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Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 1 1 AS ÉTICAS DA NATUREZA 1. OS ANTROPOCENTRISMOS: eles retomam o paradigma clássico e faz deles uma revisão. Alguns enfocam aquilo que aproxima o homem da natureza, outros sobre o que os distingue. Baseiam-se no parentesco da espécie humana com outras espécies na evolução da vida e na interdependência dos organismos no seio dos sistemas ecológicos. Um grupo adota a perspectiva cognitivista que vê uma particularidade na natureza humana (Luc Ferry, Lothar Schafer) e se apoiam sobre a noção de liberdade ou de autonomia. O filósofo inglês Peter Carruthers se apoia sobre certas funções psicológicas como a consciência reflexiva. Assim, a importância moral de um ser depende de competências propriamente humanas. Outro grupo como o do filósofo australiano John Passmore relê de forma crítica as grandes concepções ocidentais da relação do homem com a natureza. O pragmatismo norte-americano como o de Bryan Norton visa sobretudo a eficácia prática da preservação do meio ambiente e outros ainda visam a experiência estética como o alemão Martin Seel. 1.1 – A perspectiva cognitiva: para Ferry e Schafer, a concepção de mundo e de homem herdadas da modernidade continuam atuais para responder aos problemas da ética ambiental. Ferry, por exemplo, se indigna contra as éticas que apareceram depois de 1970, acusando-as de serem desumanizantes. Elas alteram as fronteiras entre o humano e o não-humano e algumas são até mesmo acusadas de fascismo. Sua abordagem é considerada por alguns superficial e Ferry é acusado de ignorar as descobertas e contribuições da ecologia científica e dos embates ambientais que desarranjam este “individualismo democrático e aparentemente autêntico”. Schafer, por sua vez, não se limita à crítica dos pensamentos ecologistas, mas sugere uma via original para proteger o meio ambiente. Ele visa a crítica da obra de Jonas “O Princípio Responsabilidade” e as perspectivas bio e ecocentristas. Suas críticas têm dois enfoques: as éticas ambientais recorrem a uma concepção normativa da natureza, o que incorre num paralogismo naturalista que tenta deduzir a ação moral de fatos científicos ou, por outro lado, o discurso moral, após a modernidade, concebeu a vontade autônoma em relação à natureza. Neste caso, haveria aí uma contradição entre a ideia normativa de natureza e a ideia de um dever para com ela, o que supõe justamente uma autonomia em relação à natureza. Outros críticos ainda pensam que a ética ambiental parte de uma concepção de natureza ultrapassada como a de Aristóteles, por exemplo. Uma concepção finalista da natureza seria incompatível com uma tecnologia que parece hoje destruir a natureza, o que para Aristóteles seria impossível e seria ainda incompatível com a evolução das espécies já que Aristóteles acreditava em espécies fixas. Para Schafer, os pensadores ecológicos confundem o antropocentrismo moral com o egoísmo. O antropocentrismo de Kant, ao contrário, visa a Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 2 2 universalidade dos princípios morais. Assim, eles veem ambiguidades nos discursos dos pensadores ecológicos. 1.2. O dualismo da modernidade: Ferry e Schafer reivindicam a herança filosófica de Kant, sobretudo, e veem na separação entre sujeito e objeto a base da objetivação dos fenômenos naturais. Foi isso que tornou possível o conhecimento teórico bem como impediu as ilusões produzidas pela subjetividade: trata-se de separar no processo de elaboração do saber o que remete ao sujeito cognoscente (cores, odores, valores, etc) e o que releva do objeto conhecido ( a massa, a forma, etc). Para eles, a transformação da natureza e seu domínio técnico, originários das ciências experimentais, procuram satisfazer as necessidades humanas e assim reduzir a miséria humana. Esse seria o objetivo do projeto tecnófilo de Francis Bacon: o bem-estar da humanidade. Para Kant, o homem faz parte de dois mundos: do inteligível da razão e o sensível da natureza. O ser humano é o único dotado de razão e possui vontade autônoma, livre, capaz de se dar a si mesmo as finalidades de seu agir. Mas, ao mesmo tempo, o homem é um ser de carne, um ser sensível submisso aos desejos, necessidades e inclinações. Estando a vontade submetida à razão e sendo ela por essência boa, ela age por dever, se impondo uma lei universal. Portador de uma vontade autônoma, livre, sendo sempre um fim em si mesmo, o homem não pode jamais ser um meio para outro fim. Ferry afirma que a superioridade do homem em relação ao resto da natureza não é a razão, a linguagem ou a inteligência, mas sua capacidade de agir moralmente. E o que o torna capaz de ação moral é sua liberdade, ou ainda a boa vontade, isto é, a capacidade de agir de maneira não egoísta ou desinteressada. A moralidade do ser humano consiste assim em sua capacidade de ser origem e fim da ação moral. Para Schafel, o homem não está obrigado a si mesmo e aos outros por ser um ser razoável, mas também por ser animal, sensível, um ser de carne e osso feito dos mesmos elementos da natureza. Proteger a natureza é também proteger sua natureza, seu bem-estar corporal. No humanismo de Ferry, o homem é dotado da faculdade de se arrancar à ordem da naturalidade e nisso consiste sua grandeza. Os problemas suscitados pela crise ecológica serão resolvidos por um aumento de ciência e de tecnologia. A beleza da natureza, sua finalidade (evocadora da inteligência), o sofrimento animal são suficientes para nos remeter à ideia de liberdade e assim para preservar a natureza como um valor moral, embora somente na medida em que ela pareça humana. Schafer vê na experiência estética da beleza da natureza, abordada por Kant na “Crítica da faculdade de julgar”, um símbolo do bem moral. Nessa experiência se exprime um interesse intelectual pela beleza, um interesse pelas ideias morais que a bela natureza apresenta sob uma forma sensível. Um tal interesse pressupõe também um interesse pela moralidade. Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 3 3 O interesse intelectual só é possível na experiência estética da natureza, segundo Kant. Ele desaparece com a arte humana. Isso porque os objetos naturalmente belos manifestam uma finalidade sem fim (desprovida de intenção) enquanto na obra de arte, ao contrário, o interesse aparece mediatizado pelo fim visado pelo artista. Esse argumento de Kant inverte a ordem de importância dada por Ferry ao artefato humano em relação à natureza. A força normativa de uma estética da natureza se funda até aqui sobre o que aproxima a natureza da razão humana, de suas ideias (beleza, finalidade, liberdade) ou de sua moralidade. É em referência a ela que convém proteger o meio ambiente. Além do prazer estético, o dever de proteger o meio ambiente pode ainda se apoiar sobre o bem-estar corporal que seria um excelente indicador para avaliar a qualidade do ambiente, segundo Schafer. Apesar da verdade que contém seu argumento, os processos físico-químicos da natureza são particularmente importantes pelo fato de a evolução técnica modificá-los diretamente como a poluição do solo, do ar, da água devido aos produtos químicos que são absorvidos por nosso corpo e assim o tornam apto para julgar a qualidade das condições ambientais. O homem, diz Schafer, faz do mundo o lugar de sua realização pessoal ou então o experimenta como ameaça ou atentado contra sua existência. Esta natureza fisiológica compreende dois aspectos: o ponto de vista qualitativo e subjetivo do corpo próprio e o ponto de vista objetivo, científico da fisiologia. Elementos como corpo saudável, adoentado e envenenado e os elementos naturais (água, ar, terra, fogo), mas também o cesium, o mercúrio, os fosfatos, etc se tornam fundamentais para se determinar o que fazer. A própria saúde do corpo se torna o elemento central para avaliar a qualidade do ambientee a continuidade entre o organismo humano e as outras espécies vivas levam à questão dos limites morais, segundo Schafer. Avaliação dos critérios de Schafer: a experiência estética da natureza (Kant) ajuda o ser humano a buscar a moralidade, pois uma bela natureza deve ser preservada em vista do interesse que aí se encontra. Quanto ao critério da natureza fisiológica (o próprio corpo como critério de obrigações para com o meio ambiente), alguns não o consideram um critério moral e Schafer olha o homem não sob o seu aspecto racional, mas sob seu aspecto fisiológico. Dizem os críticos não ser possível sustentar essas duas proposições ao mesmo tempo, sob o risco de recair no dualismo cartesiano. 1.3 – Peter Carruthers: o espírito animal e o contratualismo. Este autor usa sua concepção de espírito para pensar o estatuto moral destes seres naturais que são os animais não-humanos que não estão conscientes de seus próprios desejos e crenças e assim não são agentes racionais nem podem ser pacientes morais. Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 4 4 Descartes e o animal: Descartes liga o corpo à matéria e a razão ao espírito. O corpo é uma simples máquina. Os animais seriam ainda desprovidos de linguagem e não podem exprimir pensamentos e assim os animais não possuem razão. Ser dotado de razão significa ter consciência de seus pensamentos e de seus sentimentos ou ainda experimentar, de maneira qualitativa, seus próprios estados mentais ou afetivos. Desse modo, a consciência cartesiana conjuga dois traços que alguns filósofos do espírito se esforçam em distinguir: o aspecto fenomenológico da consciência, de uma parte, ou o ponto de vista subjetivo e o aspecto reflexivo de outro. Carruthers contesta a ideia segundo a qual a consciência implica um ponto de vista subjetivo, mas aceita a ideia de que a consciência possui estados mentais e que a reflexividade é uma propriedade da consciência e, por isso, os animais não são agentes racionais. Thomas Nagel, filósofo e jurista norte-americano, sustenta, no entanto, que o organismo pode ter uma experiência fenomenal como a da cor e a da dor que são diretamente acessíveis ao ser consciente que faz essa experiência. Se há consciência delas, essa experiência é fenomenal. Carruthers recusa essa maneira de ver, pois, para ele, o que faz de um estado mental (uma crença, um desejo) ou de uma experiência (como a dor) um estado consciente não é o efeito que isso provoca de crer ou de haver mal. Eu posso crer num conteúdo sem ter dele uma experiência subjetiva qualquer. O que torna consciente minha dor ou minha crença é sua acessibilidade ao pensamento consciente. Exceto os chimpanzés, é pouco provável que as outras espécies animais possuam os conceitos necessários a uma tal consciência assim compreendida. Logo, a maior parte dos animais não experimentam conscientemente a dor. A dor pode ser não-consciente e os animais são então desprovidos de consciência fenomenal. Carruthers sustenta que mesmo os animais (ao menos os mamíferos) são capazes de se representar o ambiente deles, ainda que não possuam linguagem. Suas competências cognitivas não se reduzem ao processo de estímulo-resposta. Eles poderiam apreender sua realidade imediata e satisfazer seus desejos imediatos, sugerindo o autor o uso de um raciocínio prático. Eles não podem se representar o futuro a longo prazo, pois isso exigiria um conceito de si, de futuro, de existência. Eles desejam apenas evitar o perigo e realizar seu bem-estar, mas eles o fazem sem saber o que significa existir por oposição à não-existência. As consequências éticas: o contratualismo – para Carruthers, os que sustentam a existência de direitos dos animais (Tom Reagan) ou o utilitarista Peter Singer se baseiam numa falsa premissa, isto é, eles supõem que os desejos e as experiências dos animais são similares às nossas e assim são conscientes. Se os animais não têm consciência reflexiva, eles não podem ser objetos de consideração moral. Para Carruthers, a teoria moral mais convincente é a de John Rawls, pois ela concebe as noções morais como construções humanas que visam regrar as relações entre os Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 5 5 homens, facilitar a cooperação e a vida em comum. E para fazer parte de um contrato, é preciso não somente ser um agente racional, mas ainda ter a capacidade de agir sob uma regra sob a qual todos os demais também agem. O contratante deve assim ter crenças sobre os desejos e crenças do outro, isto é, deve dispor de uma teoria do espírito. Com exceção dos chimpanzés, os demais animais não dispõem de uma teoria do espírito e por isso não podem ser agentes contratantes e não podem ser titulares de direitos e obrigações. Os animais só podem ter, segundo Carruthers, uma significação moral indireta. Logo, não podendo ser agentes racionais nem agentes contratantes, os animais não podem ser pacientes morais. Há também quem conteste as posições de Carruthers! Trata-se de uma antropocentrismo moral fundado sobre as competências cognitivas. A ausência de reflexão e de uma teoria do espírito na maior parte dos animais parece impedir a atribuição de um valor moral a eles, na posição de Carruthers. Para o autor, a Teoria do Contrato como a de Rawls se opõe à tomada em consideração moral dos animais. Outros sustentam que ela pode incluir também os direitos dos animais. 1.4. John Passmore: a responsabilidade humana no lugar da natureza. Filósofo australiano se interessou pela questão ambiental desde 1974 quando lançou seu livro “Man’s responsability for Nature”. Para ele, a cultura ocidental possui os recursos para solucionar a crise ecológica tanto do ponto de vista metafísico, social ou político. Não há dúvida de que as raízes da tradição ocidental são cristãs. O Gênesis encoraja o homem a dominar a natureza, mas outras interpretações são também possíveis como a do homem como administrador da natureza ou como a daquele que contribui para aperfeiçoar a natureza. Ele vê então no Ocidente cristão três atitudes para com a natureza: a da dominação, da administração ou gestão e a da cooperação. Para Passmore, na tradição judaica, a criação é boa antes da aparição do ser humano e os seres criados tinham um valor por eles mesmos e a natureza não existia para o homem, mas para a glória de Deus. O Cristianismo, por sua vez, introduziu a tradição do homem como mestre da natureza. Na Bíblia judaico-cristã, a natureza não é vista como sagrada. A influência grega, sobretudo dos estóicos, viu a semelhança entre o homem e Deus na razão, distanciando o homem por isso do restante da natureza. Assim, a natureza serve à satisfação dos interesses do homem. Bacon e Descartes seriam herdeiros dessa tradição cristã de dominação da natureza. As duas outras tradições (da administração e da cooperação) seriam minoritárias no Ocidente. A tradição do administrador endossa a responsabilidade que o homem tem para com toda a criação divina. Trata-se de uma representação neoplatônica cuja origem remonta ao séc. III de nossa era. O homem é responsável pelo bem-estar de todos os seres e deve conservar a fertilidade e a riqueza da terra. A tradição da cooperação é a mais distante da tradição judaica e cristã, mas vem do estóico Possidônio (séc. I a. C). Aqui o dever do homem é o de contribuir para a perfeição da natureza, trabalhando-a com todas as suas potencialidades. Tal atitude não se opõe às transformações da Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 6 6 natureza, mas opera com elas e não contra elas. As modificações da natureza pelo homem se justificam desde que sejam para melhorá-la, torna-la mais bela e rica. Essas duas últimas tradições podem fundar uma nova metafísica que nos encoraja a aprender a conhecer as relações ecológicas, evitando as transformações humanas na natureza que são prejudiciais e causadas por nossa ignorânciadaquilo que deveríamos saber. O homem provém do processo evolutivo do vivente e depende da natureza. Há uma interdependência dos organismos e o homem não ocupa o centro sozinho. Ele acrescenta à natureza a civilização. Sendo parte da natureza, ele se distingue dela pela criatividade tecnológica, científica, arquitetural, paisagística, etc. e isso não se faz sem uma certa sujeição da natureza. O homem provém da natureza, mas se separa dela ou se emancipa dela pelo cuidado do futuro. Passmore partilha do humanismo do Iluminismo e se opõe ao naturalismo e ao reducionismo. Tanto a teria da evolução como a da interdependência ecológica permitem compreender o parentesco e as interações do homem com a natureza e menos aquilo que o torna diferente. Ele considera então os prejuízos a longo termo causados à biodiversidade, a exploração abusiva dos recursos naturais, a poluição dos oceanos, do ar e do solo são prejuízos causados também a outros seres humanos contemporâneos e do futuro. Ele não fala do valor intrínseco da natureza, mas do valor intrínseco da experiência humana da natureza. Precisamos então passar da sociedade da abundância e do consumo a uma sociedade mais sóbria, mais social e mais justa. A economia está no centro dos debates e os ambientalistas precisam se interessar por ela de mais perto. O problema, para Passmore, não está em atribuir um valor moral à natureza, mas em controlar a avidez e o egoísmo dos homens. A evolução cultural do homem ocidental em relação à natureza e seu distanciamento dela são responsáveis pela crise ecológica. Assim, a tradição da administração e da cooperação devem substituir a do despotismo, apoiando-se na teoria da evolução e na ecologia científica. Hess: nas sociedades democrática laicizadas, o uso e a transformação da natureza não conhecem limites e nenhuma alteridade. A desmedida do administrador e do cooperador ambicioso permanecem uma possibilidade. Como frear sua ambição? Reconhecer que o homem procede da natureza não é suficiente para passar da arrogância à modéstia. 1.4 – A perspectiva pragmática de Bryan Norton: o antropocentrismo moral fraco e a gestão adaptativa da natureza. O filósofo norte-americano Norton propõe uma abordagem pragmática na resolução dos problemas práticos de política ambiental. Para ele, a oposição entre valores econômicos e valor intrínseco da natureza é um falso problema e acaba por desenvolver um antropocentrismo moral dito ‘fraco’. O problema ético da durabilidade consiste em gerar recursos naturais sãos para que a vida humana se perpetue indefinidamente. Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 7 7 Para Norton, o morador da floresta e ecólogo Aldo Leopoldo é um pragmático mais interessado na resolução de problemas que em princípios metafísicos dos quais se deduzem critérios para escolher e agir. Norton considera Leopoldo o precursor da gestão adaptativa. A gestão adaptativa consiste em usar nossa experiência para reduzir a incerteza e para ajustar nossos fins e nossos engajamentos. Ela aborda os problemas ambientais como se desenrolando em múltiplas escalas de tempo e de espaço. Cada problema deve ser examinado em seu contexto particular, estando atento às diferenças que importam num determinado lugar. A gestão adaptativa de Leopoldo se apoia sobre a Seleção Natural de Darwin, pois para Norton as sociedades e culturas que sobrevivem são aquelas que descobriram a verdade a respeito de sua terra. Ele sustenta que todos os valores que os homens atribuem à natureza (valores econômicos, ecológicos ou geomorfológicos) não são valores intrínsecos ou morais que existem independentemente da perspectiva humana. Não são valores ontologicamente objetivos. O pragmatismo ambiental: inspira-se na filosofia pragmatista norte-americana de John Dewey, Charles Peirce e William James. Para essa corrente filosófica, a experiência é fundamental na colocação à prova das crenças. Seu segundo princípio afirma a dimensão social das atividades humanas, inclusive as do saber científico. E o terceiro é que sua compreensão de verdade não é a simples correspondência entre o discurso e uma realidade independente dos sujeitos humanos. O mundo não está desligado das concepções que se fazem dele e a verdade é fruto de práticas comunicativas entre indivíduos de uma comunidade com a ajuda da linguagem e do recurso à experiência. A pluralidade de valores de uma sociedade corresponde a um estado de fato e não há oposição entre valor moral ou intrínseco da natureza e valores humanos, pois todos são valores humanos ou construções humanas. Ao invés de distinguir entre valor moral e intrínseco da natureza e valor instrumental ou econômico, ele distingue entre valor instrumental e não instrumental da natureza. Os valores instrumentais são convertíveis em termos econômicos enquanto os valores ecológicos e os geomorfológicos escapam ao princípio do mercado. Os valores não instrumentais não podem ser transpostos ao plano econômico e são os valores estéticos, espirituais e os valores afetivos. Norton admite que a própria natureza ensina aos homens alguns valores e nesse caso ela é vista ainda de maneira instrumental. Mas ao instruir os homens em valores, a natureza fornece o meio de passar de um nível de desejo particular (preferências sentidas) a um outro nível mais elaborado que é o das preferências refletidas que são correlatas a uma reflexão que avalia a compatibilidade de preferências sentidas com um conjunto de crenças e valores. Nesse caso, o valor transformacional da natureza conduz a uma visão de mundo ideal em que o homem faz parte de um todo da natureza. Ele o denomina antropocentrismo moral fraco devido à disparidade entre as preferências sentidas reais e as preferências refletidas supostas. Essa distância não é engendrada somente pelo valor transformacional da natureza, mas também pelo exame científico, a consulta, a discussão com os pares que Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 8 8 ajudam a construí-lo. O raciocínio básico de Norton é o seguinte: “a perpetuação da espécie humana é uma boa coisa porque um universo que contém nele a consciência humana é preferível a um universo do qual esta consciência está ausente”. É este valor fundamental que funda todos os valores instrumentais (econômicos, ecológicos, geomorfológicos) e não-instrumentais (estéticos, espirituais e afetivos) da natureza e justificam uma política de preservação dos ecossistemas. Mas qual é o consenso indispensável às decisões inerentes a toda política ambiental? 1. Durabilidade fraca e durabilidade forte: a durabilidade fraca ensina que o que devemos às gerações futuras é a conservação de um bem-estar já que ignoramos suas preferências e os recursos naturais são substituíveis uns aos outros (ex: a extinção dos recursos fósseis pode ser compensada pela inovação tecnológica da energia solar). E conservar o bem-estar é compatível com a diminuição das reservas naturais se elas podem ser substituídas pelas capacidades produtivas ou o saber tecnológico. Uma das objeções que Norton levanta contra os defensores da durabilidade fraca é sua incapacidade em fazer a diferença entre, por exemplo, o fato de cortar algumas árvores que serão substituídas por plantas da mesma espécie e aquele que destrói uma floresta para cultivar seu solo. Nesse último caso, o efeito a curto e longo prazo será a erosão irreversível do solo, inundações eventuais, etc, e eu prejudico as gerações futuras dessa região ao limitar os recursos disponíveis, restringindo suas opções de buscar seu próprio bem-estar. 2. Norton opõe então à durabilidade fraca a durabilidade forte que contraria a lógica utilitarista de maximização do valor econômico. O critério adotado aqui não é o bem-estar, mas os recursos e o capital natural a que têm direito as gerações futuras. Há elementos e recursos da natureza que não são substituíveis ou cuja perda não podeser compensada. Uma ética não-individualista e procedural: ao contrário dos valores econômicos, os valores ecológicos e geomorfológicos são bens naturais comuns, isto é, não correspondem aos interesses individuais agregados, mas são os valores comuns que uma comunidade transmite aos descendentes. Eles são compostos dos valores ecológicos e geomorfológicos que constituem a própria identidade da comunidade e de seus membros. Daí não ser necessária uma nova ética não-antropocêntrica, mas uma nova ética já que as éticas deontológicas e utilitaristas dizem respeito apenas aos indivíduos e seus interesses e não às coletividades. O bem comum não diz respeito ao indivíduo, mas à coletividade. Portanto, há obrigações generalizadas que pesam sobre as gerações atuais que estão moralmente obrigadas a manter um fluxo estável de recursos durante um tempo indefinido. Estas obrigações devem se traduzir em políticas públicas que devem ser objeto de um consenso para serem aplicadas. Para isso, Norton se baseia na ética da discussão de Habermas que articula o nível individual onde os mais diversos valores se exprimem e o nível coletivo ou comunitário do Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 9 9 consenso. Trata-se de uma gestão adaptativa do ambiente. Segunda a ética da discussão, todo indivíduo participa de uma comunidade histórica de comunicação e age participando da discussão. Assim fazendo, ele aceita os pressupostos normativos cuja validade é universal: a justiça, o respeito mútuo, etc. Isso não impede que uma comunidade defenda valores particular de um lugar ou cultura. Norton então elabora um modelo de decisão sensível ao contexto que ele acredita estar em Habermas. Esse modelo se compõe de duas fases: a fase reflexiva em que se discutem os valores e objetivos em torno dos quais há desacordo para persuadir seus interlocutores a modificar suas crenças, a debater critérios e indicadores capazes de tomar em conta diferentes valores ambientais até encontrar um equilíbrio entre eles. A segunda fase é a da ação que consiste em agir de maneira comunicacional a fim de realizar seus objetivos ou os valores em torno dos quais se obteve um consenso. Um tal processo contextualiza a gestão adaptativa do ambiente em função das necessidades e valores das diversas comunidades locais. Crítica: a ideia de que o homem detém um lugar privilegiado no universo moral faz de Norton um antropocentrista, embora a Teoria da Evolução em que ele se baseia e a da ecologia relativizem o lugar do humano e a perpetuação da espécie humana depende do engajamento moral direto para com as outras espécies do sistema biosférico. Fonte: Hess, Gérald. Éthiques de la Nature. Éthique et philosophie morale. Paris : PUF, 2013.
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