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Direito internacional Ainda que o direito internacional tenha origens que remontem ao antigo direito das gentes, pode-se dizer que sua faceta moderna, que coloca o indivíduo no centro do seu espectro de proteção, nasce posteriormente a esse contexto. Se as primeiras raízes do novo direito internacional começam a nascer no fim do século XIX, com o surgimento do direito internacional humanitário, pode-se afirmar, de outro lado, que o segundo pós-guerra se constitui em um marco para novos paradigmas do direito internacional. Esse é o momento histórico em que se inaugura o sistema de proteção das Nações Unidas e toda uma construção normativa iniciada com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para se compreender estes passos, ainda que de forma breve, é importante trazer alguns conceitos que possam identificar as três vertentes internacionais de proteção do indivíduo. O Direito Internacional Humanitário, também denominado Direito Internacional dos Conflitos Armados, é parte do Direito Internacional Público. Apresenta-se como um corpo de normas internacionais, de origem convencional ou consuetudinária, destinado especificamente a ser aplicado nos conflitos armados, internacionais ou não internacionais, que limita o direito das partes em conflito de escolher livremente os métodos e os meios utilizados na guerra, ou que protege as pessoas e os bens atingidos, ou que possam ser atingidos pelo conflito. Embora não tenha a pretensão de proibir a guerra, tampouco a ambição de definir sua legalidade ou legitimidade, evidencia-se que deve ser aplicado quando o recurso à força foi infelizmente imposto e o que resta é reduzir o sofrimento das pessoas que não participaram ou que deixaram de participar das hostilidades. O foco do Direito Internacional Humanitário relaciona-se à limitação dos meios e métodos utilizados durante o conflito, entendendo-se por meio o tipo de arma utilizada durante os atos de beligerância, enquanto o método significa a maneira de utilizar tal arma. Os beligerantes não têm o direito ilimitado e aleatório de utilizar, de forma arbitrária, cruel e desumana, armas e métodos que possam causar sofrimento desnecessário. Quanto ao instituto dos refugiados, abarca várias situações relacionadas a perseguições por motivos de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas que contrariem os interesses de grupos à frente de um Estado etc. As normas internacionais que se aplicam para os refugiados decorrem do contexto de grandes conflitos internacionais produzidos no curso do século XX e dos diversos problemas advindos deles, tendo sido nomeado, em 1921, como Alto Comissário para os Refugiados, o Sr. Fridtjof Nansen, ainda sob o funcionamento da Liga das Nações. Porém, a amplitude da matéria deu-se em decorrência dos acontecimentos produzidos durante a Segunda Guerra Mundial, na qual milhares de pessoas foram deslocadas de seus Estados de origem. Sob a batuta da Organização das Nações Unidas (ONU), criou-se o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com o propósito de encontrar soluções duradouras para a questão dos refugiados. No caso do Direito Internacional dos Direitos Humanos, evidencia-se que está relacionado ao pós Segunda Guerra Mundial, tendo seu desenvolvimento sido atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte dessas violações poderia ser prevenida se um efetivo sistema de proteção internacional em favor do indivíduo já existisse. A pessoa humana passou a ser foco da atenção internacional e a dignidade humana se estabeleceu, até certo ponto, como princípio universal e consolida a ideia de limitação da soberania nacional e reconhece que os indivíduos possuem direitos inerentes à sua existência, que devem ser protegidos. As três vertentes de tutela internacional As normas do Direito Humanitário, especialmente a Convenção de Genebra, de 1864, previram o regramento em situações de guerra, com o intuito de minimizar a dor e o sofrimento de soldados prisioneiros, doentes e feridos em situações de conflito armado. Porém, é a partir de 1945, com a proclamação da Carta da ONU, que o sistema internacional de proteção dos direitos humanos ganha força e destaque, ao “inaugurar” o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Dentre vários artigos da Carta da ONU, o art. 55, alínea c, dispõe que as Nações Unidas favorecerão o respeito universal e efetivo aos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Além disso, o art. 56 estabelece que, para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente. No entanto, foi em 1948 que a ONU descreveu o significado de direitos humanos na Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada sem discordância, mas com abstenções por parte das nações do bloco soviético, África do Sul e Arábia Saudita. Nos anos seguintes, foram promovidos vários acordos internacionais, entre eles, a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950); o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966); a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969); os Acordos de Helsinque (1975) e a Carta dos Povos Africanos de Direitos Humanos (1981). Hoje, não há povo que negue uma Carta de direitos e o respectivo mecanismo de efetivação, o que, todavia, ainda não significa uma garantia de justiça concreta, porquanto esses direitos podem variar ao sabor do pensamento político ou filosófico informador de determinado Estado. Indubitavelmente, o necessário desenvolvimento das instituições de proteção e promoção dos direitos humanos é importante para todas as pessoas, sejam elas pobres ou ricas, bem como para existir paz e segurança no mundo. Neste sentido, é possível inferir que, no sistema internacional, há três vertentes de proteção internacional do indivíduo: o Direito Internacional Humanitário, o Direito Internacional dos Refugiados e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Em que pese terem normas próprias, apresentam como objetivos comuns a salvaguarda dos indivíduos. Por essa razão que autores, como Cançado Trindade, procuram estabelecer aproximações e convergências entre os “direitos” indicados ao assinalarem matérias relativas à proibição da tortura e de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante, a detenção e a prisão arbitrárias, as garantias do devido processo legal, a proibição de discriminação de qualquer tipo etc. Ressalta-se que, embora existam traços marcantes de aproximação dos “direitos” indicados, não se pode olvidar que o emprego das expressões, quando utilizadas como sinônimos, deve ser evitado, pois possuem origens históricas distintas e aplicações igualmente diferenciadas, o que, por vezes, acaba por trazer grandes dúvidas aos iniciantes do estudo. Direito Internacional dos Direitos Humanos O século XX foi marcado pelas trágicas consequências para a humanidade advindas da eclosão de grandes conflitos mundiais. Porém, é possível afirmar que a Segunda Guerra Mundial se apresenta como marco de afronta à dignidade da pessoa humana. No pós-guerra, os direitos da pessoa humana ganharam extrema relevância ao serem consagrados internacionalmente como resposta às atrocidades cometidas durante o período indicado. Os direitos humanos ganham força sob a égide da Organização das Nações Unidas, tendo sido produzidos vários documentos internacionais para a proteção dos referidos direitos (Declaração Universal de Direitos Humanos; Pacto de Direitos Civis e Políticos e Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção sobre Discriminação Racial; Convenção sobre os Direitos da Mulher; Convenção sobre a Tortura; Convenção sobre os Direitos da Criança etc.). A fase legislativa dos direitos humanos corresponde à criação de quadronormativo extenso, que procura efetivamente vincular a Organização Internacional aos seus propósitos, bem como a certas disposições contidas em seu ato de criação. Assim, a proteção internacional dos direitos humanos defere um status e um standard diferenciados para o indivíduo, isto é, apresenta um sistema de proteção à pessoa humana, seja nacional ou estrangeiro, diplomata ou não, um núcleo de direitos insuscetíveis de serem derrogados em qualquer tempo, condição ou lugar. O vasto número de documentos internacionais que foram produzidos sob os auspícios da ONU em matéria de direitos humanos fez com que a dignidade da pessoa humana passasse a se inserir entre os principais interesses da sociedade internacional. Há uma visão de que a sociedade internacional forma um todo e os seus interesses predominam sobre os dos Estados individualmente. Outra consequência relevante da internacionalização desses direitos relaciona-se com a soberania dos Estados, cuja noção vai sendo alterada de forma sistemática, ou seja, os direitos humanos deixam de pertencer à jurisdição doméstica ou ao domínio reservado dos Estados. Dessa forma, os direitos humanos que pertenciam ao domínio constitucional estão em uma migração contínua e progressiva para uma diligência internacional. Na busca incessante do reconhecimento, do desenvolvimento e da realização dos maiores objetivos por parte da pessoa humana e contra as violações que são perpetradas pelos Estados e pelos particulares, o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem-se mostrado um instrumento vital para a uniformização, o fortalecimento e a implementação da dignidade da pessoa humana, que se constitui como um verdadeiro valor na sociedade internacional e deve servir de orientação a qualquer interpretação do Direito Internacional Público. Ao se solidificar a ideia de que os direitos humanos permeiam todas as áreas da atividade humana e correspondem a um novo ethos de nossos tempos, a dignidade da pessoa humana passa a ser considerada como núcleo fundamentador dos ordenamentos jurídicos (nacional e internacional), entendendo-se como o conjunto de normas que estabelecem os direitos que os seres humanos possuem para o desempenho de sua personalidade e determinam mecanismos de proteção a tais direitos. No caso das normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos, estas encontram-se intimamente relacionadas com o tema da subjetividade internacional do indivíduo, tendo se desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial. São construídos os seus alicerces com base em princípios distintos dos que imperam no Direito Internacional Clássico, que desconhecia o indivíduo como sujeito de direito internacional, o que trará grandes repercussões em sua autonomia dogmática e na atuação prática. Foram criados diversos mecanismos de proteção na ordem jurídica internacional, por exemplo, no âmbito da Organização das Nações Unidas, o sistema de relatórios; de queixas; de reclamações interestatais; o Conselho (antiga Comissão) de Direitos Humanos etc. Também, nos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, a ser posteriormente demonstrado. Introdução da aula Caro aluno, a Organização das Nações Unidas, ao ser criada no ano de 1945, inaugura um novo momento no campo das relações internacionais ao integrar o indivíduo como sujeito de Direito Internacional. Os direitos da pessoa humana passam a ser universalizados, propiciando a criação de um verdadeiro “código internacional dos direitos humanos”. Os Estados instituíram, na Carta de São Francisco – a Carta da ONU –, a necessidade de preservar as futuras gerações do “flagelo da guerra” e, para tanto, atuar para a manutenção da paz e da segurança internacional, bem como para a valorização e a proteção da pessoa humana, de modo que os Estados devem promover e proteger os direitos humanos com ações que possam estar acompanhadas de atitudes que demonstrem a intenção em cooperar com os trabalhos desenvolvidos na esfera internacional. Nessa esteira, as etapas de produção normativa, de promoção e de proteção ganham relevo para a compreensão da matéria. Direito Internacional dos Direitos Humanos Após a hecatombe da Segunda Guerra Mundial, durante a qual o mundo teve a oportunidade de assistir a uma série de barbaridades envolvendo milhares de pessoas, sentiu-se a necessidade de criar mecanismos que pudessem garantir proteção aos seres humanos, florescendo o Direito Internacional dos Direitos Humanos. O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra e seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte dessas violações poderia ser prevenida se um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos humanos já existisse, o que motivou o surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945. O Direito Internacional dos Direitos Humanos afirma-se, em nossos dias, com inegável vigor, como ramo autônomo da ciência jurídica contemporânea, dotado de especificidade própria. Trata-se, essencialmente, de um direito de proteção, marcado por uma lógica própria, voltado à salvaguarda dos direitos dos seres humanos, e não dos Estados. Com efeito, os direitos inerentes à pessoa humana passaram a ocupar um lócus privilegiado ao serem consagrados no ordenamento jurídico internacional. Ao ser considerado objeto principal, pode-se afirmar que os indivíduos possuem direitos inerentes à sua existência, que devem ser protegidos. A Organização das Nações Unidas tem sua atuação voltada para a manutenção da paz e para a segurança internacional, bem como para a valorização e a proteção da pessoa humana, período em que houve vertiginoso crescimento de documentos internacionais voltados aos indivíduos. A importância e a envergadura das atividades desenvolvidas pelas Nações Unidas no sentido de promover e proteger os direitos humanos se expandem com o passar dos anos, atuando em várias frentes, por exemplo, na construção e difusão de uma consciência voltada à proteção dos direitos humanos; no processo legislativo; na vigilância; no fomento aos estudos; como instância de promoção e de proteção dos direitos humanos. Com as ações deflagradas pelas Nações Unidas, consolida-se o movimento de internacionalização dos direitos humanos, no qual as relações dos Estados com seus nacionais deixam de ter apenas o interesse doméstico e passam a ser de interesse internacional, e definitivamente o sistema internacional deixa de ser apenas um diálogo entre Estados, sendo a relação de um Estado com seus nacionais uma questão de interesse internacional. Por fim, pode-se afirmar que o sistema de proteção internacional dos direitos humanos no âmbito da Organização das Nações Unidas caracteriza-se como um sistema de cooperação intergovernamental, que tem por objetivo a proteção dos direitos inerentes à pessoa humana. Esse sistema é inaugurado no ano de 1945, com a criação da referida organização internacional, em que fica evidente que o sistema acaba por convergir para a proteção dos direitos humanos, ao consagrar princípios fundamentais de seu texto normativo, bem como explicitar que a proteção dos direitos humanos é um meio importante para assegurar a paz. Declaração Universal dos Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consolida a ideia de uma ética universal e, ao combinar o valor da liberdade com o da igualdade, enumera os direitos civis e políticos (arts. 3º a 21), como também os direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28), isto é, os denominados direitos de primeira e segunda dimensão. Ademais, também proclama a indivisibilidade dos direitos humanos. É possível afirmar que as questões voltadas à indivisibilidade e à universalidade dos direitos humanos tornam- se temas globais, e a dignidade da pessoa humana passou a refletir o fundamentode muitas Constituições a partir de então. Embora a universalidade dos direitos humanos tenha sido proclamada com a Declaração de 1948, a matéria ganhará amplitude de forma inequívoca a partir das duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos: a de Teerã, de 1968, e a de Viena, de 1993. A Conferência Mundial de 1968 objetivou examinar os progressos alcançados nos vinte anos transcorridos desde a aprovação da Declaração Universal, em 1948, bem como instou os Estados a aderirem aos pactos e a outros instrumentos internacionais de direitos humanos. A Conferência de Viena, no ano de 1993, estabeleceu importantes pressupostos programáticos indispensáveis à universalização dos direitos humanos, tais como a interrelação entre desenvolvimento, direitos humanos e democracia; a legitimidade do monitoramento internacional de suas violações; o direito ao desenvolvimento e a interdependência dos direitos fundamentais. Confirmou-se também a ideia de que os direitos humanos extrapolam o domínio reservado dos Estados, invalidando o recurso abusivo ao conceito de soberania para encobrir violações, ou seja, os direitos humanos não são mais matérias exclusivas das jurisdições nacionais. Apesar da diversidade de interesses dos Estados, a constitucionalização das regras de conduta da sociedade, no que se refere à proteção dos direitos humanos, é cada vez mais premente. Além da fase que corresponde à produção normativa internacional sobre direitos humanos, não se pode olvidar das ações de promoção que, da mesma forma, torna-se imprescindível pela ação e realização de congressos, conferências, seminários, publicações e todas as demais ações que estejam voltadas à difusão da matéria, posto que, para se estabelecer a proteção de maneira efetiva, é necessário que sejam conhecidos os mecanismos e procedimentos que estão à disposição para tal. No sistema onusiano, ganha relevo o órgão dotado de competência para proteção dos direitos humanos, qual seja o Conselho de Direitos Humanos. Todavia, deve-se registrar que há outros órgãos, cuja competência originária não esteja voltada aos direitos humanos, mas que também atuam de maneira reflexa. A título ilustrativo, cita-se o art. 13 da Carta que atribui à Assembleia Geral a possibilidade de iniciar estudos e fazer recomendações, destinados a promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e sua codificação; promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Também, torna-se digno de registro o Alto Comissariado para os Direitos Humanos, cujas atribuições principais são: promover e proteger o gozo de todos os direitos civis, políticos, econômicos e culturais; desempenhar as tarefas designadas pelos órgãos competentes do sistema das Nações Unidas, formulando recomendações para promoção dos direitos humanos; proporcionar serviços de assessoramento e assistência técnica e financeira; coordenar programas de informação e educação em direitos humanos; aumentar a eficiência do mecanismo internacional de proteção dos direitos humanos. Ademais, deve-se enfatizar que existem os sistemas regionais de proteção, a exemplo do europeu, americano e africano, que serão analisados na sequência. Proteção dos direitos humanos Os direitos humanos, que pertenciam ao domínio constitucional, estão em migração contínua e progressiva internacionalização, sendo certo afirmar que, na busca incessante do reconhecimento, do desenvolvimento e da realização dos maiores objetivos por parte da pessoa humana e contra as violações perpetradas pelos Estados e pelos particulares, o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem-se mostrado um instrumento vital para a uniformização, o fortalecimento e a implementação da dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana passa a ser considerada como núcleo fundamentador do Direito Internacional dos Direitos Humanos (e do direito interno), entendido como o conjunto de normas que estabelecem os direitos que os seres humanos possuem para o desempenho de sua personalidade e determinam mecanismos de proteção a tais direitos. Neste sentido, é possível inferir que há vários mecanismos de proteção na ordem jurídica internacional para a proteção de direitos, cujo destaque é o Conselho de Direitos Humanos. O órgão foi criado em 15 de maio de 2006, ao substituir a antiga Comissão de Direitos Humanos, por força da Resolução nº 60/251, com a aprovação de 170 países, havendo quatro votos contra (Estados Unidos, Israel, Ilhas Marshall e Palau) e três abstenções (Venezuela, Irã e Belarus). O Conselho, por meio da Resolução nº 60/251, também chamou a si a responsabilidade de prosseguir com todos os mandatos, mecanismos, funções e responsabilidades da Comissão, visando manter um sistema de procedimentos especiais, de denúncia e de grupo de trabalhos. No tocante aos procedimentos de denúncia (complaint procedures), a Resolução nº 5/1 permite que indivíduos e organizações possam trazer reclamações sobre violações para a apreciação do Conselho. Cria, também, dois Grupos de Trabalho distintos: o primeiro é o Grupo de Trabalho em Comunicações (Work Group on Communications), responsável por examinar as denúncias com base nos critérios de admissibilidade previamente estabelecidos. Após análise, a denúncia será submetida ao Estado interessado, para que este possa se manifestar a respeito das alegações sobre violações de direitos humanos levadas ao seu conhecimento. O segundo é o Grupo de Trabalho em Situações (Work Group on Situations), o qual, com base nas informações e recomendações fornecidas pelo Grupo de Trabalho em Comunicações, elabora um relatório, que será submetido ao Conselho. Outra criação da Resolução nº 60/251 é o Comitê Consultivo (Advisory Committee), que substitui a antiga Subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos. Sua atribuição consiste em fornecer opiniões consultivas de experts ao Conselho, baseadas em estudo e pesquisa prévios. O Conselho de Direitos Humanos conta, ainda, com outros órgãos subsidiários, que foram estabelecidos pela antiga Comissão de Direitos Humanos, incluindo: o Mecanismo de Especialistas em Direitos Humanos dos Povos Indígenas; o Fórum sobre Questões Minoritárias; o Fórum Social; o Fórum sobre Empresas e Direitos Humanos. A agenda do Conselho de Direitos Humanos deve definir os itens a serem tratados pelo Conselho de Direitos Humanos em suas reuniões ordinárias, que são acomodadas no programa de trabalho anual e de cada sessão do Conselho. Essa agenda deve se basear nos princípios de universalidade, imparcialidade, objetividade, não seletividade, diálogo construtivo e cooperação, previsibilidade, flexibilidade e transparência, accountability, equilíbrio, caráter inclusivo, perspectiva de gênero, implementação e acompanhamento de decisões, e é composta por 10 itens: questões de organização e procedimentos; Relatório Anual do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e do Secretário-Geral da ONU; promoção e proteção de todos os direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao desenvolvimento; situações de direitos humanos que requerem a atenção do Conselho; órgãos e mecanismos de direitos humanos; Revisão Periódica Universal; situação dos direitos humanos na Palestina e outros territórios árabes ocupados; seguimento e implementação da Declaração e Programa de Ação de Viena; racismo, discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância, seguimento e implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban; assistência técnica e reforço da capacidade institucional. Introdução da aula Alémdo sistema global de proteção dos direitos humanos, registra-se, com elevada importância, os sistemas regionais de proteção internacional dos direitos humanos: o europeu, o interamericano, o africano, além do incipiente sistema árabe. É interessante notar que todas as Convenções preveem, de diferentes modos, a expressão dignidade da pessoa humana ou direitos inerentes à pessoa humana em seus preâmbulos, embora não possuam necessariamente perspectivas idênticas. Fato é que nenhum dos sistemas regionais é estanque ou completamente enclausurado em si mesmo. Pelo contrário, convenções de direitos humanos são instrumentos vivos, cujo diálogo recíproco entre os órgãos encarregados de dar efetividade à promoção e à proteção dos direitos humanos acaba por promover um constante aprendizado recíproco. Essa concepção, que conjuga a necessidade de sistemas de monitoramento e, ainda, uma visão dos direitos humanos como interdependentes, está diretamente relacionada às Conferências de Teerã e de Viena. Essa última enfatiza, em particular, as conexões entre direitos humanos, desenvolvimento e democracia. Terminologia A Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) de 1950, em seu preâmbulo, apresenta um primeiro “considerando” que se reporta à Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948. Em seguida, afirma que a CEDH se “destina a assegurar o reconhecimento e aplicação universais e efetivos dos direitos nela enunciados”. Reconhece como bases para a justiça e a paz no mundo, tanto “num regime político verdadeiramente democrático” quanto o “respeito dos direitos do humanos”. Conclui que os governos dos Estados europeus, com base nisso, tomaram essas primeiras providências para “assegurar uma garantia coletiva de certo número de direitos enunciados na Declaração Universal” (TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM, 1950, p. 5). A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 é posterior à Carta da OEA de 1948 e à Declaração Americana de Direitos e Deveres de 1948, que são documentos centrais na estruturação desse sistema regional de proteção dos direitos humanos. A Carta da OEA foi reformada pelos Protocolos de Buenos Aires (1967), Cartagena de Índias (1985), Washington (1992) e Managua (1993). Seu preâmbulo contempla a “missão história da América” em oferecer ao indivíduo uma “terra de liberdade, favorável ao desenvolvimento de sua personalidade e justas aspirações de conviver em paz” e propiciar mediante a sua “mútua compreensão e seu respeito à soberania de cada um”. Nessa linha, o preâmbulo entende que a “democracia representa condição indispensável para a estabilidade, paz e desenvolvimento da região” (OEA, 1948, [s. p.]). Já em um contexto diverso da Guerra Fria, a Carta Democrática Interamericana de 2001 reafirmou, por meio da Assembleia Geral, o compromisso da OEA com a democracia representativa. São basicamente essas as diretrizes para uma organização intergovernamental realizar uma sintonia fina entre respeito à soberania e à efetivação dos direitos humanos. O sistema africano foi concebido por meio de sua Carta, aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA), em Banjul, Gâmbia, em janeiro de 1981, e adotada pela XVIII Assembleia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA), em Nairóbi, Quênia, em 27 de julho de 1981. A perspectiva adotada foi mais coletivista, global, comunitária e focada nos direitos de 3ª geração/dimensão, quando comparada às Convenções Europeia e Americana. Fica evidente, a começar pela própria parte final do nome empregado para designar o documento “... e dos povos”. Essa perspectiva também fica evidente em três partes do preâmbulo. A primeira parte enfatiza a liberdade, a igualdade, a justiça e a dignidade como objetivos a serem realizados para atender às “aspirações dos povos africanos” e conclui, ainda no preâmbulo, com a importância de, nos termos do art. 2º da Carta, “eliminar sob todas as suas formas o colonialismo da África” por meio da cooperação e coordenação com os instrumentos da Carta da ONU e da DUDH. A segunda traça a diretriz para se adotar os direitos humanos em sua universalidade, o que significa, na Carta Africana, “dedicar particular atenção ao direito ao desenvolvimento”, já que os “direitos civis e políticos são indissociáveis dos direitos econômicos, sociais e culturais” (OUA, 1981, [s. p.]). A terceira merece ser enfatizada: Os povos continuam a lutar pela sua verdadeira independência e pela sua dignidade, e comprometendo-se a eliminar o colonialismo, neocolonialismo, apartheid, o sionismo, as bases militares estrangeiras de agressão e quaisquer formas de discriminação, nomeadamente as que se baseiam na raça, etnia, cor, sexo, língua, religião ou opinião política. (OUA, 1981, [s. p.]) Por fim, há de ressaltar que também existe o incipiente sistema árabe. Aspectos históricos A região do continente europeu, abrangida pelo Conselho da Europa, é a parte do mundo mais desenvolvida no que tange à proteção dos direitos humanos, nos termos da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais. Essa necessidade de proteger os direitos humanos ocorreu, em grande medida, em razão das atrocidades que foram praticadas, especialmente, por ocasião da Segunda Guerra Mundial no velho continente. O sistema europeu possui dispositivos que são consagrados na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, bem como em instrumentos da União Europeia e na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. No caso do sistema africano, este foi concebido pela sua Carta, aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul, Gâmbia, em janeiro de 1981, e adotada pela XVIII Assembleia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairóbi, Quênia, em julho de 1981. Apresenta como objetivos fundamentais a defesa da soberania dos Estados, bem como da integridade territorial e independência de seus membros, o desenvolvimento e a integração socioeconômica do continente africano e o respeito aos direitos humanos. Além da Carta Africana sobre Direitos Humanos, o sistema africano de proteção aos direitos humanos apresenta outros documentos importantes e que versam sobre temas específicos, como a Convenção para Eliminação dos Mercenários e a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-estar da Criança. Destaca-se que o texto produzido na África distingue-se em seus traços gerais dos documentos produzidos na Europa e na América, pois, ao invés de consagrar de forma preponderante os direitos civis, como os outros continentes, o aludido texto preconiza a proteção de direitos dos povos. Foi assim que os Estados africanos estabeleceram, nesse documento internacional, direitos relativos à afirmação da independência, da autonomia e do progresso dos referidos Estados. Quanto ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos no continente americano, evidencia-se que este abarca os procedimentos contemplados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Convenção Americana de Direitos Humanos. O sistema americano, num primeiro momento, atribuía competências para todos os Estados-membros, por força da Carta da Organização dos Estados Americanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Posteriormente, com a Convenção Americana de Direitos Humanos, os procedimentos e instrumentos ali previstos passaram a ser aplicados tão somente aos Estados-partes do referido tratado internacional. Por essa razão é que se costuma afirmar que no âmbito americano existe um sistema duplo de proteção dos direitos humanos: o sistema geral, baseado na Carta e na Declaração, e o sistema que abarca apenas os Estados signatários da Convenção, que, além decontemplar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como no sistema geral, também alcança a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Por fim, ressalta-se que, embora o sistema de proteção regional dos direitos humanos esteja funcionando em vários pontos do globo, deve-se alertar que, no mundo árabe, ainda não passa de uma grande aspiração, pois os direitos humanos para os povos árabes, em regra, apresentam-se como um poder derivado de um poder divino, o que acaba por produzir situações complexas para alguns segmentos da população, como no caso das mulheres. Fundamentos A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais foi concebida pelo Conselho da Europa, tendo sido aberta à assinatura em Roma, no dia 4 de novembro de 1950, e entrou em vigência no mês de setembro de 1953. Essa Convenção foi e continua a ser o mais importante catálogo europeu de direitos. A experiência bem-sucedida de um texto que vigora por tanto tempo, sucessivamente renovado e ampliado por protocolos adicionais, cuja garantia foi confiada a um verdadeiro tribunal, é o principal fator que converge no sentido de fazer da Convenção a mais exemplar realização de objetivos realizados pelo Conselho da Europa. Outro ponto importante da referida Convenção relaciona-se à instituição de órgãos destinados a fiscalizar o respeito aos direitos humanos declarados no referido documento internacional, como também julgar os casos que ensejassem a violação dos direitos por Estados signatários do Tratado. Três instituições ficavam responsáveis pelo controle: a Comissão Europeia dos Direitos do Homem (criada em 1954), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (instituído em 1959) e o Comitê de Ministros do Conselho da Europa, composto por ministros dos negócios estrangeiros dos Estados-membros ou pelos seus representantes. A existência de órgãos incumbidos de fiscalizar o respeito aos direitos humanos e julgar as suas eventuais violações foi, sem dúvida, um grande marco para a evolução do sistema de proteção dos direitos humanos no plano internacional. No sistema africano, além da Carta Africana sobre Direitos Humanos, ganha relevo cinco instrumentos vinculativos ainda não ratificados por todos os Estados, a saber: Carta Africana sobre a Democracia, Carta da Criança, Convenção dos Refugiados, Protocolo da Mulher e Protocolo sobre o Estabelecimento do Tribunal Africano. Dentre as Instituições de Garantia e de Controle da Carta Africana, as principais são a Comissão Africana, que busca promover e garantir a realização dos Direitos Humanos no continente, e a Corte Africana, que reforça a atuação da Comissão com seu caráter contencioso e consultivo. A Comissão é a primeira a analisar os casos, porém, como não possui caráter vinculante, apenas pode fazer recomendações aos Estados. A Corte, por outro lado, tem força vinculante e pode punir os Estados por sua negligência ou por violação direta dos direitos humanos. O sistema interamericano consagra a Carta, que é um documento mais abrangente no que tange ao número de Estados a ela submetidos, porém menos protetivo, por abarcar apenas a Comissão como órgão voltado à proteção dos direitos humanos, e a Convenção, que se apresenta como documento hábil para os Estados que reconhecem a jurisdição da Corte Interamericana. Para melhor compreensão do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, devem ser levados em consideração dois aspectos: o contexto histórico e as peculiaridades da região, pois trata-se de um local marcado por elevado grau de exclusão e desigualdade social, ao qual se somam democracias em fase de consolidação. A região convive, ainda, com as reminiscências do legado dos regimes autoritários ditatoriais, com uma cultura de violência e de impunidade, com a baixa densidade dos Estados de Direito e com a precária tradição de respeito aos direitos humanos no âmbito doméstico. Dois períodos assim demarcam o contexto latino-americano: o período dos regimes ditatoriais e o período da transição política aos regimes democráticos, marcado pelo fim das ditaduras militares na década de 1980 na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil. Introdução da aula O Sistema Interamericano de Direitos Humanos apresenta-se como uma ferramenta de importância inestimável para a garantia efetiva dos direitos humanos no continente americano, pois através dos dois órgãos de proteção dos direitos humanos previstos nos documentos internacionais americanos (a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana) garante-se não só o acompanhamento da conduta dos Estados membros como também a possibilidade de se julgar casos atentatórios aos direitos humanos. Os referidos órgãos, que são responsáveis pela proteção dos direitos humanos no continente americano, possibilitam a resolução de casos de presumida violação de direitos e liberdades contidas na Convenção Americana sobre direitos humanos, por meio de um procedimento que se inicia na Comissão e que poderá ter a sua apreciação na Corte, com a consequente condenação do Estado por atos atentatórios aos direitos inerentes à pessoa humana. Terminologia Por meio do funcionamento dos órgãos de proteção dos direitos humanos no sistema interamericano, é possível acompanhar a conduta dos Estados-membros que envolva atentados aos direitos humanos, como também que os Estados sejam julgados com a correspondente sentença condenatória que deverá ser cumprida, sob pena de sanções de natureza política perante a Organização dos Estados Americanos. Trata-se de matéria de grande interesse à medida que as decisões proferidas pela Corte Interamericana produzem efeitos significativos para os Estados que são parte dos tratados internacionais de direitos humanos e que reconhecem a jurisdição da Corte. Neste sentido, a título inaugural, apresenta-se a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja sede encontra-se em Washington, que é um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) criado para promover a observância e a defesa dos direitos humanos, bem como para funcionar como órgão consultivo da OEA nesta matéria. Ela representa todos os Estados integrantes da OEA. Seus membros devem ser eleitos pela Assembleia Geral da Organização, de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados- membros. A competência da Comissão alcança todos os Estados-partes da Convenção Americana, em relação aos direitos da pessoa humana nela consagrados, bem como a todos os Estados integrantes da OEA, em relação aos direitos consagrados na Declaração Americana de 1948. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é constituída por sete pessoas de alta autoridade moral e reconhecido saber em matéria de direitos humanos, cuja missão precípua é promover a observância e a proteção dos direitos da pessoa humana no âmbito do continente americano. Os integrantes da Comissão são eleitos por quatro anos e só poderão ser reeleitos uma vez, sendo igualmente vedada a participação na Comissão de mais de um nacional de um mesmo país. Em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos, apresenta-se como uma instituição judicial independente e autônoma regulada pelos artigos 33 (alínea b) e 52 a 73 da Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como pelas normas do seu Estatuto, tendo sido instalada em 1979. Situada na cidade de São José, Costa Rica, sua criação tem origem na proposta apresentada pela delegação brasileira à IX Conferência Interamericana, realizada em Bogotá, no ano de 1948. Composta por sete juízes, nacionais dos Estados-membros da Organização, eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais ou do Estado que os propuser como candidatos.Os juízes da Corte são eleitos por um período de seis anos e poderão ser reeleitos uma vez, em votação secreta, pelo voto da maioria absoluta dos Estados-partes na Convenção, na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados. A Corte também pode contar com juízes ad hoc para tratar de determinadas matérias, conforme estabelece o art. 55 da Convenção Americana, cujos requisitos são os mesmos dos demais juízes da Corte. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, originada por meio do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos – 1969), apresenta como objetivos a aplicabilidade do referido tratado internacional na ordem jurídica dos Estados-membros que a compõem, conforme preceitua o art. 1º. Quanto às funções da Corte Interamericana, são classificadas e definidas pela Convenção Americana em duas categorias: contenciosa (artigos 61, 62 e 63) e consultiva (art. 64). Aspectos históricos Embora a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tenha diversas atribuições, pode-se afirmar que sua principal função está relacionada à promoção, à observância e à defesa dos direitos humanos. Para alcançar esse desiderato, no que tange à promoção dos direitos humanos, a Comissão deve preparar estudos, relatórios e propor recomendações aos Estados, tendo em vista a adoção de medidas que favoreçam o sistema de proteção aos direitos humanos no plano doméstico, como também conhecer petições individuais e comunicações interestatais que contenham denúncias de direitos que tenham sido aviltados nos termos da Convenção. Ela realiza seu trabalho com base em três pilares: o sistema de petição individual, o monitoramento da situação dos direitos humanos nos Estados Membros e a atenção a linhas temáticas prioritárias. Por meio desta estrutura, a Comissão considera que, no contexto da proteção dos direitos de toda pessoa sob jurisdição dos Estados americanos, é fundamental dar atenção às populações, às comunidades e aos grupos historicamente submetidos à discriminação. Digno de registro o fato de que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, nos termos do art. 44, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte. Inicialmente, a competência da Comissão estava adstrita à promoção dos direitos humanos por meio de preparação de estudos e relatórios, bem como de recomendações aos governos dos Estados, com vistas à adoção de medidas em prol dos direitos humanos no plano doméstico dos seus respectivos territórios. Hodiernamente, possui também competência para efetiva proteção dos direitos humanos em razão do conhecimento de petições individuais e de comunicações interestatais que contenham denúncias de violações aos direitos previstos na Convenção Americana. Quanto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, evidencia-se que ela pauta suas atuações em prol da observância dos principais documentos internacionais protetivos aos direitos humanos e propicia significativos avanços nesta matéria no âmbito do continente americano. Neste sentido, houve modificações no campo dos direitos humanos e até mesmo no próprio funcionamento do Estado, por exemplo, os estudos que envolvem a soberania, que passa a ser mitigada na medida em que os Estados se submetem à obrigatoriedade da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os Estados, ao se tornarem signatários da Convenção Americana, geram para si um dever, qual seja, o de adequar sua legislação e jurisdição interna para que estas estejam em consonância com as normas externas e com a jurisprudência da Corte Interamericana, sendo necessária a observância do controle de convencionalidade. A adesão da República Federativa do Brasil ao sistema da Corte Interamericana de Direitos Humanos é vantajosa para o Estado e para a pessoa humana, posto que, a partir do desenvolvimento dos mecanismos coletivos de aferição de eventual violação de direitos humanos, ganha o indivíduo, por ter acesso a mecanismos internacionais de proteção; ganha todo e qualquer Estado, por neutralizar os mecanismos unilaterais; ganha a sociedade internacional como um todo, por ser a proteção dos direitos humanos essencial rumo ao estabelecimento de uma sociedade humana justa, igual e em paz. Por fim, conclui-se que os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro junto ao Sistema Interamericano e, particularmente, ao reconhecer a jurisdição da Corte, alcançou resultados significativos, tendo sido apreciados diversos casos que envolveram a República. Fundamentos O controle de convencionalidade em sede nacional ocorre quando se aplica a Convenção Americana de Direitos Humanos ou as normas de direitos humanos incluídas em tratados internacionais ao bloco de constitucionalidade ao invés de utilizar o direito interno, mediante um exame de confrontação normativo (material) em um caso concreto e a elaboração de uma sentença judicial que proteja os direitos da pessoa humana. Neste caso, corresponde ao controle de caráter difuso, em que cada juiz aplica este controle de acordo com o caso concreto que será analisado. Isso se dá na esfera interna (controle de convencionalidade) por intermédio da atuação dos tribunais e juízes internos que terão a competência de aplicar a Convenção em detrimento da legislação interna, em um caso concreto, a fim de proteger direitos mais benéficos à pessoa humana. Se por um lado os juízes de primeiro grau e os tribunais estão submetidos ao império da lei estatal, por outro também não se pode olvidar que um tratado internacional, quando ratificado pelo Estado, é incorporado à ordem jurídica interna. Ao ratificar um tratado internacional de direitos humanos, o Estado se vincula a ele. Assim, é dever do Estado garantir mecanismos no plano interno que estejam afinados com as normas internacionais, que passam a fazer parte do ordenamento jurídico interno do Estado, impondo desafios para sanar o conflito que uma norma poderá apresentar em relação à outra. Ao se realizar o controle de convencionalidade, é possível inferir que o profissional do direito não é obrigado a indicar apenas um fundamento normativo para tutelar direitos em favor do indivíduo, sendo, portanto, possível utilizar mais de uma norma (interna ou internacional) que possibilite o diálogo entre elas, com o intuito de alcançar o resultado mais adequado em benefício dos interesses da pessoa humana. Sem embargo, ao ocorrer um conflito entre uma norma de direito internacional e uma norma infraconstitucional, os tribunais e os juízes nacionais poderão aplicar dois tipos de controles: o controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade, que poderá ser realizado tanto pela via difusa quanto pela via concentrada. Assim, a norma interna de natureza infraconstitucional terá validade se conseguir passar por estes dois dispositivos de controle: o primeiro tem a finalidade de verificar se a lei infraconstitucional é compatível com a Constituição, e o segundo serve para averiguar se há violação de direitos consagrados em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo país. O controle de convencionalidade deve ser exercido pelos órgãos da justiça nacional relativamente aos tratados de direitos humanos aos quais o país se encontra vinculado. Trata-se de adaptar ou conformar os atos ou as leis internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado, que criam para estes deveres no plano internacional com reflexos práticos no plano do seu direito interno, ou seja, não somente os tribunais internacionais devem realizar este tipo de controle mas também os tribunais internos. Por fim, registra-se que o controle de convencionalidade doméstico consiste numa sindicância de compatibilidadeentre o direito estatal e o internacional dos direitos humanos, que trarão vários desdobramentos para a ordem jurídica interna. Aspectos históricos e conceituais Caro aluno, a presente unidade de revisão se propõe a revisitar os estudos voltados à proteção internacional dos direitos humanos. Para tanto, analisaremos antecedentes importantes voltados às três vertentes de proteção internacional do indivíduo; abordaremos o sistema das Nações Unidas, com a correspondente proteção global de proteção, para, na sequência, identificarmos os sistemas regionais, com maior ênfase no sistema interamericano e no controle de convencionalidade. Assim, como assentado na primeira aula da Unidade 2, apresentamos aspectos históricos sobre a proteção internacional do indivíduo, que corresponde às três vertentes: o Direito Internacional Humanitário, o Direito Internacional dos Refugiados e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Ademais, abordamos o processo de positivação, o processo de generalização, o processo de internacionalização e o processo de especificação. Na segunda aula, contemplamos os pontos relativos à proteção internacional dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, com o consequente reconhecimento da subjetividade internacional do indivíduo. Na aula seguinte, destacamos os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, ocasião em que indicamos pontos importantes dos referidos sistemas, notadamente o europeu, o africano e o americano, que, na aula seguinte, ganhou destaque especial. Por fim, na última aula, estudamos os órgãos de proteção dos direitos humanos do sistema americano, in casu, a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além disso, apresentamos a aplicabilidade do controle de convencionalidade para emprego da norma mais benéfica em favor da pessoa humana. Indubitavelmente, ao compreender as aulas ministradas ao longo da unidade, você será capaz de se debruçar de maneira satisfatória, não apenas no estudo de caso a ser realizado mas também em outros que versem sobre a proteção internacional do indivíduo. Estudo de caso Caro aluno, é hora de colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo dos nossos estudos. Para tanto, foi escolhido o caso paradigmático que envolveu o Estado brasileiro junto ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos (República Federativa do Brasil x Damião Ximenez Lopes). Aqui, é possível identificar a relação estreita do sistema internacional com o interno no que tange à proteção dos direitos humanos. Sobre o caso a seguir, com texto adaptado, analise a situação que envolve o sistema internacional e o interno em relação à proteção dos direitos humanos e explique por que a demanda que envolveu Damião Lopes foi submetida aos órgãos de proteção do sistema interamericano (Comissão e Corte). Damião Lopes, pessoa com deficiência, foi internado em uma casa de repouso do Sistema Único de Saúde, em uma cidade no estado do Ceará, sem quaisquer marcas de agressão física. Alguns dias depois, sua mãe, ao visitá-lo na unidade de saúde, o encontrou agonizando, com diversos hematomas pelo corpo, com as mãos amarradas e sinais de tortura, vindo a falecer nesse mesmo dia sem apoio médico. A justiça brasileira foi acionada nas esferas criminal e civil. Porém, em face da morosidade do Estado brasileiro para verificação da matéria e a consequente não prestação jurisdicional, a matéria foi levada ao sistema interamericano pelos familiares de Damião, para apreciação do caso. A partir do texto, pergunta-se: https://www.corteidh.or.cr/casos_sentencias.cfm?lang=pt Qual é o principal papel da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e quais são os requisitos para que o órgão aprecie a matéria? Sobre a decisão proferida pela Corte Interamericana, quais são os desdobramentos para o Estado brasileiro? Reflita A partir de um caso concreto que envolveu o Estado brasileiro junto ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, que culminou, inclusive, na primeira condenação do Brasil junto à Corte, você terá a oportunidade de verificar a grande interação que envolve o sistema internacional com o interno em face desta matéria. Torna-se evidente que as normas de proteção dos direitos humanos produzidas na arena internacional repercutem diretamente no direito doméstico, sendo possível inferir que se apresentam como instrumentos poderosos para que os direitos inerentes à pessoa humana sejam protegidos e garantidos. A dignidade da pessoa humana se apresenta como fundamento e princípio relevante no direito interno e no direito internacional dos direitos humanos, cabendo ao intérprete e aplicador do direito usar a norma mais benéfica em favor do indivíduo. A compreensão das fases legislativa, de promoção e de proteção dos direitos humanos é relevante e, a partir de um caso concreto, que foi submetido ao crivo do sistema interamericano, torna-se perceptível a concretude da matéria.