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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO CLARA MARIA SANTOS DE LACERDA Espaços verdes em Oslo, Noruega e Rio de Janeiro, Brasil: a relevância socioambiental do Parque Frogner e da Quinta da Boa Vista para a paisagem urbana da cidade contemporânea Niterói 2022 CLARA MARIA SANTOS DE LACERDA ESPAÇOS VERDES EM OSLO, NORUEGA E RIO DE JANEIRO, BRASIL: A RELEVÂNCIA SOCIOAMBIENTAL DO PARQUE FROGNER E DA QUINTA DA BOA VISTA PARA A PAISAGEM URBANA DA CIDADE CONTEMPORÂNEA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Linha de Pesquisa: Espaço construído, sustentabilidade e ambiente. ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª ELOÍSA CARVALHO DE ARAÚJO NITERÓI 2022 CLARA MARIA SANTOS DE LACERDA ESPAÇOS VERDES EM OSLO, NORUEGA E RIO DE JANEIRO, BRASIL: A RELEVÂNCIA SOCIOAMBIENTAL DO PARQUE FROGNER E DA QUINTA DA BOA VISTA PARA A PAISAGEM URBANA DA CIDADE CONTEMPORÂNEA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Linha de Pesquisa: Espaço construído, sustentabilidade e ambiente. Aprovada em 24 de maio de 2022. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao universo, por me oferecer um determinado tempo de vida neste planeta, vivenciando e conhecendo tantas pessoas e lugares significativos. Agradeço a minha mãe, pelo exemplo de ser humano que ela é, pelo suporte, pela relação de amizade e as histórias que a cada dia construímos juntas. Também sou muito grata aos meus amigos que me possibilitam enxergar o mundo por outras perspectivas, dando significado ao incompreensível. Agradeço a minha professora orientadora, por ter topado embarcar nesta pesquisa, por sua experiência e por me auxiliar a traduzir as minhas inquietações sobre a natureza urbana em palavras, conceitos e teorias. Agradeço aos membros da banca, pelo aceite e disponibilidade em participar dessa etapa tão importante no meu percurso do mestrado acadêmico. Minha gratidão a Glaiane Quinteiro Campos, pela revisão criteriosa das normas ABNT desta dissertação. Um muito obrigada também para meu pai e meus demais familiares, pelo apoio desde sempre. Manifesto minha gratidão a todas as instituições de fomento à pesquisa que investiram no meu progresso pessoal e profissional, por meio da concessão de bolsas de estudo, como a International Summer School, Universitetet i Oslo (Noruega) e a CAPES -Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil). Também sou grata a todos os meus professores nas escolas por onde passei, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, na Universidade de Oslo e na Universidade Federal Fluminense, que de alguma forma me ajudaram a chegar até o momento presente. “A vida atravessa tudo, atravessa uma pedra, a camada de ozônio, geleiras. A vida vai dos oceanos para a terra firme, atravessa de norte a sul, como uma brisa, em todas as direções. A vida é esse atravessamento do organismo vivo do planeta numa dimensão imaterial. Vida é transcendência, está para além do dicionário, não tem uma definição”. (Ailton Krenak, 2020, p. 15). RESUMO Natureza é um conceito chave para se pensar nas dinâmicas socioespaciais da contemporaneidade, tendo em vista que tudo o que existe no mundo se constitui como pertencente a ela, inclusive as cidades. As transformações espaciais ocorridas ao longo dos séculos, culminando na expansão da lógica urbana pós Revolução Industrial, trouxe um novo cenário socioambiental, acarretando em desafios no contexto do bem-estar urbano e da resiliência das cidades da atualidade. A partir desse raciocino, a presente pesquisa abordará o panorama dos espaços verdes no contexto de planejamento urbano e ambiental de duas cidades distintas: Oslo, localizada na Noruega e Rio de Janeiro, no Brasil, dentro de um recorte temporal do final do século XIX até o atual século XXI. A questão central diz respeito a investigar como os aspectos socioambientais presentes especificamente no Parque Frogner (OSL) e na Quinta da Boa Vista (RJ) interferem e se inserem no bem-estar urbano das respectivas cidades. Para tanto, o caminho metodológico foi pautado em três categorias analíticas, a fim de proporcionar uma maior imersão investigativa na realidade dos fenômenos estudados: 1- Sociabilidade, 2- Sustentabilidade e 3- Gestão. A análise da temática da natureza urbana se pautou nos campos disciplinares da geografia cultural e arquitetura e urbanismo para investigar os aspectos socioambientais dos parques. A investigação buscou analisar as conexões entre o campo teórico do urbanismo ecológico e das cidades biofílicas e os contextos urbanos de Oslo e do Rio de Janeiro. A partir da análise qualitativa, os dois parques públicos foram considerados por meio da pesquisa bibliográfica acerca dos seus históricos de formação, além de entrevistas e análise de diferentes fontes investigadas em conjunto, visando compreender como as atividades realizadas nos dois contextos empíricos, bem como os conjuntos de ações que os preservam são experiências espaciais permeadas de significados relevantes para a compreensão das dinâmicas socioambientais da cidade contemporânea. Ao final, espera-se contribuir para uma maior conscientização acerca do papel dos parques urbanos e públicos como espaços multifuncionais de sociabilidade e sustentabilidade, além de inspirar outros estudos sobre a natureza urbana nas cidades, bem como trazer novas perspectivas com relação às possibilidades criadas pelos espaços verdes para um planejamento urbano e ambiental mais holístico neste século XXI. Palavras-chave: Parques públicos; natureza urbana; espaços verdes; paisagem urbana ABSTRACT Nature is a key concept to think about the socio-spatial dynamics of contemporaneity, considering that everything that exists in the world belongs to it, including cities. The spatial transformations that have taken place over the centuries, culminating in the expansion of the post-Industrial Revolution urban logic, brought a new socio-environmental scenario, resulting in challenges in the context of urban well-being and the resilience of today's cities. Therefore, the present research will approach the panorama of green spaces in the context of urban and environmental planning of two different cities: Oslo, located in Norway and Rio de Janeiro, in Brazil, within a time frame from the end of the 19th century until the current 21st century. The central question concerns the investigation of how the socio-environmental aspects located specifically in Parque Frogner (OSL) and Quinta da Boa Vista (RJ) interfere in the urban well-being of these respective cities. Hence, the methodological pathway of this research was based on three analytical categories, in order to provide a greater investigative immersion in the reality of the phenomena studied: 1) Sociability, aiming to understand how the activities carried out in the two empirical contexts are spatial experiences permeated with relevant meanings for the understanding of the socioenvironmental dynamics of the contemporary city; 2) Sustainability, seeking to analyse the potential for connectivity between these parks and other green spaces in their cities, in addition to understanding the sets of actions that preserve them; 3) Management, with the objective of identifyinghow these parks are managed by their municipalities and how the image of urban nature is conveyed in official media discourses. The analysis was based on the study area of cultural geography and urbanism on the theme of urban nature, to investigate the socio-environmental aspects of the parks. The investigation sought to analyse the connections between the theoretical field of ecological urbanism and biophilic cities and the urban contexts of Oslo and Rio de Janeiro. From the qualitative analysis, the two public parks were considered through bibliographic research about their histories, in addition to interviews and analysis of different sources investigated together. In the end, it is expected to contribute to a greater awareness of the role of urban and public parks as multifunctional spaces of sociability and sustainability, in addition to inspiring other studies on urban nature in cities, as well as bringing new perspectives regarding the possibilities created by green spaces for more holistic urban and environmental planning in this 21st century. Keywords: Public parks; urban nature; sociability; green spaces, urban landscape Sumário INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 16 OBJETIVOS DA PESQUISA ........................................................................................................... 21 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS ................................................................................................... 22 CAPÍTULO 1: CAMINHO METODOLÓGICO .................................................................................. 23 ETAPAS DA PESQUISA ................................................................................................................. 27 ENTREVISTAS ................................................................................................................................ 29 CAPÍTULO 2- A INTERDISCIPLINARIDADE DAS RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS ............. 31 2.1 ARQUITETURA DA PAISAGEM E ESPAÇO URBANO: ALGUMAS DINÂMICAS E ATORES ........................................................................................................................................... 33 2.2 UMA COMPREENSÃO GEOGRÁFICA DA ECOLOGIA NO SÉCULO XX ........................ 42 2.3 ABRINDO ESPAÇO PARA A NATUREZA NA CIDADE CONTEMPORÂNEA ................. 48 2.3.1 Natureza urbana .................................................................................................................... 54 2.3.2 Cidades biofílicas: o lugar da natureza urbana no imaginário urbano emergente ................ 62 CAPÍTULO 3: UMA VISÃO SOCIOCULTURAL DA NATUREZA URBANA EM OSLO, NORUEGA E RIO DE JANEIRO, BRASIL ........................................................................................ 68 3.1 OS ESPAÇOS VERDES NA PAISAGEM URBANA DE OSLO ............................................. 69 3.2 OS ESPAÇOS VERDES NA PAISAGEM URBANA DO RIO DE JANEIRO, BRASIL ....... 82 3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO E A IMAGEM DA NATUREZA URBANA EM OSLO E NO RIO DE JANEIRO ...................................................................................................... 94 CAPÍTULO 4: CONTEXTOS EMPÍRICOS – A CONTEMPORANEIDADE DO PARQUE PÚBLICO ............................................................................................................................................ 107 4.1 PARQUE FROGNER ................................................................................................................ 107 4.1.1 A paisagem e as vivências .................................................................................................. 116 4.1.2 Aspectos da gestão ............................................................................................................. 122 4.2 QUINTA DA BOA VISTA ....................................................................................................... 126 4.2.1 Um jardim e muitas histórias ............................................................................................. 137 4.2.2 Aspectos da gestão ............................................................................................................. 148 4.3 A RELEVÂNCIA DOS DOIS PARQUES NO AMBIENTE URBANO CONTEMPORÂNEO ......................................................................................................................................................... 152 4.3.1 Abordagens da sustentabilidade e gerenciamento dos parques .......................................... 159 4.3.2 Natureza urbana e bem-estar .............................................................................................. 169 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 174 OBRAS CITADAS ............................................................................................................................. 180 OBRAS CONSULTADAS ................................................................................................................. 187 ANEXOS............................................................................................................................................. 190 ANEXO 1: MODELO DOS EIXOS TEMÁTICOS UTILIZADOS NAS ENTREVISTAS COM FREQUENTADORES DOS PARQUES ........................................................................................ 190 ANEXO 2: SÍNTESE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS COM 8 FREQUENTADORES DO PARQUE FROGNER .............................................................................................................. 191 ANEXO 3: TRANSCRIÇÃO, COM TRADUÇÃO LIVRE EM PORTUGUÊS, DA ENTREVISTA REALIZADA COM A URBANISTA NORUEGUESA ELLEN DE VIBE, EM 2020 ................. 195 ANEXO 4: SÍNTESE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS COM 8 FREQUENTADORES DA QUINTA DA BOA VISTA ...................................................................................................... 197 ANEXO 5: TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA REALIZADA EM 2022, COM A EX FUNCIONÁRIA DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, JEANNE ALMEIDA DA TRINDADE .................................................................................................................................... 201 ANEXO 6: NOTA DA FUNDAÇÃO PARQUES E JARDINS NA ÍNTEGRA, SOBRE O VAZAMENTO DE ÓLEO NOS LAGOS EM 2020 ...................................................................... 204 Lista de figuras Figura 1: Desdobramento dos componentes de análise e das categorias utilizadas..................24 Figura 2: Extensão do alcance da pesquisa. .............................................................................25 Figura 3: Vista aérea do Central Park atual, Civitatis- Nova Iorque........................................35 Figura 4: Mapa atual do Emerald Necklace- Boston EUA......................................................36 Figura 5: Esquema das cidades-jardins desenhado por Ebenezer Howard em 1902................38 Figura6:RamsayGarden............................................................................................................40 Figura 7: Práticas urbanas aliadas a ecologia urbana e ao pensamento sistêmico....................54 Figura 8: Red Ribbon Park, Qinhuangdao , China. .................................................................58 Figura 9: Mulher admirando as flores no Red Ribbon Park, Qinhuangdao -China..................58 Figura 10: Drenagem urbana sustentável e cobertura vegetal no Cheonggyecheon, Seul.......60 Figura 11: Festival das lanternas no Cheonggyecheon, Seul. .................................................60 Figura 12: Parque ambiental Professor Mello Barreto, Barra da Tijuca-RJ ............................61 Figura 13: Vegetação no Parque ambiental Professor Mello Barreto- Barra daTijuca-RJ. ....61 Figura 14: Exemplos de biofilia na cidade do Rio de Janeiro e Niterói- Brasil. .....................66 Figura 15: Exemplos de biofilia (verão-2019) em Oslo, na Noruega.......................................67 Figura16:Slottsparken ..............................................................................................................73 Figura 17: Mapeamento da Oslomarka realizado pela Associação Norueguesa de Turismo (Den Norske Turistforening- DNT)..........................................................................................80 Figura 18: Nordmarka e lago Sognsvann................................................................................. 80 Figura 19: Jardim botânico do Rio de Janeiro. ........................................................................84 Figura 20: Mapa Turístico da Floresta da Tijuca, distribuído no Centro de Visitantes do Parque........................................................................................................................................89 Figura 21: Floresta da Tijuca....................................................................................................89 Figura 22: Divulgação do programa Adote.Rio....................................................................... 92 Figura 23: O azul, o verde e a cidade no meio- mapa da cidade de Oslo, produzido pela USE- IT Oslo......................................................................................................................................98 Figura 24: Park life- mapa da cidade de Oslo, produzido pela USE-IT Oslo. .........................99 Figura 25: Revistinha do Zé Carioca e Cartaz do filme Rio (2011).......................................101 Figura 26: Grafite sobre a Floresta da Tijuca- Gloye............................................................ 104 Figura 27: Parque Vigeland....................................................................................................108 Figura 28: Mapeamento da área de cobertura vegetal em Oslo com destaque em vermelho para os bairros de Frogner e Sentrum.................................................................................... 109 Figura 29: Localização do Parque Frogner no contexto do bairro e áreas vizinhas. .............110 Figura 30: Identificação dos mosaicos internos do Parque Frogner, destacado em laranja...110 Figura 31: O Parque Frogner no inverno. ..............................................................................111 Figura 32: O parque Frogner no verão. ..................................................................................112 Figura 33: Mapa de localização e Entrada lateral do Parque. ................................................112 Figura 34: Entrada da piscina pública Frognerbadet. ………................................................113 Figura 35: Norwegian Wood Festival. ..................................................................................113 Figura 36: Gramado e o Museu da cidade (Bymuseet) ao fundo...........................................114 Figura 37: Cafeteria. ..............................................................................................................115 Figura 38: Texto aos fundos da cafeteria do Parque, sobre os grupos étnicos presentes em Oslo. ......................................................................................................................................115 Figura 39: Aspectos da vegetação do Parque Frogner. ..........................................................117 Figura 40: O parque durante o outono....................................................................................120 Figura 41: Família realizando um piquenique no gramado e homem passeando com cachorro - Parque Frogner. ......................................................................................................................121 Figura 42: Imagem do Instagram sobre o Parque Frogner 1,. ...............................................124 Figura 43: Imagem do Instagram sobre o Parque Frogner 2. ................................................125 Figura 44: A transição para do outono no Frognerparken. ....................................................125 Figura 45 : Passeios na Quinta da Boa Vista (1911).. ...........................................................127 Figura 46: Lago da Quinta da Boa Vista e rochas construídas utilizando a técnica do roccaille...................................................................................................................................128 Figura 47: Projeto para os jardins da Quinta da Boa Vista atribuído à Glaziou. ...................128 Figura 48: Vista aérea da Quinta da Boa Vista-......................................................................129 Figura 49: Piquenique na Quinta da Boa Vista...................................................................... 133 Figura 50: Museu Nacional antes do incêndio........................................................................133 Figura 51: Jardim Burle Marx. ...............................................................................................135 Figura 52: Entrada do Bio Parque do Rio. .............................................................................135 Figura 53: Visitação escolar ao Bio Parque................................ ...........................................135 Figura 54: Mosaicos espaciais da Quinta da Boa Vista. ........................................................136 Figura 55: Quinta da Boa Vista. .............................................................................................137 Figura 56: Lago da Quinta da Boa Vista. ...............................................................................139 Figura 57: Entrada principal da Quinta da Boa Vista............................................................ 139 Figura 58: Caminhos da Quinta da Boa Vista. ......................................................................142 Figura 59: Lago- Quinta da Boa Vista. .................................................................................143 Figura 60: Bioparque na Quinta da Boa Vista. ......................................................................144 Figura 61: Bioparque do Rio sobre o Rolé carioca na Quinta da Boa Vista. ........................145 Figura 62: Propaganda da visitação a Quinta da Boa Vista. ..................................................146 Figura 63: Postagem após o encontro presencial na Quinta Da Boa Vista-...........................147 Figura 64: Feira vegana Veg Borá, realizada na Quinta da Boa Vista. .................................147 Figura 65: A gestão da imagem da Quinta da Boa Vista no perfil turístico da cidade...........150 Figura 66: Apartheid verde.....................................................................................................154 Figura 67: Esquema sobre a relação entre os objetivos específicos e os questionamentos da pesquisa...................................................................................................................................156 Figura 68: Foto dos Desgastes no gramado da Quinta da Boa Vista......................................164 Figura 69: Evelangs Frognerelven, evento cultural de música e dança ao longo rio, com alunos das escolas Majorstuen, Skøyen e Uranienborg..........................................................167 Figura 70: Castor nadando no seu novo habitat, o Rio Frogner.............................................167 Figura 71: Nuvem de palavras sobre o Parque Frogner..........................................................170 Figura 72: Nuvem de palavras sobre a Quinta da Boa Vista..................................................171 Tabelas e Quadros Tabela 1: Autores clássicos considerados no referencial teórico da pesquisa.........................28 Tabela 2: Bases de dados e informações obtidas. ....................................................................29 Tabela 3: Situações/políticas que influenciaram a gestão e o planejamento da natureza urbana emOslo......................................................................................................................................79 Tabela 4: Situações/políticas que influenciaram a gestão e o planejamento da natureza urbana noRiodeJaneiro......................................................................................................................... 94 Tabela 5: Panorama das respostas obtidas por diferentes fontes de pesquisa sobre a sociabilidade, sustentabilidade e gestão do Parque Frogner (OSL) e da Quinta da Boa Vista .................................................................................................................................................157 Tabela 6: Aspectos da sustentabilidade nos contextos empíricos da pesquisa. .................................................................................................................................................161 Lista de Siglas AMASC- Associação de Moradores e Amigos de São Cristóvão C.E- Comissão Europeia CONLURB- Companhia Municipal de Limpeza Urbana DNT- Den Norske Turistforening- Associação Norueguesa de Turismo FPJ- Fundação Parques e Jardins IBEU- Índice de Bem-Estar Urbano IBGE -Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ISS- International Summer School JBRJ- Jardim Botânico do Rio de Janeiro MAM- Museu de Arte Moderna MMA Ministério do Meio Ambiente MMA-Ministério do Meio Ambiente NIMA-Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente OMS- Organização Mundial da Saúde ONU - Organização das Nações Unidas (UN - United Nations) OSL- Oslo PDA- Plano diretor de arborização PDDU- Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano PDM- Plano diretor municipal PUC-Rio- Pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro RJ - Rio de Janeiro SBN- Soluções baseadas na natureza SMAC- Secretária de Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro SNL- Store norske leksikon- Grande Enciclopédia Norueguesa UFF- Universidade Federal Fluninense UFRJ- Universidade Federal Do Rio de Janeiro UiO- Universitetet i Oslo UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) WHO- World Health Organization ZEE- Zoneamento ecológico econômico 16 INTRODUÇÃO “O conhecimento é o que nos liberta: o conhecimento é o que nos permite sair mesmo nas situações mais desafiadoras” (BÍSSO, 2021, informação verbal)1. Esta afirmação, em palestra pública e online, proferida pela pesquisadora Beatriz Bísso, nos faz refletir acerca do lugar do conhecimento na nossa sociedade e sobre o quão importante é aprender e dialogar com indivíduos tanto de diferentes campos do saber, quanto de culturas distintas. O ato de conhecer e refletir criticamente através do recurso da razão, é o que nos faz humanos e usar esse conhecimento para a promoção de uma vida mais plena e próspera é uma questão ética. De acordo com Paulo Freire (1996, p. 18), a criatividade existe em conjunto com a curiosidade, e é ela que nos “põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos”. Por isso, a curiosidade que impulsiona o conhecimento é capaz de nos fazer enxergar a nossa realidade, tendo a potencialidade de trazer soluções e novos desafios para questões inerentes ao período histórico no qual estamos inseridos. Neste contexto, no ano de 2016, ingressei no estágio voluntário no NIMA (Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio), no qual pude trabalhar em conjunto com alunos e professores para reformular a Agenda Ambiental da universidade, no quesito de espaços de convivência e mobilidade dentro do campus2. No ano de 2018, obtive o grau de bacharelado em Geografia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde defendi a pesquisa sobre a morfologia e a simbologia do Campo de São Bento, um parque urbano localizado em Niterói-RJ. A pesquisa versou sobre a identidade deste parque como um lugar significativo da cidade, levando em consideração conceitos como lugar e espaço público, bem como sua importância histórica para o bairro de Icaraí. Além disso, por meio de entrevistas e trabalhos de campo, foi possível desenhar três croquis simbólicos com informações sobre o Campo de São Bento, com o intuito de divulgação do conhecimento acadêmico para a sociedade3. Neste sentido, conhecer e aprender mais sobre esse espaço verde me fez perceber ainda mais a relevância da natureza urbana para as cidades, num momento no qual a expansão urbana, por vezes, tende a substituir esses locais por construções padronizadas no concreto. 1 Bandung e os não alinhados: Palestra proferida pela professora Beatriz Bíssio (UFRJ) no curso de Atualização em estudos asiáticos da coordenadoria de Estudos da Ásia da UFF/UFPE. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mjtJYbUFVeg>. Acesso em: 13 maio 2021. 2 O campus da PUC-Rio, na Gávea, é reconhecido por sua intensa cobertura vegetal da Mata Atlântica, oferecendo espaços verdes, como o bosque, à comunidade acadêmica, que usufrui para relaxar, estudar e conversar com colegas, sendo um importante espaço social na rotina acadêmica. 3 Para mais informações consulte: https://clarathegeographer28.wordpress.com/campo-de-sao-bento-croquis/. 17 Logo um ano depois, eu tive a oportunidade de participar do curso de verão sobre Energia, Meio Ambiente e Mudança Social, oferecido pela International Summer School da Universidade de Oslo, na Noruega. Em conjunto com outros estudantes de países e campos de estudo distintos, dialogamos sobre as relações entre o ser humano e a natureza, sobre técnicas para um consumo energético mais eficiente e sobre infraestrutura verde e azul nas cidades pelo mundo. No contexto específico norueguês, viajamos em trabalho de campo por diversas regiões do país (cidades e vilarejos nas duas grandes áreas geográficas: Vestlandet e Østlandet), para conhecer um pouco mais sobre o passado e a contemporaneidade das políticas públicas e do desenvolvimento da Noruega. Porém, o principal questionamento que baseava os nossos debates, era justamente o desenvolvimento, sendo algo visto de maneiras diferentes de acordo com cada país ali representado. Apesar de estarmos em um curso em conjunto, numa realidade global que se pressupunha cada vez mais padronizada por relações capitalistas e rígidas, as especificidades sociais, culturais, econômicas e ambientais se sobrepunham, mostrando suas influências nas práticas urbanas. Tendo esses debates como base, ao retornar ao Brasil, me interessei por conhecer as dinâmicas socioespaciais na cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente no que tange aos espaços verdes urbanos. Dessa forma, fiz minha inscrição no mestrado da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, pois pensei que o diálogo com professores e demais colegas seria de grande relevância para a minha reflexão sobre as questões socioambientais pelo víeis da prática urbana (tendo em vista que Arquitetura e Urbanismo está no campo das Ciências Sociais Aplicadas). Eu penso que o mestrado me possibilitou enxergar o espaço urbano por uma outra perspectiva, com relação a práxis das dinâmicas de planejamento urbano e ambiental, o que complementa a ótica geográfica mais teórica (minha formação original). Neste sentido, o caso particular da Quinta da Boa Vista, me chamou a atenção, devido a sua mudança estrutural e social nobairro de São Cristóvão, ao longo dos séculos XIX-XX. Por exemplo, o século XIX foi o momento da estruturação do Brasil como nação, no qual ocorreram profundas transformações para atender à família real e as novas demandas sociais. No período, o Rio de Janeiro passou por uma reestruturação para desempenhar suas novas funções simbólicas e administrativas e a área onde se localiza a Quinta era essencialmente relacionada à aristocracia (MACEDO; SAKATA, 2002). Já no século XX, o espaço do bairro de São Cristóvão se tornou o local da classe operária e os jardins da Quinta da Boa Vista se adequaram à função de parque público, sendo um importante espaço verde no meio urbano. 18 Em paralelo, inspirada pelas experiências na Noruega, acredito que investigar sobre o processo de urbanização da cidade de Oslo, nos séculos XIX- XX, em especial sobre o bairro Frogner, onde se situa o Parque Frogner, como parte de um histórico de políticas públicas que se propunham a integrar os espaços verdes à paisagem urbana no século XX, seja relevante para uma análise paralela à realidade socioespacial do contexto carioca. Na Noruega, esse recorte temporal também é importante por causa do advento do romantismo e dos movimentos nacionalistas. Foi um período no qual o país estava em processo de libertação da união com a Dinamarca (1814) e, posteriormente, a Suécia (1905). Neste sentido, as florestas e os parques urbanos passaram a simbolizar o pertencimento social da nação que se formava. Tanto os intelectuais, quanto a classe operária enxergavam os espaços verdes como parte da identidade nacional norueguesa (SYSE, 2016, p. 47). De acordo com Brøgger (2016), o Frogner é um parque único na Noruega. Ele não somente está conectado à história do bairro de mesmo nome, remontando às origens agrárias medievais até o seu posterior desenvolvimento como propriedade burguesa, mas também está intimamente ligado à história social de Oslo e às ideias do século XX de planejamento urbano, paisagismo, sociabilidade e cultura popular (BRØGGER, 2016, p. 71). Ainda de acordo com este autor, o parque possui bastante biodiversidade e este é o principal fator pelo qual esse espaço verde é relevante, particularmente, para ele (BRØGGER, 2016, p. 71). As origens do parque Frogner e da Quinta da Boa Vista são distintas; na qual o primeiro foi projetado nos anos de 1920, e não exerceu a função de residência da realeza, e o segundo teve suas áreas ajardinadas em 1869 e era a residência da família imperial. Porém, ambos possuem um valor paisagístico relacionado ao processo de formação da identidade nacional. Além disso, tanto a Quinta da Boa Vista, quanto o parque Frogner passaram por mudanças funcionais e organizacionais, dentro de uma perspectiva do sistema urbano, que permitiram a um maior acesso da população aos espaços verdes no século XX. Os dois parques se localizam em bairros com diferentes tipos de integração via transporte público, e oferecem um lugar de sociabilidade em suas respectivas cidades. Os dois parques possuem uma forma artística distinta, pois foram pensados sob contextos diferentes. A área onde se ocupa a Quinta da Boa Vista era parte de uma fazenda dos jesuítas, sendo posteriormente passada para proprietários privados. Antes da família real chegar ao Brasil, havia no local apenas um casarão do qual se tinha uma vista para a Baía de Guanabara. Apenas em 1868, já como posse da família imperial, os jardins da Quinta da Boa Vista, foram projetados à mando de D. Pedro II por Auguste François-Marie Glaziou, feitos 19 com a técnica dos rocailles, vinda da França e típica dos jardins paisagísticos do século XVIII ao XIX. Nela, eram usados materiais de construção que pretendiam imitar os elementos da natureza, como as rochas (TRINDADE, 2014, p. 63). É interessante observar que Glaziou realizou uma intensa pesquisa botânica sobre as espécies nativas brasileiras, a fim de utilizá-las nos jardins que estava em processo de construir. Esse fato tem a potencialidade de exercer influência para a área da Quinta da Boa Vista até a contemporaneidade, no que diz respeito à biodiversidade presente no parque. Além disso, Glaziou tinha a intenção de projetar uma outra natureza4 no espaço dos jardins, de modo a promover o deleite da família imperial. No romantismo brasileiro, essa natureza tropical recriada e idealizada, significava os ideais nacionais, onde a força motriz da nação em processo de libertação eram as suas riquezas naturais. Durante o reinado de D. Pedro II, a área total do parque manteve-se praticamente inalterada. Entretanto, com a chegada do século XX, o perímetro de extensão foi-se reduzindo, pois partes do terreno foram sendo cedidas ao governo republicano para outros fins (FERREIRA; MARTINS, 2000). O alargamento da via férrea e a abertura de rodovias fazem parte dessas modificações, o que foi progressivamente descaracterizando a morfologia que o parque possuía durante o império de D. Pedro II, principalmente na parte sul do parque, no qual foi aberta a via férrea, e na parte norte, desde o portão monumental da alameda até o portão que dá para o largo da Cancela. Estas intervenções deixaram uma boa parte da área original de fora dos limites morfológicos atuais (FERREIRA; MARTINS, 2000). De outro ponto, o Parque Frogner era uma área agricultável durante a Idade Média, na qual o nome Frogner, significava fértil, se referindo a fertilidade da terra para as plantações. Com o advento da burguesia nos séculos XVIII-XIX, o local onde hoje se situa o parque também foi uma mansão agrícola, que pertencia a um proprietário particular. Em 1896, a prefeitura comprou a propriedade no contexto de expansão urbana da cidade, e em 1900 foi implementado um parque público para as pessoas. Em 1924, o escultor norueguês Gustav Vigeland projetou o seu próprio espaço em formato neoclássico dentro do parque, e em 1930 o local ficou conhecido como “parque Vigeland”, composto por suas esculturas com figuras humanas expressando diversos sentimentos e que se conectam aos movimentos nacionalistas da Noruega5. As ideias de Vigeland foram intensamente criticadas por intelectuais e 4 Simbólica. 5 A escultura era uma forma artística valorizada para constituir as bases culturais da nação norueguesa em formação. 20 planejadores urbanos da época, como Marius Røhne, chefe encarregado de planejar as áreas verdes da cidade de 1916 até 1948 (JØRGENSEN, 2018). Cabe observar que para Røhne, o parque Frogner não deveria ser gerenciado sob uma perspectiva individualista e fragmentada, como previa Gustav Vigeland. Marius Røhne acreditava que aquele era um lugar na cidade para a garantia da conexão entre a área das florestas e dos parques urbanos a partir de um sistema de corredores verdes integrados. Sob sua liderança, o planejamento urbano e ambiental da cidade gradualmente assumiu uma abordagem mais sistemática, no qual ele se preocupou com Oslo como um todo: desenvolveu áreas de parque nas partes leste e mais pobres, ao longo do rio Akerselva, transformando a cidade em um lugar onde o planejamento possibilitava os espaços verdes para o público dentro e ao redor das áreas residenciais, sem distinção de classes sociais. Essa ‘cultura de parques’, pretendia nutrir o sentimento de que as pessoas eram pertencentes à paisagem urbana e dessa forma também cuidassem da natureza local (JØRGENSEN, 1997). Sendo assim, foram retiradas todas as cercas ao redor das áreas verdes, mantendo um alto padrão de manutenção (JØRGENSEN, 1997). Atualmente, o parque Frogner é o maior espaço verde nas partes centrais de Oslo e possui uma popular área de lazer para a população, contando com inúmeros locais para a caminhada e práticas esportivas, além de um museu. Além disso, o parque, assim como a Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro, se localiza próximo a um importante estádio de Futebole a vias de transporte público integradas como metrôs e pontos de ônibus. Outra característica em comum entre os dois parques diz respeito a proximidade com as florestas urbanas presentes nas duas cidades: enquanto o parque Frogner está geograficamente em conexão com a Oslomarka, a Quinta da Boa Vista também se encontra em proximidade com a Floresta da Tijuca. Esse fator é potencialmente benéfico para possíveis integrações futuras no planejamento urbano dos espaços verdes nas duas cidades. 21 OBJETIVOS DA PESQUISA Diante do exposto acima, durante as etapas de pesquisa, investiguei como a natureza urbana, em especial os dois contextos empíricos aqui abordados, são áreas relevantes para a rede urbana, possibilitando novas interpretações para o cotidiano de ambas as realidades urbanas estudadas. O objetivo geral da pesquisa diz respeito a investigar como os aspectos socioambientais presentes no Parque Frogner e na Quinta da Boa Vista interferem no bem-estar de suas respectivas cidades. A pesquisa engloba cinco objetivos específicos, que pretendem promover uma imersão profunda, através da pesquisa bibliográfica acerca dos contextos empíricos, entrevistas e análise de diferentes fontes que possam ser interpoladas: 1. Realizar um levantamento bibliográfico sobre a temática socioambiental e as políticas dos espaços verdes nas cidades estudadas (recorte temporal séculos XIX- XXI); 2. Analisar como os dois parques se integram à paisagem urbana na concepção da sustentabilidade; 3. Investigar o papel dos dois parques como espaços de sociabilidade, promovendo o acesso à natureza urbana; 4. Verificar como a atual gestão administra esses espaços e contribui (ou não) para seu aprimoramento; 5. Avaliar a potencialidade dos parques na promoção do bem-estar na cidade de Oslo e no Rio de Janeiro. Nesta pesquisa, a abordagem do bem-estar urbano considera: • Os aspectos multifuncionais dos parques; • Atividades sociais realizadas dentro dos parques; • Acesso à natureza urbana. • Biodiversidade da fauna e flora; • Conectividade a outros espaços verdes na rede urbana. 22 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS Dentro deste quadro reflexivo, o capítulo 1 pretende demonstrar a metodologia utilizada durante as etapas investigativas, trazendo informações sobre a extensão do alcance da pesquisa, os esquemas argumentativos, as relações de semelhança e dissemelhança entre os casos, bem como os instrumentos utilizados para a análise dos dois contextos empíricos. Neste capítulo também serão apresentadas as bases de dados (abordagem perceptiva, reflexiva, acadêmica e institucional) acessadas para coleta bibliográfica e imagética. Além disso, serão apresentados os eixos temáticos utilizados com os entrevistados com relação ao contexto norueguês e brasileiro, bem como o perfil dos relatos obtidos. Para explicar e delimitar a visão de mundo à qual dá suporte à investigação aqui realizada, no capítulo 2, foram discutidos os questionamentos mais gerais, relacionados a natureza e a cidade, abordando as concepções dos jardins e parques públicos dentro da perspectiva dos debates ecológicos, num recorte histórico que pretende situar o leitor com relação ao desenvolvimento de uma natureza urbana, influenciando o planejamento urbano e ambiental contemporâneo. O capítulo 3 aborda o espaço urbano de Oslo e do Rio de Janeiro, apresentando o cenário socioespacial dessas duas cidades e os principais processos de planejamento de espaços verdes que impactaram os dois parques urbanos aqui analisados, dos séculos XIX ao XXI. Além disso, foi considerada também a forma pela qual a natureza se insere na paisagem urbana. Neste capítulo, foram investigados os aspectos socioculturais relacionados à morfologia e ao histórico de formação dos parques e florestas no imaginário coletivo, bem como a atual imagem da natureza urbana propagada pela mídia e pelos órgãos de gestão dessas duas realidades urbanas. Outro ponto destacado nesse capítulo, diz respeito às justificativas dessa pesquisa acadêmica, identificando os fatores que me fizeram iniciar no mestrado e as minhas inquietações sobre Oslo e o Rio de Janeiro. O capítulo 4 corresponde a análise dos contextos empíricos do Parque Frogner e da Quinta da Boa Vista. Neste capítulo as entrevistas, no formato de relatos, foram apresentadas e examinadas, bem como as demais fontes de pesquisa que contribuem para revelar a importância dos parques públicos como ambientes relevantes de natureza urbana para as cidades contemporâneas. A partir das três categorias de análise 1) sustentabilidade, 2) sociabilidade e 3) gestão, se buscou contemplar os vários aspectos que tornam os contextos empíricos espaços socioambientais essenciais sob a perspectiva do bem-estar e da biofilia. 23 CAPÍTULO 1: CAMINHO METODOLÓGICO Segundo Cardano (2017), a pergunta a partir da qual se move o estudo sugere o contexto empírico no qual se admite poder obter uma resposta pertinente. Ele diz que o contexto empírico é o lugar no qual o observador (pesquisador) pode fazer a experiência mais coerente com os objetivos da pesquisa (CARDANO, 2017, p. 65-66). Esse lugar não é o objeto da pesquisa, mas sim toda a comunidade interpretativa da qual o pesquisador faz parte, somado ao objeto de pesquisa que trará novas perspectivas ao questionamento da investigação, a partir de um referencial teórico. Dentro da temática cidade e natureza urbana, o objeto de estudo parque urbano possibilita uma análise em profundidade por meio dos contextos empíricos: Parque Frogner e Quinta da Boa Vista. A pesquisa aqui realizada é qualitativa e explicativa, pretendendo descrever a complexidade dos casos concretos e explicar o porquê dos fenômenos e dos processos, sugerindo algum tipo de ação propositiva, onde pode-se adquirir conhecimento a partir da exploração intensa de um único ou mais casos (contextos). De acordo com Mason (2002), nesse tipo de exploração científica a análise holística também se faz necessária, pois ela considera a unidade social estudada como um todo, com o objetivo de compreende-los em seus próprios termos. Além disso, a autora enfatiza que a pesquisa qualitativa deve produzir explicações ou argumentos indo além da mera descrição dos fatos estudados (MASON, 2002, p. 7). Para tanto, como pressuposto teórico metodológico, os dois parques urbanos aqui estudados, ilustram formas de experiência com a natureza urbana dentro de duas cidades distintas. Nesta pesquisa, ambos os termos natureza urbana e espaços verdes são usados para designar as áreas com presença de espécies vegetais num contexto urbano. Ao longo dos procedimentos investigativos, pretende-se destacar como justamente esses locais são multifuncionais, representando espaços que participam das dinâmicas socioambientais na paisagem urbana. A seleção dos recortes geográficos, Oslo e Rio de Janeiro, seguiu quatro critérios de seleção: densidade populacional, histórico sociocultural, elementos climáticos e geográficos; e políticas de planejamento urbano e ambiental. Esses critérios correspondem justamente às principais diferenças entre os dois contextos escolhidos. Optou-se por trabalhar com o que Cardano (2017) chama de comparação dos casos mais distantes. A hipótese da pesquisa é a de que os dois parques são unidos por uma sólida imagem na narrativa urbana, mas são separados por profundas diferenças relativas aos contextos 24 socioculturais, econômicos e ambientais onde estão inseridos. A passagem da pergunta de partida a partir da qual se move a pesquisa em direção ao contexto empírico é mediada por uma escolha estratégica, que se refere aos estudos de caso escolhidos para a pesquisa. Tanto o Parque Frogner, em Oslo, quanto a Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, tem a potencialidade de fornecer respostaseloquentes à questão principal, procurando chegar ao alcance da pesquisa: de que forma os parques são relevantes em diferentes contextos urbanos? O embasamento teórico da pesquisa e a sustentação empírica utilizada foi o que Cardano chamou a Teoria da Argumentação, com a qual é possível construir uma moldura teórica, sustentando a legitimidade dos resultados de pesquisa. Analisar os dois parques a partir de componentes de análise verificativa como a sociabilidade, a sustentabilidade e a gestão, conectam a extensão da pesquisa aos objetivos geral e específicos estipulados, averiguando suas conexões às temáticas das cidades biofílicas e do urbanismo ecológico. Dessa maneira, a investigação demostra seu desdobramento, seguindo uma dupla trajetória dedutiva e indutiva, na qual a representatividade dos estudos de caso é dada pela possibilidade de explorar um problema de pesquisa em aprofundamento pelo objeto em questão (GOLDENBERG, 2004). Figura 1: Desdobramento dos componentes de análise e das categorias utilizadas. Fonte: Elaborado pela autora. 25 Estes aspectos foram trabalhados no capítulo 4, onde o parque é visto como uma unidade de síntese. Através da pesquisa teórica e conceitual, os dois parques foram abordados, sendo analisados de forma crítica, buscando refletir e dialogar com os demais objetivos específicos da pesquisa. A análise das entrevistas também entrou nesta seção. Nestes capítulos, o caminho metodológico utilizado até então, fornece uma ampla base teórica- conceitual, fomentando dados para o universo compreendido pela investigação. Os instrumentos de análise foram adaptados, também em função do atual contexto de pandemia global (no qual as entrevistas e demais pesquisas foram realizadas de maneira virtual, por recursos de comunicação via internet). Neste contexto, o parque atua como meio e como fim, onde foram apresentadas as características dos contextos empíricos, que foram determinantes para sua escolha, além de deixar claro os limites e dificuldades da pesquisa. O caminho metodológico aqui proposto não intenta generalizar dados que se baseiem em análises de determinados casos particulares, mas sim entender qual é a extensão do alcance da pesquisa, num movimento do geral para o particular e do particular para o geral. Figura 2: Extensão do alcance da pesquisa. Fonte: Elaborado pela autora. 26 Dessa maneira, os dois contextos empíricos aqui analisados são casos exemplares para revelar a cultura e os aspectos socioambientais dos locais onde eles se situam. O potencial comparativo desses casos mais distantes, perpassa a hipótese que guia o trabalho: apesar de estarem em realidades urbanas distintas, existe uma certa semelhança na importância socioambiental deles para os seus contextos urbanos. Eles possuem uma sólida imagem na narrativa urbana. Dessa forma, a hipótese depende da relação que ocorre entre o perfil dos parques (suas características) e o problema de pesquisa a partir do qual a pesquisa se movimenta (isto é, de que maneira os parques são relevantes nas cidades atuais). A aproximação desses dois casos o máximo possível diferentes, confere particular solidez aos traços que os unem (CARDANO, 2017, p. 85). Portanto, com as distinções entre o Parque Frogner e a Quinta da Boa Vista, também é possível encontrar semelhanças e possíveis ressonâncias que os unam, para promover o avanço do conhecimento acerca da temática cidade e natureza urbana, inspirando novas ideias tanto para a gestão, quanto para o planejamento urbano e ambiental contemporâneo. Isso se coloca em lado oposto ao que uma análise comparativa de casos semelhantes se proporia a desvendar. Numa comparação entre casos semelhantes, se esperaria encontrar uma certa diferença comparativa entre os casos. A pesquisa seguiu um caminho metodológico no qual o objeto de estudo mostrou o funcionamento das teorias em contextos empíricos distintos, pretendendo fornecer uma análise sobre o papel dos parques públicos em promover o acesso à natureza em dois contextos urbanos, assim como demostrar a inserção desses parques na cultura local (considerando a relevância deles na dinâmica socioambiental do lugar/região onde operam). Esses dois aspectos norteadores da pesquisa, se dedicaram a utilizar o parque como meio e como fim. A individuação do contexto empírico passou através da interpretação da sugestão fornecida pela pergunta de partida e a qualificação do tipo de contexto a partir do qual foi razoável se esperar uma resposta pertinente às próprias perguntas de partida (CARDANO, 2017, p. 66). 27 ETAPAS DA PESQUISA Para tanto, o método de análise escolhido contribuiu para delimitar a bibliografia a ser entendida como fonte, possibilitando a obtenção de informações e evidências sobre a temática estudada. Nesta perspectiva, as fontes geralmente se constituem de textos produzidos e outros dados imagéticos e visuais, que nesta pesquisa foram divididos de maneiras distintas. Fontes primárias: • Documentos históricos (fotografias e mapas...); • Artigos e livros escritos pelos autores considerados clássicos (vide Tabela 1); • Informações obtidas em sites e páginas de redes sociais governamentais e turísticas oficiais; • Entrevistas. Fontes secundárias: • Artigos de revisão de literatura científica6; • Livros de caráter descritivo com base em pesquisas já realizadas; Neste sentido, as fontes secundárias representam produções bibliográficas com caráter de revisão da literatura, indicando outros estudos em parques e florestas urbanas em diferentes lugares do mundo. Esses estudos são importantes para verificar o conhecimento consolidado sobre a relação entre as cidades e os espaços verdes e, por isso, contribuíram para o estado da arte, dando sustentação ao problema de pesquisa. Em complementação, como parte das fontes primárias, foram analisadas pesquisas acadêmicas específicas sobre as dinâmicas de urbanização da cidade de Oslo e do Rio de Janeiro, sobre os contextos empíricos do Parque Frogner e da Quinta da Boa Vista, além dos autores clássicos dentro do referencial teórico da Geografia Cultural; Arquitetura e Urbanismo, e Sociologia/Filosofia, sendo que estes últimos mostram pesquisas e teorias consagradas em seus campos teóricos. Isso significa que suas produções, em conjunto com as fontes secundárias, contribuem para um maior entendimento das raízes temáticas da natureza urbana no contexto acadêmico e científico, estando divididos de acordo com as principais teorias das obras bibliográficas consideradas (vide Tabela Autores Clássicos): 6 Os artigos e livros atribuídos como fontes secundárias, foram escritos por pesquisadores com base em pesquisas originais de outros autores tidos como clássicos. Desta forma, essas fontes são a interpretação realizada sobre outras investigações mais antigas. 28 Tabela 1: Autores clássicos considerados no referencial teórico da pesquisa. Fonte: Elaborado pela autora. Bases de dados utilizadas na construção e identificação das realidades urbanas de Oslo e do Rio de Janeiro: • University of Oslo Library (https://bibsys-almaprimo.hosted.exlibrisgroup.com/primo- explore/search?vid=UIO&lang=en_US); • Google acadêmico (https://scholar.google.com.br/); • Periódicos CAPES (https://www-periodicos-capes-gov- br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php?); • Oslo Kommune (https://www.oslo.kommune.no/english/); • Oslo City Archives (https://www.digitalarkivet.no/en/actors/35/oslo-city-archives); • Historical Archive of Norwegian Landscape Architecture – NMBU University (https://blogg.nmbu.no/ila-samling/); • Kartverket – Mapas open-source (https://www.kartverket.no/en/api-and-data); • Parks in Oslo (https://www.visitoslo.com/en/product/?TLp=229664); • Guided Tour: Vigeland Sculpture Park – University of Oslo (https://www.uio.no/english/studies/summerschool/social-activities/events/social-events/vigeland%282%29.html); https://bibsys-almaprimo.hosted.exlibrisgroup.com/primo-explore/search?vid=UIO&lang=en_US https://bibsys-almaprimo.hosted.exlibrisgroup.com/primo-explore/search?vid=UIO&lang=en_US https://scholar.google.com.br/ https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php https://www.oslo.kommune.no/english/ https://www.digitalarkivet.no/en/actors/35/oslo-city-archives https://blogg.nmbu.no/ila-samling/ https://www.kartverket.no/en/api-and-data https://www.visitoslo.com/en/product/?TLp=229664 https://www.uio.no/english/studies/summerschool/social-activities/events/social-events/vigeland%282%29.html https://www.uio.no/english/studies/summerschool/social-activities/events/social-events/vigeland%282%29.html 29 • Norges Naturvernforbund – Associação norueguesa de amigos da natureza (https://naturvernforbundet.no/?lang=en_GB); • Bymiljøetaten – setor de meio ambiente (https://nyhetsrom.bymiljoetaten.no/opplev-oslo/); • IBGE RJ (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-de-janeiro/panorama); • Biblioteca Nacional- Brasiliana Fotográfica (https://brasilianafotografica.bn.gov.br/); • Plataforma colaborativa WiKi Rio (https://www.wikirio.com.br/Quinta_da_Boa_Vista); Tabela 2: Bases de dados e informações obtidas. Fonte: Elaborado pela autora. ENTREVISTAS As entrevistas, abordadas no capítulo 4, sobre o contexto urbano de Oslo foram realizadas no período correspondido aos anos de 2020 e 2021, em língua inglesa, com um grupo de oito pessoas, dentre os quais se destacam estudantes, moradores de bairros próximos e distantes do parque, professores universitários e a ex urbanista da cidade de Oslo (Ellen de Vibe- Ex-chefe da Agência de Planejamento e Construção em Oslo, onde atuou por 20 anos). Além disso, de igual maneira, foram entrevistadas oito pessoas sobre a realidade urbana do Rio de Janeiro e da Quinta da Boa Vista, no período de 2021 a 2022. Os entrevistados foram selecionados de forma a trazerem exemplos de diferentes tipos de experiencias espaciais, destacando também estudantes, moradores dos bairros próximos e distantes ao parque e a ex https://naturvernforbundet.no/?lang=en_GB https://nyhetsrom.bymiljoetaten.no/opplev-oslo/ https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-de-janeiro/panorama https://brasilianafotografica.bn.gov.br/ https://www.wikirio.com.br/Quinta_da_Boa_Vista 30 funcionária da prefeitura do Rio de Janeiro (Jeanne Almeida da Trindade, Arquiteta da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro entre 1986 a 2016). As entrevistas ocorreram em meio virtual, através das experiencias relatadas a partir de eixos temáticos selecionados sobre as vivências dessas pessoas na natureza urbana e no contexto empírico analisado. Isso possibilitou um roteiro para que as pessoas se sentissem mais à vontade em discorrer sobre as suas impressões e ideias, tendo em vista que as participações em pesquisas acadêmicas no formato de entrevistas discursivas tendem a deixar os entrevistados confusos e nervosos em “por onde começar e com o que dizer numa folha em branco”. A fim de eliminar esses desconfortos sociais, a técnica utilizada foi a dos eixos temáticos, o que facilitou em muito o processo. As respostas ocorreram nos formatos escrito, de áudios e também audiovisual (videochamada gravada), de acordo com a preferência e disponibilidade dos entrevistados (vide modelo da entrevista Anexo 1). No contexto da pesquisa qualitativa, a abordagem teórico-metodológica se pautou numa análise em formato de relatos, os quais atuam como a mediação entre a pesquisa e a realidade investigada. Nesta perspectiva, a experiencia vivida e relatada por cada indivíduo é considerada ao mesmo tempo única e coletiva, pois contribui para se conhecer as diferentes formas de ser no mundo, identificando as maneiras com as quais essas pessoas vivenciam a natureza urbana e se relacionam com as cidades. Além disso, a coletividade dessas experiencias está no fato de cada pessoa pertencer a um determinado contexto sociocultural, que influencia também os aspectos sociais que dão base as suas percepções individuais sobre o meio ambiente. 31 CAPÍTULO 2- A INTERDISCIPLINARIDADE DAS RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS “As palavras são ação”. Assim já falava o Geógrafo Yi-Fu Tuan em seu artigo The city and the human speech (TUAN, 1994, p. 144). A maneira pela qual o discurso urbano é conduzido através das palavras, que vão sendo introduzidas e/ ou criadas pelos mais diversos agentes e atores espaciais, tem a capacidade de tornar visível ou invisível determinada porção da cidade ou até mesmo a cidade inteira (TUAN, 1991). A construção simbólica/ social das palavras, que é transmitida a cada geração, influencia até mesmo na maneira como enxergamos o mundo e participamos da nossa realidade no decorrer do tempo. O ato de nomear confere certa existência à elementos antes presentes apenas na mente. Nomear, portanto, é dar vida concreta à processos socioculturais e socioambientais, que antes estavam apenas no nível do pensamento. No caso da palavra jardim, por exemplo, é necessário traçar um percurso histórico que nos conduza para o momento no qual o ser humano começou a separar uma determinada porção do espaço para o cultivo de práticas agrícolas de subsistência. Isto é, a ideia do jardim remonta períodos históricos anteriores à ideia de cidade. Todavia, é o jardim uma construção simbólica que não somente influenciou o processo de desenvolvimento social e espacial da humanidade, como também influencia as cidades contemporâneas até os dias atuais. Em obra relativamente recente, a filósofa francesa Anne Cauquelin (2007) discute as origens do jardim em um capítulo do livro “A invenção da paisagem”. Para ela, o jardim, em sua gênese, representava um todo contido num lugar simbólico, e a ideia de paisagem era a mediação na qual a realidade mais extensa da natureza universal, era transposta para o jardim (CAUQUELIN, 2007, p. 60). A autora retorna ao pensamento aristotélico sobre a mímesis, no qual ela explica que a ideia de imitar a natureza, não quer dizer imitar o modelo, mas sim o modo de produção do modelo. Sendo assim, não é mimetizar os artefatos naturais, mas sim imitar o sistema pelo qual a natureza ecônoma age (CAUQUELIN, 2007, p. 70). Em contrapartida, Panzini (2013) discute que o jardim é uma forma compositiva que nunca se separou totalmente de sua origem agrícola. Ainda assim, os jardins foram assumindo outros simbolismos, em outros níveis de leitura socioespacial. Para este autor, eles participaram do desenvolvimento da mitologia nas mais diversas culturas humanas, além de representarem uma imagem do poderio técnico de manejo do solo, se constituindo em territórios (PANZINI, 2013, p. 15). Neste sentido, trazendo essa discussão para a contemporaneidade, podemos refletir se os ambientes de natureza urbana das cidades atuais 32 podem ser considerados como releituras do jardim, ao serem gerenciados, implementados e utilizados cotidianamente; adquirindo novas simbologias e características socioambientais em conexão aos discursos e teorias do momento histórico em questão. Por isso, neste capítulo, os parques e demais locais de vegetação nas cidades, como um prolongamento dos jardins, serão abordados a partir de uma perspectiva ampla, contextualizando suas importâncias sociais, compreendendo como a noção de natureza urbana ganhou espaço nas cidades e se transformou no decorrer do tempo. Como foi apresentado nos parágrafos acima, a ideia de jardim tem acompanhado o ser humano há muito tempo, já os parques, por sua vez, surgiram para denominar uma área verde e de lazer, aberta ao público, principalmente nos séculos XVII e XVIII com a Revolução Industrial, tendo sido aprimorados desde então. Nestesentido, ao longo do subitem 2.1, será abordado o contexto para o surgimento da disciplina acadêmica de Arquitetura da Paisagem durante, sobretudo, a segunda metade do século XIX, e como isso influenciou em novas dinâmicas socioambientais em alguns contextos do mundo. Também será visto o lócus político-social e ecológico para o planejamento urbano e ambiental dessas áreas verdes, além de alguns dos atores envolvidos neste processo e quais impactos e legados eles deixaram para as práticas urbanas da atualidade. Já o subitem 2.2, discutirá como os conhecimentos biológicos e geográficos contribuíram para uma maior conscientização acerca das questões ambientais no século XX. Ademais, será apresentado como a Noruega e o Brasil se inserem neste contexto, identificando também algumas políticas e participações dos dois países em conferências sobre o meio ambiente. Ao final do capítulo, no subitem 2.3, será apresentado o panorama socioambiental relacionado às discussões sobre meio ambiente e sustentabilidade ocorridas globalmente no final do século XX até a contemporaneidade, além de abordar como as novas práticas do fazer urbano inserem os conhecimentos sobre a biogeografia local em seus projetos. Portanto, as análises aqui propostas buscam propiciar uma maior compreensão de como a natureza urbana vem sendo tratada na contemporaneidade, por meio de exemplos práticos do urbanismo verde e do urbanismo ecológico. Em seguida, será discutido o termo “cidade biofílica” e como ele está relacionado às vivências cotidianas nos locais de natureza urbana presentes nas cidades do século XXI. 33 2.1 ARQUITETURA DA PAISAGEM E ESPAÇO URBANO: ALGUMAS DINÂMICAS E ATORES Para Leonardo Benevolo, em sua obra História da cidade (2019), a Revolução Industrial pode ser considerada uma das grandes transições pelas quais a humanidade passou, estando no mesmo patamar da Revolução Agrícola do período Neolítico e das novas técnicas provenientes da Idade do Bronze, pois influenciou a sociedade de maneira global (BENEVOLO, 2019, p. 240). Ele ainda complementa que a evolução e expansão da indústria, permitiu um aumento considerável da população mundial, além do aumento dos bens e serviços. Nesse momento, camponeses se tornaram assalariados e muitos migraram para as cidades na condição de operários industriais. Com isso, inúmeros pequenos núcleos urbanos começaram a surgir justamente ao redor das fábricas (BENEVOLO, 2019). Em reflexão mais recente, Herzog (2013, p. 38) aborda o fato das mudanças tecnológicas trazidas pelo desenvolvimento da Indústria, representarem um marco no espaço geográfico, com reflexos ambientais extremos. A utilização da máquina à vapor e do motor em combustão, levaram inúmeras florestas ao desmatamento, para a obtenção de madeira e carvão como insumos industriais. Já a energia advinda dos combustíveis de origem fóssil, como o petróleo, impactou na forma como a cidade passou a ser planejada. Com a disseminação das infraestruturas cinzas, vias asfaltadas foram sendo modeladas para a melhor utilização dos automóveis, assim como córregos foram gradualmente sendo canalizados e, muitas vezes, até mesmo escondidos embaixo do asfalto. Ao mesmo tempo, o ar foi se tornando mais poluído no interior das cidades industriais. Durante a primeira metade do século XIX, a rápida expansão urbana originou novos centros de confluência. Enquanto a vila medieval era formada nos burgos, e as cidades renascentistas possuíam um traçado regular com praças e avenidas de funções bem demarcadas, as cidades do período industrial se expandiam para fora destes antigos centros urbanos, originando assim as chamadas periferias e subúrbios (BENEVOLO, 2019). Este movimento é denominado pelo filósofo Henri Lefebvre como um processo histórico de implosão-explosão: num primeiro momento há uma concentração de pessoas, atividades e riquezas num local específico e, após a conclusão do processo de urbanização, ocorre a projeção da lógica urbana para outros lugares periféricos, formando diferentes subnúcleos subordinados à metrópole (LEFEBVRE, 2001). 34 Essa nova forma de cidade, cunhada pelo liberalismo econômico, não foi plenamente planejada ou coordenada. Sua base era no núcleo privado da vida, ou seja, o indivíduo, originando uma ocupação desordenada do espaço urbano, além de condições de salubridade que beiravam o caos. Na segunda metade do século XIX, houve uma mudança de interesses, e a cidade passou a conferir à administração pública, a gestão e o planejamento da infraestrutura dos núcleos urbanos (BENEVOLO, 2019). Foi nesse período que as regras e os planos diretores passaram a regulamentar o tecido urbano de cada realidade social. Porém, é preciso notar que o período não garantiu a melhoria da qualidade de vida nas cidades, tendo em vista que a urbanização se expandiu ainda mais, os centros urbanos ficaram cada vez mais densos, com uma maior concentração de serviços em determinadas ruas centrais. Os interesses econômicos continuaram a perpassar pela lógica de produção do urbano, no qual as novas classes de maior poder aquisitivo (os burgueses), construíam casas em localidades mais ajardinadas e à classe operária eram destinadas áreas menos privilegiadas (LEFEBVRE, 1999, p. 23). Neste sentido, Lefebvre (2001, p.23) afirma que a produção agrícola foi subvertida ao setor da produção industrial. O tecido urbano se expandiu não apenas na construção das cidades propriamente ditas, mas também numa determinada cultura e forma de pensar tipicamente industrial que encontrou seu caminho para as regiões campestres (LEFEBVRE, 2001, p. 23). É interessante observar que, na história humana, a cidade política sempre acompanhou a vida social. Foi assim na ressignificação de diversos centros, como no caso da ágora grega ou do fórum romano, que foram simbolicamente substituídos pelas praças do mercado medievais. No caso da Revolução Industrial, a cidade ou vila que antes era um lugar de heterotopia, especializado nas trocas comerciais e que nas palavras de Lefebvre “eram uma ilha urbana num oceano camponês” (LEFBVRE, 2001, p. 23), passam a condição de centro, na qual o rural produz para a cidade, o campo é uma região situada no horizonte/limite dos centros urbanos. No decorrer dos séculos XIX e XX, a concepção dos jardins passou a abarcar projetos em áreas maiores, como os dos parques, que se tornaram cada vez mais essenciais na produção do espaço urbano. Ao tornar determinada porção de terra visível no contexto das cidades modernas, o ser humano pôde resgatar seu contato com um espaço mais “natural”, mesmo que o processo de urbanização continuasse se alastrando. Esse pensamento pode ser exemplificado na afirmação do arquiteto paisagista norte-americano Frederick Law Olmsted (1857), onde o paisagismo ganhou um teor de transformação social: 35 Duas classes de melhorias deveriam ser planejadas com este propósito: uma dirigida para assegurar o ar puro e saudável, para atuar através dos pulmões; a outra para assegurar uma antítese de objetos visuais àqueles das ruas e casas que pudessem agir como terapia, através de impressões na mente e de sugestões para a imaginação (OLMSTED, 1857 apud MACEDO; SAKATA, 2002, p. 56). Olmsted exerceu grande influência nas práticas urbanas, podendo ser considerado o fundador da disciplina de “arquitetura da paisagem” (PANZINI, 2013). Embora ele tenha exercido uma gama variada de profissões, desde jornalista, escritor, administrador até agricultor e horticultor, foi com o projeto do Central Park, na ilha de Manhattan em Nova Iorque (Figura 3), que o termo arquiteto paisagista se efetivou no contexto social em 1899, com a criação da American Society of Landscape Architects (PANZINI, 2013). Figura 3: Vista aérea do Central Park atual. Fonte: Civitatis Nova York (n.d.). Nesta perspectiva,o planejamento urbano não se pautou numa lógica puramente higienista ou estética, mas sim em princípios ecológicos aliados ao bem estar urbano. Olmsted foi o pioneiro a considerar a paisagem das cidades como um sistema, no qual era necessário compreender as dinâmicas naturais dos ecossistemas, considerando que as cidades estavam inseridas num contexto ambiental que deveria ser previamente entendido e respeitado. Portanto, ele foi um dos precursores do planejamento urbano e regional (OLMSTED, 1870). Um de seus mais influentes legados foi o Movimento dos parques7, que revolucionou não 7 Park movement- processo político e social de reconhecimento da importância da proteção de áreas naturais no meio urbano, no final do século XIX. 36 somente o contexto norte-americano, como também o de outras realidades urbanas pelo mundo. O denominado Emerald Necklace em Boston, EUA, pode ser considerado um exemplo marcante desta visão integradora de Olmsted. Neste projeto ocorrido entre os anos 1878 e 1895, o paisagista mimetizou a natureza, usando os próprios princípios ecossistêmicos presentes no meio ambiente, para despoluir o rio Muddy, por meio da criação de áreas alagadas purificadoras (OLMSTED, 1870). Além disso, ele criou um sistema de espaços verdes conectados através de um corredor ecológico, como pode ser observado na figura 4. Figura 4: Mapa atual do Emerald Necklace, Boston, EUA. Fonte: Arboretum of Harvad University (c2022). Dentro do contexto estadunidense também podemos citar o arquiteto Frank Lloyd Wright, que propôs uma outra vertente urbanística e paisagística para integrar o ser humano à natureza (HERZOG, 2013). Em 1935, através da utópica ideia da cidade de Broadacre8, Wright queria construir realidades urbanas menores, com menos densidade, menos verticalizações e mais áreas agricultáveis, nas quais os alimentos seriam produzidos localmente. Era uma visão relativamente complementar às das cidades-jardim de Ebenezer Howard9, que serão apresentadas no próximo item. Porém, para Wright, essa realidade urbana 8 Broadacre nunca chegou a ser efetivamente construída, sendo materializada apenas em maquetes expositivas. 9 Howard propunha investir no transporte público de qualidade, destacando-se as vias férreas, para conectar as cidades-jardim. 37 não seria cooperativa e suas conexões seriam feitas por vias rodoviárias, fato que atenderia à indústria automobilística dos Estados Unidos. Frank Lloyd Wright recebeu inúmeras críticas (HILL, 1988). Ao propor cidades menos densas, ocorreria um descontrole da expansão urbana, onde as cidades ocupariam cada vez mais áreas, ocasionando um maior desflorestamento e injúrias à ecossistemas e à biodiversidade (HERZOG, 2013). Um outro exemplo de perspectiva divergente, é o da urbanista estadunidense Jane Jacobs, que também criticava o pensamento de Wright, pois o considerava individualista, que promovia o nacionalismo e o romanticismo campestre. Sua principal divergência diz respeito ao fato de Wright ser um antiurbanista, enquanto para a intelectual norte-americana, a cidade era o local da cooperação, sociabilidade e diversidade (HILL, 1998, p. 307). O desenvolvimento da disciplina de arquiteto paisagista abarcou também inspirações do mundo intelectual, onde a projeção da natureza ganhou tons de potencial mudança social, como na concepção das cidades-jardim, do pensador Ebenezer Howard. Desiludido com a sociedade industrial inglesa, Howard escreveu sua principal obra10: To-morrow a Peaceful Path to Real Reform (1898) ou Cidades do amanhã, na reedição do ano de 1902. De acordo com Howard (1902, p. 110), o aumento do número de pessoas vivendo em cidades era causado, principalmente, pela migração proveniente das áreas rurais. Sendo assim, se fazia necessário equilibrar a relação entre a cidade e o campo (HOWARD, 1902). Em suas análises, ao passo que a cidade era o local da sociabilização, cooperação e oportunidades de emprego, ela carecia de elementos naturais que melhorariam seu o clima e salubridade. De outro lado, as áreas rurais tinham abundância de natureza, com campos e lagos, mas lhes faltava as oportunidades sociais e a infraestrutura. Por isso, ele idealizou a cidade-jardim11, como um meio termo a este dilema. Nessa perspectiva, a mescla do que havia de melhor em cada um desses espaços, originaria “uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização” (HOWARD, 1902, p. 110). As ideias de Howard também influenciaram na criação da Garden cities association Ltda, em 1903. Essa associação cooperativa seria a responsável por obter recursos financeiros 10 Obra inspirada no caso de New Lanark, na Escócia, onde o filantropo e idealista utópico Robert Owen havia moldado uma comunidade industrial modelo, baseada na produção têxtil no início do século XIX. 11 O protótipo desse tipo de cidade- jardim deveria ser materializado numa área circular com até 2400 hectares, sendo 400 hectares destinados à cidade propriamente dita e o restante às áreas agrícolas (cinturão ajardinado). Para Howard, cada espaço urbano teria uma função social diferente e era importante que cada cidade-jardim fosse autossuficiente e mantida por trabalho cooperativo, sendo capaz de suprir seus moradores com alimentos e serviços, além de gerir os resíduos gerados pelos habitantes (HOWARD, 1902). 38 para a compra dos lotes de terra nos quais as cidades-jardim seriam construídas. Entretanto, aos poucos, a associação foi se tornando uma empresa, e seus benfeitores/ doadores passaram a coletar juros sobre seus investimentos, ao passo que a cidade-jardim gerasse lucros por meio de aluguéis ou por meio da "especulação de terras filantrópicas" (HALL, 2014). Dessa forma, Howard preocupado com os rumos de seus projetos, tentou inserir organizações cooperativas da classe trabalhadora, mas não conseguiu apoio financeiro suficiente. Ao final, ao ter de contar apenas com os investidores ricos e influentes, seu plano de cidade-jardim se modificou drasticamente: ocorreu a eliminação do esquema de propriedade cooperativa sem proprietários; aumentos de aluguel de curto prazo e contratação de arquitetos que não concordavam com o design rígido e funcional da cidade-jardim original. Figura 5: Esquema das cidades-jardins desenhado por Ebenezer Howard em 1902. Fonte: The Guardian (2014). Dessa forma, Letchworth (1910-1920), considerada a primeira cidade-jardim12 inglesa, teve o seu planejamento desenhado pelos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker (HALL, 2014). Situada em uma área a 55 km de Londres, a terra onde a cidade foi implementada era considerada barata e foi adquirida num momento de depressão agrícola. Com o passar do tempo, Letchworth não conseguiu se tornar autossuficiente e se transformou num subúrbio londrino, onde a metrópole Londres ainda mantinha sua centralidade política, econômica e social. 12 O plano foi considerado o maior e mais completo planejamento de cidade desenvolvido no início do século XX na Inglaterra, sendo planejada para abrigar 30 mil habitantes. 39 Isso aconteceu em muitas tentativas de implementação de cidades-jardim pelo mundo. O conceito imaginado por Howard não conseguiu ser fielmente executado. A cidade-jardim se converteu em bairros nobres e/ ou pequenos núcleos urbanos, onde a palavra jardim passou a agregar um valor de troca, sendo apropriada pelo setor imobiliário (HERZOG, 2013). Porém, apesar de ter sofrido duras críticas na prática (sobretudo com relação ao funcionalismo), a ideia de Ebenezer Howard intensificou a importância da natureza urbana no cotidiano das cidades, indicando novos caminhos para o fazer urbano do século XX. Ainda com relação às transformações e aos atores que influenciaram as práticas urbanas deste período histórico, outro intelectual de destaque é o escocês Patrick Geddes. Embora fosse biólogo