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Ebook 1 - Antropologia: Identidade e Diversidade

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Antropologia, 
identidade e 
diversidade
E-book 1
César Niemietz
Neste E-book:
Introdução ���������������������������������������������������� 3
Sobre a noção de identidade cultural 5
Questões clássicas de Antropologia ��� 7
Os primórdios da perspectiva antropológica ������� 9
A Antropologia moderna e seus objetos de 
estudos �����������������������������������������������������������������13
As culturas e as mudanças de perspectivas ������ 20
Alteridade, identidade coletiva, mitos e ritos ������ 21
A identidade do “eu” ���������������������������������������������29
Sobre o conceito de indivíduo e individualismo � 32
Considerações finais������������������������������� 35
Síntese ���������������������������������������������������������36
2
E-book 
1
E-book 
1
INTRODUÇÃO
As perguntas a seguir talvez pareçam um tanto 
confusas para iniciarmos nossa discussão sobre 
Antropologia, identidade e diversidade, mas vale o 
esforço de abstração: as noções de eu e de outro são 
naturais ou são formuladas de acordo com o con-
texto cultural em que são enunciadas? As categorias 
eu e outro estão presentes de maneira semelhante 
em todas as sociedades? Todos os grupos huma-
nos percebem os outros e a si mesmos de maneira 
parecida? Ou será que essas concepções são dife-
rentemente compartilhadas por grupos igualmente 
distintos?
Com essas questões em nosso horizonte, entrare-
mos em um terreno amplo e ao mesmo tempo espe-
cífico. Amplo, pois trata da complexidade dos agru-
pamentos humanos, ou seja, algo necessariamente 
múltiplo, mas também específico, uma vez que essas 
características contribuem para formular, como diria 
o sociólogo e antropólogo Émile Durkheim, as nos-
sas maneiras de agir, pensar e sentir o mundo ao 
nosso redor� Essa aparente ambiguidade está pre-
sente em um dos principais eixos sobre o qual o pre-
sente material irá se debruçar, a saber: a identidade�
A origem da palavra antropologia indica de saída 
a dimensão humana como central para a análise 
que essa disciplina promove, uma vez que a junção 
3
entre os termos anthropos e logos resulta, de manei-
ra literal, em estudo do homem. Todavia, devemos 
pensar qual é a característica específica desse tipo 
de estudo sistemático realizado pela Antropologia� 
A Biologia e a Psicologia não são também discipli-
nas que estudam o homem? Então em que difere a 
Antropologia dos demais modos de compreensão 
do ser humano?
A resposta a essas questões não é simples, pois 
os próprios problemas não são, mas, para os nos-
sos propósitos, tomaremos a especificidade da 
Antropologia como relacionada à dimensão da 
cultura e da sociedade� Ou seja, trataremos aqui 
dos cruzamentos entre a Antropologia cultural e a 
Antropologia social, deixando provisoriamente de 
lado as questões que envolvem as características 
biológicas dos grupos humanos�
Podcast 1 
4
https://famonline.instructure.com/files/86483/download?download_frd=1
SOBRE A NOÇÃO 
DE IDENTIDADE 
CULTURAL
Ao abordarmos a noção de identidade pela perspec-
tiva da cultura e da sociedade, direcionaremos nosso 
interesse para o espaço de construção simbólica da 
identidade, sendo esse o problema característico 
que nos diferenciará dos estudos biológicos e psi-
cológicos acerca desse mesmo assunto�
Nesse sentido, tal como defende o antropólogo 
Roberto Cardoso de Oliveira (1976), podemos per-
ceber que a noção de identidade comporta ao menos 
duas dimensões fundamentais: pessoal (ou individu-
al) e social (ou coletiva)� Embora essas duas formas 
de identidade sejam difíceis de ser discernidas, uma 
vez que uma influencia a outra, em menor ou maior 
grau� Costuma-se atribuir à psicologia a função de 
exame da perspectiva individual e psíquica, enquanto 
a dimensão social é investigada pelas ciências so-
ciais, destacando-se a sociologia e a antropologia�
Quanto à noção de indivíduo, trata-se de noção es-
pinhosa para a antropologia, pois exige o constante 
esforço de analisar essa categoria de acordo com 
o contexto em que é apresentada� Nas palavras do 
antropólogo Gilberto Velho:
5
Ora, a antropologia, justamente por ter, por 
definição, uma perspectiva comparativista, é 
o ramo do conhecimento que, ao defrontar-
-se com sociedades e culturas díspares e 
diferenciadas, é obrigada a relativizar o indi-
víduo, tal como entendido e percebido na so-
ciedade e na cultura nas quais a psiquiatria, 
a psicologia e a psicanálise se desenvolve-
ram. Esse indivíduo universal, que varia seu 
comportamento em função de modelos dife-
rentes apresentados por culturas específicas, 
é que está sendo questionado. Na realidade, 
parece que se corre o risco de confundir o 
indivíduo biológico, membro de uma espécie, 
com a noção de indivíduo, produto particular 
de uma cultura que, esquematicamente, cha-
marei de ocidental-moderna-contemporânea 
(VELHO, 2012, p.98).
Ao leitor iniciante dos textos antropológicos, as 
questões acima apresentadas correm o risco de 
soar um tanto quanto esquisitas, pois aparentemen-
te estão distantes das nossas reflexões cotidianas� 
Todavia, ao fim desse nosso percurso, será possível 
afirmar que não estão, pois essas indagações são 
fundamentais para a compreensão do mundo ao 
nosso redor�
6
QUESTÕES 
CLÁSSICAS DE 
ANTROPOLOGIA
O termo identidade traz consigo diversos sentidos 
que, por sua vez, são adaptáveis aos diferentes con-
textos em que são apresentados� Em termos mais 
usuais, podemos compreender seu sentido geral 
como algo que possui uma característica distinguí-
vel, ou que estabelece uma relação de semelhança� 
Porém, essa definição se encontra no registro do 
senso comum, o que exige de nós uma elaboração 
teórica para definir de maneira mais precisa o termo, 
enquadrando seu sentido nos diferentes contextos 
históricos a que esteve submetido�
Podemos afirmar que, de certa maneira, o termo 
identidade está relacionado a processos de iden-
tificação entre os indivíduos em seus espaços de 
socialização� Por sua vez, tais processos, como ob-
servaremos nas seções a seguir, estão relacionados 
à imagem que os indivíduos fazem de si mesmos 
(autoconsciência) e com a imagem que fazem tam-
bém dos outros indivíduos� Esse duplo movimento 
de se compreender e compreender os outros traz 
consigo uma série de questões que são objetos de 
análise da Antropologia�
Quando ampliamos nosso olhar para as identidades 
dos grupos, esbarramos no conceito de etnicidade� 
7
Tal conceito se insere como uma das principais no-
ções sobre as quais a antropologia passou a refletir 
ao longo do século 20� Para nosso objetivo, neste 
material de estudo, podemos compreender a etni-
cidade como uma noção que define o conjunto de 
aspectos culturais e/ou biológicos semelhantes em 
relação a grupos humanos específicos. Os traços 
aos quais o termo se refere não são limitados ex-
clusivamente pela Biologia, de modo que a noção 
de etnia difere significativamente da ideia de raça. 
Difere também do conceito de nação, pois deve-se 
levar em consideração o fato de que existem na-
ções que são compostas por identidades étnicas 
distintas, sendo estas anteriores ao advento dos 
Estados modernos�
A Antropologia moderna se distanciou significativa-
mente das perspectivas evolucionistas, fundamen-
tadas sobre o conhecimento biológico das espécies 
vivas, uma vez que os autores culturalistas verifi-
caram que é impossível indicar uma cultura única 
que serve como referencial de evolução para todos 
os agrupamentos sociais, conforme analisamos 
anteriormente�
Desse modo, o interesse nos grupos étnicos pas-
sou a fundamentar a experiência antropológica, 
ampliando o conhecimento humano a respeito da 
diversidade cultural existente�
8
Os primórdios da perspectiva 
antropológica
Embora a Antropologia moderna tenha sido desen-
volvida sobretudo na virada do século 19 para o sé-
culo 20, os europeus contaram com dois importantes 
precursores: Michel de Montaigne (1533-1592) e 
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)�
Diz-se sobre Montaigne que teria sido um provoca-
dorde seu tempo – século 16 – e do meio social em 
que viveu – Europa –, tecendo comentários áspe-
ros em ensaios que geralmente causavam grandes 
polêmicas devido às suas duras críticas� É esse o 
tom presente, por exemplo, em um comentário seu 
a respeito das notícias que os franceses receberam 
sobre a existência dos índios no litoral brasileiro, 
que, segundo esses relatos, seriam adeptos da an-
tropofagia, prática que consistia no consumo ritual 
da carne dos inimigos guerreiros, com o intuito de 
incorporar simbolicamente suas virtudes:
Penso que há mais barbárie em comer um 
homem vivo do que em comê-lo morto, em 
dilacerar por tormentos e suplícios um corpo 
ainda cheio de sensações, fazê-lo assar pou-
co a pouco, fazê-lo ser mordido e esmagado 
pelos cães e pelos porcos (como não apenas 
lemos mas vimos de fresca memória, não 
entre inimigos antigos, mas entre vizinhos 
e compatriotas, e, o que é pior, a pretexto 
de piedade e religião) do que em assá-lo e 
9
comê-lo depois que está morto [...]. Portanto, 
podemos muito bem chamá-los de bárbaros 
com relação às regras da razão, mas não 
com relação a nós, que os ultrapassamos 
em toda espécie de barbárie (MONTAIGNE, 
2010, p.140).
Essas questões levantadas por Montaigne datam do 
longínquo século 16� De lá para cá, tanto os índios 
descentes dos Tupinambá quanto os europeus pas-
saram a atenuar diversos de seus costumes, uma 
vez que, como estudaremos, mitos quanto os ritos 
são constantemente reformulados na dinâmica per-
manente de construção e reconstrução das culturas�
São antigas constatações, mas deixaram uma mar-
ca: a ideia de que parece ser mais fácil apontar as 
culturas alheias como inferiores do que perceber 
que cada cultura possui características particulares 
que são irredutíveis às lógicas umas das outras – no 
caso, utilizava-se pejorativamente o termo bárbaro 
para tudo aquilo que não fosse apresentado à ima-
gem que o europeu tinha de si mesmo�
10
Figura 1: Tapuia (1641), pintado pelo holandês Albert Eckhout, um 
dos principais responsáveis pela criação do imaginário sobre os in-
dígenas brasileiros até a chegada da família real portuguesa. Fonte: 
https://samlinger.natmus.dk/ES/asset/25615 
11
https://samlinger.natmus.dk/ES/asset/25615
Dois séculos adiante, e em uma forma distinta de 
se considerar os “selvagens”, o filósofo iluminista 
Jean-Jacques Rousseau também se esforçou para 
deixar de lado seus preconceitos europeus ao refletir 
sobre os “outros”� Em sua obra Discurso sobre a 
origem e os fundamentos da desigualdade entre os 
homens, publicada em 1755, Rousseau defendeu 
a necessidade de se realizar uma história natural, 
moral e política dos diferentes grupos humanos 
distribuídos ao redor do mundo, de modo a melhor 
compreender o próprio horizonte cultural dos euro-
peus do seu tempo�
A respeito do filósofo iluminista, é considerado como 
o pai das ciências do homem por um importante 
antropólogo francês (LÉVI-STRAUSS, [1973], 2018), 
uma vez que Rousseau teria apresentado a perspec-
tiva de investigação humanística das diferentes cul-
turas� Desse modo, a perspectiva de Rousseau teria 
aberto caminho para o desenvolvimento posterior da 
etnografia e da etnologia, sendo a primeira o traba-
lho de registro e descrição, por parte do antropólogo, 
dos aspectos culturais de cada grupo estudado e a 
segunda o estudo sistemático das diferentes formas 
culturais e históricas estudadas pelos antropólogos�
12
A Antropologia moderna e seus 
objetos de estudos
Pode-se afirmar que o surgimento da Antropologia 
esteve relacionado a certa perspectiva estreita atri-
buída aos chamados “evolucionistas”, identificados 
dessa forma pois aderiam à teoria da evolução de 
Charles Darwin (1809–1882) para a compreensão 
dos fenômenos culturais� Para eles, havia apenas 
uma única cultura considerada superior, de modo 
que as demais seriam derivações ainda não desen-
volvidas� Trata-se de uma visão associada ao et-
nocentrismo, ou seja, à concepção que define uma 
única cultura como central e as demais, por con-
seguinte, como marginais em relação a ela� Essa 
visão etnocêntrica esteve associada inicialmente 
aos antropólogos europeus, que viam em sua própria 
cultura indícios de superioridade sobre as demais�
Podcast 2 
Como resposta ao evolucionismo, estabeleceu-se a 
moderna Antropologia, fundamentada em uma vi-
são abrangente e relativista das posições ocupadas 
pelas diferentes culturas humanas� A esta nova ma-
neira de se considerar os grupos humanos, deu-se 
inicialmente o nome de culturalismo, uma vez que 
a pluralidade passou a prevalecer sobre a divisão 
entre superioridade e inferioridade das culturas� Mas, 
antes de comentarmos a respeito desses autores, 
como podemos definir cultura?
13
https://famonline.instructure.com/files/86484/download?download_frd=1
A noção de cultura pode ser compreendida por mais 
de uma perspectiva� De um lado, no sentido amplo, 
temos cultura como um todo que engloba tradições, 
língua, regras, comportamentos e formas de socia-
bilidade específicas de um determinado grupo.
A origem do termo cultura advém da palavra latina 
colere, que significava uma série de processos rela-
cionados aos verbos habitar, cultivar e proteger, entre 
outros� Com o passar do tempo, o termo foi adqui-
rindo significados em razão dos contextos históricos 
em que foi considerado� Todavia, se considerarmos 
a maneira como utilizamos o termo nos dias de hoje, 
podemos considerar suas origens modernas du-
rante o século 19� Trata-se de considerar não mais 
o termo no singular, mas sim compreender cultura 
como expressão plural� Segundo Raymond Williams:
As culturas especificas e variáveis de dife-
rentes nações e períodos, porém também as 
culturas específicas e variáveis dos grupos 
sociais e econômicos contidos dentro de 
uma mesma nação. O movimento român-
tico desenvolveu amplamente este sentido 
como uma alternativa à ‘civilização’ ortodoxa 
e dominante. Em um primeiro momento se 
utilizou para ressaltar as culturas nacionais 
e tradicionais [...]. Posteriormente, utilizou-
-se o termo para atacar o que se via como 
o caráter ‘mecânico’ da nova civilização 
então emergente: tanto por seu raciona-
lismo abstrato como pela ‘desumanidade’ 
14
do desenvolvimento industrial do momento 
(WILLIAMS, 2003, p.90, tradução própria).
Em seus usos mais específicos, a cultura designa 
uma série de processos estudados com atenção, 
que foram se tornando cada vez mais importantes 
para se compreender as características de pensa-
mentos, ações e sentimentos que diferenciam os 
grupos humanos� Nesse sentido, gradualmente, 
deixa-se de defender-se a existência de um mode-
lo cultural universal que define a espécie humana, 
bem como a noção de que existem culturas puras 
ou superiores, uma vez que se tem constatado, cada 
vez mais, a pluralidade imensa de formas de se vi-
ver que não podem ser reduzidas a modelos sim-
plistas que separam culturas em desenvolvidas e 
subdesenvolvidas�
A partir do constante exercício de reflexividade so-
bre a ideia de cultura, feita pelos cientistas sociais, 
pode-se verificar a complexa relação existente entre 
os objetos e tecnologias produzidos pelos grupos 
humanos – cultura material – e a produção simbó-
lica desses mesmos grupos – cultura imaterial –, 
pertinente às suas demandas específicas. Percebe-
se, assim, o equívoco de se medir ou de se comparar 
as culturas de acordo com um parâmetro único de 
desenvolvimento�
15
Enquanto domínio de análise dentro das ciências 
sociais, a Antropologia moderna, preocupada com 
o domínio cultural, desenvolveu métodos próprios 
de investigação dos grupos humanos, sendo Franz 
Boas (1858-1942) e Bronislaw Malinowski (1884-
1942) dois de seus principais iniciadores� A partir 
das obras desses dois autores, os grupos passaram 
a ser cada vez mais analisados, sobretudo em fun-
ção de seus contextos e em seus próprios termos�
Antropólogo de origem alemã, Franz Boas defendeu 
a noção de que a Antropologia deveria se afastardas 
concepções que estabelecem hierarquias entre os 
grupos humanos� Essa mudança de perspectiva foi 
fundamental, pois distanciou-se da noção de que 
os diferentes grupos humanos evoluem de maneira 
unilinear, sendo esta concepção presente, por exem-
plo, entre aqueles que defendiam que as centenas 
de grupos indígenas então conhecidos estavam em 
uma etapa primitiva de evolução, enquanto a socie-
dade europeia estaria no grau mais elevado�
16
Figura 2:  Homem Kwakiutl com vestimentas tradicionais, fotogra-
fado por Edward S. Curtis, 1914. Fonte:https://www.britannica.com/
topic/Kwakiutl/images-videos/media/325792/92280 
17
https://www.britannica.com/topic/Kwakiutl/images-videos/media/325792/92280
https://www.britannica.com/topic/Kwakiutl/images-videos/media/325792/92280
Embora ainda estivesse relacionada ao espírito de 
seu tempo, expressando ainda algumas inconsistên-
cias analíticas a respeito das relações entre natureza 
e cultura, que posteriormente foram motivo de am-
plos debates entre os antropólogos, pode-se dizer 
que a importância de Franz Boas foi notável� Como 
exemplo da agudez de seu pensamento humanis-
ta, tem-se o fato de que os nazistas consideraram 
seus livros perigosos, pois defendiam ideias que iam 
contra as propostas de supremacia racial de Adolf 
Hitler, de modo que seus livros foram retirados das 
prateleiras da Universidade de Heidelberg e quei-
mados pela polícia nazista�
A percepção de que é necessário compreender-se os 
detalhes referentes às lógicas internas das culturas 
resultou na necessidade de se acompanhar de perto 
o cotidiano dos grupos nativos, ou, em outras pala-
vras, tornou-se fundamental desenvolver um estudo 
imersivo junto aos grupos� Essa percepção resultou 
na ideia de trabalho de campo, que pode ser definida 
como a inserção do antropólogo no dia-a-dia dos 
grupos por ele estudados�
Bronislaw Malinowski, antropólogo de origem po-
lonesa, desenvolveu diversos estudos a respeito de 
grupos localizados na costa oriental da Nova-Guiné, 
nas Ilhas Trombriand� Partindo da premissa de que 
é necessário conviver com as pessoas dos grupos 
pesquisados, Malinowski passou a ser um dos prin-
cipais defensores do trabalho de campo como es-
sencial para a análise realizada pelos antropólogos�
18
Em sua obra mais famosa, Argonautas do Pacífico 
Ocidental, publicada em 1922, Malinowski defen-
de uma forma de análise dos fenômenos culturais 
a partir da adoção de um método que se tornou 
fundamental para a antropologia: a observação 
participante�
Figura 3: O antropólogo Bronislaw Malinowski em observação par-
ticipante junto aos habitantes das Ilhas Trombriand. Fonte: http://
anthronow.com/wp-content/uploads/2015/10/young-2.jpg 
Em linhas gerais, a observação participante pode 
ser compreendida como uma forma de compreen-
são dos aspectos culturais dos grupos que exige 
um esforço de se inserir no cotidiano dos nativos, 
resultando na compreensão dos “imponderáveis 
da vida cotidiana”, segundo Malinowski� Por trás 
dessa prática, encontra-se a ideia de que não basta 
consultar documentos e realizar entrevistas com os 
nativos, deve-se entrar de cabeça na cultura que se 
deseja investigar, de modo a aprender a língua, os 
19
http://anthronow.com/wp-content/uploads/2015/10/young-2.jpg
http://anthronow.com/wp-content/uploads/2015/10/young-2.jpg
valores e os padrões de gostos, bem como as regras 
explícitas e implícitas que permeiam a sociabilida-
de dos grupos. Essa premissa ficou consagrada na 
representação do antropólogo sempre acompanha-
do de seu fiel caderno de anotações. Dentre essas 
anotações, são ressaltados costumes, aspectos 
linguísticos, rituais e todo tipo de regularidades es-
pecíficas da cultura analisada.
Após desenvolver suas próprias perspectivas e téc-
nicas, distanciadas das teorias evolucionistas, pode-
-se dizer que a Antropologia moderna ingressou em 
um espaço particular de compreensão da formação 
das identidades entre pessoas que estão em con-
textos históricos e culturais específicos.
As culturas e as mudanças de 
perspectivas
Podemos afirmar que, em sua acepção mais comum, 
o termo perspectiva indica uma posição específica 
de determinado observador a respeito do seu entor-
no� Quando aplicamos essa noção para estudarmos 
os temas da Antropologia, verificamos necessaria-
mente que é possível ampliar nossa perspectiva 
para além do nosso espaço imediato de observação� 
Assim, pode-se dizer que a Antropologia possibilita 
uma significativa extensão de nossas perspectivas, 
inclusive no que concerne ao reconhecimento de 
nossa própria identidade e das identidades alheias, 
como observaremos a seguir�
20
Alteridade, identidade coletiva, 
mitos e ritos
Ao considerarmos as culturas em seus próprios ter-
mos, outro campo de preocupações surge� Trata-se 
das constantes relações de mudanças dos padrões 
culturais, mediante o encontro entre grupos de ori-
gens diferentes�
Quando nos referimos à compreensão das diferen-
ças dos outros em relação à nossa identidade cul-
tural, estamos pensando em termos de alteridade� 
Essa noção faz parte constitutiva da antropologia, na 
medida em que o antropólogo procura compreender 
a diferença em relação aos grupos por ele estudado� 
É o que afirma Marcio Goldman, por exemplo, ao 
constatar que o objetivo do antropólogo é neces-
sariamente permeado pela alteridade� Diz o autor:
[...] O próprio fato de dedicar-se à diferen-
ça nunca é desprovido de consequências 
e, em lugar de simplesmente diferi-la, a 
Antropologia sempre foi capaz de valori-
zar essa diferença, sempre foi capaz de ao 
menos tentar apreendê-la sem suprimi-la, 
pensá-la em si mesma, como ponto de apoio 
para impulsionar o pensamento, não como 
objeto a ser simplesmente explicado – ex-
plicação que, aliás, acaba por deter a própria 
marcha do pensamento (GOLDMAN, 2006, 
p.163).
21
SAIBA MAIS:
Filme Moi, um noir (Eu, um negro)� Dirigido por 
Jean Rouch,1958, 70 min� Produzido por Les Fil-
ms de la Pléiade�
Figura 4: Pôster do filme Moi, um noir, de Jean 
Rouch�Fonte:https://www�imdb�com/title/
tt0051942/
O cineasta e antropólogo Jean Rouch (1917–
2004) foi um dos nomes fundamentais para o 
que posteriormente ficou conhecido como et-
nocinema. Rouch dirigiu filmes que retrataram 
questões relacionadas à etnicidade e às múlti-
plas identidades de populações marginalizadas� 
Dentre suas obras fílmicas, talvez a que mais se 
destaque é Moi, un noir (em português: Eu, um 
22
negro). Neste filme, Jean Rouch acompanha a 
trajetória de jovens desempregados que deixam 
suas comunidades rurais no interior da Nigéria 
e partem para as grandes cidades, em busca de 
oportunidades no “mundo moderno”� Trata-se, 
como adverte Rouch logo no início do filme, de 
uma juventude presa entre tradições e máqui-
nas, entre o Islã e o álcool, e que não renunciou 
às suas crenças, mas adora os ídolos modernos 
do boxe e do cinema. Ao longo do filme surgem 
questões relacionadas a como os jovens se per-
cebem no mundo social, bem como o universo de 
possibilidades que conseguem identificar para si 
mesmos em um mundo que se torna cada vez 
mais complexo�
Compreender a cultura em seus próprios termos 
exige atenção aos conhecimentos compartilhados 
pelos grupos estudados� Tomemos a questão dos 
mitos nas sociedades indígenas� Uma visão dis-
tanciada e pautada por senso-comum a respeito 
das dinâmicas culturais afirma que os mitos são 
heranças de um passado distante, histórias que fi-
caram na memória e são revisitadas apenas como 
nostalgia� Porém essa noção é equivocada� Para 
Eduardo Viveiros de Castro, um mito não é “apenas 
o repositório de eventos originários que se perde-
ram na aurora dos tempos; ele orienta e justifica 
constantemente o presente” (CASTRO, 2014, p� 69), 
ou seja, os mitos são representações vivas no in-
consciente coletivo�
De maneira geral, o termo mito designa uma narra-
tiva que está associada a eventos de fundação de 
23
determinados agrupamentos humanos, de início 
incerto e que foram incorporadosao imaginário des-
ses mesmos grupos sociais� Assim, os chamados 
mitos de origem indicam uma situação que serviu 
de criação para a formação de uma certa identidade 
coletiva� Essa perspectiva está presente, por exem-
plo, nas palavras de Joseph Campbell, ao afirmar que 
“mitos são pistas para as potencialidades espiritu-
ais da vida humana” (CAMPBELL, 1988, p� 17)� Ou 
seja, através da compreensão dos mitos, é possível 
compreender as diferentes formas de construção 
simbólica dos grupos humanos para além daquelas 
que nos são próximas no tempo e no espaço�
As narrativas associadas aos mitos se apresentam 
de diversas formas, nem sempre relacionadas a uma 
perspectiva racional, no sentido que esta palavra 
passou a adquirir com os desenvolvimentos ociden-
tais da ciência� Mas ao separarmos mito e ciência 
entramos em um problema que ocupou o grande 
antropólogo francês chamado Claude Lévi-Strauss�
Para Claude Lévi-Strauss (1908–2009), a partir dos 
séculos 17 e 18, ocorreu um importante movimento 
de construção da diferença entre pensamento mí-
tico e pensamento lógico-científico, a partir de no-
mes como René Descartes, Isaac Newton e Francis 
Bacon� A essa separação o antropólogo atribui a 
noção de divórcio, uma vez que, até então, ambas as 
formas de explicação do mundo estavam bastante 
relacionadas entre si�
24
Contudo, a leitura da obra de Lévi-Strauss indica 
a complexidade existente nas explicações sobre o 
funcionamento do mundo de acordo com os diferen-
tes grupos indígenas, de maneira a se distanciar do 
senso comum que compreende tais grupos humanos 
como pouco desenvolvidos em suas capacidades 
de abstração e de entendimento da realidade ao 
seu redor� Trata-se precisamente do oposto: esses 
grupos humanos deixam de ser considerados pelo 
antropólogo como primitivos, uma vez que talvez o 
único traço que os distancia de fato das sociedades 
consideradas desenvolvidas é a sua inclinação à 
escrita, atuando de maneira intensa em suas pro-
duções intelectuais, bem como no desenvolvimento 
de suas próprias representações a respeito de sua 
história e de sua ecologia�
Evidentemente, os mitos exigem interpretação ade-
quada, correndo-se o risco de reduzir-se sua com-
preensão aos seus aspectos superficiais. Ou seja, 
um mito esconde elementos nem sempre visíveis 
em uma primeira apreensão� Seus significados 
demandam um grande esforço interpretativo e é 
nesse ponto que a figura do antropólogo se torna 
fundamental�
As questões anteriormente levantadas por Lévi-
Strauss demonstram a contribuição que essas 
outras maneiras (diferentes) de se refletir sobre 
o universo podem servir para o desenvolvimento 
mesmo da ciência ocidental� No limiar do século 
20, Lévi-Strauss identificava a necessidade de se 
repensar essa separação, sem, contudo, abando-
25
nar o conjunto de métodos oferecidos pela própria 
ciência� Segundo ele:
A ciência moderna parece ser capaz de pro-
gredir não só segundo a sua linha tradicional 
– pressionando continuamente para a frente, 
mas sempre no mesmo canal limitado – mas 
também, ao mesmo tempo, alargando o ca-
nal e reincorporando uma grande quantidade 
de problemas anteriormente postos de parte 
(LÉVI-STRAUSS, 2010, pp. 18-19).
O mito está relacionado à cosmologia, que pode ser 
compreendida como uma determinada ambição de 
se conhecer o universo de maneira total, sendo os 
mitos parte constitutiva dessa forma ampliada de 
explicação da realidade existente� A cosmologia, 
dessa forma, indica as relações existentes entre 
mitos e a sua dimensão prática, os ritos�
Em Antropologia, ritos podem ser compreendidos 
como cerimônias nas quais ocorrem eventos ex-
traordinários (ou seja, que não estão no registro do 
ordinário), caracterizados por conjuntos de palavras 
e de ações ordenadas que definem uma determi-
nada situação em que predominam as interações 
simbólicas� Nesse sentido, esse tipo particular de 
cerimônia está relacionado às mudanças ocorridas 
nas posições e nas identidades assumidas pelas 
pessoas ao longo de suas vidas� Arnold van Gennep 
(1873–1957), um dos primeiros teóricos a investigar 
26
de maneira aprofundada as questões relativas aos 
ritos de passagens, afirma que:
É o próprio fato de viver que exige as passa-
gens sucessivas de uma sociedade especial 
a outra e de uma situação social a outra, de 
tal modo que a vida individual consiste em 
uma sucessão de etapas, tendo por término 
e começo conjuntos da mesma natureza, a 
saber, nascimento, puberdade social, casa-
mento, paternidade, progressão de classe, 
especialização de ocupação, morte (GENNEP, 
2013, p. 21).
Nessa perspectiva apontada por Gennep (2013), os 
ritos são fundamentais para demarcar a mudança 
de espaços e de comportamentos que definem as 
pessoas em determinados momentos de suas vi-
das� Vê-se, desse modo, que a importância dada a 
tais eventos não está restrita apenas aos seus as-
pectos sagrados, uma vez que eles se combinam a 
todo momento com elementos da nossa vida vulgar, 
compreendidos como profanos�
Essas referidas interações podem ser definidas 
como detentoras de características particulares, 
que estão próximas à noção de performance social:
A ação ritual nos seus traços constitutivos 
pode ser vista como “performativa” em três 
sentidos: 1) no sentido pelo qual dizer é 
também fazer alguma coisa como um ato 
27
convencional [como quando se diz “sim” à 
pergunta do padre em um casamento]; 2) 
no sentido pelo qual os participantes expe-
rimentam intensamente uma performance 
que utiliza vários meios de comunicação [um 
exemplo seria o nosso carnaval] e 3), final-
mente, no sentido de valores sendo inferidos 
e criados pelos atores durante a performance 
(por exemplo, quando identificamos como 
“Brasil” o time de futebol campeão do mun-
do) (TAMBIAH apud PEIRANO, 2003, p. 10). 
Dentre os rituais mais comuns, estão aqueles de 
iniciação, de nascimento, de puberdade, nupciais e 
de purificação. Há de se ressaltar que, assim como 
os mitos, os ritos não estão restritos às sociedades 
não-brancas (indígenas e outras), pois são presen-
ças constantes mesmo em sociedades industriais 
e urbanas� Dessa forma, deixamos de compreender 
os rituais exclusivamente como referentes à esfe-
ra do religioso e passamos a pensá-lo também 
em contextos nos quais existe o predomínio do 
pensamento racional, a exemplo das sociedades 
contemporâneas�
28
A identidade do “eu”
Em texto intitulado Uma categoria do espírito hu-
mano: a noção de pessoa, a de “eu”, publicado ori-
ginalmente em 1938, o antropólogo Marcel Mauss 
(1872–1950) dedicou-se a estudar como a ideia de 
que existe um eu, relacionado por sua vez a uma 
pessoa, surgiu e se modificou ao longo dos tem-
pos� Para tanto, o autor defende a necessidade de 
nos afastarmos de uma visão ingênua a respeito 
do sentido que atribuímos a essas duas categorias�
Em primeiro lugar, Mauss defende que mesmo no 
tempo presente não há um consenso sobre o que 
seja o eu em todos os grupos humanos espalhados 
ao redor do mundo� E o mesmo vale para a perspec-
tiva histórica: como, durante o desenrolar do tempo, 
foi elaborada essa noção tão singular, essa forma 
que adquirimos para pensar sobre nós mesmos atra-
vés da noção de eu? Para tanto, Mauss recorre a 
diferentes códigos legais, costumes e religiões, que 
estruturam diferentes sociedades e, consequente-
mente, diferentes mentalidades�
Os exemplos colhidos por Mauss oferecem uma vi-
são para além da nossa própria cultura, de maneira a 
compreender-se as características específicas desse 
grupo estudado, incluindo a própria forma como 
eles se veem� De acordo com Mauss, diferentemente 
de nossa compreensão ocidentalizada do eu como 
relacionado à noção de indivíduo, os Kwakiutl, por 
29
exemplo, compartilham essa noção a partir da ideia 
de atores que são separados por castas:
Ordenam-se as “pessoas humanas”, e, a par-
tir destas, ordenam-se os gestos dos ato-
res num drama. Aqui, todos os atores são 
teoricamente todos os homens livres. Mas, 
destavez, o drama é mais do que estético. 
É religioso, e ao mesmo tempo cósmico, mi-
tológico, social e pessoal (MAUSS, 2003, p. 
376).
30
SAIBA MAIS:
Os gregos acreditavam em seus mitos?
Você já se questionou a respeito de como os gre-
gos consideravam os seus mitos? Será que o re-
lacionamento que eles tinham com suas crenças 
é semelhante ao que as pessoas têm nos dias de 
hoje com suas religiões? Para o historiador Paul 
Veyne, essa não é uma boa analogia, pois induz a 
uma adaptação forçada da experiência histórica 
dos gregos à nossa experiência contemporânea�
Segundo ele, os mundos lendários relacionados 
aos mitos não eram percebidos como mentiras 
pelos gregos, embora eles compreendessem es-
ses universos como pertencentes a um outro lo-
cal, no qual a temporalidade era vista de maneira 
diferente daquela em que as pessoas estavam 
envolvidas� Trata-se, desse modo, de uma for-
ma complexa de se relacionar com os mitos que 
deve levar em consideração as alternativas cul-
turais dessa sociedade�
De acordo com Veyne, “um grego colocava os 
deuses 'no céu’, mas teria ficado atônito se os 
percebesse no céu” (VEYNE,1983, p� 28)� Vê-se, 
desse modo, que, para o historiador, a questão 
não está relacionada exclusivamente à questão 
da crença, mas também à forma como os gregos 
entendiam a própria noção de verdade� Assim, 
diversas percepções a respeito da “verdade” dos 
mitos eram compartilhadas por diferentes es-
tratos da sociedade grega, soando, muitas ve-
zes, contraditórias aos nossos ouvidos de hoje, 
mas fazendo todo o sentido para quem ali se 
encontrava�
31
Sobre o conceito de indivíduo e 
individualismo
Nossa experiência contemporânea define pessoa 
como um indivíduo, ou seja, uma unidade indivisível 
e única que se projeta como distinguível diante do 
grupo do qual participa� Essa perspectiva, como pu-
demos observar, não é universal, uma vez que cada 
cultura possui formas específicas de representar 
as pessoas, sendo a nossa demasiado particular� 
Em outras palavras, a própria forma como conside-
rarmos uns aos outros em nosso meio social e no 
tempo em que vivemos é condicionada por deter-
minantes particulares, não sendo possível esperar 
que toda a diversidade de culturas tenha percebido 
a experiência humana da mesma forma como per-
cebemos nos dias de hoje�
O antropólogo Roberto DaMatta define a forma de 
percepção individual das pessoas como um dado 
evidente de nossas sociedades contemporâneas� 
Afirma ele que:
[...] Individualidade se associa fortemente à 
tradição clássica da filosofia política, uma 
tradição que moldou o pensamento social 
moderno. Um modo de pensar a sociedade 
historicamente fundado e, em consequência, 
sumamente preocupado com as conexões 
entre instituições, práticas sociais e esfe-
ras percebidas como críticas (e universais), 
como o “religioso”, o “político” e o “econô-
mico (DAMATTA, 2000, p. 9).
32
Desse modo, falar de indivíduo em nossa socieda-
de demanda uma conexão com a influência que os 
valores políticos, econômicos e religiosos exercem 
sobre nossa identidade� Nosso comportamento e a 
forma como nos identificamos uns com os outros 
estabelece conexões sobretudo com o tipo de so-
ciedade em que vivemos, ou, no nosso caso, com o 
modelo sócio-histórico denominado capitalismo�
As sociedades capitalistas, provenientes dos va-
lores e padrões de socialização originados no bojo 
da Revolução Francesa (final do século 18) e da 
Revolução Industrial (sobretudo durante o século 
19), constituíram-se como sociedades permeadas 
por ampla diversidade de identidades situadas em 
espaços cada vez mais urbanos e cosmopolitas� 
Esse encontro de identidades torna a compreensão 
da diferença uma necessidade diária aos habitantes 
das grandes cidades, resultando em uma série de 
aspectos que demarcam a experiência do homem 
na multidão�
Dessa forma, a individualidade que marca nossa 
noção de pessoa passa a ser condicionada pelos es-
tímulos específicos de nosso tempo. Tem-se, dessa 
maneira, o advento do individualismo, compreendido 
como um processo de produção de identidades que 
induz a uma intensificação da sensação de autono-
mia das pessoas diante do mundo em que vivem� 
Assim, o individualismo resulta em um sistema de 
pensamentos e de ações que toma como postula-
do o valor da pessoa em detrimento da autoridade 
tradicional dos grupos, ou, em outras palavras, na 
33
produção de pessoas autocentradas propensas a 
afastarem suas personalidades da coletividade�
Figura 4: Figura 5: Operários, obra de Tarsila do Amaral (1933, óleo 
sobre tela, 150x205 cm) Fonte: http://tarsiladoamaral.com.br/obra/
social-1933/ (Acesso em: 12 jun. 2019).
34
http://tarsiladoamaral.com.br/obra/social-1933/
http://tarsiladoamaral.com.br/obra/social-1933/
CONSIDERAÇÕES 
FINAIS
Como estudamos anteriormente, a noção de identi-
dade, quando percebida pela perspectiva analítica da 
Antropologia, indica a existência de uma construção 
social prévia, ou seja, a identidade é produzida e defi-
nida de acordo com os diferentes tempos e espaços 
em que é formulada, seguindo padrões culturais 
distintos� Assim, expressões recorrentes como eu e 
outro ganham novos significados, pois as investiga-
ções realizadas pela Antropologia demonstram que 
essas são formas particulares de compreensão do 
mundo ao nosso redor, sendo impossível reduzir-se 
a pluralidade de perspectivas existentes entre todos 
os grupos humanos a uma construção identitária 
única e parcial�
Na próxima unidade investigaremos outras formas 
de produção das identidades a partir de estudos 
clássicos realizados por antropólogos, de maneira a 
darmos continuidade ao nosso exercício de desna-
turalização do senso comum mediante uma compa-
ração de diferentes grupos humanos, marcada pelo 
reconhecimento da alteridade�
35
c) Sobre os conceitos de individuo 
e individualismo nas sociedades 
urbanas e industrializadas.
b) A identidade do “eu” - Marcel 
Mauss.
c) Franz Boas e Bronislaw 
Malinowski: ênfase nos aspectos 
culturais e no funcionamento interno 
dos grupos.
b) A Antropologia moderna, seus 
métodos, técnicas e objetos de 
estudo: etnografia, etnologia, 
etnocentrismo, culturalismo.
Questões clássicas presentes nos 
estudos antropológicos:
2
Sobre a noção de identidade 
cultural: a formação da identidade 
das pessoas a partir de suas 
relações sociais e culturais. 
Introdução: Antropologia como 
estudo das formas de interação 
humanas.
Antropologia cultural e social como 
estudo das formas culturais e sociais 
das relações entre grupos humanos. 
a) Primórdios da explicação 
antropológica a partir de Michel de 
Montaigne e Jean-Jacques 
Rousseau: o interesse pela 
diversidade humana.
Perspectivas na compreensão das 
culturas:
3
a) Alteridade, identidade coletiva, 
mitos e ritos: Claude Lévi-Strauss e 
Arnold van Gennep.
1
ALGUMAS QUESTÕES
INICIAIS
Referências
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CAMPBELL, Joseph� O poder do mito� São Paulo: 
Palas Athenas, 1988�
CASTRO, Eduardo Viveiros de� A inconstância da 
alma selvagem� São Paulo: Editora Cosac Naify, 
2014�
CASTRO, Celso� Textos básicos de antropologia, cem 
anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi-Strauss e 
outros� Rio de Janeiro: Zahar, 2016�
DAMATTA, Roberto� Individualidade e liminaridade: 
considerações sobre os ritos de passagem e a mo-
dernidade� Mana, Rio de Janeiro, v� 6, n� 1, p� 7-29, 
Abr� 2000�
GENNEP, Arnold van� Os ritos de passagem: estudo 
sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hos-
pitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, 
infância, puberdade, iniciação, coroação, noivado, 
casamento, funerais, estações etc� Petrópolis: Vozes, 
2013�
GEERTZ, Clifford� Nova luz sobre a antropologia� Rio 
de Janeiro: Zahar, 2014�
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Antropologia e teoria etnográfica� Etnográfica, 
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GOMES, Márcio Pereira� Antropologia: ciência do 
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alismo� Rio de Janeiro: Zahar, 2003�
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Edições, 2010�
LÉVI-STRAUSS, Claude� Antropologia estrutural dois� 
São Paulo: Editora Ubu, 2018�
MAUSS, Marcel� Sociologia e antropologia� São 
Paulo: Cosac Naify, 2003�
MONTAIGNE, Michel de� Os ensaios: uma seleção� 
São Paulo: Companhia das Letras, 2010�
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de� Identidade, etnia e 
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1976�
PEIRANO, Mariza� Rituais ontem e hoje� Rio de 
Janeiro: Zahar, 2003�
VELHO, Gilberto� Individualismo e cultura: notas para 
uma antropologia da sociedade contemporânea� Rio 
de Janeiro: Zahar, 1987�
VELHO, Gilberto� Individualismo e cultura: notas para 
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de Janeiro: Zahar, 2012�
VELHO, Gilberto� Um antropólogo na cidade: ensaios 
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WILLIAMS, Raymond� Palabras clave: un vocabulario 
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Visión, 2003�
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