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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SOCIOECONÔMICO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS PEDRO BUENO DE ALMEIDA A MOEDA DESCENTRALIZADA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: O CASO DA BITCOIN P2P DIGITAL CURRENCY. Florianópolis, 2013 PEDRO BUENO DE ALMEIDA A MOEDA DESCENTRALIZADA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: O CASO DA BITCOIN P2P DIGITAL CURRENCY. Monografia submetida ao curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Roberto Meurer FLORIANÓPOLIS, 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,0 ao acadêmico Pedro Bueno de Almeida na disciplina CNM 5420 – Monografia, pela apresentação deste trabalho. Banca Examinadora: ------------------------------------------------- Prof. Dr. Roberto Meurer -------------------------------------------------- Prof. Dr. João Rogério Sanson -------------------------------------------------- Prof. Bruno Lorenzi Cancelie Mazzucco RESUMO ALMEIDA, Pedro Bueno de. A Moeda Descentralizada na Sociedade Contemporânea: O caso da Bitcoin P2P Digital Currency. 68 f. Curso de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. A moeda é um objeto que já está presente na humanidade há tanto tempo que a sua existência e funcionamento parece algo natural, como se sempre estivesse ali. O monopólio sobre a emissão de moedas pelos Estados Nacionais também é um fator que se mantém presente há tanto tempo que o seu questionamento raramente ocorre. Porém, através de uma perspectiva histórica é possível visualizar as mudanças que ocorreram no decorrer dos séculos e principalmente as mudanças que estão ocorrendo neste exato momento na sociedade contemporânea. O avanço tecnológico na área de computação e da internet nas últimas décadas criou um novo ambiente de geração de conhecimento e relações sociais. A ausência de fronteiras no mundo virtual tem permitido o desenvolvimento de redes de comunicação que abrange uma grande magnitude de pessoas em diversos países. Neste ambiente virtual e tecnológico que a computação e o aprimoramento das redes têm possibilitado que surge a Bitcoin P2P Digital Currency, uma moeda descentralizada de qualquer origem estatal, funcionando inteiramente através das trocas de informações entre computadores pela internet. A pesquisa abordou as deficiências e eficiências que a utilização da Bitcoin possibilita para as relações econômicas do mundo, além de discutir o desenvolvimento da qual tem até o momento se mostrado a moeda virtual tour de force em comparação com as outras experiências de moedas virtuais que já existiram. Palavras-chave: Moeda Descentralizada; Avanço Tecnológico; Redes de Comunicação; Bitcoin. ABSTRACT ALMEIDA, Pedro Bueno de. The Decentralized Currency in the Contemporary Society: The Bitcoin P2P Digital Currency case. 68 f. Curso de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. The currency is an object that is present in humankind for so long that its existence and functionality seems natural, as if it has always been there. The monopoly in the issuance of money by the Nation States is also a factor that is present for so long that its questioning rarely occurs. Nevertheless, through a historical perspective it is possible to see the changes that have occurred over the past centuries and especially the changes that are occurring right now in the contemporary society. The technological progress in computers and in the internet over the past decades created a new environment for the development of knowledge and social relations. The absence of boundaries in the virtual world has allowed the development of network communications that covers a large magnitude of people in several countries. In this virtual and technological environment, that the improvement of networks and computing made possible, the Bitcoin P2P Digital Currency arises, a decentralized currency apart from any government, functioning entirely through the exchange of information between computers over the internet. This study addressed the deficiencies and efficiencies that the use of the Bitcoin enables for economic relations in the world, and discusses the development of which has so far proved to be the Virtual Currency tour de force in comparison with others experiments of virtual coins that already existed. Keywords: Decentralized Currency; Technological Progress; Network Communications; Bitcoin. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 3 1.1 Tema e Problema de Pesquisa ...................................................................................... 3 1.2 Objetivos ......................................................................................................................... 4 1.2.1 Objetivo Geral .......................................................................................................... 4 1.2.2 Objetivos Específicos ............................................................................................... 4 1.3 Justificativa ..................................................................................................................... 5 2. METODOLOGIA ................................................................................................................... 6 3. PARTE I: A MOEDA ............................................................................................................ 7 3.1 Visão Clássica ................................................................................................................. 7 3.2 Moeda em Roma .......................................................................................................... 11 3.4 Comércio Medieval ...................................................................................................... 14 3.5 Liberdade e o Capital .................................................................................................. 18 3.5.1 Padrão-ouro ............................................................................................................ 18 3.5.2 Visão Austríaca ...................................................................................................... 21 3.5.3 Moeda privada na América do Norte ..................................................................... 24 4. PARTE II: O VIRTUAL ...................................................................................................... 29 4.1 A internet ...................................................................................................................... 29 4.1.1 Surgimento da computação e a internet ................................................................. 29 4.1.3 Comunidades e Fóruns ........................................................................................... 33 4.1.4 Conexão P2P .......................................................................................................... 35 4.1.5 Cypherpunks .......................................................................................................... 37 4.2 Bitcoin ........................................................................................................................... 39 4.2.1 Nascimento e proposta ...........................................................................................39 4.2.2 Reações e inserção ................................................................................................. 45 4.2.3 A Bitcoin na Economia .......................................................................................... 53 5. PARTE III: ECONOMIA DESCENTRALIZADA ............................................................. 57 6. CONCLUSÕES .................................................................................................................... 62 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 65 3 1. INTRODUÇÃO 1.1 Tema e Problema de Pesquisa O dinheiro como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta está presente desde muito tempo nas relações comerciais da sociedade, onde o poder econômico foi usado muitas vezes como forma de coerção e domínio de uma população, seja estampando a face do príncipe nas moedas ou recolhendo tributos (ROTHBARD, 2006). A ideia de que o Estado é o detentor do poder legítimo de emitir moeda e controlar as relações de troca é algo que foi culturalmente criado, parecendo muitas vezes um fato natural, digno, pro hominem. Este trabalho tem a intenção de demonstrar, como uma moeda descentralizada funcionaria na sociedade contemporânea. A lógica do uso de uma moeda privada e sem governo já foi amplamente explorada por Hayek (1990) na década de 1970, porém, com o avanço tecnológico, muitos fatores que anos atrás pareciam utópicos agora já são passíveis de ocorrer, como é o caso do uso de moedas virtuais. Na era da computação e da internet, muitos dos elementos críticos de implementação de um sistema monetário descentralizado, como os altos custos e precariedade da engenharia matemática computacional, foram superados com o avanço tecnológico e mais precisamente com o aumento da rapidez das trocas de informações. Este trabalho analisa o uso da Bitcoin P2P Digital Currency como modelo de uma moeda digital descentralizada, questionando a utilidade de uma moeda desatrelada de um governo central, que não é afetada por medidas de política monetária e não possui um banco central como emissor de moeda. Será discutindo temas relacionados com a liberdade de comunicação no meio eletrônico através de softwares livres e programas de código aberto que influenciaram e deram origem à própria concepção da moeda Bitcoin. A utilização de uma moeda digital que não possui um sistema centralizado possibilita uma redução nos custos de transações, uma vez que toda a engenharia necessária para efetuar transações funciona de forma pulverizada na rede, não sendo necessário o uso de uma grande organização bancária e financeira intermediadora. Dessa forma, a funcionalidade de uma moeda com essas características pode estar sinalizando o que um dia pode se tornar um novo modelo de transações comerciais, colocando o sistema financeiro atual em uma posição de iminente obsolescência. 4 1.2 Objetivos 1.2.1 Objetivo Geral Objetivo central do trabalho é discutir as consequências do uso de uma moeda descentralizada, se existe a possibilidade, necessidade e utilidade na adoção de um meio de troca que seja à parte do controle governamental, tanto pelos princípios morais de liberdade (MISES, 1987), quanto pela eficiência nas relações comerciais pelos agentes do mercado. 1.2.2 Objetivos Específicos Demonstrar as consequências do uso da moeda em um contexto histórico, evoluindo dos antigos filósofos gregos até pensadores atuais. Utilizar do embasamento teórico de vários autores e economistas que buscavam fundamentar o uso de uma moeda sem o controle do governo. Discutir conceitos sobre o avanço tecnológico e ampliação da internet que possibilitaram a digitalização dos mercados financeiros. Discutir temas relacionados com a criação de comunidades e fóruns que possibilitam a criação de softwares livres e de código aberto. Analisar o uso da moeda Bitcoin P2P Digital Currency em seu contexto de impacto econômico, funcionalidade e utilidade como uma forma alternativa de moeda para transações financeiras. 5 1.3 Justificativa O processo de digitalização dos mercados financeiros que aconteceu no fim do século XX possibilitou uma expansão muito maior do processo de globalização (HALL, 2011). A quase totalidade das transações econômicas agora são feitas eletronicamente, tanto operações entre agentes como políticas monetárias. Então, a elaboração de uma nova moeda precisaria necessariamente interagir dentro deste novo padrão de negociação. Assim, além de analisar os valores teóricos da utilização de uma moeda sem governo, busca-se compreender a utilidade que essa moeda teria na sociedade contemporânea, uma vez que com a redução dos custos de manutenção e o aumento da velocidade de comunicação, o cenário atual tende a ser mais propício para o funcionamento de um sistema com moedas descentralizadas em comparação com décadas anteriores. A partir de uma perspectiva história, contextualizando a origem da moeda e o seu desenvolvimento no decorrer do tempo, torna-se possível apontar as mudanças e semelhanças entre a proposta de uma moeda virtual descentralizada e outras experiências monetárias de épocas passadas. Além disso, uma contextualização histórica permite apontar os fatores que levaram as moedas descentralizadas a surgirem no século XXI e não em épocas passadas, devido à importância que o avanço tecnológico tem ocasionado no crescimento das comunicações e desenvolvimento de tecnologias computacionais. 6 2. METODOLOGIA O método de construção do conhecimento deste trabalho é realizado utilizando o processo de pesquisa exploratória, analisando fatos históricos através da leitura de ampla bibliografia (SALOMON, 2004). Realizando comparações teóricas e avaliando possíveis desdobramentos do tema em análise, sempre em sintonia com a teoria econômica e às referências escolhidas. Em um primeiro momento é demonstrando as características históricas e conceitos relacionados à origem da moeda e seu desenvolvimento. Em seguida, uma segunda parte onde são tratados conceitos do mundo virtual, relacionando o desenvolvimento da internet com a digitalização dos mercados financeiros, assim como uma análise sobre os novos modelos de criação de conhecimento. Neste momento, já é possível explorar a moeda virtual Bitcoin P2P Digital Currency em sua interação com a economia e a abertura de novas formas de negociação. E uma terceira parte conclusiva onde é discutidas questões a respeito do desenvolvimento dos mercados financeiros mundiais, explorando conceitos sobre economia descentralizada e as novas perspectivas em relação às moedas. 7 3. PARTE I: A MOEDA 3.1 Visão Clássica A análise sobre uma moeda digital não se resume somente ao horizonte teórico das últimas décadas do nosso mundo contemporâneo. É preciso voltar à origem das ideias e pensamentos que embasam o mundo atual, a fim de evidenciarmos os processos-chave que nos fazem interagir na economia do jeito que fazemos hoje. A moeda de qualquer país possui uma evolução histórica que muitas vezes passa despercebida em meio às incontáveis transações que perpetuam o sistema financeiro mundial. A moeda sempre teve a mesma razão para existir, seja na simplicidade da antiguidade ou na complexidade dos mercados financeiros atuais. Logo, antes de explorar o desdobramento das moedas virtuais devemos voltar ao passado e analisar a moeda em sua história. A moeda surgiu como uma forma de facilitar as relações comerciais entre os indivíduos, funcionando como um meio de troca para transação de produtos. Por possuir a característica de unidade de conta, foi possível realizaro cálculo exato das transações; e por ser reserva de valor, a moeda se tornava um bem valioso e intercambiável em vários territórios. A moeda precisava ser durável, divisível e fácil de ser portada e transportada pelas pessoas. E por se encaixarem perfeitamente nessas características é que os metais preciosos foram amplamente utilizados para a confecção das moedas por tantos séculos em várias partes do mundo (FERGUSON, 2008). Um dos primeiros indícios referentes à origem da moeda tem como fonte a cidade de Lídia, localizada na antiga região da Anatólia, atual Turquia, durante o século VII a.C.. As moedas eram compostas por um misto de ouro e prata, e possuíam a imagem de um leão em referencia ao símbolo do Rei Alyattes. Nos séculos posteriores, houve a disseminação da utilização de moedas para a Grécia e toda a região do mediterrâneo. A partir do momento que a moeda começou a fazer parte da sociedade grega, a sua relação com a filosofia sempre esteve presente, onde vários dos filósofos gregos questionavam a relação entre a moeda e a sua sociedade (RHODES, 2010). Ao voltarmos à Grécia Antiga, encontramos os primeiros questionamentos sobre o funcionamento da moeda na economia e das relações humanas da sociedade. Para Platão, o homem deveria ir contra as limitações impostas pela natureza a fim de conseguir superar as suas dificuldades e atingir um patamar sem limites. Já para os aristotélicos, o homem é uma mera criatura como outra qualquer, não sendo eterno ou especial, mas sim mais um fator 8 advindo da ordem natural em que se deu o mundo. Onde a lei natural aristotélica já praticava o exercício de ver o mundo de um ponto de vista lógico, usando princípios morais da natureza humana para elaborar teorias e motivos que levam o homem a ser o que é (SHIELDS, 2012). Os Gregos viviam nas chamadas polis, que poderiam ser consideradas pequenas cidades-Estado, e remonta àquela época o início de um processo de democracia. Não uma democracia como temos hoje, pois apenas uma pequena parte da população de fato escolhia os rumos da política da polis, mas foi este modelo que serviu séculos depois como exemplo para a formação dos Estados ocidentais modernos. Naquele período, além do fomento de ideias de justiça, moralidade e até mesmo de alquimia, o desenrolar do pensamento filosófico foi um extraordinário avanço de conhecimento que seria resgatado posteriormente pelos percussores do pensamento econômico, seja pelos escolásticos medievais ou por Adam Smith e David Ricardo. Mas mesmo naquela época o impacto político que estes filósofos tinham sobre os acontecimentos da região era considerável, o próprio Aristóteles discípulo de Platão, discípulo de Sócrates, foi mentor de quem anos mais tarde se tornaria um dos maiores conquistadores do mundo, Alexandre, o Grande (ROTHBARD, 2006). De acordo com Rothbard, depois de Aristóteles a escola filosófica grega que merece mais destaque são os Estoicos, fundada por Zeno of Citium1, a qual tem como característica mais marcante o estabelecimento sistemático dos primeiros princípios de liberdade, ética, moralidade e ordenamento da esfera jurídica. Enquanto Platão e Aristóteles desenvolveram suas filosofias em pleno contato com a polis grega, onde a verdadeira virtude humana era a própria cidade-Estado (ROSSI; TIERNO, 2009, p. 201), com a queda e subjugação da polis após Aristóteles, os Estoicos começaram a desenvolver uma linha de pensamento muito mais livre, que via a lei natural de uma maneira muito mais aberta e universal. Para os Estoicos, as virtudes humanas em relação à ética e aos direitos morais transcendiam as barreiras culturais e políticas, onde todos os seres humanos dotados de racionalidade deveriam agir e ser tratados da mesma maneira, não importando as ideologias ou região geográfica dos indivíduos. O pensamento originário dos Estoicos se manteve presente por muitos séculos e influenciou fortemente o Império Romano. “Some Roman jurists declared that property rights were required by the natural law. The Romans also founded the law merchant, and Roman law strongly influenced the common law of the English-speaking countries and the civil law of the 1 “Zenão de Cítio”, viveu entre 334 a.C. e 262 a.C. na Grécia. 9 continent of Europe” (ROTHBARD, 2006, p. 23)2. O domínio quase total da Europa por Roma durante a primeira metade do primeiro milênio d.C. teve uma influência gigantesca na concepção dessas regiões, tanto na questão cultural, da linguagem e arte, assim como em relação à política e aos moldes governamentais nas futuras nações do continente Europeu e posteriormente nas colônias do novo mundo. Durante o Império Romano, as moedas eram amplamente utilizadas, sendo forjadas com figuras importantes da política romana, normalmente estampando a face do imperador vigente em conjunto com figuras mitológicas, como uma forma de legitimar o poder do Estado (CARLAN, 2007). As moedas não se restringiam somente à região mediterrânica, grega e romana, por mais que os indícios mostrem que a origem da moeda tenha sido dessas regiões. Na antiga China, em aproximadamente 221 a.C., foi introduzidas moedas de cobre pelo imperador Qin Shihuangdi (FERGUSON, 2008, p. 24), o qual foi responsável pela unificação e consolidação do império Chinês. Foi da China também que se estruturaram algumas teorias que ficaram restritas e quase esquecidas àquele território durante muitos séculos. Alguns pensadores da época possuíam certas noções de liberdade política e laissez-faire relativamente muito mais avançadas que os outros continentes sequer tiveram por muito tempo. “I take no action yet the people transform themselves, I favor quiescence and the people right themselves, I take no action and the people enrich themselves (...)” (ROTHBARD, 2006, p. 24)3, palavras de Lao Tzu, fundador da corrente de pensamento Taoísta, o qual preconizava que o governo e as instituições funcionavam em um sentido que prejudicava as relações sociais dos indivíduos, reduzindo a felicidade e o livre arbítrio. Com uma visão radical, Lao Tzu defendia que todas as instituições de controle deveriam de fato ser abolidas e o Estado deveria adotar uma política de controle mínimo sobre a população. “The more artificial taboos and restrictions there are in the world, the more the people are impoverished... The more that laws and regulations are given prominence, the more thieves and robbers there will be” (ROTHBARD, 2006, p. 23-24)4. Segundo os Taoístas, o mais correto a ser feito seria manter o governo de forma simples, para que as relações sociais e econômicas se estabilizassem sozinhas. 2 Tradução nossa: “Alguns juristas romanos declararam que os direitos de propriedade eram justificados pela lei natural. Os romanos também fundaram a lei mercantil, e as leis romanas influenciaram fortemente as leis comuns dos países de língua inglesa e a lei civil do continente europeu.” 3 Tradução nossa: “Eu não tomo nenhuma ação, mesmo assim as pessoas se transformam, eu favoreço a quiescência e as pessoas se endireitam, eu não tomo nenhuma ação e as pessoas enriquecem sozinhas.” 4 Tradução nossa: “Quanto mais tabus artificiais e restrições existirem no mundo, mais as pessoas serão pobres... Quanto mais leis e regulamentos são colocados em destaque, mais ladrões e assaltantes existirão.” 10 A moeda foi o fator inicial facilitador das transações comerciais, mas desde muito tempo existiram sistemas de crédito que por mais arcaicos que fossem, funcionavam para que as transações fossem realizadas. Na região da Mesopotâmia, há cinco mil anos atrás, quadros de argila eram usados para anotar transações da agricultura local e mostrar quem que devia para quem determinado produto e qual o preço negociado. Do ponto de vista do valor, as argilas,ou as moedas da antiga Lídia, o papel-dinheiro atual, ou as moedas virtuais, nada mais são do que uma convenção mútua de confiabilidade entre os indivíduos que determinam se a moeda utilizada possui valor ou não (FERGUSON, 2008, p. 24). As pessoas utilizariam meros pedaços metálicos sem valores de uso precisos em troca de produtos e serviços reais em uma economia? Este é um dos fatores que envolvem o “mistério” por trás das moedas, algo que vai além das simples características físicas do objeto de troca. O ouro, a prata, o dólar ou qualquer outro meio de troca utilizado somente adquire a função de dinheiro – não por causa de uma mudança física em suas características – mas sim por causa de uma convenção social que adota estes objetos como representações de valor. Este “mistério” da moeda com o passar dos séculos tem se tornado cada vez maior, principalmente devido ao fim do padrão-ouro e o aumento da digitalização dos mercados financeiros (WHITE, 1999, p. 3). O economista austríaco Carl Menger, elaborou uma explicação de como as moedas emergem espontaneamente e são adotadas pela população em geral sem que alguém tenha que de fato criá-las. Tudo se baseia em uma “convenção social” criada através das experiências de trocas adquiridas com o tempo. Em um mercado onde acontecem somente trocas diretas, será muito difícil que cada vendedor com um produto diferente consiga trocá-lo por outro que deseja. No exemplo de Menger, um vendedor A que deseja trocar aspargos por bacon somente realizará a transação se encontrar um segundo vendedor B que deseja trocar bacon por aspargos, algo que pode ser muito complicado dependendo do arranjo econômico do mercado em questão. Porém, a partir do momento em que vários vendedores e compradores entrarem no mercado, com o passar do tempo determinada mercadoria será a mais amplamente aceita pelos comerciantes. Pois, embora os vendedores estejam dispostos a trocar as suas mercadorias individuais por outras, existirá alguma mercadoria em comum que a maioria dos outros vendedores também estão desejosos em adquirir. Deste modo, alguns vendedores analisando os moldes do mercado irão utilizar determinada mercadoria como seu principal meio de troca. Assim, através de uma convenção social, os demais comerciantes também perceberão que determinada mercadoria está sendo amplamente aceita e a utilizarão, nascendo assim um sistema monetário. 11 A teoria de Menger mostra que não é preciso uma legislação ou consenso social explícito para tornar determinada mercadoria em dinheiro, este fenômeno acontece espontaneamente. A própria concepção da unidade de conta também é um fator que floresce socialmente, não sendo necessária uma decisão coletiva sobre quais os valores que devem ser atribuídos a cada produto transacionado. Os vendedores saberão por si mesmos, ao analisar o mercado e os demais vendedores, quais devem ser o preço e a unidade de conta utilizada para as mercadorias que pretendem vender. A transição do meio de troca das mercadorias commodities para as moedas se deu por causa das propriedades físicas dos metais e suas características que promoviam facilidade nas transações. O exemplo mengeriano de trocas e da convenção social convergiu para a adoção de bens que facilitavam cada vez mais as relações comerciais, surgindo então o uso das moedas metálicas como dinheiro. O avanço para mecanismos mais complexos de cunhagem vieram com o tempo, como uma forma de aumentar a autenticação das moedas, evitando assim a princípio a manipulação fraudulenta em seu conteúdo metálico. A cunhagem das moedas sempre esteve vinculada ao monopólio estatal que desde o início das primeiras relações comerciais monetárias esteve presente controlando o fluxo de dinheiro. Porém, segundo White (1999), não existem sinais de que a cunhagem devesse ser um monopólio natural. O autor destacada que muito do interesse do Estado por trás do monopólio no controle monetário era com a intenção de adquirir os lucros advindos do processo de senhoriagem, onde a fabricação de moedas acaba por gerar ganhos devido ao baixo custo de produção em relação ao seu valor de mercado. 3.2 Moeda em Roma O império Romano influenciou os hábitos, costumes e relações sociais de grande parte da Europa e dos arredores do mar Mediterrâneo durante muitos séculos. A forma como os romanos representavam o poder do Estado na cunhagem das moedas é um fator interessante de ser observado, onde através do uso de imagens e símbolos mitológicos ou religiosos o poder estatal sempre tentou colocar-se como um representante do poder divino. A cunhagem de moedas e sua utilização em Roma se deram mais tardiamente que na Grécia e na Ásia. Um dos motivos destacados seria a falta de metais preciosos na região, onde somente após a segunda guerra Púnica que de fato foi introduzido moedas de prata para circulação. As moedas de ouro, denominadas de áureo, eram utilizadas primariamente como unidade de conta do que de fato para transações comerciais dentro de Roma. Somente em 12 casos de comércio com outras regiões e povos do mediterrâneo que o ouro era predominantemente utilizado (CARLAN, 2007, p. 112-114). O processo de cunhagem e fabricação das moedas que continham metais preciosos era restrito ao governo central romano, as demais províncias somente podiam cunhar moedas para utilização interna se houvesse necessidade. Foram inúmeras as reformas monetárias durante a glória romana. Segundo Carlan (2007), durante todo o período de dominação romana houve a variação do conteúdo metálico das moedas utilizadas, tendendo quase sempre para baixo. As reformas de aviltamento monetário eram normalmente realizadas como uma forma do Estado gerar riquezas para subsidiar guerras e as despesas com o exército. A forte desvalorização monetária gradativa durante séculos levou a um forte processo inflacionário. A região da Itália não possuía grandes reservas de metais preciosos, dessa forma o ouro e a prata vinham para Roma de outras regiões, normalmente através dos saques e o domínio de outros povos. Porém, com a estagnação da expansão romana, começou a ocorrer a falta de metais em seu território, fator que somado à constante desvalorização das moedas, é um dos motivos apontados para o declínio do Império Romano. O fim da expansão romana levou à escassez de mão-de-obra, onde conjuntamente com a consolidação do cristianismo e o constante avanço dos povos bárbaros sobre seu domínio, acabou resultando em uma modificação nas relações de trabalho do império. Muitos proprietários de terras começaram a libertar seus escravos e a fornecer a eles territórios em troca de parte da produção. “Muitos camponeses livres que não podiam pagar os crescentes impostos, nem evitar saques de seus campos, abandonaram suas terras, colocando-se sobre a proteção de grandes latifundiários. Surgindo assim o colonato” (CARLAN, 2007, p. 117-118), estes fatores resultariam, nos séculos subsequentes, na consolidação do feudalismo. Durante este período, existiu um forte embate entre as culturas antigas politeístas e a religião cristã, esta última consolidada como a religião oficial do Império Romano durante o governo de Teodósio I. O momento em questão acabava por ser representado nas moedas do período, com a substituição dos deuses antigos por elementos cristãos. De certa forma, a numismática nos mostra que a moeda por muito tempo serviu como um objeto que ia além da função econômica, identificando povos e nações, assim como servindo de instrumento de legitimação emblemática do Estado, como ressaltado por Florenzano (1997): É um instrumento que atua na esfera do econômico, mas de um econômico que não é desvinculado da esfera social, política e religiosa. Ao contrário, a multiplicidade de usos - políticos, financeiros, religiosos/mágicos - identificada pelos especialistas na moeda, oferece sustentaçãopara uma 13 visão de uma sociedade na qual os aspectos econômicos, políticos e religiosos aparecem sobrepostos. Desta forma, a moeda adquire um significado importante como suporte de uma nova maneira de pensar o mundo, o poder, a vida em sociedade, maneira de pensar (...) (FLORENZANO, 1997, p. 192). A moeda pode ser encarada como símbolo que demonstrava tanto fatores sociais como políticos de uma era. Como identificado por Carlan (2012, p. 68), a moeda era definida "como um monumento oficial a serviço do Estado." A humanidade possuía a necessidade de se identificar através de símbolos e as moedas serviram para essa função com plenitude. Durante momentos onde a troca de informações era limitada, a estampa das moedas era a forma mais promissora de propaganda. Como explorado pelo o filósofo alemão Ernst Cassirer, antes de se identificar o ser humano como animal rationale, este deveria ser definido como um animal symbolicum5, onde através do uso de símbolos, poderia depreender interpretações sobre a época e a formação de determinadas nações, culturas e crenças. Em um mundo onde existia forte analfabetismo, os símbolos desempenhavam uma função primordial de linguagem, utilizando do visual como principal forma de transmitir informações, e nada mais representativo do que a própria moeda, que além de representar a riqueza e prosperidade, era utilizada cotidianamente por todas as pessoas da nação nas mais simples trocas comerciais. Como explicado por Hayek (1990): “The coins served, indeed, largely as the symbols of might, like the flag, through which the ruler asserted his sovereignty, and told his people who their master was whose image the coins carried to the remotest parts of his realm” (HAYEK 1990, p. 29)6. De acordo com o Gibbon (2008), a Roma antiga perdurou por aproximadamente doze séculos, passando pelo controle monárquico, pela república romana, até se consolidar como um Estado autocrático. Muitos foram os embates políticos e administrativos da região, principalmente durante o declínio do Baixo império que se estendeu entre os séculos III e V, onde Roma foi assolada por revoltas internas e crises econômicas. Durante o século III, houve intensas mudanças de imperadores durante um curto período de tempo, alguns que governaram por poucos anos ou meses, fator que mostra a instabilidade do período. Os limites geográficos do império ficaram desprotegidos, uma vez que os imperadores se importavam 5 Aristóteles se referia ao ser humano como um animal rationale (animal racional), já Ernst Cassirer definiu o novo conceito de animal symbolicum que se referia ao ser humano como um ser diretamente influenciado pelos símbolos historicamente criados em todos os aspectos da sua experiência. 6 Tradução nossa: “As moedas serviram de fato, em grande parte como os símbolos do poder, como a bandeira, através do qual o governante afirmou sua soberania, e disse a seu povo quem era o seu mestre, cuja imagem as moedas transportavam para as partes mais remotas do reino.” 14 mais com a retomada do poder do que com a manutenção do território. Somente com a ascensão de Diocleciano como imperador em 284 D.C. e a instauração da Tetrarquia, que dividia o império em quatro regiões administradas por imperadores distintos, é que houve a volta da estabilidade política. Porém, com a nomeação de Constantino em 306 D.C. como Augustus e imperador da Tetrarquia referente à Bretanha, Gália e Espanha, novamente houve a disputa interna pelo poder. Constantino guerreou com os demais membros da Tetrarquia até concentrar todo o poder do império sob seu controle, desse modo revitalizou a cidade de Bizâncio na parte leste do império, a qual ficou mais conhecida como Constantinopla. O imperador Constantino foi o primeiro imperador a se converter ao cristianismo e a fomentar o livre culto da religião cristã em território romano, principalmente após o Édito de Milão7. O declínio do Império Romano do Ocidente se deu por vários motivos, tanto do ponto de vista econômico com a deterioração do valor das moedas devido às constantes reformas monetárias, quanto com o avanço bárbaro e huno que dominou seus territórios e enfraqueceu os exércitos; as novas crenças cristãs também repercutiram na forma como os romanos viam as guerras, não mais tão dispostos a abrir mão da própria vida pelo Estado. Mas foi somente em 476 D.C., marcado historicamente como o fim do Império Romano e início da Idade Média, onde Flavius Odoacer, um comandante bárbaro, matou o último imperador romano do ocidente, Romulus Augustus, e se tornou Rei da Itália. Já o Império Romano do Oriente, que possuía a cidade de Constantinopla como poder central e administrativo do império, perdurou por aproximadamente mais mil anos, permanecendo como o reino cristão mais estável durante a Idade Média (GIBBON, 2008). 3.4 Comércio Medieval Apesar do declínio romano e a queda de Roma após o século V, o comércio do Mediterrâneo pouco foi afetado pelo domínio bárbaro da região, o que se deu na verdade foi a intensificação e o aumento do comércio em cidades portuárias como Veneza, Gênova e Marselha. A cada século, estas cidades se tornavam mais importantes, virando verdadeiros centros comerciais que serviam de ligação entre as mercadorias do oriente e do ocidente. Porém, a Idade Média foi em muitas regiões um período de estagnação. Com a transformação do colonato em regime feudal, as relações tanto econômicas quanto sociais 7 “O Édito de Milão (313 d.C.), também referenciado como Édito da Tolerância, declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente do Cristianismo” (ÉDITO DE MILÃO, 2013). 15 ficaram restringidas aos limites do feudo. Pouco era comercializado, prevalecendo a simples troca de subsistência entre as pessoas de cada feudo. A mudança e crescimento do comércio na Europa, com o estabelecimento de outras cidades comerciais além das portuárias, aconteceram de forma gradativa no decorrer dos séculos. Os acordos firmados entre os comerciantes e os reis ou senhores feudais para o estabelecimento de feiras em determinadas rotas foi um dos fatores que levaram ao crescimento de cidades como Poix, Lagny, Provins e Troyes (HUBERMAN, 1985, p. 30). Na região de Champagne na França, por exemplo, eram realizadas feiras semanais e anuais onde eram trocadas mercadorias de várias regiões distintas, principalmente mercadorias asiáticas que eram amplamente cobiçadas e possuíam preços altos; tudo isso acontecia em um local de salvo-conduto onde os comerciantes podiam transitar livremente e os impostos não eram exagerados. Em um momento onde as estradas eram precárias e os saques eram frequentes, o estabelecimento de um local comum para a realização do comércio, com as devidas salvaguardas do rei, era de fato necessário. A moeda teve novamente um papel importantíssimo durante este período, como uma herança romano-bizantina. O sistema monetário dos reis francos se assemelhava ao modelo de Roma, mantendo as mesmas características de cunhagem e os seus valores simbólicos (PIRENNE, 1973, p. 18). Dessa forma, as feiras da Idade Média concentravam vários comerciantes de várias regiões distintas, consequentemente com moedas diferentes. Logo, surgiu a classe dos trocadores de dinheiro, que se estabeleciam nas feiras e ficavam medindo e pesando as moedas e realizando as trocas cambiais necessárias para o comércio. Como afirmado por Huberman (1985): “As feiras tinham, assim, importância não só por causa do comércio, mas porque aí se efetuavam transações financeiras” (HUBERMAN 1985, p. 33). Foi neste período em que houve o nascimento da classe dos bancários e o aperfeiçoamento das operações financeiras. Talvezuma das cidades medievais que mereça mais destaque em seu desenvolvimento foi a cidade italiana de Veneza. Com seu canal aberto para o mar Adriático, em uma localização que servia de entrada para a Europa, a cidade se tornou um verdadeiro centro comercial e onde ocorreu imensos avanços em relação à financeirização do comércio. Como destacado por Richard Sennett (2010), em seu livro “Carne e Pedra”, a cidade de Veneza era mantida majoritariamente pelas atividades comerciais e principalmente pelos estrangeiros que frequentavam-na. Dessa forma, existia uma grande variedade de etnias na região, onde todos precisavam um do outro para realizar seus negócios. 16 Um dos exemplos clássicos é a grande população de judeus que residia em Veneza e era de extrema importância para a vitalidade das operações financeiras. Pois, como a religião cristã condenava fortemente a usura, e a religião judaica era mais branda em relação ao empréstimo de dinheiro e sua posterior cobrança com juros, os judeus acabavam por desempenhar a função chave de fornecedores de crédito. Função realizada pelo personagem Shylock em “O Mercado de Veneza” de William Shakespeare e que na atualidade é realizada por bancos, governos ou empresas privadas e é de grande importância para o fomento do comércio. Mas é importante ressaltar que o convívio entre judeus e cristãos em Veneza não foi amigável. Desde que os cristãos culparam os judeus pela morte de Jesus, sempre houve embates entre as duas religiões, muitas vezes sangrentos através dos pogrons8 que perduram até os dias atuais. Assim, os judeus de Veneza podiam frequentar a pequena ilha para realizar os afazeres comerciais, mas ao anoitecer tinham que se deslocar para uma parte reservada da ilha, lugar que ficou conhecido como o Gueto Judeu de Veneza, onde os portões eram trancados e de lá eles somente poderiam sair no dia seguinte. Como destacado por Sennett (2010): “Os corpos judaicos pareciam abrigar uma miríade de doenças decorrentes das suas praticas religiosas. Pouco antes de 1512, Sigismondo de `Contida Foligno relacionou a sífilis à lepra, considerando-as doenças do judaísmo (...)” (SENNETT 2010, p. 231). Existiam fortes preconceitos entre as duas religiões, principalmente depois do Concílio de Latrão, de 1179, onde novas sanções foram impostas contra os judeus pela Igreja Católica. Mas os representantes do governo da cidade de forma alguma acataram o fervor religioso em prol da expulsão dos judeus de Veneza, principalmente pelos motivos econômicos que faziam-nos serem fundamentais para o funcionamento da cidade. Além das altas taxas de impostos pagos pelos judeus, segundo as palavras de um cidadão venezience influente: “judeus são mais necessários que os banqueiros, que, aliás, não passam sem eles” (SENNETT, 2010, p. 235). Outro fator a ser considerado neste período foi o avanço do conhecimento científico e principalmente da matemática, que possibilitou novas formas de cálculos e consequentemente afetou as relações econômicas do período. Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci, aprimorou os cálculos utilizando algarismos indianos e árabes como concepção numérica, tornando os cálculos mais rápidos do que utilizando o antigo modelo com caracteres romanos. 8 “Pogrom é um ataque violento maciço a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos em massa de violência, espontânea ou premeditada, contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias étnicas da Europa, porém é aplicável a outros casos, a envolver países e povos do mundo inteiro” (POGROM, 2012). 17 Grande parte desses conhecimentos foram publicados em seu livro, Liber Abaci em 1202, que continha informações sobre contabilidade e ajudou a melhorar as finanças da época. Finanças essas que foram muito bem utilizadas por Giovanni di Bicci de' Medici e que colocaram o sobrenome Medici como uma das famílias mais ricas e importantes da Europa nos séculos XIV e XV. Giovanni de' Medici explorou as oportunidades do mercado de conversão de moedas, cobrando uma comissão pela troca de uma moeda por outra. Além disso, fornecia letras de câmbio que funcionavam como meios de pagamento quando um mercador precisasse pagar outro sem possuir o dinheiro no momento, sendo o início do sistema de crédito que conhecemos hoje. Foi neste período em que houve o nascimento dos primeiros bancos, sendo o banco dos Medici o mais respeitado da Europa durante o auge de sua dinastia. Em pouco tempo a família Medici já oferecia os seus serviços financeiros nas principais cidades da Europa, entre elas Londres, Genebra, Veneza e Florença (FERGUSON, 2008, p. 41-50). Este foi o momento onde aconteceu a introdução dos primeiros papéis-moedas na Europa, que funcionavam dando o direito de quem os possuísse de trocá-los por ouro ou prata nos bancos, ou seja, era a representação de determinada quantia em papel que poderia ser trocada por metais preciosos. Dessa forma, o papel-moeda oferecia um método mais prático e seguro para as transações financeiras, não sendo mais necessário o transporte de ouro físico para a realização do comércio. Com o avanço do sistema bancário e a confiabilidade de solvência que as pessoas desenvolveram em relação aos bancos, logo esses papéis-moedas começaram a servir como o próprio meio de pagamento. Esta nova forma de moeda, com seu valor corporificado no papel-moeda abriu a sociedade para novas formas de negociações financeiras, possibilitando, por exemplo, a criação da moeda fiduciária, que não era mais lastreada pelos metais preciosos, fato que se mostrou um dos maiores avanços na evolução histórica da moeda (LOPES e ROSSETTI, 1998, p. 32). Por estes motivos, como destacado por McLuhan (2002): O homem abandonou o mundo da tribo pela “sociedade aberta”, trocando um ouvido por um olho através da tecnologia da escrita. O alfabeto, particularmente, habilitou-o a romper o círculo mágico e encantado, sonoro, do mundo tribal. Em tempos mais recentes, graças à palavra impressa e à passagem da moeda metálica para o papel-moeda, um processo similar fez com que a economia mudasse de uma sociedade fechada para uma sociedade aberta, do mercantilismo e do protecionismo econômico do comércio nacional para o mercado aberto ideal do livre câmbio (MCLUHAN, 2002, p. 88). 18 Desde seu nascimento, a moeda foi um objeto quase que inteiramente de responsabilidade do Estado, que utilizava-a como bem entendesse. Mas a validade do uso de uma moeda nacional para as negociações somente começou a ser uma preocupação maior com o avanço do comércio. Na Europa, durante a Idade Média, os comerciantes e a população em geral sofriam com as usurpações dos senhores feudais, devido aos altos impostos ou constantes conflitos armados entre um feudo e outro. Foi assim que a figura do Rei, centralizador do poder, começou a se consolidar, assim como as delimitações dos Estados Nacionais. “Era evidente aos soberanos que seu poder dependia das finanças. Tornava-se cada vez mais claro também que o dinheiro só fluía para as arcas reais na medida em que o comércio e a indústria prosperavam” (HUBERMAN, 1985, p. 83). Dessa forma o acordo mútuo entre comerciantes e os Reis beneficiava a ambos, uma vez que ajudava os interesses do poder real com o fluxo de dinheiro advindo de impostos recolhidos da burguesia e beneficiava os comerciantes em geral com melhores oportunidades de comércio resultante da centralização do poder. A burguesia começou a fazer parte do processo administrativo do poder real e a influenciar nas tomadas de decisões, utilizando sua influência social e sua riqueza para atingir a esfera política e ampliar seus privilégios econômicos. A substituição de várias moedas por apenas uma, além do fim do monopólioregional dos senhores feudais, facilitaram o avanço comercial e também o avanço do processo industrial que começava a se consolidar. Este modelo político monárquico absolutista seria substituído em muitos países nos séculos subsequentes pelo parlamentarismo ou presidencialismo, porém o modelo econômico da utilização de moedas nacionais perdura até os dias atuais. 3.5 Liberdade e o Capital 3.5.1 Padrão-ouro Com o avanço da consolidação dos Estados nacionais e a maior complexidade das relações comerciais entre um país e outro, a economia começava neste momento pós- renascimento a se tornar cada vez mais conectada, onde um país acabava por influenciar os preços em outro país devido ao comércio e as transações em ouro. Foi dessa forma que os teóricos da época, os quais podem ser definidos com os primeiros a desempenhar a função de economistas, como Adam Smith, Cantillon, Hume, Ricardo, Thornton, Mill, Cairnes, Goschen e Bagehot forneceram a base teórica para o desenvolvimento do conhecimento que 19 daria início a criação do padrão-ouro como uma forma de controlar os níveis de inflação e deflação dos países (BORDO; SCHWARTZ, 1984). Como teorizado por David Hume em seu ensaio “Of the Balance of Trade”, o padrão- ouro tinha o objetivo de equilibrar o balanço de pagamentos das principais economias do mundo. Através do comprometimento de manter o cambio fixo à determinada quantidade de ouro, os países realizavam políticas monetárias de exportação ou importação de ouro caso houvesse um déficit ou superávit no balanço de pagamentos. A oferta monetária de cada país era definida pela quantidade de reservas em ouro que este possuísse, desse modo se um país fosse deficitário no seu balanço de pagamentos, este deveria exportar ouro para os países que fossem superavitários. Dessa forma, esta exportação de ouro diminuiria a sua oferta interna de moeda, forçando uma contração da base monetária, o que consequentemente levaria a uma queda nos preços, aumentando a competitividade das mercadorias desse país em relação às demais economias mundiais. O inverso deveria acontecer para países que fossem superavitários. O padrão-ouro era uma forma de manter a estabilidade dos níveis de preços entre as principais economias do mundo usando como referência o valor do ouro e a quantidade que cada país possuísse. A validez do padrão-ouro foi discutida pelas diversas escolas de economia, discussão esta que perdura até os dias de hoje. Cada vertente econômica possui uma ótica para analisar a questão do padrão-ouro e o modo como este se desenrolou durante os últimos três séculos, desde a mudança para o ouro-libra, ouro-dólar e posteriormente para o dólar-flexível. A maior crítica em relação ao padrão-ouro como sistema monetário é a questão de colocar toda a oferta monetária de um país referenciada por apenas uma commodity, que está sujeita a mudanças em sua oferta e demanda constantemente. Porém, o abandono do padrão-ouro, em especial o abandono do ouro-dólar e o desmantelamento do acordo de Bretton Woods em 1971 pelo governo Nixon, colocou a economia mundial em sérios problemas de estabilidade. Pois retirando o lastro em ouro, o balanço de pagamentos dos países passou a ser equilibrado utilizando majoritariamente reservas em dólar. Como apontado por Serrano (2002): No último caso não há mais por que temer uma fuga para o ouro, pois o novo padrão dólar é inteiramente inconversível, baseado na premissa de que um dólar “is as good as one dollar”, premissa ancorada no poder do Estado e da economia americana no mundo unipolar pós-guerra fria. Como o dólar é o meio de pagamento internacional e a unidade de conta nos contratos e nos preços dos mercados internacionais, acaba por se tornar também a principal reserva de valor (SERRANO, 2002, p. 250-251). 20 Desse modo a economia mundial passou a operar através de um regime de dólar flexível, fator que favoreceu fortemente a situação financeira norte-americana, possibilitando que os Estado Unidos não perdessem competitividade real. Pois, se ocorresse a valorização do dólar, existiria a perda de competitividade, porém como não existe mais restrição externa devido a não mais conversibilidade de dólar em ouro, o déficit em conta corrente pode aumentar indefinidamente e ser financiado com os próprios títulos norte-americanos (SERRANO, 2002). Durante o desenrolar da década de 1960 e 1970 foram fortes as pressões externas pelas demais economias mundiais para a criação de uma moeda verdadeiramente internacional, mas isto era algo inaceitável no momento para os Estados Unidos, pois abrir mão do dólar como moeda internacional ocasionaria a perda da liberdade do balanço de pagamentos norte- americano e incorreria no enfraquecimento do dólar e do seu próprio poder político mundialmente. De acordo com Serrano (2002), a transição para o dólar flexível levou a desestabilizações na esfera geopolítica mundial na década de 1970, ocasionando a forte especulação no preço das commodities que resultou nos choques do petróleo. Somente no fim da década e início dos anos de 1980 que os Estado Unidos voltam a recuperar gradativamente o poder do sistema monetário internacional. Os demais países começam a partir desse momento a não mais questionar o poder hegemônico monetário americano e passam a aceitar o dólar-flexível como o novo padrão financeiro internacional. Assim, o dólar passou a ser a moeda central para todas as grandes transações internacionais. Mas a centralidade de uma moeda é algo, como explicado por Hicks (1989), questionável: Centrality and strength do not necessarily go together. Centrality is not acquired by a decision of the 'central' government, or of its banking system; it comes from decisions by others, who choose to make the currency of that country their chief 'international'. No doubt it is unlikely that such a choice would have been made unless the central currency, at the time it became central, had been a strong currency; but it could continue to be central, having no obvious rival, even when it was losing its strength. So there are several cases which fall to be considered, the chief division being between those where the strength of the central currency in unquestioned, and those where it is in doubt (HICKS, 1989, p. 130)9. 9 Tradução nossa: “Centralidade e força não andam necessariamente juntas. Centralidade não é adquirida por uma decisão do governo 'central', ou do seu sistema bancário; ela vem das decisões de outros, que optam por fazer a moeda daquele país sua referência 'internacional'. Sem dúvida, é improvável que tal escolha teria sido feita a menos que a moeda central, no momento em que se tornou central, não tivesse sido uma moeda forte; mas ela poderia continuar a ser central, não tendo uma rival óbvia, mesmo quando estivesse perdendo sua força. 21 Ora, o dólar foi amplamente aceito pelas demais economias mundiais não apenas pela imposição subliminar americana, mas porque de fato o dólar era a melhor moeda a ser utilizada nas últimas décadas para funcionar com centralidade. 3.5.2 Visão Austríaca Quando se trata sobre questionamentos em relação ao padrão-ouro e mais recentemente em relação ao dólar-flexível, a Escola Austríaca de Economia trata a questão de forma polêmica. Muitos autores descrevem que o abandono do padrão-ouro não foi devido a sua ineficácia, mas porque ele era eficaz demais na regulação e no controle das ações governamentais. Apontando que a transição e abandono deste antigo modelo econômico foi resultado de uma motivação muito mais ideológica e política do que de fato científica. Friedrich Hayek, que foi um defensor do antigo padrão-ouro, foi mais além em relação às liberdades monetárias do livre mercado e do fim do monopólio do Estado sobre a emissão de moeda. Em seu livro de “Denationalisationof Money”, Hayek expõe um modelo onde instituições privadas poderiam emitir suas próprias moedas em um ambiente de concorrência, onde cada instituição estaria competindo pela maior estabilidade possível de sua moeda. Hayek sempre viu a inflação como um grande problema, por atrapalhar o sistema de livre mercado. Com o abandono do padrão-ouro original e a maior desregulamentação financeira que decorreu no século XX, Hayek desenvolveu a sua teoria de moedas privadas como uma tentativa de estabelecer um novo modelo monetário baseado em princípios de livre mercado onde não fosse mais necessário o monopólio estatal para a emissão de moedas. Como explicado pelo autor: ...though there is every reason to mistrust government if not tied to the gold standard or the like, there is no reason to doubt that private enterprise whose business depended on succeeding in the attempt could keep stable the value of a money it issued (HAYEK, 1990, p. 36)10. Assim existem vários casos que podem ser considerados, onde a divisão principal está entre aquelas em que a força da moeda central é inquestionável, e aquelas em que existem dúvidas”. 10 Tradução nossa: “...contudo existem várias razões para desconfiar do governo se não vinculado ao padrão-ouro ou similar, não há nenhuma razão para duvidar de que empresas privadas cujo negócio depende de seu sucesso poderiam manter estável o valor da moeda que emitiram.” 22 Como descrito neste trabalho, nas primeiras seções, a posição do governo como único emissor de moeda é algo inerente à história do capitalismo, posição que evoluiu desde os primórdios da antiga Lídia até tempos atuais. O que Hayek tentou desenvolver foi a ruptura deste modelo, apresentando uma forma alternativa de um sistema monetário. A principal crítica apresentada pelo autor era a de que o governo é um agente facilmente suscetível ao favorecimento de grupos de interesses. Desse modo colocar o poder de emitir moeda e consequentemente as diretrizes econômicas de um país nas mãos de poucos indivíduos seria algo perigoso (HAYEK, 1990, p. 31). Além disso, Hayek se posiciona contra o conceito da moeda de curso forçado, legal tender, ou seja, onde a moeda utilizada em determinado país é imposta por lei, alegando que isto funciona como um instrumento que força as pessoas a terem que aceitar esta moeda como meio de pagamento, indo contra princípios de contratos livres e voluntários entre os indivíduos. Murray Rothbard, também membro da Escola Austríaca, questionou fortemente o modelo de moedas privadas de Hayek, afirmando que não existiria razão econômica para que estas novas moedas fossem aceitas. Rothbard destaca que diferentemente das outras mercadorias, o dinheiro somente é desejado com a finalidade de ser trocado por outras coisas, funcionando como um meio de troca. Dessa forma se todos os indivíduos tivessem a habilidade de criar moedas privadas dentro da lógica desenvolvida por Hayek, não existiria motivo para estas moedas serem aceitas, pois ninguém irá aceitar uma moeda que não tenha antes funcionado como dinheiro e tenha sido amplamente utilizada pela sociedade. Isto, segundo Rothbard, seria uma das falhas de Hayek na elaboração de seu modelo, negligenciando o teorema de regressão, regression theorem, desenvolvido por Von Mises em 1912. O modelo estabelecido por Mises preconizava que qualquer forma de dinheiro somente será aceito pelos indivíduos se este tenha sido anteriormente uma commodity, ou a representação de uma, pois o dinheiro não pode surgir do nada, sem possuir uma base de valor. Dessa forma, o dinheiro precisaria surgir de uma commodity não-monetária que possuísse algum valor antes de virar dinheiro, como aconteceu com o ouro e a prata (ROTHBARD, 1985). A filosofia liberal defende a liberdade econômica do ponto de vista da cooperação social, ou seja, onde os indivíduos através da competição cataláctica11 acabam por cooperar mutuamente, sem mesmo perceberam, em prol de um bem maior. A noção de liberdade é 11 “A função social da competição cataláctica, certamente, não é a de estabelecer quem é o mais destro, e recompensá-lo com títulos e medalhas. Sua função é garantir a maior satisfação possível do consumidor numa dada situação das condições econômicas” (MISES, 1987, p. 52). 23 também algo importante em seus preceitos. Segundo Ludwig Von Mises, o significado de liberdade se refere às relações inter-humanas que seguem as leis da praxeologia, onde o ser humano comporta-se perante os demais indivíduos da sociedade de forma a não prejudicar a ordem social. Mises, assim como Hayek e demais membros da Escola Austríaca, defende a limitação do poder do Estado sobre os indivíduos, como destacado em seu livro “O Mercado”: O Estado, o aparato social de coerção e compulsão, é necessariamente um poder hegemônico. Se o governo tivesse a possibilidade de expandir o seu poder ad libitum, poderia abolir a economia de mercado e substituí-la por um socialismo totalitário onipresente. Para evitar isso, é necessário controlar o poder do governo (VON MISES, 1987, p. 64). Mas como ressaltado por Milton Friedman (1985), existe a necessidade de haver um governo para ditar as regras do jogo e assegurar o cumprimento destas por todos os participantes da sociedade. A liberdade de um indivíduo pode afetar a liberdade de outro, dessa forma é necessário estabelecer limitações para manter a ordem social e estas limitações devem ser executadas por um árbitro comum e imparcial, que no caso é representado pelo poder da justiça do Estado. Como o autor destaca: “Por mais atraente que possa o anarquismo parecer como filosofia, ele não é praticável num mundo de homens imperfeitos” (FRIEDMAN, 1985, p. 32). Ao contrário dos argumentos expostos por Hayek, Friedman defende que o governo deve ser utilizado para manter o sistema monetário estável e assegurar uma economia livre, possuindo responsabilidades sobre as políticas monetárias e fiscais de um país. Porém, a possibilidade de controlar o dinheiro proporciona o poder de alterar a economia e isto leva a questão de como deve ser realizada a concentração e dispersão do poder. Como destacado por Friedman (1985): O problema consiste em estabelecer organizações institucionais que permitam ao governo exercer a responsabilidade pelo dinheiro – limitando ao mesmo tempo o poder assim dado ao governo e evitando que este poder seja usado de modo a levar ao enfraquecimento – em vez de ao fortalecimento – uma sociedade livre (FRIEDMAN, 1985, p. 45). Mesmo dentro da esfera de discussão da Escola Austríaca, a questão sobre como o governo deve abordar as suas funções perante a sociedade variam segundo a concepção de cada autor, alguns mais extremos que outros. Possivelmente o extremismo nesse gênero é retratado pelos chamados de anarco-capitalistas, tendo como um de seus adeptos David Director Friedman, ninguém menos que o próprio filho de Milton Friedman. 24 David Friedman em seu livro “The Machinery of Freedom” explora as formas de como uma sociedade orientada pelo Estado mínimo funcionaria. Segundo ele os anarco- capitalistas, ou como se autodenominam libertários, promovem uma sociedade onde cada indivíduo seria livre em fazer suas próprias escolhas, escolhas essas que em uma sociedade capitalista convencional seriam guiadas pelos interesses do governo. Dessa forma, o anarco- capitalismo se baseia no princípio da propriedade privada e da total liberdade dos seres humanos em relação ao modo como desejam viver, contanto que a liberdade de um indivíduo não interfira negativamente na liberdade de outro. Assim, questões como o uso de drogas, pornografia e até mesmo o uso não compulsório de cintode segurança, seria algo totalmente à escolha de cada indivíduo da sociedade (FRIEDMAN, 1989). Como defensores de um sistema de livre mercado aos moldes capitalistas, na sociedade anarco-capitalista todos os serviços seriam fornecidos através da competição de empresas privadas, seja questões como segurança, regulação de leis e até mesmo o sistema monetário. O Estado, segundo os preceitos anarco-capitalistas, é uma fonte de violência desmesurada, pois pode utilizar sua força contra indivíduos que não tenham cometido crimes ou fraudes. Dessa forma, sempre houve o embate teórico entre o libertarismo e o socialismo, por serem regimes antagônicos. Os pensadores liberais utilizaram de exemplo todos os preceitos negativos do socialismo desenvolvido durante o século XX para demonstrar o quão próspera em questões de liberdade e desenvolvimento econômico uma sociedade baseada no Estado mínimo poderia oferecer. Eugen von Böhm-Bawerk em seu livro “Teoria da Exploração do Socialismo Comunismo” demonstra que qualquer renda que não é fruto do trabalho, aluguel ou lucro, está em risco de ser uma injustiça econômica. Friedrich Hayek em “O Caminho da Servidão” também explorou questões sobre como uma sociedade regida pela centralização do poder levaria a um governo tirânico e à sujeição dos indivíduos. 3.5.3 Moeda privada na América do Norte Apesar de esquecida no desenrolar histórico do desenvolvimento das Américas, o modelo de uma moeda privada, emitida por bancos e sem o controle estatal, vingou por muitos anos nos Estados Unidos durante o período denominado de Free Banking na época pré-Guerra de Secessão. Na região da Nova Inglaterra, mais precisamente na cidade de Boston, o Suffolk Bank foi criado com a intenção de trocar notas de bancos menores por notas emitidas por eles, concebendo uma das primeiras moedas privadas da história a funcionar com eficácia. Esta foi 25 a solução encontrada depois de constatado a grande ineficiência das notas emitidas por bancos menores de outras regiões do país. Como um governo central ainda não estava totalmente consolidado, vários bancos espalhados pelo país tinham o poder de emitir notas bancárias lastreadas ao ouro guardado em seus cofres. Tendo em vista o caos que permeava o país durante aquela época, saber exatamente qual era o valor em ouro ou prata que uma nota bancária possuía era algo complicado, pois muitos dos bancos emissores estavam em lugares longínquos. Muitos desses bancos menores emitiam mais notas do que de fato possuíam em ouro, fazendo com que os comerciantes não soubessem ao certo o valor que o dinheiro valia. Desse modo, o Suffolk Bank nasceu da união de comerciantes poderosos de Boston que tinham a intenção de realizar o serviço de trocar as notas bancárias dos bancos menores por suas próprias, inserindo moedas privadas na economia da região. Como as notas emitidas pelos bancos menores incorriam em informações assimétricas em relação ao seu exato valor, o Suffolk Bank oferecia o serviço de trocá-las por suas próprias notas bancárias, que eram consideradas solventes, e reenviar as outras notas de volta aos bancos emissores para amortização (ROLNICK; SMITH; WEBER, 2000). Em resumo o Suffolk Bank pode ser definido como uma central de depósitos de reservas que realizava a compensação de notas de outros bancos menores, uma espécie de clearing house. Realizando seu serviço, o Sulffolk Bank acabou trazendo um período de estabilidade monetária para a região da Nova Inglaterra durante os anos em que o banco operou. Durante a crise de 1837, grande parte das regiões norte-americanas sofreu fortemente com o desemprego, quebra de bancos e preços cadentes. Porém, as regiões onde grande parte das transações era realizada através das moedas privadas do Suffolk Bank superaram a época de crise de uma maneira muito mais estável: “In Connecticut in the years following the crisis of 1837 not one bank failure occurred, nor was there a suspension of specie payments. All banks were able to continue to redeem their bills at the Suffolk Bank” (TRIVOLI, 1979, p.17)12. Durante 35 anos, entre 1823 a 1858, o Suffolk Bank conseguiu manter a estabilidade monetária da região de Boston ao mesmo tempo em que foi um banco altamente rentável. Em 1858 com a ascensão do Bank for Mutual Redemption, um banco concorrente, a situação operacional do Suffolk Bank começou a ficar complicada. Além disso, grande parte do poder político do Estado migrou para outras regiões do país, diminuindo a importância de Boston 12 Tradução nossa: “Em Connecticut, nos anos após a crise de 1837 nenhuma falência bancária ocorreu, nem houve suspensão de pagamentos em espécie. Todos os bancos foram capazes de continuar a resgatar suas contas no Suffolk Bank.” 26 sobre as decisões econômicas. É sabido que o Suffolk Bank tentou de várias maneiras tirar o seu concorrente do mercado, até mesmo não honrando notas bancárias de bancos que tinham depósitos no Bank for Mutual Redemption. Porém, no cenário de concorrência estabelecido, o Suffolk Bank acabou perdendo e parou com as emissões de notas privadas, tornando-se apenas mais um banco convencional. Poucos anos depois, a Guerra de Secessão teve início, paralisando o sistema financeiro norte-americano. Em 1863 foi estabelecido que nenhum banco poderia emitir moedas privadas, fazendo do governo o detentor do monopólio da emissão de moedas desde então (ROTHBARD, 2002). Rothbard (2002) afirma que o Suffolk Bank se mostrou como um fato legítimo na história de que uma moeda privada pode funcionar de forma eficiente, trazendo estabilidade monetária e segurança em um ambiente de livre concorrência. Outro exemplo de moedas privadas funcionando na economia, agora em um período mais recente, se deu no Canadá. Em 1983, empresas privadas do ramo de supermercados começaram a fornecer cupons como desconto quando seus clientes realizavam compras. A ideia era fazer com que os clientes retornassem ao supermercado para trocar os cupons e acabassem realizando mais compras. O sistema em si não tinha o objetivo de inserir moedas privadas na economia como um modelo de negócio, mas as pessoas começaram a tratar os cupons como se fossem moedas, utilizando-os em outras transações do cotidiano. Os cupons representavam valores de Dólares Canadenses e podiam ser trocados por produtos do supermercado. Como o supermercado esperava que os cupons fossem gastos pelo seu valor de face, eles operavam com a hipótese de que os produtos trocados pelos cupons estariam então sendo vendidos pelo seu preço líquido, o seu valor bruto menos o desconto que os cupons possibilitavam. Invés de simplesmente oferecer o desconto, o uso de cupons permitia extrair o excedente dos consumidores conforme os diferentes preços de reserva, além de que o desconto somente seria concebido quando os cupons fossem efetivamente gastos, como nem todos os cupons eram de fato utilizados isso ainda fornecia uma vantagem para o supermercado. A rede Steinberg de supermercados, a terceira maior do Canadá na época, começou o sistema de cupons em março de 1983, dando um desconto de 5% nas compras para quem os utilizasse. Dois dias depois a maior concorrente Provigo, baixou o preço de todos os seus produtos em 6% para forçar a concorrência. Em seguida a rede Metro Richelieu, segunda maior do ramo, também começou a conceder 5% de desconto para quem realizasse compras futuras em suas lojas. Três meses depois a Steinberg declarou que iria interromper o sistema de cupons por causa dos prejuízos acumulados devido à acirrada concorrência. 27 Segundo Eichenbaum e Wallace (1985), apesar de uma experiência rápida, o insucesso do sistema de cupons não se deu porque as pessoas não os utilizaram, mas sim devido competição dos demais supermercados que realizaram um serviço similar, fatoque levou a uma baixa generalizada no preço de todos os produtos, fazendo-os operar em prejuízo. As pessoas durante o período em que os cupons vingaram, começaram a utilizá-los como um meio de troca para pagar produtos e serviços em outros lugares além do supermercado Steinberg. Eichenbaum e Wallace (1985) destacam, utilizando como fonte um artigo de jornal da época, que os demais comerciantes de região também começaram a aceitar os cupons do supermercado como meio de pagamento, pois argumentavam que isso ajudava a atrair alguns clientes que acabavam comprando produtos por possuírem os cupons do Steinberg, que caso contrário não o fariam. Desse modo, os cupons acabavam por desempenhar a função de uma moeda privada, compreendendo suas características básicas. Mesmo em um período curto de tempo, a população da região entendeu que os cupons podiam ser utilizados em outras transações. Pelo fato do supermercado ser um revendedor de comida – uma mercadoria que todos precisam consumir – os cupons acabaram por se popularizar rapidamente, sendo aceitos em farmácias, lojas de discos e em outros supermercados. Outra experiência canadense de moeda privada que merece destaque é em relação à Canadian Tire Corporation Limited, uma empresa que em 1985 tinha 354 lojas espalhadas pelo Canadá e distribuía cupons parecidos com o sistema do supermercado Steinberg, porém fazia isso desde 1958. Segundo Eichenbaum e Wallace (1985), em 1982 a quantidade de cupons emitidos pela Canadian Tire somavam 20 milhões de dólares canadenses, algo equivalente a 34 milhões de dólares americanos a preços atuais13. Seus cupons eram aceitos em várias transações do cotidiano, servindo até mesmo para situações casuais como pagar uma corrida de taxi. A experiência canadense com cupons demonstrou que a adoção pelo público de uma moeda privada sem a legitimação do governo pode acontecer de maneira natural. O mais interessante destacado por Eichenbaum e Wallace (1985) é que no Canadá emitir moedas privadas ou qualquer tipo de nota representativa de valor sem o consentimento do Estado é contra a lei, porém estas evidências empíricas mostram que aparentemente existe uma 13 Valores fornecidos pelo website “Trading Economics”. Disponível em: <http://www.tradingeconomics.com/canada/consumer-price-index-cpi>. Acesso em: 10 mar. 2013. 28 inclinação das pessoas em aceitar outras formas de moedas mesmo que elas não tenham respaldo governamental. 29 4. PARTE II: O VIRTUAL 4.1 A internet 4.1.1 Surgimento da computação e a internet O avanço tecnológico originário da Segunda Revolução industrial, com a eletrificação, desenvolvimento de motores e a criação de maquinários complexos serviram de base para a elaboração do que mais tarde daria origem ao sistema eletrônico computacional. John Mauchly e John Presper Eckert são reconhecidos como os criadores do primeiro computador da história, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator And Computer), que havia sido concebido através de incentivos do exército americano durante a Segunda Guerra Mundial. O ENIAC podia fazer vários cálculos dependendo de como fosse programado, mas foi criado primariamente para calcular precisões de balística, devido às inclinações armamentistas do período e de seus patrocinadores. A partir de 1950, a tecnologia dos computadores começou a se tornar cada vez mais aprimorada, aumentando em velocidade de processamento e diminuindo cada vez mais o tamanho físico do aparelho. Nas décadas subsequentes já começaram a aparecer as marcas fabricantes de computadores que conhecemos hoje, como a Intel com seu modelo de microprocessador Intel 4004. Neste mesmo período, conjuntamente com o avanço da computação, a internet também começou a dar seus primeiros passos. Claro que naquele momento a internet não era nada se comparado com os padrões atuais, tudo começou com uma mensagem enviada pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) para o Instituto de Pesquisa de Stanford (SRI) através da primeira conexão backbone na década de 1960. A partir disso, muitas foram as formas de conexão desenvolvidas nos anos posteriores, chegando a criação da ARPANET em 1969, que seria o primeiro sistema onde várias redes podiam se juntar, formando uma grande rede interconectada. A ampliação de acesso à internet começou na década de 1980 quando a agência americana, National Science Foundation (NSF), desenvolveu a NSFNET, que tinha o objetivo de interligar setores de pesquisa e educacionais como uma forma de estimular a troca de conhecimento. Foi no início dos anos de 1980 que o protocolo TCP/IP, que é uma forma de padronização dos códigos de comunicação, se popularizou, facilitando a conexão entre computadores de diversas partes do mundo. Foi neste período que de fato os computadores começaram a se tornar populares entre a população em geral, principalmente com a consolidação de empresas como a Apple 30 Computers e IBM com seus microcomputadores; além da Microsoft com seu software MS- DOS (que deu origem posteriormente ao Windows) que permitiu que as pessoas interagissem com os computadores de uma forma muito mais fácil e intuitiva. A sociedade passou neste momento a utilizar desta nova ferramenta para as mais diversas funções, desde a elaboração de diagnósticos médicos à digitalização dos mercados financeiros. O poder de cálculo dos computadores forneceu uma base de raciocínio mais exata e socialmente aceita como correta do que os cálculos realizados pelo cérebro humano. Dessa forma, a resposta fornecida por um computador passou a se tornar a verdade a ser aceita. Como teorizado por Postman (1993), o mundo e principalmente a sociedade norte-americana passou durante o século XX para um modelo centrado na tecnologia, fenômeno que o autor chamou de Technopoly, onde os valores da sociedade se tornam orientados e validados através dos dizeres da tecnologia. A partir dos anos de 1990, as restrições por parte do governo em relação ao uso da internet começaram a ceder dando espaço para uso comercial da rede. Os antigos órgãos responsáveis pelo nascimento da internet foram desmantelados, como a ARPANET e o NSFNET, dando espaço para empresas do setor privado entrarem no segmento. Assim, nos anos que se seguiram, a internet acabou resultando em uma revolução na comunicação, cultura, política e economia do mundo. Com o aumento da rede em escala global, o ambiente virtual da internet se tornou um local aberto, sem grandes regulações, permitindo o uso e acesso de qualquer indivíduo ao redor do mundo. O avanço que a computação proporcionou mudou totalmente os paradigmas sociais em que o mundo se estabelecia. A maior facilidade em resolver cálculos complexos e a maior quantidade de informação disponível aos indivíduos marcou a mudança de como os seres humanos se comportavam em relação à certeza sobre as coisas. A visão sobre o computador como um “cérebro pensante”, sempre correto, transformou a sociedade, ampliando possibilidades e diminuindo outras. A computação tem possibilitado o desenvolvimento tanto das ciências quanto de novas tecnologias e até certo ponto do bem estar dos seres humanos. Como apontado por Benkler (2006), o avanço da informática permitiu a descentralização e distribuição de funções de uma maneira muito mais abrangente em comparação com os sistemas industriais do século passado: What characterizes the networked information economy is that decentralized individual action – specifically, new and important cooperative and coordinate action carried out through radically distributed, nonmarket mechanisms that do not depend on proprietary strategies – plays a much 31 greater role than it did, or could have, in the industrial information
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