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Autores: Prof. Francisco Benedito Kuchinski Profa. Tatiana Moreira Domingues Colaboradoras: Profa. Fernanda Torello de Mello Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Embriologia Professores conteudistas: Francisco Benedito Kuchinski / Tatiana Moreira Domingues Francisco Benedito Kuchinski Francisco Benedito Kuchinski nasceu em São Paulo, capital. É doutor em Histologia pela Universidade Mackenzie e possui três especializações em Ciências Morfológicas pelas Universidades de Brasília (UnB), de Mogi das Cruzes (UMC) e Brás Cubas (UBC). Graduou-se em 1972 em Ciências Biológicas pela UMC. Atuou como professor de Ciências Físicas e Biológicas no Ensino Fundamental e de Biologia no Ensino Médio nas escolas estaduais do Governo do Estado de São Paulo. Foi coordenador de cursos na área da Saúde na Universidade de Mogi das Cruzes, Uniararas e Faculdades Integradas de Guarulhos. Como docente, ministrou disciplinas de citologia, histologia e embriologia. Foi professor titular das Faculdades Integradas de Guarulhos (FG), professor-assistente, professor-adjunto e titular dos cursos de Medicina, Odontologia, Ciências Biológicas e Ciências Biomédicas da Universidade de Mogi das Cruzes. Foi professor-assistente e titular dos cursos de Biologia, Biomédicas e Odontologia da Uniararas. Foi Professor da Universidade São Judas Tadeu nos cursos de Ciências Biológicas e Farmácia. Atualmente, é professor-adjunto da Universidade Paulista (UNIP) nos cursos de Odontologia, Medicina Veterinária, Ciências Biológicas e Ciências Biomédicas. Tatiana Moreira Domingues Tatiana Moreira Domingues nasceu em Santos, litoral de São Paulo. É doutora em Biologia Molecular pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pós-doutora pelo mesmo programa. Graduou-se em 2007 em Ciências Biológicas, Licenciatura e Bacharelado, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Assis). Atualmente, é professora titular da Universidade Paulista (UNIP/Jundiaí) dos cursos de Biomedicina, Ciências Biológicas, Nutrição e Enfermagem. Como docente, ministra as disciplinas de Embriologia, Biologia Molecular, Bioquímica, Bioquímica Metabólica e Biofísica. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U505.94 – 20 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) K95e Kuchinski, Francisco Benedito. Embriologia. / Francisco Benedito Kuchinski, Tatiana Moreira Domingues. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 120 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Embriologia. 2. Reprodução animal. 3. Reprodução do ser humano. I. Domingues, Tatiana Moreira. II. Título. 681.3 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Bruno Barros Ingrid Lourenço Sumário Embriologia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 SISTEMAS GENITAIS MASCULINO E FEMININO ................................................................................... 11 1.1 Aparelho reprodutor masculino ..................................................................................................... 13 1.1.1 Testículos .................................................................................................................................................... 13 1.1.2 Dutos do sistema reprodutor ............................................................................................................. 15 1.1.3 Glândulas sexuais acessórias.............................................................................................................. 16 1.1.4 Estruturas de suporte ............................................................................................................................ 17 1.1.5 Sêmen e hormônios masculinos ....................................................................................................... 17 1.2 Aparelho reprodutor feminino ........................................................................................................ 18 1.2.1 Ovários ........................................................................................................................................................ 19 1.2.2 Tubas uterinas .......................................................................................................................................... 19 1.2.3 Útero ............................................................................................................................................................ 20 1.2.4 Ciclo reprodutivo feminino ................................................................................................................. 20 1.3 Gametogênese ....................................................................................................................................... 22 1.3.1 Espermatogênese .................................................................................................................................... 23 1.3.2 Ovogênese ................................................................................................................................................. 24 1.4 Comparação entre os gametas masculino e feminino ......................................................... 25 1.5 Principais métodos contraceptivos ............................................................................................... 26 2 FECUNDAÇÃO ................................................................................................................................................... 27 2.1 Etapas da fecundação ........................................................................................................................ 28 2.1.1 Reação acrossômica............................................................................................................................... 29 2.1.2 Reconhecimento espécie-específica ............................................................................................... 29 2.1.3 Reação zonal (bloqueio da poliespermia) ..................................................................................... 29 2.1.4 Fusão dos pronúcleos e formação do zigoto ............................................................................... 30 3 CLIVAGEM .......................................................................................................................................................... 31 3.1 Classificação dos ovos dos animais............................................................................................... 31 3.2 Clivagem do zigoto .............................................................................................................................. 33 3.2.1 Padrões de clivagem no desenvolvimento animal ....................................................................33 3.2.2 Clivagem no desenvolvimento humano ........................................................................................ 36 3.3 Formação de gêmeos .......................................................................................................................... 38 4 DESENVOLVIMENTO ANIMAL: FASES EMBRIONÁRIAS ..................................................................... 41 4.1 Desenvolvimento de equinodermos (ouriço-do-mar) .......................................................... 43 4.2 Desenvolvimento de anfioxos ......................................................................................................... 44 4.3 Desenvolvimento de peixes cartilaginosos ................................................................................ 45 4.4 Desenvolvimento de peixes ósseos ............................................................................................... 46 4.5 Desenvolvimento de anfíbios .......................................................................................................... 47 4.6 Desenvolvimento de répteis............................................................................................................. 48 4.7 Desenvolvimento de aves ................................................................................................................. 49 4.8 Desenvolvimento de mamíferos ..................................................................................................... 54 Unidade II 5 DESENVOLVIMENTO HUMANO .................................................................................................................. 60 5.1 Primeira semana do desenvolvimento ........................................................................................ 60 5.2 Segunda semana do desenvolvimento ........................................................................................ 63 5.3 Terceira semana do desenvolvimento .......................................................................................... 67 5.3.1 Gastrulação ............................................................................................................................................... 68 5.3.2 Neurulação ................................................................................................................................................ 69 5.3.3 Derivados do mesoderma intraembrionário ................................................................................ 70 5.3.4 Desenvolvimento do sistema cardiovascular .............................................................................. 70 5.3.5 Vilosidades coriônicas ........................................................................................................................... 72 5.4 Estabelecimento da forma do embrião ....................................................................................... 73 5.5 Determinação da idade do concepto ........................................................................................... 73 5.6 Derivados dos folhetos germinativos ........................................................................................... 74 6 ORGANOGÊNESE ............................................................................................................................................. 75 6.1 Controle do desenvolvimento embrionário ............................................................................... 76 6.2 Formação do intestino primitivo ................................................................................................... 77 6.3 Quarta semana do desenvolvimento embrionário ................................................................. 78 6.4 Quinta semana do desenvolvimento embrionário ................................................................. 81 6.5 Sexta semana do desenvolvimento embrionário .................................................................... 81 6.6 Sétima semana do desenvolvimento embrionário ................................................................. 82 6.7 Oitava semana do desenvolvimento embrionário .................................................................. 82 6.8 Malformações congênitas ................................................................................................................ 83 7 PERÍODO FETAL ................................................................................................................................................. 86 7.1 Terceiro mês de gestação .................................................................................................................. 87 7.2 Quarto mês de gestação .................................................................................................................... 88 7.3 Quinto mês de gestação .................................................................................................................... 88 7.4 Sexto mês de gestação ....................................................................................................................... 89 7.5 Sétimo mês de gestação .................................................................................................................... 90 7.6 Oitavo mês de gestação ..................................................................................................................... 90 7.7 Nono mês de gestação ....................................................................................................................... 90 7.8 Fatores que influenciam o crescimento fetal ........................................................................... 90 7.9 Avaliação fetal: técnicas e procedimentos ................................................................................ 92 8 ANEXOS EMBRIONÁRIOS ............................................................................................................................. 93 8.1 Saco vitelino (vesícula umbilical) ................................................................................................... 95 8.2 Alantoide.................................................................................................................................................. 95 8.3 Âmnio e líquido amniótico ............................................................................................................... 96 8.4 Córion ........................................................................................................................................................ 96 8.5 Placenta .................................................................................................................................................... 97 8.6 Parto .......................................................................................................................................................... 99 9 APRESENTAÇÃO Todos viemos de uma única célula. Uma única célula que foi capaz de dividir-se, diferenciar-se e, até mesmo, migrar. Uma única célula que, através de processos altamente coordenados, resulta em tecidos, órgãos, sistemas e, por fim, em um organismo completo, apto a sobreviver e desempenhar todas as funções inerentes à vida. Assim sendo, a embriologia dedica-se ao estudo dos processos envolvidos na formação de um novo organismo animal, desde a produção de gametas (células precursoras de uma nova vida) e o encontro destes (fecundação) até o completo desenvolvimento do embrião. Ao longo da história da biologia do desenvolvimento, somos apresentados a diversos processos básicos, conceitos novos e tecnologias associadas, e caminhamos juntamente com aquela primeira célula por todas as suas transformações até o fim dessa história: a vida que surge! O objetivo geral do estudo de embriologia é, portanto, construir os alicerces fundamentais para a compreensão de conceitos básicos, abordados em outros momentos por diferentes disciplinas. Uma vez que essa base tenha sido devidamente edificada,espera-se que o aluno consiga integrar conceitos básicos de embriologia com questões mais aplicadas, como: a influência de alterações ambientais no desenvolvimento embrionário e/ou fetal, a aplicação desses conceitos no cotidiano do profissional e os avanços tecnológicos que nos permitem entender e manipular muitas das etapas do desenvolvimento. Já em relação aos objetivos específicos, pode-se citar: capacitar o aluno a identificar as etapas e estruturas embrionárias e a interpretar as variáveis morfogenéticas através do estudo mais detalhado das sucessivas fases do desenvolvimento. INTRODUÇÃO O presente livro-texto apresenta informações básicas e fundamentais sobre embriologia, dispostas em uma sequência lógica de ideias que guia o aluno desde os conceitos mais básicos até a compreensão de técnicas atualmente utilizadas e com aplicações diversas na área da biologia do desenvolvimento. Com esse propósito, este livro encontra-se dividido em partes, que contemplam os mais variados temas em embriologia. Primeiramente, faz-se um passeio pelas etapas de formação dos gametas, desde sua produção e transporte pelos sistemas genitais humanos até as etapas iniciais do desenvolvimento embrionário. Em seu primeiro tópico, que aborda os aparelhos genitais feminino e masculino, há uma apresentação das principais estruturas reprodutoras humanas, destacando seus aspectos anatômicos e histológicos, de forma a facilitar a compreensão do aluno acerca do processo de gametogênese (formação dos gametas), bem como das técnicas atualmente adotadas para contracepção e em tratamentos de fertilidade. Na sequência, o processo de espermatogênese (formação de espermatozoides) e ovogênese (formação de óvulos), bem como a regulação hormonal associada são apresentados. Uma vez que a formação dos gametas foi devidamente caracterizada, trazemos um passo a passo das etapas de fecundação: as células envolvidas, seu ritmo e as transformações morfológicas derivadas desse encontro, bem como a fusão dos gametas. A partir do processo de fecundação, que marca de fato o início das primeiras divisões da vida e do desenvolvimento embrionário, são discutidos, nos tópicos três e quatro, os principais eventos ocorridos nas primeiras semanas do desenvolvimento embrionário, 10 com foco no processo de implantação uterina do embrião, uma etapa crítica para a viabilidade da gestação. Além disso, as primeiras fases embrionárias serão também descritas, comparativamente, para outras espécies, destacando-se diferenças e similaridades em relação à embriologia humana, tema que este livro-texto focaliza. Com os conceitos iniciais em embriologia devidamente edificados, posteriormente, o aluno é convidado a seguir através das grandes transformações ocorridas no embrião ao longo das oito semanas que marcam o desenvolvimento embrionário. Inicialmente formada por células totipotentes e, então, pluripotentes, a vida vai ganhando forma, e as células, progressivamente, vão assumindo funções cada vez mais especializadas, de uma forma altamente coordenada, garantindo, assim, o sucesso do desenvolvimento embrionário. Os tecidos iniciais vão sendo estruturados e, a partir desse ponto, é possível inferir sobre o destino das células de cada camada germinativa. O estudo desses eventos de diferenciação celular é interessante tanto para a compreensão dos mecanismos naturais de formação de novos indivíduos quanto para o uso dessas informações em biotecnologia. Um bom exemplo disso são as células-tronco embrionárias, células indiferenciadas do início do desenvolvimento embrionário, que possuem atualmente vasta aplicação clínica no desenvolvimento de terapias e tratamentos para doenças que ainda não possuem cura. Por fim, os últimos tópicos abordam, de forma mais sucinta, as principais caraterísticas fetais e os métodos de avaliação do estado fetal, bem como os principais anexos embrionários, responsáveis pela manutenção do embrião/feto viável ao longo da gestação. Entre os anexos embrionários, a placenta ganha destaque, uma vez que, por ser um órgão materno fetal, apresenta características únicas do ponto de vista embriológico, histológico e, até mesmo, imunológico, que permitem a manutenção da gestação e o sucesso reprodutivo. 11 EMBRIOLOGIA Unidade I 1 SISTEMAS GENITAIS MASCULINO E FEMININO A capacidade de reprodução é o que diferencia os seres vivos dos fatores abióticos (inanimados). Assim sendo, os organismos vivos podem reproduzir-se de duas formas distintas: assexuada ou sexuada. Na reprodução assexuada, os indivíduos novos são formados por divisão celular mitótica (mitose). Um exemplo desse tipo de reprodução é a fissão, comum entre os invertebrados, em que um indivíduo-pai divide-se em dois indivíduos, ambos com aproximadamente o mesmo tamanho. Nesse tipo de reprodução não há mistura de material genético e, portanto, não há ganho considerável em variabilidade genética, uma vez que apenas um indivíduo é o parental e este passa uma cópia dos seus genes para a prole, produzindo, assim, clones. Já a reprodução sexuada trata da fusão de células reprodutivas especiais, os gametas, que originam um novo indivíduo a partir do zigoto, que é a célula resultante do processo de fecundação (“fusão” dos gametas) e possui a capacidade de formar um novo organismo funcional e completo. Observação O termo clone refere-se a organismos geneticamente idênticos entre si, produzidos por meios naturais, como na reprodução assexuada, ou por meios artificiais, como é o caso da clonagem reprodutiva. Uma vez que a forma de divisão celular adotada pela célula é um ponto central na biologia do desenvolvimento, assim como a distribuição do material genético durante essa divisão, faz-se relevante distinguir, sucintamente, entre os processos de mitose e meiose. Na mitose, a célula parental divide-se em duas células-filhas, ambas contendo o mesmo número de cromossomos da célula parental. Além de ser a base da reprodução assexuada, a divisão por mitose produz células para crescimento e regeneração dos indivíduos, sendo importante na manutenção de todas as formas de vida. A meiose, por sua vez, é um mecanismo envolvido principalmente na produção de gametas, em que a célula parental dá origem a quatro células-filhas, todas contendo metade do número de cromossomos original da célula precursora. Além disso, a meiose possibilita variabilidade genética pelo evento de crossing-over, em que os cromossomos homólogos (com a mesma origem embriológica) pareados trocam genes. A figura a seguir traz um comparativo entre os dois processos, mitose (à esquerda) e meiose (à direita), no qual é possível ver as principais diferenças entre essas duas formas de divisão celular. 12 Unidade I n2n n2n n2n n n 2n n n n n Mitose Meiose A) B) Figura 1 – Comparativo entre mitose (A) e meiose (B) A meiose ocorre em duas etapas, meiose I e meiose II, através das quais uma célula diploide dá origem a células haploides. O termo diploide (2n) e haploide (n) fazem referência ao conjunto de cromossomos que uma célula carrega. Assim sendo, as células somáticas (células do corpo) portam dois conjuntos cromossômicos e, portanto, são diploides; já os gametas (células germinativas) portam apenas um conjunto cromossômico, como resultado da meiose que é reducional, e são haploides. A partir da união de dois gametas haploides, o que ocorre na fecundação, é restaurado o número diploide da espécie (n + n = 2n), como pode ser observado na figura a seguir. No ser humano, por exemplo, as células somáticas possuem 46 cromossomos (23 cromossomos herdados do pai e os outros 23 cromossomos da mãe) e os gametas possuem 23 cromossomos. 2N 2N 2N Meiose Espermatozoide Zigoto Óvulo Meiose N N Figura 2 – União dos gametas e restauração da diploidia Nos tópicos seguintes serão abordados os sistemas genitais feminino e masculino, apresentando suas características histológicas e anatômicas que são relevantes para a compreensão dos mecanismosenvolvidos na formação e transporte dos gametas, além da implantação e do desenvolvimento do embrião. Uma vez que esses conceitos tenham sido edificados, será apresentada, na sequência, a gametogênese, que é o processo de formação de gametas masculino (espermatogênese) e feminino (ovogênese ou oogênese). Como toda história tem um começo, a da embriologia começa com a fecundação, e essa só ocorre satisfatoriamente se a formação dos gametas for bem-sucedida. 13 EMBRIOLOGIA 1.1 Aparelho reprodutor masculino Os órgãos do sistema genital masculino podem ser divididos em testículos (gônadas masculinas, produtoras de espermatozoides), dutos para transporte e armazenamento dos espermatozoides, glândulas sexuais acessórias, que produzem secreções para compor o sêmen, e as estruturas suportes (escroto e pênis). Todas essas estruturas, destacadas na figura a seguir, são necessárias para a produção do sêmen e sua condução ao meio externo (ejaculação) e, portanto, serão abordadas em mais detalhes a seguir. Ureter Uretra Testículo Escroto EpidídimoUretra Pênis Vaso deferente Glândula bulbouretral (ou glândula de Cowper) Bexiga Próstata Vesícula seminal Figura 3 – Visão geral do sistema genital masculino Saiba mais Para saber mais sobre esse assunto, leia as seguintes obras: ZIERI, R. Anatomia humana. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2014. ANDRADE, S. L. F. Anatomia humana. Curitiba: InterSaberes, 2019. 1.1.1 Testículos Os testículos são glândulas pares e com formato oval, medindo cerca de 5 cm de comprimento por 2,5 cm de diâmetro e pesando, cada um, entre 10 e 15 g. Além da produção de espermatozoides, os testículos também são responsáveis pela produção e secreção de testosterona, o hormônio sexual masculino e o androgênio mais importante. Os testículos, que se formam próximos aos rins, posteriormente ao abdômen, descem para a região do escroto através dos canais inguinais por volta do sétimo mês de gestação. Caso isso não ocorra, pode-se observar uma condição conhecida como criptorquidia, em que os testículos não descem para o escroto (mais comum em recém-nascidos prematuros) e que pode resultar em esterilidade, uma vez que a bolsa escrotal tem o papel de regular a temperatura dos testículos e, assim, viabilizar a produção normal de esperma. 14 Unidade I Observação Alguns mamíferos que possuem baixa temperatura corpórea, como as baleias, mantêm os testículos sempre na cavidade abdominal. A produção de espermatozoides (esperma) ocorre em tubos altamente enrolados, presentes nos testículos, chamados de túbulos seminíferos. Cada testículo é separado por septos em vários compartimentos internos menores, os lóbulos. Cada um dos 200 a 300 lóbulos, por testículo, pode conter de um a três túbulos seminíferos, que são os locais de espermatogênese (produção de espermatozoides). A produção de esperma, por sua vez, tem início com as espermatogônias, que são células indiferenciadas e que têm origem nas células germinativas primordiais que se originam do endoderma do saco vitelino e adentram os testículos no início do desenvolvimento. As espermatogônias são inativas na infância e, com a chegada da puberdade, entram em atividade mitótica, meiótica, além de diferenciação celular, que conduzem à produção do esperma. Nos túbulos seminíferos, as células espermatogênicas (envolvidas na produção de espermatozoides) dispõem-se da periferia para o lúmen do túbulo, em uma ordem crescente de maturidade: espermatogônia (2n), espermatócito primário (2n), espermatócito secundário (n), espermátide (n) e espermatozoide (n). Uma vez que o espermatozoide se encontra maduro, ele alcança a luz do túbulo e converge para os dutos do sistema genital masculino. Espermatozoides Células intersticiais Túbulos seminíferos Canal deferente Túbulos seminíferos Epidídimo x180 Figura 4 – Esquema de corte do testículo mostrando os túbulos seminíferos Nos túbulos seminíferos também são encontradas as células de Sertoli, que sustentam e protegem as células espermatogênicas, desempenhando funções diversas, como: nutrição dos 15 EMBRIOLOGIA espermatócitos; auxílio na espermiogênese (maturação das espermátides em espermatozoides) através da fagocitose de restos citoplasmáticos das espermátides; liberação do esperma no lúmen do túbulo seminífero; secreção de proteínas que ligam androgênio e inibina (hormônios); e formação da barreira hematotesticular, que impede a resposta imune do hospedeiro contra os antígenos presentes nas células espermatogênicas. Além das células de Sertoli, os testículos também contam com as células de Leydig (ou endocrinócitos intersticiais), localizadas nos espaços entre os túbulos seminíferos, e são responsáveis pela secreção de testosterona. 1.1.2 Dutos do sistema reprodutor Após os espermatozoides alcançarem a luz dos túbulos seminíferos, são conduzidos à rede testicular por meio da pressão gerada pela contínua liberação de espermatozoides e líquido, este produzido pelas células de Sertoli. Seguindo pela rede testicular, os espermatozoides alcançam o epidídimo e são conduzidos, em sequência, pelo duto deferente, duto ejaculatório e uretra. Importante salientar que, apesar de se tratar de um sistema de dutos, essas estruturas vão além da simples função de condução dos espermatozoides, garantindo também sua funcionalidade e viabilidade. Glândula bulbouretral Uretra membranosa Prepúcio Glande do pênis Lóbulo testicular Túnica albugínea Túnica vaginal Túbulos retos Rede testicular Uretra Pênis Corpo cavernoso do pênis Corpo cavernoso da uretra Ducto deferente Ducto epididimário Ductos eferentes Epidídimo Mediastino do testículo Ducto ejaculatório Vesícula seminal Ampola Próstata Bexiga Figura 5 – Esquema dos órgãos constituintes do sistema genital masculino O epidídimo, início desse sistema de canais, tem por volta de 4 cm de comprimento de duto altamente espiralado e possui formato de vírgula, margeando posteriormente cada testículo. Pode ser dividido anatomicamente em cabeça (parte superior, em que os dutos eferentes do testículo unem-se ao duto epididimário), corpo (parte média e estreita) e cauda (parte inferior e menor), que continua com o duto (ou vaso) deferente. O duto do epididimário tem como função aumentar a motilidade dos espermatozoides e armazená-los por um mês ou até mais. Dotado de musculatura lisa, ele envia os espermatozoides para o duto deferente por meio de contrações peristálticas. 16 Unidade I O duto deferente mede aproximadamente 45 cm de comprimento e adentra a cavidade pélvica. Funcionalmente, esse duto pode armazenar espermatozoides viáveis por meses, ocorrendo a reabsorção daqueles que não são ejaculados. Em sua porção terminal, mais dilatada e denominada de ampola, conecta-se com o duto ejaculatório. Este, por sua vez, mede apenas 2 cm de comprimento e também está ligado ao duto da glândula seminal, do qual recebe secreções. Logo antes da ejaculação, o sêmen é impulsionado do duto ejaculatório para a parte prostética da uretra. Observação A vasectomia é a ligadura dos dutos deferentes visando à contracepção. É um método cirúrgico reversível, porém, em alguns casos, pode ser irreversível, gerando esterilidade masculina. A uretra, por fim, é um duto que, no homem, faz parte do sistema genital (condução de sêmen) e do sistema urinário (condução de urina). Ela mede cerca de 20 cm de comprimento e é dividida, anatomicamente, em parte prostática (que atravessa a próstata), parte membranácea (que passa pelo diafragma urogenital) e parte esponjosa (que atravessa o corpo esponjoso do pênis), terminando no óstio externo da uretra (abertura terminal em forma de fenda), através do qual os espermatozoides são liberados para o meio. 1.1.3 Glândulas sexuais acessórias As glândulas sexuais acessórias incluem as vesículas seminais, as glândulas bulbouretrais e a próstata, as quais, em conjunto, são responsáveis por secretar a maior parte da fase líquida do sêmen. Dastrês estruturas citadas, destacam-se as vesículas seminais, uma vez que contribuem com 60% para o volume do sêmen através de suas secreções. Estruturas pares contorcidas, as vesículas seminais estão localizadas atrás e na base da bexiga urinária, medindo aproximadamente 5 cm de comprimento. Suas secreções são compostas por: líquido alcalino viscoso, que ajuda a neutralizar o ambiente ácido da uretra no homem e do trato genital feminino, garantindo a sobrevivência dos espermatozoides; frutose, um açúcar utilizado para produção de ATP pelos espermatozoides; prostaglandinas, que garantem a motilidade e viabilidade dos espermatozoides, além de proporcionar a contração do trato genital feminino; e, ainda, proteínas de coagulação (que não são as mesmas encontradas no sangue). A próstata tem formato de anel e está situada abaixo da bexiga urinária. Sua secreção inclui um líquido leitoso, levemente ácido, que contém, principalmente, ácido cítrico (usado para produção de energia pelos espermatozoides) e enzimas proteolíticas, perfazendo 30% do volume do sêmen. As glândulas bulbouretrais (ou glândulas de Cowper), por sua vez, são estruturas pares e estão posicionadas abaixo da próstata. Como resposta à excitação sexual, as glândulas bulbouretrais secretam substância alcalina, para neutralização do pH ácido da uretra, e muco, que possui efeito lubrificante e protetor para os espermatozoides que são lançados durante a ejaculação. 17 EMBRIOLOGIA 1.1.4 Estruturas de suporte O escroto e o pênis são considerados estruturas suportes, já que, apesar da sua importância para a produção e transporte dos espermatozoides, respectivamente, não secretam substâncias e não estão diretamente associados aos espermatozoides. O escroto, por exemplo, é uma bolsa formada por pele frouxa que pende da parte fixa do pênis. Internamente, o escroto é dividido por um septo em dois compartimentos, cada qual contendo um testículo. Por estar localizado fora da cavidade pélvica, juntamente com a ação de contração de suas fibras musculares, o escroto tem o papel de regular a temperatura dos testículos. Nesse contexto, para a produção normal de esperma, a temperatura dos testículos deve ser mantida de 2-3 °C abaixo da temperatura corpórea. Assim sendo, em resposta ao frio, a musculatura do escroto contrai e move os testículos para perto da cavidade pélvica, permitindo que o calor do corpo seja absorvido; em resposta ao calor, a musculatura do escroto relaxa e afasta os testículos da região pélvica, possibilitando, assim, uma temperatura menor em relação à fisiológica. O pênis, órgão copulador masculino, é revestido externamente pela pele, tem formato cilíndrico e, anatomicamente, é dividido em corpo, raiz (parte fixa) e glande (recoberto pelo prepúcio), como pode ser observado na figura anterior. O corpo do pênis é constituído por dois corpos cavernosos dorsais e um corpo esponjoso ventral. Esses corpos são constituídos por tecido erétil, permeado por muitos vasos sanguíneos. Em alguns mamíferos domésticos, como o cão e o gato, o pênis possui osso; em outros mamíferos, como o cavalo, o porco e os ruminantes, há estruturas fibroelásticas. A ereção peniana, por sua vez, é dependente da ação do sistema nervoso parassimpático, que leva à dilatação das artérias e, consequentemente, à entrada de sangue nos espaços venosos. A expansão desses espaços comprime as veias que drenam o pênis, reduzindo o fluxo sanguíneo de saída e mantendo a ereção. Após a ejaculação, que é um reflexo simpático, ocorre a contração da musculatura das artérias, a redução da pressão sobre as veias e, como resultado disto, a perda da ereção. Quando o pênis se encontra erétil, não há possibilidade da realização do ato de micção, uma vez que o músculo liso do esfíncter, na base da bexiga urinária, fecha-se. Observação A circuncisão é um procedimento cirúrgico de remoção de parte do prepúcio, ou todo ele, como parte do ritual religioso judaico. 1.1.5 Sêmen e hormônios masculinos Em um ejaculado normal, há, em média, 3 mL de sêmen, cujo pH é levemente alcalino (pH entre 7,2 e 7,7). Essa quantidade, no entanto, pode variar de 2,5 a 5 mL, e a contagem de espermatozoides (concentração) pode variar de 50 a 150 milhões/mL de sêmen. No ejaculado, os espermatozoides (esperma) correspondem a menos de 5% do volume seminal. O restante do ejaculado, portanto, é formado pelas secreções das glândulas seminais (60%), da próstata (30%) e das glândulas bulbouretrais (10%). 18 Unidade I A análise do sêmen (ou espermograma) é uma parte importante na avaliação de problemas relacionados à infertilidade. Assim sendo, um homem é considerado fértil quando possui um mínimo de 20 milhões de espermatozoides por mL de sêmen, e estéril quando esse número for inferior a 10 milhões de espermatozoides por mL de sêmen, principalmente quando o material coletado apresentar espermatozoides imóveis ou anormais. A infertilidade masculina pode ser o resultado de transtornos endócrinos, de anormalidades na espermatogênese ou, até mesmo, de obstrução de um duto genital. A produção normal de espermatozoides, por sua vez, depende de uma correta regulação hormonal e de uma função testicular saudável. Os hormônios hipofisários FSH (hormônio foliculestimulante) e LH (hormônio luteinizante), controlados pelo hormônio hipotalâmico GnRH (hormônio liberador de gonadotrofina), são importantes para a manutenção da espermatogênese. Assim sendo, o hormônio LH estimula as células de Leydig a secretar testosterona, que é o principal hormônio androgênio. Já o FSH estimula as células de Sertoli a secretar a proteína que liga androgênios (chamada ABP – androgen-binding protein). A ABP liga-se à testosterona, que é mantida em altas concentrações nos túbulos seminíferos e que age estimulando as fases finais da espermatogênese. As células de Sertoli também secretam o hormônio inibina, que age no processo de retroalimentação (feedback) negativa, inibindo o FSH. 1.2 Aparelho reprodutor feminino O sistema reprodutor feminino, além da produção e transporte de gametas, também se ocupa da importante função de abrigar e nutrir a vida que se forma. Assim sendo, as partes anatômica e histológica, sob o comando das regulações hormonais, preparam o organismo da mulher, em período fértil, para uma possível gestação a cada ciclo reprodutivo (“menstrual”). Entre as estruturas envolvidas nos processos reprodutivos, pode-se citar: ovários (produtores de gametas e de hormônios sexuais femininos), as tubas uterinas (que transportam os gametas para que ocorra a fecundação e as primeiras células do embrião em direção ao útero) e útero (no qual se dá o desenvolvimento embrionário e fetal), esquematizados a seguir. Além dessas estruturas principais, a vagina (passagem excretória para o líquido menstrual, local de inserção do pênis durante a cópula e canal do parto para saída do neonato) e as glândulas mamárias (secreção de leite nas mulheres) também são consideradas partes do aparelho genital feminino. Trompa ou tuba Ovário Endométrio Útero Colo Vagina Figura 6 – Esquema dos órgãos constituintes do sistema genital feminino 19 EMBRIOLOGIA 1.2.1 Ovários Os ovários (gônadas femininas) são glândulas, em número par, que se assemelham a uma amêndoa e possuem a função de produzir os gametas femininos (homólogas aos testículos no homem). Os gametas femininos, os ovócitos (ou oócitos), são liberados para a tuba uterina no momento da ovulação, o qual é regido por regulação hormonal. Além da produção de gametas, os ovários também produzem e secretam os hormônios sexuais femininos, estrogênio e progesterona, responsáveis pelas características sexuais secundárias, além da regulação da gestação. Os progenitores dos óvulos (células resultantes do processo de ovogênese) têm origem no endoderma do saco vitelino, do qual migram para os ovários durante o desenvolvimento embrionário. No córtex do ovário, situam-se os folículos ovarianos, que contêm os ovócitos em diversosestágios de desenvolvimento e suas células foliculares circulantes (veja a figura a seguir). As células foliculares se dividem ativamente, nutrem o ovócito e secretam estrogênio à medida que o folículo cresce. Vesícula folicular Folículo imaturo Células germinativas Folículo maduro Ovócito expulso (ovulação) Corpo albígeno (branco) Vasos sanguíneos Corpo amarelo Figura 7 – Corte do ovário exemplificando os folículos ovarianos em diferentes estágios de maturação Lembrete Homologia: estruturas diferentes que possuem a mesma origem embriológica. 1.2.2 Tubas uterinas As tubas uterinas, também chamadas de tubas de Falópio ou ovidutos, são estruturas pares e estão localizadas lateralmente ao útero. Tem uma extensão de aproximadamente 10 cm cada e atuam no transporte dos gametas femininos (ovócitos secundários) e do óvulo fertilizado, do ovário para o útero. Anatomicamente, a tuba uterina é dividida em quatro partes: infundíbulo, ampola, istmo e parte uterina (do ovário para o útero). Dessas partes, destacam-se a ampola e o infundíbulo. A ampola é parte mais larga e longa da tuba uterina, sendo este o principal local de fecundação. Já o infundíbulo, próximo ao ovário, possui terminações em projeções digitiformes, 20 Unidade I chamadas fímbrias, que, por meio de ação de varredura dessas estruturas, conduzem os ovócitos secundários ovulados para dentro da tuba. 1.2.3 Útero O útero é um órgão em formato de pera, de parede espessa e cujas dimensões podem variar: em mulheres que nunca engravidaram, mede aproximadamente 7,5 cm de comprimento por 5 cm de largura, podendo ser maior em mulheres que engravidaram recentemente e menor após a menopausa (término do período fértil feminino). O útero divide-se, anatomicamente, em corpo (dois terços superiores e expandidos) e colo (terço inferior cilíndrico). A luz do colo do útero, ou canal cervical, comunica-se com a vagina através de uma abertura denominada óstio externo. A parede uterina, que é bastante espessa, é formada por três camadas: perimétrio (camada fina mais externa), miométrio (camada espessa de músculo liso) e endométrio (camada fina interna). O endométrio, no máximo do seu desenvolvimento, pode medir de 4 a 10 mm de espessura, momento em que as três camadas do endométrio são distinguidas microscopicamente: camadas compacta, esponjosa e basal. As camadas compacta e esponjosa são consideradas, conjuntamente, como camada funcional, uma vez que sofrem desintegração e são eliminadas a cada ciclo menstrual. Já a camada basal, que conta com seu próprio suprimento de sangue, não sofre descamação durante a menstruação. 1.2.4 Ciclo reprodutivo feminino O ciclo reprodutivo da mulher, também conhecido como ciclo menstrual, diz respeito às mudanças ocorridas, principalmente, no ovário e no endométrio (camada interna do útero), mudanças essas regidas e coordenadas pela liberação de hormônios. Em média, um ciclo menstrual dura 28 dias (variando de 23 a 35 dias), tem início na puberdade, com a menarca (primeiro período menstrual) e continua até a menopausa, evento que encerra a vida fértil da mulher (normalmente ocorre entre 48 e 55 anos de idade). Para facilitar a compreensão do ciclo reprodutivo feminino, ele pode ser dividido em três fases: fase menstrual (tem início no primeiro dia da menstruação e dura de quatro a cinco dias), fase proliferativa (segue-se à fase menstrual e tem duração aproximada de nove dias) e fase lútea (pós-ovulatória, que pode durar por volta de 13 dias). Ainda que essas divisões facilitem a compreensão dos processos envolvidos, é importante ressaltar que tais eventos são contínuos e estão interligados. Assim como visto para a regulação hormonal da formação de gametas no homem, o ciclo reprodutivo feminino também está sob efeito de hormônios hipofisários (FSH e LH), que têm sua liberação controlada pelo hormônio hipotalâmico GnRH e que vão agir nos ovários regulando o desenvolvimento e a liberação do gameta feminino. Dessa forma, o FSH age, principalmente, estimulando o desenvolvimento dos folículos ovarianos e a produção de estrogênio. Já o LH é o hormônio responsável por disparar a ovulação, além de estimular a produção de progesterona. 21 EMBRIOLOGIA Gonadotrofinas Est róg eno s Progesterona FSH LH 282624222018161412108642 LTH M en st ru aç ão Ov ul aç ão Hormônios ovarianos Figura 8 – Ciclo reprodutivo feminino e os principais hormônios envolvidos Por convenção, o primeiro dia da fase menstrual (ou menstruação) marca o primeiro dia do ciclo, como pode ser visto na figura anterior. Durante a fase menstrual, a camada funcional da parede uterina é destacada e eliminada através do canal da vagina com o fluxo menstrual, cuja duração pode variar bastante entre as mulheres. Ao final dessa fase, o endométrio estará mais fino e seguirá para a fase proliferativa, na qual há crescimento dos folículos ovariano e espessamento do endométrio. No ovário, portanto, o FSH estimula o desenvolvimento de alguns dos folículos ovarianos primários, das quais geralmente apenas um se desenvolve em um folículo dominante (maduro). O folículo dominante, por sua vez, secreta estrogênio e inibina, os quais levam à diminuição da secreção de FSH e, consequentemente, à parada do crescimento dos demais folículos em estágios menos desenvolvidos. O estrogênio secretado pelos folículos secundários sinaliza para as transformações no endométrio, em que as células da camada basal são estimuladas a promover o reparo da camada funcional por mitose (proliferação celular). A ovulação, evento que ocorre por volta do 14º dia em um ciclo de 28 dias, é marcada pelo rompimento do folículo maduro e liberação do ovócito secundário para a tuba uterina. O ovócito secundário expelido possui um revestimento acelular de glicoproteínas (zona pelúcida) e uma ou mais camadas de células foliculares mais externamente localizadas (corona radiata), como está esquematizado na figura a seguir. O evento da ovulação se dá 24 horas após um pico do hormônio LH, que, por sua vez, é uma resposta (por retroalimentação positiva) aos altos níveis de estrogênio ao final da fase pré-ovulatória (figura anterior). Após a ovulação, tem início a fase lútea, na qual o LH estimula a formação do corpo lúteo a partir dos remanescentes do folículo maduro. O corpo lúteo, assim formado, passa a secretar quantidades crescentes de progesterona e alguns estrogênios, que têm ação no espessamento do endométrio, como parte da preparação do útero para receber o embrião, caso o gameta feminino seja fecundado pelo espermatozoide. Se não houver fecundação, o corpo lúteo sobreviverá por apenas duas semanas e, então, sofrerá degeneração, dando origem ao corpo albicans (tecido cicatricial). Os níveis de progesterona e estrogênio, por sua vez, sofrerão redução e o endométrio entrará em fase isquêmica. A isquemia 22 Unidade I ocorre pela constrição das artérias e consequente redução do suprimento sanguíneo às camadas mais superficiais do endométrio. O sangue proveniente da ruptura das paredes vasculares escoa para dentro do útero e, na sequência, para a vagina, e é conhecido como sangue menstrual. Com a queda dos níveis de progesterona e estrogênio, o GnRH, o FSH e o LH aumentam em quantidade, por perda da retroalimentação negativa causada pelos hormônios ovarianos, e, assim, um novo ciclo tem início. Por outro lado, se o ovócito for fecundado, o corpo lúteo persistirá por além dessas duas semanas por ação do hCG (gonadotrofina coriônica humana), secretado pelas células do embrião em desenvolvimento. Células foliculares da corona radiata Zona pelúcida Citoplasma Membrana plasmática Núcleo Figura 9 – Ovócito secundário humano Observação Por uma liberação inadequada de gonadotrofinas, algumas mulheres não ovulam. Nesses casos, a ovulação pode ser estimulada pela aplicação de gonadotrofinas, o que pode resultar em múltiplas ovulações, aumentando as chances de gestações múltiplas (gêmeos, trigêmeos...).Assim sendo, a partir do conhecimento de base, tratamentos clínicos podem ser desenvolvidos. 1.3 Gametogênese A gametogênese, ou produção das células germinativas, ocorre através de um mecanismo especial de divisão, a meiose, que reduz o número de cromossomos da espécie pela metade, formando células haploides (n) e altamente especializadas, os gametas. Nas mulheres, esse processo é denominado ovogênese (ou oogênese) e leva à formação dos ovócitos maduros; nos homens, denomina-se espermatogênese e tem como produto os espermatozoides. 23 EMBRIOLOGIA Espermatogênese Células germinativas primordiais Gônias Citos I Citos II Espermátides Glóbulo polar I Glóbulo polar II Fecundação Ovogênese Figura 10 – Comparação entre os processos de espermatogênese (à esquerda) e ovogênese (à direita) 1.3.1 Espermatogênese No homem, a puberdade marca o início da atividade mitótica das espermatogônias (células primordiais) que, até então, encontravam-se quiescentes. Algumas dessas células primordiais, após sucessivas divisões celulares, crescem e transformam-se nos espermatócitos primários (ou espermatócitos I), que são as maiores células encontradas nos túbulos seminíferos. Cada espermatócito primário (2n), por sua vez, entra na primeira divisão da meiose (ou meiose I), produzindo duas células haploides denominadas espermatócitos secundários (ou espermatócitos II – n), cujo tamanho reduz para aproximadamente metade daquele do espermatócito primário. Os espermatócitos secundários sofrem meiose II e formam, para cada espermatócito primário inicial, quatro espermátides (n), ainda menores que os espermatócitos secundários. Apesar das espermátides serem o produto da meiose no homem, elas ainda precisam passar pelo processo de espermiogênese para alcançar o formato final dos gametas masculinos, os espermatozoides. A espermiogênese, portanto, prevê mudanças morfológicas nas espermátides, que são: condensação do núcleo, formação do acrossoma, eliminação de uma grande quantidade de citoplasma e surgimento da cauda. Os espermatozoides maduros são células móveis e capazes de nadar ativamente. Trata-se de uma célula altamente especializada, composta por uma cabeça, uma peça intermediária e uma cauda. A cabeça do espermatozoide contém o acrossoma, um capuz repleto de enzimas proteolíticas que auxiliam na penetração do gameta feminino, possibilitando a fecundação. A peça intermediária é rica em mitocôndrias, organelas responsáveis pela produção de energia (ATP), necessária para sua locomoção. Já a cauda, por fim, proporciona motilidade para conduzir os espermatozoides até a região da ampola na tuba uterina, local principal da fecundação. A figura a seguir traz um esquema de um espermatozoide com suas partes destacadas. 24 Unidade I Acrossomo Núcleo Centríolo proximal Mitocôndrias Filamento axial Centríolo distal Eixo do flagelo Pe ça in te rm ed iá ria Ca be ça Ca ud a Figura 11 – Esquema das partes principais de um espermatozoide Uma vez ejaculados, os espermatozoides são rapidamente conduzidos através dos dutos do sistema genital masculino. Aproximadamente 500 milhões de espermatozoides são depositados em torno do óstio externo do útero e no fórnice da vagina, passando lentamente através do canal cervical (rico em muco). O muco cervical, quando a mulher está ovulando, sofre modificação (fica menos viscoso) para facilitar a locomoção dos espermatozoides através do trato feminino. Entre tantos milhões de espermatozoides que são ejaculados, apenas aproximadamente 200 deles alcançam a região da ampola na tuba uterina, e apenas um será capaz de fecundar o ovócito secundário. 1.3.2 Ovogênese A ovogênese é a sucessão de eventos que transforma as ovogônias (células primordiais – 2n) em ovócitos secundários (n) e aptos a serem fecundados. Diferentemente da espermatogênese, que tem início na puberdade, a ovogênese começa ainda no período fetal da mulher, em que as ovogônias proliferam por mitose e crescem para formar os ovócitos primários (ou ovócitos I – 2n). Ao nascimento, a mulher possui um estoque de até dois milhões de ovócitos primários que iniciaram a meiose I e encontram-se estacionados na fase de prófase da primeira divisão meiótica. A puberdade na mulher, portanto, representa a retomada da meiose I, que é completada e o ovócito secundário (ou ovócito II – n) formado. Outra diferença importante em relação à espermatogênese é que, na ovogênese, a divisão do citoplasma é desigual: o ovócito secundário é uma célula maior que o primeiro corpo polar (ou glóbulo polar) formado (que irá sofrer degeneração), como mostra a figura 10. Com a ovulação, o ovócito secundário inicia a meiose II e, novamente, estaciona (na metáfase da segunda divisão meiótica). Dessa vez, o estímulo necessário para que a meiose termine é a fecundação: caso ela ocorra, o segundo corpo polar é formado (também irá sofrer degeneração) e o óvulo fertilizado segue para as primeiras divisões embrionárias (clivagem, que será abordada no tópico dois dessa unidade). 25 EMBRIOLOGIA Durante o evento de meiose da gametogênese, a separação dos cromossomos homólogos pode não ocorrer da forma correta, evento conhecido como não disjunção. Por esse motivo, os gametas formados podem apresentar 24 cromossomos (um a mais) e outros 22 cromossomos (um menos, para a nossa espécie), o que pode gerar aneuploidias – anomalias cromossômicas numéricas em que o indivíduo possui um número diploide humano diferente de 46 cromossomos. Por exemplo, um caso bastante estudado de aneuploidia é a trissomia do 21 (ou síndrome de Down), em que o portador da síndrome apresenta três cromossomos, e não dois, na posição 21, com 47 cromossomos no total. Anomalias cromossômicas numéricas costumam ser falhas graves e, na maior parte dos casos, leva ao não desenvolvimento do embrião (aborto). No caso da trissomia do 21, estudos mostram uma relação entre o aumento da idade materna e o aumento da frequência dessa trissomia. 1.4 Comparação entre os gametas masculino e feminino Apesar dos processos de espermatogênese e ovogênese terem como base uma divisão meiótica, os gametas resultantes dos dois processos apresentam diferenças marcantes, as quais garantem o nível de especificidade exigido para cada tipo de gameta (masculino ou feminino). Entre essas diferenças, podemos citar o tamanho dos gametas, já que os ovócitos secundários são células grandes quando comparadas aos espermatozoides, o que é possível pela divisão assimétrica do citoplasma que gera apenas um gameta feminino grande e viável e os corpos polares menores e inertes (e sofrem degeneração). Além disso, os ovócitos são imóveis, sendo conduzidos ao local da fecundação principalmente pelos movimentos peristálticos da tuba uterina; os espermatozoides, por sua vez, são móveis e nadam ativamente (pelo batimento de sua cauda) até o local da fecundação. Ao final do processo de espermatogênese, que dura em média dois meses, são formados quatro espermatozoides funcionas a partir de cada espermatócito primário que entra em meiose I. A formação de gametas masculinos tem início na puberdade e segue contínua desde então, formando milhões de espermatozoides que ficam armazenados até que a ejaculação ocorra. Por outro lado, a ovogênese forma apenas um ovócito secundário por ciclo menstrual (exceto em situações especiais em que a mulher pode liberar mais que um gameta por ovulação), o qual será liberado na ovulação. O processo de ovogênese tem início ainda na vida fetal da mulher e só será completamente finalizado caso a fecundação ocorra, além de não ser contínuo (encerra-se com a chegada da menopausa). Portanto, o ritmo de formação de gametas no homem e na mulher é bastante diferente. Somada a essas características, a determinação do sexo do embrião também é algo que marca as diferenças entre os gametas. O ovócito secundário carrega somente um tipo de cromossomo sexual, o X, uma vez que o sexo feminino é definido pelo par sexual XX. Jáos espermatozoides podem carregar um X ou um Y, pois o sexo masculino é definido pelo par sexual XY. Assim sendo, pela união do ovócito (somente 23,X) com o espermatozoide (23,X ou 23,Y), será definido o sexo do embrião: como o ovócito sempre contribui com um cromossomo X, caso o espermatozoide que o tenha penetrado seja 23,X, o embrião será do sexo feminino (46,XX); caso seja 23,Y, o embrião será do sexo masculino (46,XY), como está esquematizado a seguir. 26 Unidade I XX A B C D E XX X X X Y X X + XY Figura 12 – Distribuição dos cromossomos sexuais nos gametas e determinação do sexo 1.5 Principais métodos contraceptivos Do conhecimento gerado a partir do estudo dos aparelhos reprodutores masculino e feminino, além do processo de formação e transporte dos gametas para que ocorra a fecundação, vários métodos visando à manipulação da concepção foram criados, desde formas de aumentar a fertilidade em homens e mulheres até métodos que agem de forma a evitar a concepção (contraceptivos). Entre os métodos contraceptivos mais utilizados, como exemplificado pela figura a seguir, pode-se citar: métodos hormonais (pílulas anticoncepcionais orais), cirúrgicos (vasectomia e ligação tubária), dispositivos intrauterinos (DIU), espermicidas, métodos de barreira (camisinha e diafragma), método do ritmo (abstinência periódica) e coito interrompido. Cada um dos métodos citados tem seu modo de ação específico, bem como sua taxa de confiabilidade. Lembrando que, por mais seguro que um método contraceptivo possa ser, apenas a abstinência total (ausência de relação sexual) é considerada 100% segura. Os métodos hormonais, principalmente os anticoncepcionais orais (ou “pílulas”), são considerados um meio eficiente de contracepção (com alto índice de confiabilidade). As pílulas comumente usadas contêm uma combinação de progestina (semelhante à progesterona) e de estrogênios, que agem inibindo a secreção de FSH e LH por retroalimentação negativa. Dessa forma, tanto o desenvolvimento dos folículos ovarianos quanto a ovulação são impedidos, impossibilitando que a fecundação ocorra. Como todo medicamento, os anticoncepcionais apresentam riscos e benefícios, e o seu uso deve ser feito mediante recomendação médica. 27 EMBRIOLOGIA Espermicida impede a fecundação DIU impede a nidação Métodos naturais impedem a fecundação Diafragma impede a fecundação Pílula impede a ovulação (é anovulatória) Ligadura tubária ou laqueadura impede a fecundação Figura 13 – Resumo esquemático dos principais métodos contraceptivos utilizados Os métodos cirúrgicos de esterilização têm o objetivo de incapacitar o indivíduo a se reproduzir de forma permanente (ainda que em alguns casos possam ser reversíveis). A vasectomia é uma forma de esterilização masculina em que parte de cada duto deferente é retirada. Ainda que por esse método os espermatozoides sejam produzidos normalmente nos testículos, a interrupção em seu transporte para o meio externo faz com que eles degenerem e sejam fagocitados ainda no trato genital masculino. Na mulher, por sua vez, a ligação tubária é a forma mais comum de esterilização. Nesse procedimento, as tubas uterinas são amarradas e, então, cortadas, impedindo a comunicação do ovócito secundário ovulado com o espermatozoide depositado no trato reprodutor feminino. Outros métodos também bastante utilizados são os dispositivos intrauterinos (ou DIU), que provocam mudanças no endométrio e impedem a implantação do óvulo fertilizado, e os de barreira, como a camisinha e o diafragma. Ambos os métodos de barreira agem evitando que os espermatozoides consigam alcançar o útero e seguir para as tubas uterinas, prevenindo que a fecundação ocorra. Além disso, esses métodos podem ser combinados com o uso de espermicidas, que têm a capacidade de destruir os espermatozoides. Entre os métodos contraceptivos apresentados, a camisinha ganha destaque por oferecer proteção contra doenças sexualmente transmissíveis (DST), uma vantagem em relação aos demais métodos contraceptivos aqui apresentados. Por fim, existem os métodos que, apesar de bastante difundidos entre a população, não apresentam um bom índice de confiabilidade. Entre eles, o método do ritmo e o coito interrompido. O método do ritmo baseia-se na estimativa do período fértil do ciclo feminino, que pode abranger até três dias antes e três dias depois da data da ovulação (que ocorre no meio do ciclo reprodutivo). Por esse período, o casal pode optar pela abstinência sexual caso o objetivo seja a contracepção. Já o coito interrompido trata da retirada do pênis da vagina antes do momento da ejaculação. No entanto, antes que a ejaculação de fato ocorra, a emissão pré-ejaculatória de líquido a partir da uretra masculina já contém espermatozoides. 2 FECUNDAÇÃO A primeira semana do desenvolvimento embrionário tem início com a fecundação, evento crucial para o surgimento de uma nova vida por reprodução sexuada. Como resultado da união (fusão) de um 28 Unidade I espermatozoide com o ovócito secundário, é formado o zigoto (ou ovo), que representa a primeira célula da vida. O zigoto, portanto, carrega um conjunto cromossômico recebido da mãe (ovócito secundário) e outro recebido do pai (espermatozoide), restaurando, assim, o número diploide da espécie. Além disso, o zigoto não é apenas o resultado da simples junção de genes parentais: o evento de crossing-over durante a meiose garante uma nova combinação gênica, diferente da de seus pais. 2.1 Etapas da fecundação A fecundação é uma sequência de eventos bem elaborados e bem ritmados, sendo, portanto, descrita em etapas. Uma vez que ambos os gametas (espermatozoide e ovócito secundário) tenham alcançado o ponto principal de encontro, que é a ampola da tuba uterina, esses iniciam as etapas da fecundação, que pode ou não ser bem-sucedida e que dura aproximadamente 24 horas (Figura 14). Relembrando que os espermatozoides precisam percorrer um caminho ao longo do trato reprodutor feminino, a partir do óstio uterino externo até a região da ampola da tuba uterina, e esse percurso pode levar de 5 a 45 minutos. Para guiar os espermatozoides em direção ao local de fecundação, as células foliculares que revestem o ovócito secundário liberariam substâncias quimiotáxicas: sinais químicos que atraem os espermatozoides e aumentam sua motilidade (pela proximidade com a região da ampola). Além disso, os espermatozoides devem passar por um período de capacitação, o qual dura por volta de sete horas e ocorre enquanto estes estão no útero ou na tuba uterina, por meio da ação de substâncias que são produzidas nessas regiões. A capacitação não leva a uma mudança morfológica nos gametas masculinos, mas sim a um aumento de atividade destes, havendo a remoção de uma cobertura glicoproteica e de proteínas seminais da superfície do acrossoma. Assim sendo, um espermatozoide capacitado torna-se apto a ligar-se à região da zona pelúcida e, consequentemente, fecundar o ovócito secundário. Parede posterior do útero Blastocistos Estágio de oito células Folículo em crescimento Vasos sanguíneos Epitélio Corpo albicans Corpo lúteo maduro Ovócito liberado Corpo lúteo em desenvolvimento Folículo roto Tecido conjuntivo Sangue coaguladoEndométrio Folículo em atresia (em degeneração) Folículo secundário Folículo quase maduro Folículo primário inicial Estágio de duas células Zigoto Fertilização Ovócito na tuba Estágio de quatro células Mórula Folículo maduro Óvocito Figura 14 – Desenho esquemático da tuba uterina que ilustra o processo de fecundação (fertilização) e as primeiras divisões do zigoto (ovo) 29 EMBRIOLOGIA Exemplo de aplicação O período de capacitação dos espermatozoides é tão importante para o sucesso da fecundação que, mesmo na fertilização in vitro, em que os gametas são manipulados em laboratório, os espermatozoides são incubados em um meio específico por horas, simulando o período de capacitação que ocorreria no tratoreprodutor feminino. 2.1.1 Reação acrossômica Os espermatozoides que têm êxito e chegam ao local da fecundação encontrarão pela frente barreiras a serem transpostas na tentativa de penetrar o gameta feminino. Essas barreiras são as camadas externas ao ovócito, corona radiata e zona pelúcida, que envolvem o gameta feminino e dificultam o acesso dos espermatozoides ao ovócito. A corona radiata, primeira barreira encontrada pelos espermatozoides, é formada por células foliculares que são dispersas pela ação, principalmente, da enzima hialuronidase liberada a partir do acrossoma. Localizado na região anterior do espermatozoide, o acrossoma reveste dois terços da cabeça deste e, durante a reação acrossômica, sua membrana funde-se com a membrana plasmática do espermatozoide e libera o conteúdo de enzimas armazenadas na bolsa acrossômica. Com a ação combinada das enzimas liberadas e do movimento natatório da cauda do espermatozoide, que gera propulsão, o gameta masculino ultrapassa essa primeira barreira e alcança a zona pelúcida, como pode ser visto no item A da próxima figura. 2.1.2 Reconhecimento espécie-específica O encontro do espermatozoide com a zona pelúcida é um momento importante entre as etapas de fecundação. Novamente, enzimas acrossômicas (esterase, acrosina e neuraminidase) são utilizadas e causam a lise (dissolução) da zona pelúcida. Entre as enzimas liberadas nessa etapa, a acrosina parece ser a principal e possui atividade proteolítica. A composição glicoproteica da zona pelúcida (glicoproteínas que são secretadas e liberadas pelo ovócito em maturação) é a responsável pelo reconhecimento espécie-específica entre os gametas masculino e feminino. Os espermatozoides possuem um sítio de ligação específico para determinadas glicoproteínas da zona pelúcida. Estudos com camundongos mostraram a importância de uma glicoproteína denominada ZP3 (zona pelúcida 3, descoberta em 1980), responsável pela ligação do espermatozoide à região da zona pelúcida. O reconhecimento espécie- específica é fundamental para impedir que espermatozoides de uma espécie fecundem o ovócito de outra, uma vez que não haveria compatibilidade genética entre as diferentes espécies e, portanto, o desenvolvimento embrionário não seria bem-sucedido. 2.1.3 Reação zonal (bloqueio da poliespermia) Como resultado da entrada do espermatozoide na zona pelúcida, esta sofre modificação em relação à composição da cobertura de glicoproteínas, o que leva à alteração das propriedades da zona pelúcida e dispara a reação zonal (ou de bloqueio da polispermia). Sugere-se que a reação zonal seja o resultado da liberação do conteúdo de lisossomos de grânulos corticais nas proximidades da membrana plasmática do ovócito (espaço perivitelino). As mudanças ocorridas tanto na zona pelúcida quanto na membrana plasmática do ovócito tornam o gameta feminino impenetrável a outros espermatozoides 30 Unidade I imediatamente após a entrada do primeiro, impedindo, assim, que mais do que um gameta masculino participe da fecundação. A entrada de mais do que um espermatozoide, caso ela ocorra, irá gerar um embrião contendo um conjunto de cromossomos a mais (poliploidia), caso em que a gestação é altamente inviável e geralmente segue para o aborto espontâneo. Fuso meiótico Ovócito secundário ♀ Pronúcleo ♂ Pronúcleo Zona pelúcida Corona radiata Primeiro corpo polar Cauda do espermatozoide degenerando Dissolução das membranas dos pronúcleos Primeiro e segundo corpos polares Fuso da clivagem Segundo corpo polar Cromossomas Zigoto A B D C E Figura 15 – Etapas da fecundação 2.1.4 Fusão dos pronúcleos e formação do zigoto Após entrada na zona pelúcida, a próxima etapa da fecundação é a fusão e rompimento (na região de fusão) das membranas dos gametas. Nesse momento, o espermatozoide penetra o ovócito secundário, carregando as estruturas de cabeça e cauda, mas abandonando sua membrana plasmática e mitocôndrias. Assim que o espermatozoide entra, o ovócito secundário é estimulado a completar a meiose II, gerando o ovócito fecundado, ou ovócito maduro (óvulo), e liberando o segundo corpo polar (item B da figura anterior). Na sequência, ocorre a formação do pronúcleo feminino, seguida 31 EMBRIOLOGIA da formação do pronúcleo masculino, em que os cromossomos dos gametas descondensam-se e os seus núcleos crescem. Além disso, a cauda do espermatozoide, que também havia penetrado o ovócito secundário, sofre degeneração (item C da figura anterior). Nesse momento, em que o ovócito maduro contém dois pronúcleos haploides (morfologicamente indistinguíveis entre si), a célula em questão é denominada oótide. Assim que os pronúcleos se fundem em um único núcleo diploide, o zigoto é formado e o fuso de clivagem (divisões mitóticas sucessivas) se organiza (itens D e E da figura anterior). Observação Os ovócitos humanos normalmente são fecundados dentro de 12 horas após ovulação, sendo viáveis por até 24 horas. Já os espermatozoides são viáveis por até 48 horas no trato feminino. O zigoto formado representa a primeira célula da vida, que dará origem ao embrião por etapas sucessivas de divisão, migração e diferenciação celular (discutidas adiante). Além da capacidade de formar um organismo inteiro, o zigoto é também uma célula geneticamente única, fruto de uma nova combinação dos cromossomos maternos e paternos que conduz à variabilidade genética observada na população. Pelos métodos naturais de fecundação, o sexo do embrião será selecionado ao acaso, dependendo do cromossomo sexual carregado pelo espermatozoide que penetra o ovócito (X ou Y). No entanto, existem métodos artificiais de pré-seleção do sexo do embrião, em que um espermatozoide escolhido (X ou Y) é usado no processo de inseminação artificial e, assim, o sexo do bebê será definido não aleatoriamente, mas de acordo com a escolha dos pais. 3 CLIVAGEM Logo que o zigoto é formado, as primeiras divisões da vida (clivagem) têm início. De uma célula, duas são geradas e assim sucessivamente. No entanto, a geração de um novo ser vai muito além do simples acúmulo de células. Além do processo de divisão mitótica, as células iniciais da vida, que são altamente indiferenciadas (totipotentes), precisam crescer, migrar e sofrer diferenciação, tudo no local e momento corretos para que o novo organismo tenha seus tecidos e órgãos devidamente formados. Por se tratar de um processo complexo, muitos são os estudos que continuam em andamento para que se possa compreender mais desse formidável processo biológico. 3.1 Classificação dos ovos dos animais O zigoto, além de suas partes fundamentais, como membrana plasmática, citoplasma e núcleo, pode apresentar pouco ou muito material nutritivo no seu citoplasma, denominado vitelo. Com base na quantidade e distribuição do vitelo, portanto, classificam-se os ovos dos animais em: • Oligolécitos ou isolécitos: apresentam pouco vitelo distribuído uniformemente pelo citoplasma do zigoto. Esses ovos são encontrados nos mamíferos, no protocordado anfioxo, nos equinodermos, em certos moluscos e anelídeos, nos platelmintos e na maioria dos invertebrados marinhos. 32 Unidade I • Heterolécitos ou mesolécitos: que se apresentam com aproximadamente 50% do citoplasma ocupado pelo vitelo, principalmente no polo inferior (polo vegetal ou vegetativo). A distribuição do vitelo não é uniforme e, portanto, a denominação de heterolécito. São ovos encontrados em certos anelídeos e moluscos e nos anfíbios. • Telolécitos ou megalécitos: que apresentam uma grande quantidade de vitelo, ocupando quase todo o zigoto. Esses ovos são encontrados em certos moluscos (cefalópodes), peixes, répteis e aves. • Centrolécitos: que são tipos de ovos em que o vitelo envolve o núcleo do zigoto. São típicos de artrópodes (insetos e crustáceos, entre outros). A figura a seguir traz um resumo esquemático dos diferentes tipos de ovos apresentados, destacando a distribuição e a quantidade de vitelo de cada tipo. Ovooligolécito Núcleo Núcleo Núcleo ViteloVitelo Vitelo Vitelo Polo animal Polo vegetativo Citoplasma Citoplasma CicatrículaOvo heterolécito Ovo telolécito completo Ovo centrolécito Figura 16 – Diferentes tipos de ovos de animais De acordo com os tipos de ovos produzidos e de como esses ovos se desenvolvem em um novo organismo, os animais podem ser ovíparos, ovovivíparos ou vivíparos. Os animais ovíparos são os que põem ovos ou, em outras palavras, fazem ovipostura. São eles: insetos, moluscos, peixes, répteis e aves, além dos mamíferos prototérios (ornitorrinco e equidna). Os ovos são colocados no meio terrestre e/ou aquático para posterior desenvolvimento e, no momento da eclosão, surge um novo organismo (veja na figura seguinte). Animais ovovivíparos, representados por alguns invertebrados e certas espécies de peixes e répteis, produzem ovos, mas não realizam a ovipostura (o ovo não é liberado para o meio). Nos animais vivíparos, por sua vez, a fecundação é interna e o embrião (ou embriões) desenvolve(m)-se dentro do útero, sendo nutrido(s) pelo organismo materno. Os mamíferos, portadores de ovos oligolécitos, são exemplos de animais vivíparos. 33 EMBRIOLOGIA Figura 17 – Ovo de quelônio no momento da eclosão Os ovos colocados no meio terrestre são protegidos por uma casca porosa de carbonato de cálcio, a qual pode apresentar colorações diversas. Já os ovos presentes no meio aquático possuem uma capa gelatinosa em vez de casca. 3.2 Clivagem do zigoto Aproximadamente 30 horas após a fecundação, tem início a clivagem, que é definida como uma sucessão de divisões por mitose do zigoto (veja na figura a seguir). Durante a clivagem, o ciclo celular é regulado para priorizar que as divisões mitóticas ocorram, consistindo, portanto, nas fases S (de síntese do material genético – replicação do DNA) e M (mitose – a divisão propriamente dita). As fases G1 e G2 são puladas, o que reduz drasticamente a síntese de proteínas pelas células. Como as divisões, durante a clivagem, são rápidas e não há muita produção de material citoplasmático, as células obtidas por esse processo, conhecidas como blastômeros, tornam-se progressivamente menores a cada divisão celular. Quando as células animais iniciam o processo de divisão, uma fenda (sulco ou estria) de clivagem surge na superfície celular, momento em que a citocinese divide a célula em duas. De acordo com a quantidade de vitelo presente no citoplasma e o tipo de espécie em questão, os padrões de clivagem podem variar. Por exemplo, em ouriços-do-mar, a clivagem é uniforme; já em sapos, as divisões da clivagem são assimétricas, produzindo células com tamanhos diferentes. 3.2.1 Padrões de clivagem no desenvolvimento animal No início da clivagem, as células formadas por esse processo são idênticas; posteriormente, elas se diferenciam, podendo apresentar destinos diferentes (como parte do processo de diferenciação celular no desenvolvimento embrionário). Além disso, a clivagem pode ser classificada em holoblástica (ou clivagem total) ou meroblástica (ou clivagem parcial), de acordo com o padrão de divisão apresentado. Quando o conteúdo de vitelo nos ovos varia de pouco a moderado, o ovo é inteiramente dividido (padrão holoblástico de divisão). Já quando há grande quantidade de vitelo no ovo, ele é apenas parcialmente dividido (padrão meroblástico de divisão). 34 Unidade I A clivagem holoblástica pode, por sua vez, ser dividida em igual e desigual. Na divisão holoblástica igual, a primeira divisão longitudinal origina dois blastômeros iguais; na segunda divisão, também longitudinal, porém perpendicular à primeira, surgem quatro blastômeros; na sequência, a terceira divisão é transversal, formando oito blastômeros também iguais. Esse tipo de clivagem é típico de equinodermos, protocordados (anfioxo) e mamíferos. 2 blastômeros 8 blastômeros Micrômero Macrômero 3ª divisão Mórula Blastoderma Blástula em corte longitudinal Ovo oligolécito Blastômeros Blastocele 1ª divisão 2ª divisão 4 blastômeros Figura 18 – Clivagem Já na divisão holoblástica desigual, típica de anfíbios, após a formação dos quatro primeiros blastômeros, a terceira divisão transversal não ocorre em um plano perfeitamente transversal mediano. Isso resulta em quatro células superiores menores (os micrômeros) e quatro células inferiores maiores (os macrômeros). Em outras palavras, quatro micrômeros ficam localizados no polo animal e quatro macrômeros ficam no polo vegetal (veja na figura anterior e na figura a seguir). 1 4 2 5 3 6 Figura 19 – Clivagem holoblástica desigual Na clivagem meroblástica, os subtipos existentes são classificados com base nas características do vitelo. O subtipo meroblástico discoidal ocorre em ovos telolécitos, na região sem vitelo, produzindo uma blástula discoidal (típica de peixes, répteis e aves), exemplificada na figura a seguir. Já o subtipo meroblástico superficial, típico de artrópodes, ocorre nos ovos centrolécitos, pois as células embrionárias se posicionam perifericamente e o vitelo ocupa o centro oco. 35 EMBRIOLOGIA Blastoderma Blastocele Figura 20 – Clivagem meroblástica discoidal Quando certas células, em uma das extremidades da blástula, realizam um processo de invaginação (penetram a blastocele – cavidade da blástula), tem início a formação da gástrula (próximo estágio embrionário) e, consequentemente, a formação de um novo espaço interno, denominado de intestino primitivo (arquêntero), o qual se comunica com o exterior através de um orifício (blastóporo), como mostrado a seguir. Em alguns animais, o blastóporo dará origem à boca, sendo esses animais conhecidos como protostômios (do grego protos = primeiro, stoma = boca). Em outros, o blastóporo originará o ânus, e esses animais são os deuterostômios (do grego deuteros = segundo, stoma = boca). Equinodermos e cordados são organismos deuterostômios, enquanto os organismos invertebrados, exceto os equinodermos, são protostômios. Arquêntero Blastóporo Figura 21 – Estrutura embrionária que destaca o blastóporo O padrão de clivagem também tem influência na formação de organismos protostômios e deuterostômios. Por exemplo, em anelídeos e moluscos, que são protostômios, a clivagem tem início em um processo espiral e determinado; já nos deuterostômios, a clivagem é radial e indeterminada. Entende-se por processo espiral as clivagens em planos diferentes, originando células menores e maiores (micrômeros e macrômeros), que não se posicionam corretamente umas sobre as outras. É um 36 Unidade I processo determinado, pois as células já se apresentam diferenciadas, o que significa dizer que cada célula possui função determinada nessa fase do desenvolvimento. Caso uma célula seja retirada dessa formação em espiral, consequentemente, ela não dará origem a outro embrião. Tal processo em espiral é típico dos organismos protostômios. No processo radial, por sua vez, as duas primeiras clivagens do tipo longitudinal são perpendiculares entre si, originando quatro células idênticas. Na terceira divisão, que é transversal, formam-se oito células de tamanhos diferentes (micrômeros e macrômeros), que se posicionam corretamente umas sobre as outras, e cada célula nessa fase do desenvolvimento apresenta função indeterminada (são indiferenciadas). Portanto, caso ocorra a separação dessas células, cada uma delas dará início, novamente, ao processo de clivagem e, assim, serão constituídos outros novos organismos. Esse processo é típico dos deuterostômios (equinodermos e cordados). Outra característica importante que é utilizada na categorização dos diferentes tipos de animais é o celoma. O celoma é uma cavidade revestida por mesoderma (um folheto germinativo que será descrito posteriormente), que se expande e torna-se a cavidade do corpo do animal. De acordo com o espaço entre o tubo digestório e a parede do corpo, os animais são divididos em: • Acelomados: representados por animais que não possuem cavidade entre