
iv Sumário
2.4.1 Campo eletromagnético . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.4.2 Equação de Schrödinger . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.4.3 Campo de Klein-Gordon . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.5 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3 Simetrias e invariantes 47
3.1 Teorema de Nöther . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.2.1 Oscilador harmônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.2.2 O campo eletromagnético . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.2.3 A equação de Schrödinger . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.3 Simetrias da ação e simetrias das equações de movimento . . . 58
3.4 Grupos de simetria a um parâmetro . . . . . . . . . . . . . . . 62
3.5 Simetrias e invariantes das equações de movimento . . . . . . 64
3.5.1 Exemplo: part́ıcula livre irradiando . . . . . . . . . . . 66
3.6 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
4 Formalismo canônico e equações de Hamilton 73
4.1 Momentos generalizados e transformação de Legendre . . . . . 73
4.2 Parêntesis de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
4.3 Equações de Routh . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
4.4 Prinćıpio modificado de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . 80
4.5 Prinćıpio de Maupertuis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
4.6 Sistemas cont́ınuos - Campos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
4.6.1 Formulação não-covariante . . . . . . . . . . . . . . . . 84
4.6.2 Formulação covariante . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
4.6.3 Exemplo de campo relativ́ıstico . . . . . . . . . . . . . 87
4.7 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Sumário v
5 Transformações canônicas e formalismo simplético 89
5.1 Transformações canônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
5.2 Condições de integrabilidade das
transformações canônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
5.3 Notação simplética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
5.4 Transformações canônicas infinitesimais . . . . . . . . . . . . . 98
5.5 Teorema de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
5.6 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
6 Sistemas hamiltonianos com v́ınculos 105
6.1 Formalismo de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
6.2 Exemplo com um sistema discreto . . . . . . . . . . . . . . . . 111
6.3 Vı́nculos de primeira classe e condições de calibre . . . . . . . 112
6.4 Sistemas cont́ınuos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
6.5 O campo eletromagnético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
6.6 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
7 Formalismo de Hamilton-Jacobi 121
7.1 Exemplo: o oscilador harmônico . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
7.2 Separação de variáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
7.3 Aplicação: Campo central e força externa constante . . . . . . 126
7.4 Teorema de Liouville sobre sistemas
integráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
7.5 Toros invariantes e variáveis ângulo-ação . . . . . . . . . . . . 132
7.5.1 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
8 Teoria de perturbações e caos hamiltoniano 139
8.1 Perturbação de um sistema integrável . . . . . . . . . . . . . . 139
vi Sumário
8.2 Aplicação: osciladores harmônicos
acoplados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
8.3 Forma normal em torno de um ponto fixo . . . . . . . . . . . . 144
8.4 Teorema KAM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
8.4.1 Mapa de Poincaré e um exemplo de aplicação do teo-
rema KAM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
8.5 Teorema de Poincaré-Birkhoff . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
8.6 Caos hamiltoniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
8.6.1 O mapa padrão de Chirikov . . . . . . . . . . . . . . . 157
A Espaços métricos e campos tensoriais 167
B Grupos e álgebras de Lie 175
B.1 Grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
B.2 Espaço topológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
B.3 Variedade diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
B.4 Grupo de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
B.5 Álgebra de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178
B.6 Derivadas de Lie e congruências . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
C Caos: exemplos e caracteŕısticas principais 185
C.1 Sistemas dinâmicos cont́ınuos e discretos . . . . . . .. . . . . 185
C.2 Um exemplo em meteorologia: o sistema de Lorenz . . . . . . 187
C.3 Um exemplo em dinâmica populacional: o mapa loǵıstico . . . 190
C.4 Sistemas dissipativos e conservativos . . . . . . . . . . . . . . 196
C.5 Fractais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
C.6 Sistemas hamiltonianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198
Lista de Figuras
1.1 trajetória real e uma possibilidade de variação. . . . . . . . . . 8
1.2 Coordenadas para um corpo ŕıgido. . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.3 Definição dos ângulos de Euler. . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.4 pêndulo duplo com massa m. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
8.1 Sistema massa-mola com constantes elásticas K1, λ e K2. A
perturbação corresponde ao potencial da mola que liga as duas
massas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
8.2 Mapa de Poincaré para o sistema na eq. (8.49) e λ = 0. As
condições iniciais correspondem todas à mesma energia E =
0.02504. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
8.3 Mapa de Poincaré para o sistema na eq. (8.49), com λ = 0.05
e λ = 0.07. As condições iniciais são as mesmas que na figura
8.2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
8.4 Mapa de Poincaré para o sistema na eq. (8.49), λ = 0.075 e
λ = 0.08. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
vii
viii Lista de Figuras
8.5 Mapa de Poincaré para o sistema na eq. (8.49), λ = 0.09 e
λ = 0.095. Para facilitar a visualização, no último mantivemos
apenas os quatro toros interiores. Neste caso um toro que
existia para λ = 0.09 foi destrúıdo e em seu lugar percebemos
uma solução errática delimitada por uma sequência de toros
menores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
8.6 Mapa de Poincaré para o sistema na eq. (8.49), λ = 0.18 e λ =
10. No primeiro retivemos apenas os toros que correspondem
aos três toros mais internos da figura 8.2, enquanto que o
segundo gráfico corresponde a uma única condição inicial. . . . 153
8.7 Exemplos de órbita homocĺınica (a), heterocĺınica (b) e de
interseção transversal (c). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156
8.8 Emaranhado heterocĺınico originado de uma interseção hete-
rocĺınica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
8.9 Interações do mapa de Chirikov para 50 condições iniciais
igualmente espaçadas em p e θ = π. Para K = 0, 1 ape-
nas as duas cadeias de ilhas de peŕıodo 1 são viśıveis. Para
K = 0, 2 já podemos ver também as ilhas de peŕıodos 2 e 3. . 159
8.10 Interações do mapa de Chirikov para 100 condições iniciais
igualmente espaçadas em p e θ = π. Para K = 0, 4 mais algu-
mas cadeias de ilhas são viśıveis. Já para K=0,6 percebemos
a existência de um mar caótico entre toros ainda não destrúıdos.160
8.11 Mapa de Chirikov para K = 0, 8. A ampliação mostra uma
solução caótica na vizinhança de uma emaranhado heterocĺınico.161
8.12 Mapa de Chirikov para K = 1, 0, K = 1, 2 e K = 2, 0. A
ampliação mostra ilhas recem criadas. . . . . . . . . . . . . . . 162
Lista de Figuras ix
8.13 Mapa de Chirikov para K = 3, 0, K = 4, 0, K = 5, 0 e K =
8, 0. A última figura mostra um caso em que todas as soluções
do sistema são caóticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
8.14 Curva r̃ e a curva que é a sua imagem pelo mapa Mq(�). . . . 164
C.1 Solução periódica para o sistema de Lorenz para r = 160. . . . 189
C.2 Dobramento de peŕıodo da solução periódica para r = 146. . . 190
C.3 Atrator estranho para o sistema de Lorenz para r = 143. . . . 191
C.4 Atrator estranho para o sistema de Lorenz para r = 120. . . . 192
C.5 Soluções do sistema de Lorenz com condições iniciais próximas. 193
C.6 Mapa loǵıstico para a < 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
C.7 Mapa loǵıstico para 1 < a < 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
C.8 Solução com peŕıodo 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
C.9 Solução com peŕıodo 4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
C.10 Estrutura de bifurcações do mapa loǵıstico. Na horizontal
temos os valores para o parâmetro a e na vertical os valores
de xn que compõem o atrator. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
C.11 Ampliação do diagrama de bifurcações do mapa loǵıstico. . . . 196
C.12 Ampliações do diagrama de bifurcações do mapa loǵıstico. . . 197
x Lista de Figuras
Caṕıtulo 1
Formalismo lagrangeano
Toda a dinâmica clássica de corpos materiais é resumida através das três leis
básicas de Newton. Elas podem ser enunciadas da seguinte maneira:
Primeira lei: Toda part́ıcula mantem indefinidamente seu estado
de movimento a menos que uma força atuando sobre ela venha a
modificá-lo.
Segunda lei: A força que atua sobre uma part́ıcula é um vetor,
denotado por F, e é igual à taxa de variação do momento linear
p = mv, onde m é a massa da part́ıcula e v sua velocidade. Ou
seja, F = dp/dt.
Terceira lei: Se uma part́ıcula exerce uma força F sobre uma
outra part́ıcula, esta exercerá uma força −F sobre a primeira.
A dinâmica de um sistema de part́ıculas (e de um corpo material) pode
ser deduzida delas, sendo ele composto por part́ıculas que obedecem essas
mesmas leis. A primeira delas define um sistema inercial no qual são válidas,
a segunda pode ser vista como uma definição operacional de força enquanto
que a terceira enuncia a lei de conservação do momento linear. Iremos ape-
nas nos utilizar de ferramentas matemáticas mais aprimoradas para obter
1
2 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
resultados que delas decorrem. Cabe sempre lembrar que o enunciado mais
geral posśıvel das leis da Mecânica Clássica é o que acabamos de fazer, e
que certas restrições são sempre necessárias para se obter formulações mais
elegantes e possantes do ponto de vista formal.
Uma caracteŕıstica importante das leis de Newton é que elas são invari-
antes em forma pelas transformações de Galileu, a saber, pelas mudanças de
sistema de referência inercial: se r é o vetor posição de uma part́ıcula num
sistema e r′ em outro, eles são ligados por uma relação do tipo r′ = r−v∆t,
que denominamos de transformação de Galileu. O prinćıpio de relatividade
de Galileu pode então ser enunciado como segue:
As leis da f́ısica devem ter a mesma forma em qualquer sistema de
referência inercial, sendo que a passagem de um sistema inercial
a outro é efetuada por uma transformação de Galileu.
1.1 Coordenadas generalizadas e v́ınculos
Um sistema de referência no espaço f́ısico tridimensional pode ser definido
através de um sistema de eixos cartesianos (x1, x2, x3), de modo que a posição
de uma part́ıcula é dada pelas três componentes do seu vetor posição com
relação a esse sistema. Para um sistema a N part́ıculas, para localizar inteira-
mente as posições de todas as part́ıculas necessitamos de N vetores posição
e, portanto, de 3N coordenadas xi, i = 1, . . . , 3N . Naturalmente, qualquer
conjunto de 3N números que sejam funções inverśıveis dessas coordenadas
são igualmente válidos para caracterizar a posição do sistema.
Pode ocorrer que o movimento do sistema seja restrito a uma dada região
do espaço 3N -dimensional das coordenadas. Podemos citar como exemplo o
movimento de um bloco sobre um plano inclinado. Tais restrições nos valores
das coordenadas são denominadas de condições de v́ınculo sobre o sistema.
1.2. Prinćıpio de D’Alembert 3
Particularmente, quando elas puderem ser expressas por um certo número
M de equações da forma
ηi(x, t) = 0; i = 1, . . . ,M, (1.1)
onde x ≡ (x1, . . . , x3N), dizemos que os v́ınculos são holonômicos, e em caso
contrário, não-holonômicos.
No caso de termos apenas v́ınculos holonômicos, podemos utilizar as
condições de v́ınculo (1.1) para eliminarmosM das 3N coordenadas, de
tal maneira que a posição do sistema pode ser dada por 3N −M coorde-
nadas generalizadas, funções independentes das 3N coordenadas iniciais, e
eventualmente do tempo, e que satisfazem identicamente os v́ınculos. De-
notamos tais coordenada por qi, i = 1, . . . , n, com n = 3N − M . Temos
portanto que
xi = xi(q, t); i = 1, . . . , 3N, (1.2)
onde q ≡ (q1, . . . , qn). Como a segunda lei de Newton é expressa por uma
equação diferencial de segunda ordem, o estado inicial do sistema é inteira-
mente caracterizado pelos valores das coordenadas generalizadas e de suas
derivadas com relação ao tempo, denominadas de velocidades generalizadas,
no instante inicial. O número mı́nimo de coordenadas generalizadas inde-
pendentes necessárias para caracterizar univocamente a posição do sistema
corresponde ao número de graus de liberdade deste último.
1.2 Prinćıpio de D’Alembert
Nosso objetivo passa a ser então a obtenção de um método para determinar
as equações de movimento para um sistema a N part́ıculas apenas em termos
das coordenadas generalizadas qi, sem que para isso tenhamos que explicitar
as forças de v́ınculo que fazem com que o sistema satisfaça as condições
4 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
(1.1). Para tal, vamos partir da segunda lei de Newton, que nos dá para as
part́ıculas que compõem o sistema:
Fi − ṗi = 0; i = 1, . . . , 3N. (1.3)
Agora façamos um deslocamento virtual δxi na coordenada xi. Usamos o
termo virtual para significar que o deslocamento não corresponde ao deslo-
camento real do sistema ao longo de sua evolução temporal, mas sim a uma
mudança das coordenadas mantendo o tempo fixo. Assim, usando a equação
(1.3) temos que
3N∑
i=1
δxi(Fi − ṗi) = 0. (1.4)
A força sobre cada part́ıcula é a resultante das forças de v́ınculo F
(v)
i e da
soma das demais forças F
(a)
i , que denominamos de aplicadas, ou seja, Fi =
F
(v)
i +F
(a)
i . Vamos então nos restringir a sistemas tais que o trabalho efetuado
pelas forças de v́ınculo ao longo de um deslocamento virtual seja nulo. Dessa
maneira, a equação (1.4) nos dá que
3N∑
i=1
δxi(F
(a)
i − ṗi) = 0. (1.5)
A equação (1.5) é usualmente denominada de prinćıpio de D’Alambert, e é
central na dedução das equações de movimento em termos das coordenadas
generalizadas.
1.3 Equações de Euler-Lagrange
Para obter as equações de movimento em termos das coordenadas genera-
lizadas, vamos expressar o prinćıpio de D’Alambert (1.5) em termos delas.
Inicialmente, temos que
δxi =
n∑
j=1
∂xi
∂qj
δqj. (1.6)
1.3. Equações de Euler-Lagrange 5
Temos também que
3N∑
i=1
ṗi δxi =
3N∑
i=1
mi
..
xi δxi =
3N∑
i=1
n∑
j=1
mi
..
xi
∂xi
∂qj
δqj, (1.7)
onde m1,m2,m3 =massa da primeira part́ıcula, m4,m5,m6=massa da se-
gunda part́ıcula, e assim por diante. Reescrevendo
..
xi em termos das coorde-
nadas generalizadas obtemos
3N∑
i=1
ṗi δxi =
3N∑
i=1
n∑
j=1
mi
[
d
dt
(
ẋi
∂ẋi
∂q̇j
)
− ẋi
d
dt
∂xi
∂qj
]
δqj
=
3N∑
i=1
n∑
j=1
[
d
dt
∂
∂q̇j
(
1
2
miẋ
2
i
)
− ∂
∂qj
(
1
2
miẋ
2
i
)]
δqj, (1.8)
onde usamos as relações
d
dt
∂xi
∂qj
=
∂ẋi
∂qj
, (1.9)
∂ẋi
∂q̇j
=
∂xi
∂qj
. (1.10)
Definimos a energia cinética do sistema por
T =
3N∑
i=1
1
2
miẋ
2
i , (1.11)
e a força generalizada por
Qj =
3N∑
i=1
Fi
∂xi
∂qj
. (1.12)
Agora, partindo da equação (1.5) e usando (1.8) obtemos a relação:
n∑
j=1
[
Qj −
d
dt
∂
∂q̇j
T +
∂
∂qj
T
]
δqj = 0, (1.13)
e como as coordenadas qi são todas independentes entre si, o mesmo acontece
com os deslocamentos virtuais δqj. Portanto, obtemos o seguinte sistema de
equações de movimento em termos das coordenadas generalizadas:
d
dt
∂T
∂q̇j
− ∂T
∂qj
= Qj; j = 1, . . . , n, (1.14)
6 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
que são as equações de movimento de Lagrange, sendo que as forças genera-
lizadas Qi são determinadas por todas as forças que agem sobre o sistema,
excetuando-se as forças de v́ınculo, assim como desejado. As derivadas par-
ciais em (1.14) são calculadas tomando-se qj e q̇j como independentes.
1.3.1 Forças derivando de um potencial
É comum encontrarmos casos em que as forças F
(a)
i aplicadas ao sistema po-
dem ser obtidas a partir de uma função potencial V (x, t) da seguinte maneira:
F
(a)
i = −
∂V (x, t)
∂xi
, (1.15)
que por sua vez, em conjunto com (1.12), implica que
Qi = −
∂V (q, t)
∂qi
, (1.16)
onde V (q, t) ≡ V (x(q), t). Nesse caso, dizemos que as forças derivam do
potencial V . Substituindo (1.16) em (1.14) temos finalmente as equações de
Euler-Lagrange:
d
dt
∂L
∂q̇i
− ∂L
∂qi
= 0; i = 1, . . . , n, (1.17)
onde
L ≡ T − V (1.18)
é a chamada função de Lagrange, ou simplesmente lagrangeana do sistema.
De maneira mais geral, as equações de Euler-Lagrange podem ser obtidas
sempre que exitir um potencial generalizado tal que
Qi =
d
dt
∂V (q, q̇, t)
∂q̇i
− ∂V (q, q̇, t)
∂qi
. (1.19)
As equações (1.17) continuam válidas, assim como a lagrangeana continua
sendo definida pela relação (1.18).
1.4. Prinćıpio de mı́nima ação 7
1.4 Prinćıpio de mı́nima ação
Em F́ısica sempre se busca reescrever as equações fundamentais de uma dada
teoria em termos de prinćıpios variacionais (o sentido exato dessa expressão
ficará claro a seguir). Tal formulação facilita a descrição de uma série de
problemas, tais como a existência de condições de v́ınculo não-holonômicas,
dos sistemas de lagrangeanas degeneradas ou mesmo ainda de facilitar a
discussão das propriedades de simetria de sistemas f́ısicos.
Vamos definir a integral de ação, ou simplesmente ação, em termos de
uma trajetória, i. e. de uma linha no espaço de configuração parametrizada
pelo tempo, ligando o ponto q1 no instante t1 ao ponto q2 no instante t2, por
S =
∫ t2
t1
L(q, q̇, t) dt. (1.20)
O prinćıpio de mı́nima ação pode então ser formulado da seguinte maneira:
para a trajetória real, a ação S é estacionária sob uma variação da trajetória
que mantenha os pontos inicial e final invariantes. A figura 1.4 mostra a
trajetória real ligando dois pontos do espaço de configuração e uma posśıvel
variação dessa trajetória. Esse prinćıpio variacional também recebe a deno-
minação de prinćıpio de Hamilton. O que o prinćıpio de mı́nima ação nos diz
é que, dentre todas as trajetórias posśıveis conectando o ponto q1 em t1 ao
ponto q2 em t2, aquela para a qual S é estacionária corresponde à trajetória
real contendo esses dois pontos. Podemos então escrever de maneira mais
simples esse prinćıpio como
δS = 0, (1.21)
onde o δ significa uma variação da trajetória de integração. Para deduzir as
equações de Euler-Lagrange de (1.21) escrevemos uma variação infinitesimal
8 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
q1
q2
1t
2t
Figura 1.1: trajetória real e uma possibilidade de variação.
da trajetória na forma
q′i(t) = qi(t) + �ηi(t). (1.22)
A variação na ação é então dada por
δS = S ′ − S, (1.23)
onde S ′ é calculada usando a trajetória q′ e S usando q. Usando a definição
(1.20) da ação em (1.23) temos que
δS =
∫ t2
t1
L(q̇′,q′, t) dt−
∫ t2
t1
L(q̇,q, t) dt. (1.24)
Usando (1.22) e retendo apenas os termos de primeira ordem em � obtemos
L(q̇′,q′, t) = L(q̇,q, t) + �
n∑
i=1
[
∂L
∂qi
ηi +
∂L
∂q̇i
η̇i
]
, (1.25)
que substituida em (1.24) nos dá
δS = �
n∑
i=1
∫ t2
t1
[
∂L
∂qi
ηi +
∂L
∂q̇i
η̇i
]
dt. (1.26)
Integrando por partes o segundo termo entre colchetes obtemos
δS = �
n∑
i=1
∫ t2
t1
[
∂L
∂qi
− d
dt
∂L
∂q̇i
]
ηi dt+ �
n∑
i=1
∂L
∂q̇i
ηi
∣∣∣∣∣
t2
t1
. (1.27)
1.4. Prinćıpio de mı́nima ação 9
O último termo do lado direito de (1.27) se anula pois, por hipótese, os pontos
inicial e final são mantidos fixos pela variação, ou seja,
η1(t) = η2(t) = 0, (1.28)
para i = 1, . . . . , n. O prinćıpio de mı́nima ação nos dá então que
δS = �
n∑
i=1
∫ t2
t1
[
∂L
∂qi
− d
dt
∂L
∂q̇i
]
ηi dt = 0. (1.29)Agora, usando o fato que as coordenadas generalizadas qi são independentes,
o que implica o mesmo para os ηi’s, vemos que a única maneira de que a
integral em (1.29) se anule é que as seguintes equações sejam verdadeiras:
d
dt
∂L
∂q̇i
− ∂L
∂qi
= 0, (1.30)
para i = 1, . . . , n, ou seja, que as equações de Euler-Lagrange sejam válidas,
o que mostra o desejado.
Essa discussão acerca do prinćıpio de mı́nima ação nos permitirá mostrar,
de maneira simples, o fato que a lagrangeana não é univocamente definida.
Dada uma lagrangeana L, podemos sempre obter uma outra lagrangeana L′
adicionando-se uma derivada total com relação ao tempo, da qual decorrem
as mesmas equações de movimento. Lagrangeanas que implicam as mesmas
equações são ditas equivalentes. Temos então que
L′(q̇,q, t) = L(q̇,q, t) +
df(q, t)
dt
. (1.31)
Para mostrar o que dissemos acima utilizamos prinćıpio de mı́nima ação:
δS ′ = δ
∫ t2
t1
L′ dt = δ
∫ t2
t1
Ldt+ δ
∫ t2
t1
df
dt
= δS + δ [f(2)− f(1)] = δS, (1.32)
ou seja, as variações das ações são iguais e portanto, se S é estável com relação
a uma dada trajetória, S ′ também o será, e vice versa. Assim ambas as
10 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
lagrangeanas descrevem as mesmas trajetórias. Cabe dizer ainda que existem
sistemas que admitem lagrangeanas equivalentes não conectadas por (1.31),
sendo a escolha entre as duas uma questão de conveniência. Outra maneira
de obter uma lagrangeana equivalente é multiplicar a lagrangeana original
por uma constante α qualquer, i.e., L′ = αL, que implicam trivialmente as
mesmas equações de movimento. Esse tipo de transformação é chamada de
transformação de escala, pois pode ser obtida por uma mudança de escala
das coordenas e momentos, ou do tempo.
1.5 Sistemas com v́ınculos não-holonômicos
Na passagem da eq. (1.29) para (1.30) usamos o fato das coordenadas genera-
lizadas serem todas independentes. Aqui vamos estudar o caso em que exis-
tam condições de v́ınculo adicionais, como por exemplo certos v́ınculos não-
holonômicos não inclúıdos na passagem inicial para as coordenadas generali-
zadas. As coordenadas não sendo mais independentes, não podemos fazer a
passagem às equações de Euler-Lagrange. No entanto, o prinćıpio de mı́nima
ação pode ser extendido a tais sistemas, com a condição essencial de que as
forças de v́ınculo não realizem trabalho ao longo de um deslocamento virtual.
Para mostrar isso, reescrevemos (1.21) na seguinte forma:
δ
∫ t2
t1
Ldt = δ
∫ t2
t1
T dt− δ
∫ t2
t1
V dt = 0, (1.33)
que implica
δ
∫ t2
t1
T dt =
n∑
i=1
∫ t2
t1
[
∂V
∂qi
− d
dt
∂V
∂q̇i
]
ηi dt = −
∫ t2
t1
n∑
i=1
Qiηi dt, (1.34)
onde usamos a relação (1.19) entre o potencial e a força generalizada. Vemos
então que se supusermos que o trabalho das forças de v́ınculo ao longo de
1.5. Sistemas com v́ınculos não-holonômicos 11
uma variação virtual se anula, então a eq. (1.34) é verdadeira, assim como o
prinćıpio de mı́nima ação.
Dito isso, passemos ao caso em que tenhamos um número m de condições
de v́ınculo da forma
χk = 0; k = 1, . . . ,m, (1.35)
onde χk pode depender das coordenadas e do tempo (v́ınculos holonômicos),
ou então ser da forma
n∑
i=1
akidqi + bkdt = 0; k = 1, . . . ,m. (1.36)
Notemos que v́ınculos holonômicos da forma (1.35) podem ser reescritos na
forma (1.36), o contrário não sendo necessariamente verdadeiro, pois o lado
esquerdo de (1.36) pode não ser uma diferencial exata. Se (1.36) vale, então
temos também que para uma variação virtual (apenas as coordenadas variam)
�
∫ t2
t1
m∑
k=1
n∑
i=1
λkakiηidt = 0, (1.37)
onde os λk’s são funções das coordenadas e do tempo a serem determinadas
e são denominados de multiplicadores de Lagrange. Somando (1.37) a (1.29)
obtemos ∫ t2
t1
n∑
i=1
[
∂L
∂qi
− d
dt
∂L
∂q̇i
+
m∑
k=1
λkaki
]
ηidt = 0. (1.38)
Agora notemos que temos n −m coordenadas independentes e m multipli-
cadores de Lagrange arbitrários. Assim escolhemos os multiplicadores de
maneira a anular m termos da soma em (1.38). Os demais n−m termos são
nulos pois temos n−m ηj’s independentes. Isso nos dá as seguintes equações
de movimento:
d
dt
∂L
∂q̇i
− ∂L
∂qi
=
m∑
k=1
λkaki; i = 1, . . . , n. (1.39)
12 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
Temos então n+m incógnitas: as n coordenadas qi como funções do tempo e
os m multiplicadores λk. As m equações adicionais necessárias para determi-
nar univocamente essas incógnitas são justamente as m condições de v́ınculo
(1.36), que fornecem as seguintes equações adicionais:
n∑
i=1
akiq̇i + bk = 0; k = 1, . . . ,m. (1.40)
Comparando (1.39) com (1.14) vemos que as forças de v́ınculo são dadas por
Q
(v)
i =
m∑
k=1
λkaki, (1.41)
o que nos dá a interpretação f́ısica dos multiplicadores de Lagrange. Caso
os v́ınculos sejam holonômicos, essa abordagem pode ser utilizada quando se
quer conhecer as forças de v́ınculo.
1.5.1 Exemplo: part́ıcula deslizando sem atrito sobre
um disco
Tomemos o seguinte problema: uma part́ıcula de massa m desliza sem atrito
sobre um disco de raio R. Sua posição pode ser dada utilizando coordenadas
polares r e θ com relação ao centro do disco. As condições iniciais são dadas
por θ0 = θ(0) e θ̇0 = θ̇(0). O v́ınculo sobre as coordenadas é assim r−R = 0.
Vamos agora aplicar o formalismo dos multiplicadores de Lagrange descrito
acima para determinar o ponto em que a part́ıcula perde contato com o disco,
que é onde a força de v́ınculo (a normal) se anula. A lagrangeanan é dada
por
L =
1
2
m(ṙ2 + r2θ̇2)−mgr cos θ, (1.42)
com o v́ınculo na forma da eq. (1.36):
dr = 0. (1.43)
1.6. O problema de Kepler 13
As equações de movimento são obtidas a partir das eqs. (1.39) e (1.40):
r̈ −mrθ̇2 +mg cos θ = λ,
mr2θ̈ −mgr sen θ = 0,
ṙ = 0. (1.44)
Podemos achar a solução desse sistema resolvendo primeiro a segunda equação
em (1.44) com r = R e substitundo o resultado na primeira, e assim determi-
nar quando λ se anula. Para simpificar os cálculos, podemos utilizar o fato
que a energia é conservada (lembramos que a força de v́ınculo não realiza
trabalho), que aqui é dada por:
E =
1
2
mR2θ̇2 +mgR cos θ. (1.45)
Obtendo θ̇ na primeira equação de (1.44) e substituindo e, (1.45) obtemos:
3
2
mgR cos θ = E +
1
2
Rλ. (1.46)
Tomando essa expressão no ponto em que a part́ıcula perde o contato (λ = 0)
obtemos:
cos θ =
2E
3mgR
, (1.47)
que nos dá a solução do problema em função da energia do sistema obtida a
partir das condições iniciais.
1.6 O problema de Kepler
Para uma part́ıcula em movimento em um campo de força central, o potencial
só depende da distância r ao centro de força O 1. O movimento se realiza
1O movimento de dois corpos massivos devido unicamente à ação das forças mútuas
entre eles pode ser reduzido a um problema de um único corpo.
14 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
no plano definido pela velocidade e que contem o centro de força, de modo
que escolhemos como coordenadas generalizadas a distância r e o ângulo θ
que o vetor posição da part́ıcula com relação a O faz com uma direção de
referência.
As componentes radial e angular (paralela e perpendicular ao raio, res-
pectivamente) da velocidade são dadas por
vr =
dr
dt
≡ ṙ,
vθ = r
dθ
dt
≡ rθ̇, (1.48)
de modo que a energia cinética é então dada pela expressão
T =
1
2
m(ṙ2 + r2θ̇2). (1.49)
O potencial para uma força proporcional a 1/r2 é da forma
V (r) =
α
r
. (1.50)
No caso de uma força atrativa temos que α < 0, e para uma força repulsiva
α > 0.
Obtemos então a lagrangeana
L = T − V = 1
2
m(ṙ2 + r2θ̇2)− α
r
, (1.51)
que, usando as equações de Euler-Lagrange (1.17), nos fornece as seguintes
equações de movimento:
mr̈ −mrθ̇2 − α
r2
= 0, (1.52)
d
dt
(mr2θ̇) = 0. (1.53)
1.6. O problema de Kepler 15
De (1.53) vemos que a grandeza dinâmica L = mr2θ̇ é uma constante de
movimento2. Usando (1.48)temos que L = mrvθ, o que nos permite identi-
ficar L como o momento angular da part́ıcula em relação a O. Expressando
θ̇ em função de L e r temos
θ̇ =
L
mr2
. (1.54)
Substituindo (1.54) em (1.52) obtemos
mr̈ − L
2
mr3
− α
r2
= 0. (1.55)
Ou seja, reduzimos o nosso problema bidimensional a um problema unidi-
mensional com um potencial efetivo dado por
Vef(r) =
L2
2mr2
+
α
r
. (1.56)
Podemos resolver a equação (1.55) da seguinte maneira: notemos inicialmente
que
mr̈ =
d
dt
(
1
2
mṙ2
)
ṙ−1, (1.57)
e portanto (1.55) é equivalente a
d
dt
(
1
2
mṙ2
)
= −dr
dt
d
dr
Vef(r) = −
d
dt
Vef(r), (1.58)
e assim temos uma segunda constante de movimento:
E =
1
2
mṙ2 + Vef(r) =
1
2
mṙ2 +
L2
2mr2
+
α
r
, (1.59)
que obviamente corresponde à energia total do sistema. Uma vez o valor de
E definido pelas condições iniciais, a solução de (1.55) é obtida isolando-se ṙ
em (1.59):
ṙ =
√√√√ 2
m
(
E − α
r
− L
2
2mr2
)
, (1.60)
2Denominamos de constante de movimento, ou invariante, qualquer grandeza, que seja
função das coordenadas generalizadas e que se mantenha constante ao longo da evolução
temporal do sistema.
16 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
e então
t− t0 =
∫ r
r0
dr
[
2
m
(
E − α
r
− L
2
2mr2
)]−1/2
. (1.61)
Calculando a integral em (1.61), escrevendo r em função de t e usando (1.54)
para determinar θ:
θ − θ0 =
∫ t
t0
L
mr2(t)
dt, (1.62)
temos as soluções para as equações de movimento iniciais (1.48) e (1.53).
As integrais em (1.61) e (1.62) podem ser calculadas explicitamente, em-
bora o resultado não seja necessariamente simples. No entanto, há uma
maneira de se obter a órbita3 da part́ıcula sem muito esforço: de (1.60)
temos que
dt =
[
2
m
(
E − α
r
− L
2
2mr2
)]−1/2
dr, (1.63)
que substituida em (1.62) nos dá
θ − θ0 =
∫ r
r0
L
mr2
[
2
m
(
E − α
r
− L
2
2mr2
)]−1/2
dr
= arccos
 L/r +mα/L
−
√
2mE +m2α2/L2
∣∣∣∣∣∣
r
r0
, (1.64)
ou seja, por uma adequada escolha de eixo com relação ao qual θ é medido,
podemos escrever que
θ = arccos
 L/r +mα/L
−
√
2mE +m2α2/L2
 . (1.65)
Seguindo a notação usual, introduzimos o “parâmetro de órbita” p e a
“excentricidade” e por
p =
L2
mα
, (1.66)
3Denominamos de órbita a linha seguida pela part́ıcula, sem explicitar a dependência
temporal.
1.7. Pequenas oscilações 17
e =
√
1 +
2EL2
mα2
. (1.67)
A relação (1.65) pode então ser escrita como
−p
r
= 1 + e cos θ, (1.68)
que descreve uma seção cônica centrada no ponto O. As diferentes órbitas
podem ser classificadas segundo os valores dos parâmetros p e e. Enumeramos
a seguir os casos posśıveis para α < 0 (p < 0):
1. E < 0⇒ e < 1, a órbita é uma elipse. Caso e = 0 então a órbita é um
ćırculo.
2. E ≥ 0, o movimento não é limitado no espaço. Caso E > 0 implica
e > 1 e a trajetória é uma hipérbole. Caso E = 0 então e = 1 e a
trajetória é uma parábola.
1.7 Pequenas oscilações
Tomemos um sistema com n graus de liberdade, coordenadas generalizadas
qi, i = 1 . . . , n, energia potencial V (q1, . . . , qn) e que possui um ponto de
equiĺıbrio estável em qi = q
0
i . Para oscilações de pequena amplitude em
torno do equiĺıbrio, podemos expandir o potencial em potências de qi− q0i , e
considerar apenas os termos até segunda ordem:
V = V (q0) +
1
2
n∑
i,j=1
kij(qi − q0i )(qj − q0j ) +O
(
(q − q0)3
)
. (1.69)
Dessa forma, a lagrangiana do sistema é dada por:
L =
1
2
n∑
i,j=1
Tij(q)q̇iq̇j − V (q)
=
1
2
n∑
i,j=1
[aijẋiẋj − kijxixj] , (1.70)
18 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
onde xi ≡ qi − q0i , aij ≡ Tij(q0) e retiramos o termo contante V (q0). As
equações de movimento são assim dadas por:
n∑
j=1
[aijẍj + kijxj] = 0. (1.71)
Por se tratar de um sistema linear, vamos procurar soluções da forma
xk = Ake
iωt, (1.72)
onde a parte real (e a imaginária) é solução do sistema. Substituindo (1.72)
em (1.71) temos
n∑
j=1
(−ω2aij + kij)Aj = 0. (1.73)
Para que (1.73) possua uma solução não trivial para Aj é necessário que a
matriz dos coeficientes tenha determinante nulo:
Det(kij − ω2aij) = 0, (1.74)
que é a equação caracteŕıstica para ω2, que possui n soluções (eventualmente
degeneradas) positivas (ω é real), que denotamos por ωα, α = 1, . . . , n. A
solução geral do sistema (1.71) pode ser escrita como uma superposição das
soluções particulares (1.72):
xi =
n∑
α=1
Ai,αCαe
iωαt, (1.75)
onde Cα são coeficientes arbitrários. A solução (1.75) possui 2n constantes
arbitrárias: os n coeficientes Cα e uma componente por cada Ai,α (o sistema
1.73 é sub-determinado), que são fixadas pelas 2n condições iniciais.
Agora definimos novas coordenadas por
Qα ≡ Re
(
Cαe
iωαt
)
. (1.76)
1.8. Movimento de um corpo ŕıgido 19
De (1.71) vemos que elas satisfazem á equação de movimento
Q̈α + ω
2
αQα = 0, (1.77)
ou seja, uma equação de um oscilador harmônico. Tais coordenadas cor-
respondem assim a um movimento coletivo das part́ıculas do sistema que
oscilam com a mesma freqüência, denominados de modos normais de vi-
bração. Para mais detalhes sobre sobre o problema de pequenas oscilações,
vide [Goldstein,2002].
1.8 Movimento de um corpo ŕıgido
Em muitas aplicações é razoável considerar um corpo material como com-
posto por part́ıculas cujas posições relativas são fixas no tempo. Denomi-
namos essa idealização por corpo ŕıgido. Nesta seção vamos estudar de que
maneira essa consideração simplifica o estudo do movimento.
O primeiro passo consiste então em fixar um sistema de coordenadas mais
apropriado para este problema. Como o movimento do corpo ŕıgido pode
sempre ser decomposto no movimento do centro de massa e em um movi-
mento de rotação em torno do centro de massa, vamos tomar dois sistemas
de referência: um inercial O com relação ao qual determinamos a posição
do centro de massa, e outro O′ preso ao corpo e que gira com ele. Por con-
veniência vamos supor que O′ está centrado no centro de massa. A orientação
de O′ com relação a O determina a orientação do corpo ŕıgido. Assim são
necessárias seis coordenadas para determinar completamente a posição do
sistema: três para a posição do centro de massa e três para a orientação de
O′.
A posição de uma part́ıcula do corpo com relação a O é dada pelo vetor
posição r e com relação a O′ por r′. A posição do centro de massa com relação
20 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
a O é dada por R. Uma rotação infinitesimal em torno de O′ é caracterizada
por um vetor dθ de modo que o correspondente deslocamento de posição
com relação a O′ é dado por dθ× r′, sendo que o deslocamento em relação a
O, devido à composição dessa rotação com uma translação dR do centro de
massa é dado por
dr = dθ × r′ + dR, (1.78)
que por sua vez nos dá
x
1
x
2
x
3
x
1
x
2
x
3
R
r
r
CM
'
'
'
'
Figura 1.2: Coordenadas para um corpo ŕıgido.
v = V + ω × r′, (1.79)
onde v ≡ dr/dt, V ≡ dR/dt e ω ≡ dθ/dt é chamada de velocidade angular
do corpo ŕıgido e independe do ponto escolhido para a origem de O′4.
4De fato, tomemos o sistema de referência O′′ tal que r′′ = r′ + d, onde d é constante.
Temos então que v = V′′ +ω′′×r′′ e de (1.79) temos também que v = V+ω×r′′−ω×d,
e comparando essas duas expressões para todas as part́ıculas do corpo temos que V′′ =
V−ω × d e ω′′ = ω, ou seja, a velocidade angular é a mesma para qualquer sistema que
escolhermos. A escolha do centro de massa visa apenas simplificar a descrição final.
1.8. Movimento de um corpo ŕıgido 21
Consideramos então o corpo como um sistema de N part́ıculas: sendo
vi a velocidade da part́ıcula i com relação a O e mi sua massa, a energia
cinética do corpo é dada por
T =
N∑
i=1
1
2
miv
2
i , (1.80)
e usando (1.79) temos que
T =
N∑
i=1
[
1
2
miV
2 +
1
2
mi(ω × r′i)2 +miV · (ω × r′i)
]
. (1.81)
O último termo do lado direito de (1.81) se anula poisa origem de O′ coincide
com o centro de massa, o que implica
∑
imir
′
i = 0. Para o segundo termo,
temos que
(ω × r)2 = ω2r2sen2φ, (1.82)
onde ω e r são os módulos de ω e r e φ é o ângulo entre esses dois vetores,
que é dado por
cosφ =
ω · r
ωr
, (1.83)
e substituindo a igualdade sen2φ = 1− cos2φ em (1.82) obtemos
(ω × r)2 = ω2r2 − (ω · r)2. (1.84)
Usando (1.84) em (1.81) temos que
T =
1
2
MV 2 +
1
2
N∑
i=1
mi
[
ω2r2i
′ − (ω · r′i)2
]
, (1.85)
onde M =
∑
imi é a massa total do sistema. Definimos então o tensor de
inércia Iαβ do corpo ŕıgido de tal maneira que
∑
αβ
Iαβωαωβ =
N∑
i=1
mi
[
ω2r2i
′ − (ω · r′i)2
]
, (1.86)
22 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
onde α, β = 1, 2, 3 (as três componentes cartesianas)5 e portanto
Iαβ =
∑
i
mi
[
δαβ(x
′
1,i
2 + x′2,i
2 + x′3,i
2)− x′α,ix′β,i
]
. (1.87)
O tensor de inércia é então representado por uma matriz 3×3 real e simétrica,
e portanto, hermitiana, o que garante que ela pode ser diagonalizada com
autovalores reais. Assim, se os eixos de O′ estiverem nas direções dos au-
tovetores do tensor de inércia, este último estará em uma forma diagonal.
Seus autovalores, que aparecem então na diagonal de Iαβ, são denominados
de momentos principais de inércia, e as direções dos autovetores de eixos
principais de inércia.
O momento angular L do corpo ŕıgido é definido por
L =
N∑
i=1
miri × vi. (1.88)
Usando (1.79) e a relação ri = R + r
′
i, temos
L = R×P +
N∑
i=1
mir
′
i × (ω × r′i) +
N∑
i=1
R× (ω × (mir′i))
= R×P +
N∑
i=1
mi
[
r′2i ω − (r′i · ω)r′i
]
, (1.89)
onde P = MV é o momento linear total do sistema. Usando a definição
do tensor de inércia com relação ao centro de massa, obtemos a seguinte
expressão para as componentes do momento angular6
Lα =
3∑
βγ
�αβγRβPγ +
3∑
β=1
Iαβωβ. (1.90)
5Para um vetor A qualquer é sempre posśıvel escrevê-lo em termos de componentes
cartesianas: A = (A1, A2, A3). As coordenadas da part́ıcula i com relação ao centro de
massa são então representadas por xi = (x1,i, x2,i, x3,i).
6O śımbolo de Levi-Civita é definido da seguinte maneira: �αβγ = 1 se (αβγ) é uma
permutação ı́mpar de (123), �αβγ = −1 se (αβγ) é uma permutação par de (123) e �αβγ = 0
nos demais casos.
1.8. Movimento de um corpo ŕıgido 23
O segundo termo do lado direito de (1.90) é denominado de momento angular
intŕınseco do sistema, e denotado por LCM para explicitar que representa o
momento angular calculado com relação ao centro de massa. Note-se que
em geral LCM e ω não têm a mesma direção. Isso só ocorre quando ω está
na direção de um dos eixos principais de inércia, que são perpendiculares
entre si (a menos que tenhamos autovalores degenerados). No caso geral, se
um corpo possui um eixo de simetria ele deve necessariamente ser um eixo
principal de inércia.
O torque aplicado ao sistema é definido por
τ =
N∑
i=1
ri × Fi, (1.91)
onde Fi é a força aplicada sobre a part́ıcula i. O torque no sistema do centro
de massa é
τCM =
N∑
i=1
r′i × Fi. (1.92)
Agora notemos que
dL
dt
=
N∑
i=1
[miṙi × vi +miri × v̇i]
=
N∑
i=1
ri × Fi = τ . (1.93)
Por outro lado r̈′i = r̈i − R̈, que substituido em (1.93) nos dá
dLCM
dt
=
N∑
i=1
mir
′
i × r̈i =
N∑
i=1
r′i × Fi = τCM. (1.94)
As equações (1.92) e (1.94) são portanto importantes no estudo da dinâmica
de um corpo ŕıgido.
Suponhamos que as forças externas sejam conservativas. Podemos, dessa
maneira, escrever uma lagrangeana para o sistema, usando (1.85) para obter
24 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
a energia cinética do sistema, e escrevendo o potencial total em termos de
R e da orientação do corpo, dada por três coordenadas caracterizando a
orientação do sistema O′. Um sistema de coordenadas, útil na descrição do
movimento de corpos ŕıgidos, é dado pelos ângulos de Euler assim definidos:
tomemos os eixos (x1, x2, x3) de O e os eixos (x
′
1, x
′
2, x
′
3) de O
′. Denotamos
por θ o ângulo entre x3 e x
′
3, por ϕ o ângulo entre x1 e a linha de interseção
dos planos (x1, x2) e (x
′
1, x
′
2) e por ψ o ângulo entre x
′
1 e essa mesma linha. Os
ângulos θ, ϕ e ψ são os ângulos de Euler e estão representados na figura 1.3.
As componentes da velocidade angular ω podem ser expressas em termos
x1
x2
x3x3'
x2'
x1'
θ
ψϕ
Figura 1.3: Definição dos ângulos de Euler.
dos ângulos de Euler projetando θ̇, ϕ̇ e ψ̇ nos eixos x′1, x
′
2 e x
′
3, o que nos dá
ω1 = θ̇cosψ + ϕ̇sen θsenψ;
ω2 = ϕ̇sen θcosψ − θ̇senψ;
ω3 = ϕ̇cos θ + ψ̇. (1.95)
1.9. Formulação relativ́ıstica 25
Um caso de especial interesse á o do pião simétrico, em que dois dos momentos
principais de inércia são iguais I1 = I2, e diferentes de I3. Podemos mostrar
que a energia cinética de rotação assume a forma:
T =
I1
2
(
ϕ̇2sen2θ + θ̇2
)
+
I3
2
(
ϕ̇ cos θ + ψ̇
)2
. (1.96)
Terminamos esta seção observando que Iαβ é um tensor de ordem 2, pois
conecta linearmente um vetor a outro vetor pela relação
LCM = I(ω). (1.97)
1.9 Formulação relativ́ıstica
É sabido que quando as velocidades envolvidas em um dado problema são
próximas da velocidade da luz, devemos modificar a mecânica newtoniana
de modo a levar em conta a invariância da velocidade da luz. Para tal,
tomemos um sistema de referência inercial O e um outro O′ que se move com
velocidade constante v com relação a O. Constrúımos então um sistema de
eixos cartesianos (x, y, z) ligado a O e tal que o eixo x esteja orientado na
direção de v. Da mesma maneira constrúımos um outro sistema de eixos
(x′, y′, z′) ligado a O′ e tal que para t = t′ = 0 os dois sistemas coincidem.
As coordenadas e o tempo de um evento nos dois sistemas são então ligados
pelas transformações de Lorentz:
x′ =
x− vt√
1− v2/c2
,
y′ = y,
z′ = z,
t′ =
t− vx/c2√
1− v2/c2
. (1.98)
26 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
Para generalizarmos essa transformação a um sistema de eixos cartesianos
não necessariamente paralelos ao sistema original, e para uma velocidade rela-
tiva qualquer, notamos que a invariância da velocidade da luz é equivalente
à invariância da grandeza
ds2 = dx2 + dy2 + dz2 − c2dt2. (1.99)
Introduzindo a notação x1 = x, x2 = y, x3 = z e x4 = ct, escrevemos que
ds2 = ηµνdx
µdxν , (1.100)
onde usamos a convenção de soma de Einstein para ı́ndices repetidos. A
transformação do sistema de coordenadas {x} para o sistema {x′} pode então
ser expressa como 7
dx′µ = Sµν dx
ν ,
dxµ = (S−1)µνdx
′ν , (1.101)
onde a matriz 4× 4 S é inverśıvel e define a transformação de Lorentz para
o sistema. O espaço quadridimensional definido pelas coordenadas xµ é de-
nominado de espaço de Minkowski. No caso dos sistemas O e O′ considerados
no ińıcio desta seção a matriz S é dada por
S̃ =

β 0 0 −v/β
0 1 0 0
0 0 1 0
−vβ/c2 0 0 β
 , (1.102)
onde β = (1− v2/c2)−1/2. O caso mais geral em que os eixos de O e O′ não
são paralelos pode ser obtido combinando rotações e translações dos eixos de
coordenadas.
7Transformamos as diferenciais dxµ e não as coordenadas xµ pois as origens dos sistemas
de coordenadas em geral não coincidem.
1.9. Formulação relativ́ıstica 27
É fácil ver que a lei de movimento dada pela segunda lei de Newton não é
covariante 8 por uma transformação de Lorentz. Ela deve ser substituida por
uma equação envolvendo vetores no espaço de Minkowski, i. e. entes a qua-
tro componentes. Como a dinâmica relativ́ıstica deve se reduzir à dinâmica
newtoniana, quando as velocidades envolvidas são pequenas com relação à ve-
locidade da luz, é natural tentarmos formulá-la com os mesmos conceitos que
anteriormente. Em particular, vamos supor que o prinćıpio de conservação
da quantidade de movimento de um sistema fechado continua válido. Usando
a definição p = mv e analisando o choque entre duas part́ıculas de massas
m1 e m2, pode-se mostrar que para que a quantidade de movimento total
p1 + p2 seja constanteem dois sistemas de referência inerciais quaisquer, as
massas não devem mais ser constantes (escalares) e dependem da velocidade
da part́ıcula da seguinte maneira:
m =
m0√
1− v2/c2
, (1.103)
onde m0 é um escalar e é denominado de massa no repouso. Temos então
que
p =
m0√
1− v2/c2
v, (1.104)
e a lei de movimento é simplesmente
F =
d mv
dt
. (1.105)
O trabalho realizado pela força F ao longo de um deslocamento dx é dado
por
dW = F · dx. (1.106)
8O termo covariante indica que a relação geral entre as grandezas permanece inalterada
ao mesmo tempo em que essas mesmas grandezas se transformam como tensores de um
certo tipo. O termo invariância, por sua vez, indica que as grandezas em questão não são
alteradas pela transformação.
28 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
A energia cinética T é definida como nula no repouso e tal que sua variação
seja igual ao trabalho realizado pela força F sobre a part́ıcula:
dT = F · dx. (1.107)
Usando a equação de movimento (1.105) obtemos:
dT =
d(mv)
dt
· dx = dm
dt
v · dx +mdv
dt
· dx
= v2dm+mv dv
=
m0
c2(1− v2/c2)3/2
v3dv +
m0v√
1− v2/c2
dv
=
m0v
(1− v2/c2)3/2
dv, (1.108)
onde usamos a identidade v dv = d(v · v)/2 = v · dv. Integrando (1.108) de
0 a T no lado esquerdo e de 0 a v no lado direito, obtemos
T =
m0c
2√
1− v2/c2
−m0c2, (1.109)
que é a expressão relativ́ıstica da energia cinética. Definimos agora a seguinte
grandeza
E = T +m0c
2 =
m0c
2√
1− v2/c2
, (1.110)
chamada simplesmente de energia da part́ıcula. Podemos então definir o
quadrivetor momento pµ por
pi = mvi; i = 1, 2, 3,
p4 = E/c, (1.111)
que se transforma como um vetor contravariante. De (1.105–1.107) podemos
escrever as seguintes equações de movimento:
dpi
dt
= Fi; i = 1, 2, 3,
dp4
dt
=
F · v
c
, (1.112)
1.9. Formulação relativ́ıstica 29
que ainda não é a forma covariante que buscamos. Para obtê-la, introduzimos
o intervalo de tempo próprio associado a uma part́ıcula por
dτ =
√
1− v2/c2dt, (1.113)
que é um escalar, e obtemos
dpµ
dτ
= F µM , (1.114)
onde a força de Minkowski se transforma como um vetor contravariante e é
definida por
F iM =
F i√
1− v2/c2
,
F 4M =
F · v
c
√
1− v2/c2
. (1.115)
As equações (1.114) são portanto a forma covariante das equações de movi-
mento no caso relativ́ıstico.
Para a formulação lagrangeana da dinâmica relativ́ıstica existem duas
abordagens posśıveis. A primeira consiste em obter uma formulação explici-
tamente covariante partindo de um prinćıpio de mı́nima ação covariante, que
envolve complicações cada vez maiores quanto mais complexo o sistema. Por
esse motivo adotaremos a segunda abordagem, que consiste em obter a la-
grangeana em um dado sistema de referência, que nos dê as equações de
movimento corretas nesse sistema, e que serão, portanto, covariantes, apesar
das equações de Euler-Lagrange não explicitarem essa propriedade. Para tal,
vamos novamente supor que a força que atua sobre uma part́ıcula deriva de
um potencial V , como na eq. (1.19). Uma lagrangeana que permite deduzir
as eqs. (1.114) é dada por
L = −m0c2
√
1− v2/c2 − V. (1.116)
30 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
As equações de Euler-Lagrange são então
d
dt
∂L
∂vi
− ∂L
∂xi
=
d
dt
m0v
i√
1− v2/c2
+
∂V
∂xi
= 0, (1.117)
ou ainda
dp
dt
= F, (1.118)
como desejado.
1.10 Exerćıcios
1. Considere uma força F que deriva de um potencial generalizado V (r,v)
e que atua sobre uma part́ıcula, onde r é o vetor posição com relação
a um dado sistema de referência e v a velocidade da part́ıcula. Mostre
que as componentes de F definidas por Fi = −∂V/∂qi+d(∂V/∂q̇i)/dt se
transformam como um vetor por uma mudança de coordenadas qi → q′i
qualquer. As Fi’s são componentes contravariantes ou covariantes?
2. Ache o potencial generalizado para a força dada por
F =
1
r2
(
1− ṙ
2 − 2r̈r
c2
)
,
e escreva a respectiva lagrangeana para uma part́ıcula de massa m e
deduza dela as equações de movimento.
3. Um disco de raio r e massa m está sobre outro disco fixo e de raio R
sobre o qual gira sem deslizar. Determine o ponto em que o contato
entre os dois é perdido supondo que a velocidade inicial do centro de
massa do primeiro disco tem módulo v.
4. Uma part́ıcula de massa m desce sem atrito uma rampa de massa M
que também pode se mover sem atrito sobre um plano horizontal. De-
termine a(s) condição(ões) de v́ınculo(s) sobre o sistema, diga se são ou
1.10. Exerćıcios 31
não-holonômicas. Escreva a lagrangeana para o sistema e as equações
de movimento.
5. Henon e Heiles propuseram em 1964 um modelo para o movimento de
uma estrela em um campo gravitacional com simetria ciĺındrica, que
descreve o campo gravitacional de uma galáxia. O potencial é então
da forma V (r, z) onde r é a distância radial ao eixo da galáxia e z a
distância ao plano da galáxia medida ao longo desse eixo. Escreva a
lagrangeana da estrela nesse modelo e diga de que maneira um potencial
dessa forma permite simplificar as equações de movimento, e ache essa
forma simplificada.
6. Obtenha a equação (1.96) a partir das definições dos ângulos de Euler
e das eqs. (1.95).
7. Considere um pião com simetria axial que se movimenta em torno de
um ponto fixo p que faz parte dele. Usando os ângulos de Euler, escreva
uma forma simples para a energia cinética. Supondo que o pião está sob
a ação de um potencial dado por V = Mr · g, onde r é o vetor posição
do seu centro de massa com relação ao ponto p, g é a aceleração da
gravidade e M a massa do pião. Escreva a lagrangeana para o pião e
as equações de movimento e ache suas soluções. Neste caso o sistema
sendo conservativo a energia total E = T + V é conservada, o que
permite simplificar o problema. Demonstre a conservação de E.
8. Considere um pêndulo formado por uma part́ıcula de massa m fixa a
um fio de massa despreźıvel e comprimento l, que está suspenso em
um suporte cuja posição vertical varia no tempo de maneira determi-
nada pela função h(t). O formalismo lagrangeano se aplica neste caso?
Porque? Diga quais as condições de v́ınculo sobre o movimento da
32 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
part́ıcula e obtenha suas equações de movimento utilizando o menor
número de coordenadas posśıvel. Finalmente, diga qual a condição so-
bre h(t) para que a energia total E = T +V seja conservada, onde V é
a energia potencial gravitacional da part́ıcula e T sua energia cinética.
Qual a razão f́ısica dessa condição?
9. Tomemos um pêndulo duplo, formado por duas hastes ŕıgidas de com-
primentos L1 e L2 com uma part́ıcula de mass m na sua extremidade,
com mostrado na figura abaixo. As hastes se movem sem atrito no
plano da figura. Obtenha seus modos normais de vibração e as corre-
spondentes freqüências.
Figura 1.4: pêndulo duplo com massa m.
10. A força de Lorentz sobre uma part́ıcula de carga elétrica q e massa m é
dada por F = qE+qv×B, onde v é a velocidade da part́ıcula, E e B os
campos elétrico e magnético, respectivamente, que supomos constantes
no tempo. Obtenha uma lagrangeana que descreva o movimento da
part́ıcula.
11. Mostre que as componentes Iαβ do tensor de inércia se transformam
contravariantemente (vide apêndice A).
12. Considere o problema de três corpos, de massas m1, m2 e m3 in-
1.10. Exerćıcios 33
teragindo sob a ação exclusiva da atração gravitacional entre elas.
Obtenha a solução de Lagrange para o problema, na qual os três cor-
pos estão no vértice de um triângulo equilátero e girando em torno
do centro de massa do sistema. Qual a velocidade angular de rotação
em função do tamanho do triângulo? Para que tal solução exista é
necessário impor alguma condição sobre as massas?
34 Caṕıtulo 1. Formalismo lagrangeano
Caṕıtulo 2
Sistemas com infinitos graus de
liberdade - Campos
Até agora estudamos apenas os chamados sistemas discretos, a saber, sis-temas compostos por part́ıculas, corpos ŕıgidos, e assim por diante. Em
outras palavras, sistemas com um número finito de graus de liberdade1. No
entanto, podemos também estudar sistemas cont́ınuos e com um número
infinito de graus de liberdade. Tais sistemas compreendem desde o proble-
mas das vibrações elásticas em um sólido até a Teoria Clássica de Campos,
tendo-se como exemplo desta última o campo eletromagnético clássico. Neste
caṕıtulo vamos nos interessar mais de perto na extensão a esses sistemas do
formalismo apresentado no caṕıtulo anterior. Por simplicidade, vamos de-
nominar tais sistemas de maneira genérica por campos.
Podemos representar o estado f́ısico de um campo por uma n-upla de
funções da forma
φ(x, t) ≡ (φ1(x, t), . . . , φn(x, t)), (2.1)
onde n é o número de componentes do campo e x são as coordenadas no
1O tratamento anterior se aplica, a prinćıpio, a um sistema com um número infinito
de graus de liberdade, desde que discretos, como, por exemplo, um gás com um número
infinito de part́ıculas ocupando um volume também infinito.
35
36 Caṕıtulo 2. Sistemas com infinitos graus de liberdade - Campos
espaço f́ısico tridimensional (ou qualquer outro espaço de base considerado).
No caso do campo das vibrações elásticas em um sólido φ representa o ve-
tor deslocamento com relação à posição de equiĺıbrio para cada ponto do
sólido e n = 3. No caso do campo eletromagnético representamos seu estado
pelos valores do potencial vetor A e do potencial escalar ϕ, de modo que
φ = (ϕ,A1, A2, A3). Podemos também nos interessar pelas propriedades de
transformação de φ com relação a um dado grupo de transformações, como
os grupos de Galileu e Lorentz, o que permite a introdução das noções de
campo escalar, vetorial ou tensorial. Voltaremos a esse ponto mais adiante.
Vemos então que o campo φ assume um valor para cada ponto do espaço,
caracterizando assim o estado do sistema, o que significa que necessitamos
de um número infinito de valores para determinar o estado exato do sistema.
Por isso falamos em um número infinito de graus de liberdade, continuamente
distribúıdos no espaço f́ısico.
2.1 Funcionais e derivada funcional
Assim como para os sistemas discretos falávamos de funções das coordenadas
e das velocidades das part́ıculas, aqui falaremos de funcionais do campo e
de suas derivadas. Um funcional é um a aplicação que a cada n-upla de
funções (campo) f(x), com x ≡ (x1, . . . , xN), nos dá um número real. Em
outras palavras, se F for um funcional atuando sobre f(x), teremos que
F [f(x)] ∈ R. O funcional de Lagrange para um campo, que introduziremos
mais adiante, é um funcional do estado do campo. Vamos então estender a
noção de derivada com relação a variáveis discretas e definir a diferenciação
de funcionais com relação a uma função, denominada de derivada funcional2.
Para tal precisamos primeiro introduzir a definição de funcional cont́ınuo:
2Outra denominação também usada é a de derivada de Frechet.
2.2. Formulação lagrangeana de uma teoria de campo 37
seja a n-upla σ(x) ≡ (σ1(x), . . . , σ(x)) e um parâmetro real �, então F [f(x)]
é dito cont́ınuo em f(x) se o seguinte limite existir e for dado por:
lim
�→0
F [f(x) + �σ(x)] = F [f(x)] . (2.2)
Um funcional F [f(x)] é dito linear em f(x) se existir uma n-upla σ(x) tal
que
F [f(x)] =
∫
RN
σ(x) · f(x) dx. (2.3)
Dizemos então que um funcional cont́ınuo F em f(x) é diferenciável em f(x)
se o funcional
lim
�→0
d
d�
F [f(x) + �σ(x)] (2.4)
existe para qualquer σ(x) cont́ınuo3 e é linear em σ(x), o que nos permite
escrever que
lim
�→0
d
d�
F [f(x) + �σ(x)] =
∫
RN
σ(x) · δF
δf(x)
dx, (2.5)
onde δF/δf(x) é a derivada funcional de F em f(x).
2.2 Formulação lagrangeana de uma teoria de
campo
A lagrangeana L que descreve a dinâmica de um campo φ é um funcional de
φ e de sua derivada φ̇ com relação ao tempo: L ≡ L(φ, φ̇, t). As equações
de evolução para o campo são então dadas pela seguinte generalização das
equações de Euler-Lagrange:
δL
δφ(x)
− d
dt
δL
δφ̇(x)
= 0. (2.6)
3Usualmente se restringe a classe das funções utilizadas às funções cont́ınuas de classe
CN (diferenciáveis N vezes), e por vezes sujeitas a certas condições de contorno impostas
pelo problema espećıfico em estudo.
38 Caṕıtulo 2. Sistemas com infinitos graus de liberdade - Campos
De especial interesse f́ısico são os campos ditos locais, cuja lagrangeana pode
ser escrita na forma
L =
∫
RN
L(φ,φx, φ̇,x) dx, (2.7)
onde L é denominada de densidade lagrangeana e φx representa as diferen-
tes derivadas de φ com relação às coordenadas espaciais. As equações de
movimento podem ser obtidas diretamente de L como mostraremos mais
adiante.
As equações de Euler-Lagrange para uma teoria de campo podem ser
deduzidas do prinćıpio variacional:
δ
∫ t2
t1
L(φ, φ̇, t) dt = 0. (2.8)
Esse prinćıpio de mı́nima ação para um campo diz que a evolução de φ é tal
que a integral em (2.8) é estável por uma variação φ → φ + �σ do campo,
com � infinitesimal e σ qualquer satisfazendo σ(x, t1) = σ(x, t2) = 0. Para
mostrar que de fato (2.6) decorre de (2.8) usamos a definição (2.5) da derivada
funcional para escrever∫ t2
t1
L(φ+ �σ, φ̇+ �σ̇, t) dt−
∫ t2
t1
L(φ, φ̇, t) dt
= �
∫ t2
t1
∫
RN
[
δL
δφ
· σ(x, t) + δL
δφ̇
· σ̇(x, t)
]
dxdt
= �
∫ t2
t1
∫
RN
[
δL
δφ
− d
dt
δL
δφ̇
]
· σ(x, t) dxdt = 0. (2.9)
Essa equação é válida para σ(x, t) qualquer, e conseqüentemente obtemos
justamente as equações de Euler-Lagrange (2.6).
2.3 Formulação explicitamente covariante
As teorias de campo de maior importância na F́ısica geralmente descrevem
part́ıculas a altas energias, devendo-se portanto levar em conta efeitos rela-
2.3. Formulação explicitamente covariante 39
tiv́ısticos que se tornam importantes. Particularmente, a teoria deve ser
covariante mediante uma transformação de Lorentz, e sendo assim, dizemos
que se trata de uma Teoria de Campo Relativ́ıstico. Ao contrário do que
ocorre no caso discreto, uma formulação lagrangeana explicitamente cova-
riante pode ser obtida diretamente, como veremos a seguir.
Vamos supor que o campo seja local, de modo que possamos escrever a
ação na forma
S =
∫
M′
L d4x, (2.10)
onde d4x ≡ c dtdx e M′ está contido no espaço de Minkowski4. Para que
as equações de movimento sejam explicitamente covariantes impomos que S
seja um escalar por uma transformação de Lorentz, ou seja, que seu valor seja
invariante sob essa transformação. De modo geral, a densidade lagrangeana
depende das componentes do campo e de suas derivadas com relação às qua-
tro coordenadas no espaço de Minkovski. Uma maneira de garantir essa in-
variância é impor que o integrando Ld4x em (2.10) seja também um escalar.
Visto que, para dois sistemas de referência O e O′ quaisquer, os elementos
de volume são iguais, i. e.
d4x′ = d4x, (2.11)
conclúımos que L é ela própria um escalar com relação à transformação de
Lorentz. Dito isso, usando (2.10) escrevemos o prinćıpio de mı́nima ação
como
δS = 0. (2.12)
Lembrando que L = L(φ,φ,µ, xµ), onde φ,µ ≡ ∂φ/∂xµ, e fazendo a variação
φ(x)→ φ(x) + �σ(x), onde σ(x) se anula na fronteira de M′, temos que
δS = �
∫
M′
[
∂L
∂φ(x)
· σ(x) + ∂L
∂φ,µ(x)
· σ,µ(x)
]
d4x = 0. (2.13)
4M′ é uma região conexa do espaço de Minkowski.
40 Caṕıtulo 2. Sistemas com infinitos graus de liberdade - Campos
Vale a pena observar aqui que o prinćıpio variacional na forma (2.8) pode
ser reobtida a partir dessa formulação5. Fazendo uma integração por partes
obtemos que
δS = �
∫
M′
[
∂L
δφ(x)
− d
dxµ
∂L
∂φ,µ(x)
]
· σ(x) d4x. (2.14)
Como a variação σ(x) é arbitrária, obtemos as seguintes equações de movi-
mento:
d
dxµ
∂L
∂φ,µ
− ∂L
∂φ(x)
= 0, (2.15)
onde as derivadas totais com relação a xµ devem ser calculadas levando em
conta a dependência de φ e φ,µ nessas variáveis. Portanto,se pudermos achar
uma densidade lagrangeana escalar L que gere as equações de movimento
corretas através de (2.15), então essas mesmas equações podem ser deduzidas
de um prinćıpio variacional dado por (2.10) e (2.12). Por outro lado, para
uma densidade lagrangeana escalar, as equações obtidas a partir de (2.15)
serão explicitamente covariantes por uma transformação de Lorentz. Note-se
também que se definirmos a lagrangeana por
L =
∫
R3
L d3x, (2.16)
as mesmas equações de movimento são obtidas a partir de (2.6). A diferença
essencial entre as formas equivalentes (2.6) e (2.15) está no fato que na última
a covariância é expĺıcita enquanto que na primeira não.
Como para o caso discreto, a densidade lagrangeana L não é univoca-
mente definida. Para uma dada densidade lagrangeana L, obtemos uma
outra equivalente a partir de um vetor fµ = fµ(x,φ) por
L′ = L+ d
dxµ
fµ. (2.17)
5Na expressão (2.8) as variações de φ se anulam para t = t1 e t = t2. Em (2.12) ela
se anula sobre a fronteira de qualquer região conexa M ′. O caso anterior é recuperado
quando M ′ é a região entre os dois hiperplanos definidos por t = t1 e t = t2.
2.4. Aplicações 41
A demonstração disso é também análoga ao caso discreto: calculamos a
variação da ação associada a L′:
δS ′ = δ
∫
M′
L′ dx = δ
∫
M′
L dx + δ
∫
M′
d
dxµ
fµ dx
= δS + δ
∫
M′
d
dxµ
fµ dx. (2.18)
O último termo pode ser transformado em uma integral de superf́ıcie sobre
a fronteira de M′, que independe da variação do campo, e implica então
δS ′ = δS, o que demonstra a equivalência das lagrangeanas.
No restante deste caṕıtulo vamos aplicar o formalismo acima descrito para
um campo invariante por um tipo de transformação de simetria, denominada
transformação de calibre6, e que possui propriedades importantes, que serão
aproveitadas na aplicação da teoria hamiltoniana para sistemas com v́ınculos
no caṕıtulo 6. Faremos também aplicações à equação de Schrödinger e ao
campo de Klein-Gordon.
2.4 Aplicações
2.4.1 Campo eletromagnético
O campo elétrico E e o campo magnético B na presença de uma densidade de
carga ρ(x, t) e de um fluxo de carga j(x, t) obedecem às equações de Maxwell:
∇ · E = ρ
�0
, (2.19)
∇× E = −∂B
∂t
, (2.20)
∇ ·B = 0, (2.21)
∇×B = j
c2�0
+
1
c2
∂E
∂t
, (2.22)
6Gauge Transformation em inglês
42 Caṕıtulo 2. Sistemas com infinitos graus de liberdade - Campos
onde c é a velocidade da luz no vácuo, �0 = 8, 8544 × 10−12 C2/Nm2 a
permissividade elétrica do vácuo, e o operador gradiente em um sistema de
coordenadas cartesianas é dado por
∇ ≡
(
∂
∂x1
,
∂
∂x2
,
∂
∂x3
)
. (2.23)
As equações de Maxwell estão expressas no sistema de unidades MKSA.
A equação (2.21) garante a existência de um campo vetorial A(x, t), de-
nominado de potencial vetor, e tal que
B = ∇×A. (2.24)
Por sua vez, a equação (2.20) em conjunto com (2.24) garante a existência
de um campo escalar ϕ(x, t) tal que
E = −∂A
∂t
−∇ϕ. (2.25)
Vemos então que podemos usar, de modo inteiramente equivalente, as gran-
dezas A e ϕ no lugar de E e B. As equações de Maxwell são então reescritas
usando-se (2.24) e (2.25):
−∇2ϕ− ∂
∂t
∇ ·A = ρ
�0
, (2.26)
−c2∇2A + c2∇(∇ ·A) + ∂
∂t
∇ϕ+ ∂
2A
∂t2
=
j
�0
. (2.27)
Neste ponto notemos que A e ϕ não são univocamente definidos. De fato,
uma transformação da forma
A′ = A +∇Λ(x, t),
ϕ′ = ϕ− ∂
∂t
Λ(x, t), (2.28)
2.4. Aplicações 43
mantém invariantes os campos elétrico e magnético, assim como as equações
(2.26) e (2.27). A transformação (2.28) é denominada de transformação de
calibre do campo eletromagnético7.
Uma densidade lagrangeana apropriada para descrever o campo eletro-
magnético na presença de cargas é dada por
L = (E2 −B2) + 1
�0
A · j− 1
�0
ρϕ. (2.29)
Pode-se mostrar que L dada por (2.29) é um escalar com relação ao grupo
de Lorentz. Um caso que nos interessa de mais perto é quando tratamos o
campo sem a presença de cargas e correntes elétricas. Dessa maneira obte-
mos equações para as quais a invariância relativ́ıstica é expĺıcita. Para tal
definimos o tensor de campo eletromagnético por
(F µν) =

0 Ex1 Ex2 Ex3
−Ex1 0 Bx3 −Bx2
−Ex2 −Bx3 0 Bx1
−Ex3 Bx2 −Bx1 0
 , (2.30)
e o quadrivetor de potencial por
Ai = Axi , i = 1, 2, 3;
A0 = ϕ. (2.31)
Podemos rescrever (2.30) na forma mais compacta:
F µν =
∂Aµ
∂xν
− ∂A
ν
∂xµ
=
∂Aµ
∂xρ
ηρν − ∂A
ν
∂xρ
ηρµ. (2.32)
As equações de Maxwell são então expressas por
∂F µν
∂xν
= 0. (2.33)
7Como veremos no caṕıtulo 6, a invariância do campo eletromagnético por uma trans-
formação de calibre está intimamente ligada ao fato da lagrangeana do campo eletro-
magnético ser degenerada, i. e. ao fato da transformação entre os momentos e as derivadas
do campo não ser inverśıvel.
44 Caṕıtulo 2. Sistemas com infinitos graus de liberdade - Campos
A equação (2.33) é explicitamente covariante, e decorre da seguinte densidade
lagrangeana:
L = −1
4
FµνF
µν =
1
2
(E2 −B2)
= −1
2
(
∂Aµ
∂xν
− ∂A
ν
∂xµ
)
∂Aµ
∂xν
= −1
2
(
∂Aµ
∂xσ
ησν − ∂A
ν
∂xσ
ησµ
)
∂Aµ
∂xν
= −1
2
Aρ,σ(η
ρµησν − ηρνησµ)Aµ,ν , (2.34)
que é explicitamente um escalar, e onde utilizamos a notação mais compacta
Aµ,ν ≡
∂Aµ
∂xν
. (2.35)
2.4.2 Equação de Schrödinger
Tomemos a equação de Schrödinger para uma part́ıcula:
−ih̄ ∂
∂t
ψ(x, t)− h̄
2
2m
∇2ψ(x, t) + V (x, t)ψ(x, t) = 0, (2.36)
onde h̄ é a constante de Planck, V (x, t) é o potencial ao qual a part́ıcula está
submetida, ψ(x, t) é a função de onda e m a massa da part́ıcula. Para obter
uma densidade lagrangeana da qual decorre a eq. (2.36) vamos utilizar o fato
que ψ é um campo complexo, o que implica a seguinte relação:
∂ψ∗
∂ψ
=
∂ψ
∂ψ∗
= 0. (2.37)
A densidade lagrangeana é então dada por
L = ih̄
2
ψ̇ψ∗ − ih̄
2
ψψ̇∗ − h̄
2
2m
∇ψ · ∇ψ∗ − V ψ∗ψ, (2.38)
onde ψ e ψ∗ são tratados como variáveis independentes no momento de es-
crever as equações de Euler-Lagrange, que implicam duas equações: a eq.
(2.36) e seu complexo conjugado.
2.5. Exerćıcios 45
2.4.3 Campo de Klein-Gordon
O campo de Klein-Gordon φ(x), com x ≡ (x1, x2, x3, x4), é um campo escalar
por uma transformação de Lorentz e obedece à equação de Klein-Gordon:
(22 −m2)φ(x) = 0, (2.39)
onde m é a massa da part́ıcula e o operador d’alambertiano 22 é definido
por
22 ≡ ∂
∂xµ
∂
∂xν
ηµν . (2.40)
Uma densidade lagrangeana escalar que descreve esse campo pode ser
escrita como
L = 1
2
(
∂φ
∂xµ
∂φ
∂xν
ηµν +m2φ2). (2.41)
A invariância de L por uma transformação de Lorentz é evidente em (2.41)
e a substituição de (2.41) em (2.15) nos dá a eq. (2.39).
2.5 Exerćıcios
1. Obtenha a equação de campo para a seguinte lagrangeana:
L =
∫ 1
2
∂ψ
∂x
∂ψ
∂t
+
a
6
(
∂ψ
∂x
)3
− b
2
∂2ψ
∂x2
 dx, (2.42)
para o campo ψ(x, t) em um espaço unidimensional de coordenada x,
e onde a e b são constantes.
2. Mostre que as equações de Maxwell decorrem das densidades lagrange-
anas (2.29) e (2.34).
46 Caṕıtulo 2. Sistemas com infinitos graus de liberdade - Campos
Caṕıtulo 3
Simetrias e invariantes
Uma vez obtidas as equações de Euler-Lagrange para o sistema considerado,
todo o trabalho restante consiste em resolver as equações de movimento, o
que, na maioria das vezes, é uma tarefa extremamente dif́ıcil. O problema
pode, no entanto, ser grandemente simplificado se conhecermos constantes
de movimento do sistema, a saber, grandezas dinâmicas (funções das coor-
denadas e das velocidades) conservadas. Ele pode eventualmente ser inteira-
mente integrado se conhecermos um número suficiente dessas constantes.
Neste caṕıtulo veremos que existe uma relação próxima entre as simetrias
cont́ınuas e as grandezas conservadas de um sistema f́ısico através do teorema
de Nöther para simetrias da ação. Discutiremos também como simetrias das
próprias equações de movimento podem ser usadas para obter informação
útil sobre osistema.
3.1 Teorema de Nöther
Nesta seção procuramos fazer uma apresentação que englobe tanto o caso
discreto como o caso cont́ınuo baseada na abordagem de Hill [Hill,1951]. Para
tal, usemos a seguinte notação: as variáveis independentes que aparecem
47
48 Caṕıtulo 3. Simetrias e invariantes
nas equações de movimento como parâmetros são denotadas por xµ, com
µ = 1, . . . , n. As variáveis dependentes, que dependem das anteriores são
denotadas por ψk, com k = 1, . . . , N . No caso discreto temos n = 1 e
x1 = t, enquanto que ψk = qk são as coordenadas das part́ıculas do sistema.
Para um campo, temos as coordenadas do espaço f́ısico (x1, x2, x3) e x4 = t
(x4 = ct para um campo relativ́ıstico) como as variáveis independentes e as
componentes do campo ψk = φk como variáveis dependentes.
A lagrangeana (ou densidade lagrangeana para campos, que supomos
sejam locais) é função de xµ, ψk e ψk,µ ≡ ∂ψk/∂xµ, de modo que a ação é da
forma
S =
∫
B⊂Rn
L(xµ, ψk, ψk,µ) dnx. (3.1)
Nessa notação as equações de movimento são escritas como
d
dxµ
∂L
∂ψk,µ
− ∂L
∂ψk
= 0. (3.2)
Vamos agora nos interessar por transformações de simetria das equações
(3.2), ou seja, por transformações infinitesimais da forma (�� 1)1
x′µ = xµ + �ηµ(ψ,x), (3.3)
ψ′k(x
′) = ψk(x) + �ξk(ψ,x), (3.4)
que mantenham invariante a ação (3.1) e conseqüentemente as equações de
movimento (3.2).
Afim de que a integral de ação (3.1) permaneça invariante sob tais trans-
formações, impomos que a lagrangeana se transforma de maneira a satisfazer
a seguinte relação:
L′(x′µ, ψ′k, ψ′k,µ) dnx′ = L(xµ, ψk, ψk,µ) dnx. (3.5)
1As transformações (3.3), (3.4) são denominadas de geométricas, pois só dependem
das componentes de ψ e das variáveis independentes xµ. Podemos utilizar também trans-
formações não-geométricas, que dependem também das derivadas de ψ, que leva então a
uma generalização do teorema de Nöther [Sarlet,1981].
3.1. Teorema de Nöther 49
Queremos então que as equações de movimento obtidas usando-se L′, definida
em (3.5), e L coincidam, o que é equivalente a dizer que existem n funções
fµ(x,ψ) tais que
L(x′µ, ψ′k, ψ′k,µ) = L′(x′µ, ψ′k, ψ′k,µ) + �
df ′µ
dx′µ
, (3.6)
onde f ′µ ≡ fµ(x′ν, ψ′k). Os elementos de volume dnx e dnx′ são ligados pela
relação
dnx′ = Jdnx, (3.7)
onde J é o jacobiano da transformação (3.3), que é dado pelo determinante
da matriz |∂x′µ/∂xν |. Temos assim que
J = Det
(
∂x′µ
∂xν
)
= Det
∣∣∣∣∣1 + �
(
dηµ
dxν
)∣∣∣∣∣ = 1 + � dηµdxµ , (3.8)
onde retivemos apenas os termos lineares em �. Multiplicando (3.6) por dnx′
e usando (3.5) obtemos que
L(xµ, ψk, ψk,µ)dnx =
[
L(x′µ, ψ′k, ψ′k,µ)− �
df ′µ
dx′µ
]
dnx′
= L(x′µ, ψ′k, ψ′k,µ)dnx′ − �
dfµ
dxµ
dnx′, (3.9)
onde fµ ≡ fµ(xν , ψk) e �df ′µ/dx′µ = �dfµ/dxµ + O(�2). Usando (3.7) e (3.8)
chegamos à relação
L(x′µ, ψ′k, ψ′k,µ) =
[
L(xµ, ψk, ψk,µ) + �
dfµ
dxµ
](
1− � dην
dxν
)
. (3.10)
De (3.3) e (3.4) temos ainda que
dψ′k(x
′
ν)
dx′µ
≡ ψ′k,µ =
∂ψ′k
∂xν
∂xν
∂x′µ
= ψk,µ + �
[
dξ
dxµ
− ψk,ν
dην
dxµ
]
, (3.11)
50 Caṕıtulo 3. Simetrias e invariantes
onde introduzimos a notação a,µ ≡ da/dxµ. Esta última relação finalmente
nos dá a expressão que desejamos:
L(xµ, ψk, ψk,µ)
+�
[
∂L
∂xµ
ηµ +
∂L
∂ψk
ξk +
∂L
∂ψk,µ
(
dξk
dxµ
− ψk,ν
dην
dxµ
)]
=
[
L(xµ, ψk, ψk,µ) + �
dfµ
dxµ
](
1− � dην
dxν
)
, (3.12)
ou ainda, após rearranjarmos os termos:
DL = dfµ
dxµ
, (3.13)
onde o operador D é definido por
D ≡ ηµ
∂
∂xµ
+ ξk
∂
∂ψk
+
(
dξk
dxµ
− ψk,ν
dην
dxµ
)
∂
∂ψk,µ
+
dην
dxν
. (3.14)
A equação (3.13) é uma condição suficiente, mas não necessária, para que
a transformação dada por (3.3) e (3.4) seja uma transformação de simetria
do sistema. Ela não é necessária pois para deduzirmos (3.13) impusemos
que a integral de ação fosse invariante por essa transformação, o que não é
necessariamente o caso. De fato, como veremos mais adiante, podemos ter
transformações que mantenham invariantes as equações de movimento, mas
não a ação. Quando a ação for invariante por uma transformação falare-
mos de simetrias noetherianas e caso contrário, falaremos de simetrias não-
noetherianas.
Uma vez determinada uma transformação de simetria satisfazendo (3.13)
e o correspondente vetor fµ(xν , ψk), podemos utilizá-la para determinar uma
constante de movimento do sistema, como passamos a mostrar. Partimos da
equação (3.13), e usando a identidade
d
dxµ
L ≡ ∂L
∂xµ
+
∂L
∂ψk
ψk,µ +
∂L
∂ψk,ν
ψk,ν,µ, (3.15)
3.2. Aplicações 51
chegamos à relação
d
dxµ
[
Lηµ +
∂L
∂ψk,µ
(ξk − ψk,νην)
]
+
[
∂L
∂ψk
− d
dxµ
∂L
∂ψk,µ
]
(ξk − ψk,νην) =
dfµ
dxµ
. (3.16)
Obtemos então, para um sistema cuja dinâmica é determinada pelas equações
de Euler-Lagrange, a seguinte lei de conservação:
d
dxµ
Gµ = 0, (3.17)
onde a grandeza conservada Gµ é dada por
Gµ(xν , ψk, ψk,ν) = Lηµ +
∂L
∂ψk,µ
(ξk − ψk,νην)− fµ. (3.18)
As equações (3.13) e (3.17) são a formulação do teorema de Nöether: toda
transformação de simetria definida por (3.3) e (3.4), que mantém a ação in-
variante, e portanto satisfaz (3.13), corresponde uma quantidade conservada
Gµ(xν , ψk, ψk,ν) dada por (3.18). Como exemplos de aplicação veremos na
próxima seção o oscilador harmônico, o campo eletromagnético e a equação
de Schrödinger.
3.2 Aplicações
3.2.1 Oscilador harmônico
Tomemos uma part́ıcula de massa m = 1 sob a ação de uma força da forma
F = −q, onde q é a distância a um ponto fixo O. Supondo que os v́ınculos
que agem sobre ela a forcem a se deslocar sobre uma reta passando por O, sua
energia cinética é dada por T = q̇2/2 e sua energia potencial por V = q2/2.
A lagrangeana do sistema é portanto
L =
1
2
(q̇2 − q2). (3.19)
52 Caṕıtulo 3. Simetrias e invariantes
Procuramos uma transformação de simetria que mantenha a ação invari-
ante da forma (�� 1)
t′ = t+ �η(q, t),
q′ = q + �ξ(q, t). (3.20)
A condição (3.13) se escreve então como
∂L
∂t
η +
∂L
∂q
ξ +
∂L
∂q̇
(ξ̇ − q̇η̇) + η̇L = ḟ , (3.21)
para alguma função f a ser determinada. Substituindo (3.19) em (3.21) obte-
mos uma igualdade entre dois polinômios em q̇, e igualando os coeficientes
em iguais potências de q̇ chegamos às seguintes equações em η, ξ e f :
termos em q̇3:
∂η
∂q
= 0, (3.22)
termos em q̇2:
∂ξ
∂q
− 1
2
∂η
∂t
= 0, (3.23)
termos em q̇:
∂ξ
∂t
− ∂η
∂q
q2 =
∂f
∂q
, (3.24)
termos independentes de q̇:
−ξq − 1
2
∂η
∂t
q2 =
∂f
∂t
. (3.25)
De (3.22) obtemos a seguinte forma para η:
η = g1(t), (3.26)
onde g1(t) deve ainda ser determinada. Usando (3.26) em (3.23) obtemos
para ξ a forma:
ξ =
1
2
ġ1(t)q + g2(t), (3.27)
3.2. Aplicações 53
onde g2(t) também é uma função arbitrária. Usando agora (3.26) e (3.27)
em (3.24) e (3.25) podemos escrever que
1
2
g̈1(t)q + ġ2(t) =
∂f
∂q
, (3.28)
e também que
−ġ1(t)q2 − g2(t)q =
∂f
∂t
. (3.29)
A equação (3.28) nos dá para f a seguinte expressão:
f(q, t) =
1
4
g̈1(t)q
2 + ġ2(t)q + g3(t), (3.30)
com outra função g3(t) a ser determinada. Finalmente, usando (3.30) em
(3.29) obtemos a seguinte equação polinomial em q:
−g2(t)q − ġ1(t)q2 =
1
4
...
g1 (t)q
2 + g̈2(t)q + ġ3(t), (3.31)
e igualando os coeficientes de iguais potências de q obtemos as equações
...
g1= −4ġ1,
g̈2 = −g2,
ġ3 = 0, (3.32)
cujas soluções gerais são:
g1(t) = c1 sen (2t) + c2 cos(2t) + c3;
g2(t) = c4 sen (t) + c5 cos(t);
g3(t) = c6, (3.33)
onde ci, i = 1, . . . , 6, são parâmetros arbitrários. As soluções (3.33) nos dão
cinco pares de funções ξ e η linearmente independentes tomando apenas um
54 Caṕıtulo 3. Simetrias e invariantes
dos parâmetros como não-nulo de cada vez:
ξ(1) = q cos(2t), η(1) = sen (2t), f (1) = −q2 sen (2t),
ξ(2) = −q sen (2t), η(2) = cos(2t), f (2) = −q2 cos(2t),
ξ(3) = 0, η(3) = 1, f (3) = 0,
ξ(4) = sen (t), η(4) = 0, f (4) = q cos(t),
ξ(5) = cos(t), η(5) = 0, f (5) = −q sen (t).
(3.34)
O sexto