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DISCIPLINA: QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL AULA 3 Prof.ª Valdirene da Rocha Pires 2 CONVERSA INICIAL Olá alunas e alunos! Sejam bem-vindos (as) à terceira aula da disciplina Questão Social e Serviço Social! Nesta aula, temos como objetivo: apreender os temas que envolvem o debate sobre as instituições filantrópicas no Brasil e sua relação com Serviço Social. Para isso, vamos iniciar contextualizando os aspectos da questão social no contexto do período escravocrata, para posteriormente trabalhar a forma como Estado e Instituições filantrópicas realizam o enfrentamento das expressões da questão social. CONTEXTUALIZANDO O significado da palavra “filantropia”, de origem grega (philos: amor, antropos: homem), está relacionado ao amor do ser humano por outros seres humanos, ou seja, amor pela humanidade. Como sugere Mestriner (2011), “no mais restrito, constitui-se no sentimento, na preocupação do favorecido com o outro que nada tem, portanto, no gesto voluntarista, sem intenção de lucro, de apropriação de qualquer bem”. (MESTRINER, 2011, p.14) No entanto, para Mestriner (2011), as ações filantrópicas no Brasil (1930- 45) tiveram um caráter disciplinador, pois procurou atender aos “necessitados” e ao mesmo tempo inseri-los e educá-los aos modos burgueses. Desse modo, a preocupação era fazer com que os pobres aceitassem sua condição de pobreza e não mais questionassem o Estado e a sociedade sobre suas precárias condições de vida e de trabalho. Diante das alarmantes expressões da questão social que o país presenciava, principalmente, mas não apenas, agravada pela forma como foram libertos os escravos, a parceria entre Estado e as Instituições filantrópicas se ocupou mais em disciplinar os pobres para o bom comportamento do que de fato ajudá-los como sugere o significado da palavra “filantropia”. Assim como em outros países, as práticas filantrópicas influenciaram fortemente a constituição do Serviço Social como profissão, por isso é tão comum a associação da “ajuda” e da “caridade” com o Serviço Social. Assim, 3 no decorrer dessa aula, vamos ver por que esse tipo de associação se tornou tão comum. Ou seja: Qual a relação do serviço social com a filantropia? Bons Estudos! TEMA 1 - O PERÍODO ESCRAVOCRATA E A QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL Até o fim do século XIX, a escravidão era a forma como se produzia grande parte da riqueza do país. Nesse período, as precárias condições de vida e de trabalho da população negra (os escravos) era a forma mais gritante de expressão da questão social. A desigualdade social se manifestava na exploração do trabalho escravo, em suas condições de moradia (as senzalas) e no tratamento para com eles (castigos, surras, exaustivas horas de trabalho, etc.). Portanto, é possível afirmar que a questão social brasileira tem suas raízes nessa forma de organização social. Fato esse que teve seus desdobramentos em todo processo de formação da sociedade brasileira, inclusive com algumas expressões extremamente visíveis nos dias atuais. Além desses pontos, há outro fator que significou um agravante para a questão social no Brasil, trata-se da forma como foram libertos os escravos, ou seja: por meio da Lei Aurea, em 1888, a qual não garantiu nenhuma estabilidade ou condições de subsistência para os escravos libertos, colocando-os em situação de desemprego, sem moradias e sem condições de manutenção de suas necessidades básicas. (Rodrigues; Rodrigues; Castro; Silva, 2014) Assim, essa camada da população (os ex-escravos) encontra dificuldades para conseguir emprego, além do preconceito racial vivido por ao longo da história. Fato esse que culminou em diversos “problemas” sociais, por exemplo, situações de extrema pobreza e, por consequência, a exclusão social. Mas quais são os resultados sociais dessa pauperização? Sem alternativa de moradia digna, a maior parte dos escravos libertos acabou ocupando os morros, locais sem interesse para as elites, por ser esta a única forma encontrada de se construir habitações, mesmo que de forma extremamente precária. 4 Vejamos que, nesse cenário já é possível verificar situações cujos desdobramentos refletem muitas das expressões da questão social nos dias atuais. Pois, as ocupações de risco e moradias precárias são uma das mais gritantes das desigualdades sociais de nosso país. TEMA 2 - HERANÇAS DA PRIMEIRA REPÚBLICA E A QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL Após 1889, com o advento da transição Monarquia/República, ocorrem mudanças no contexto político, social e econômico no Brasil, principalmente no que diz respeito à implantação do capitalismo industrial. A partir de tais mudanças, a questão social se apresenta como produto do modo de produção capitalista industrial, mas com profundas marcas/heranças de uma desigualdade historicamente produzida. Que heranças são essas? Uma dessas heranças é a concentração dos meios de produção numa pequena parcela da sociedade, (as terras, as indústrias, os recursos naturais, etc.), levando a desigualdade social a um patamar cada vez mais gritante. Outra questão importante de nos lembrarmos é que nesse período acontece a abolição do trabalho escravo e se institui o trabalho assalariado como forma de regime de trabalho no país, demarcando, dessa forma, o início das contradições presentes na relação entre capital e trabalho. Com a extinção da escravidão e a regulamentação do trabalho assalariado, grande parte dos fazendeiros se negou a pagar pelo trabalho dos ex-escravos, deixando essa população à margem do trabalho assalariado, preferindo empregar os imigrantes que vinham para o Brasil para trabalhar nas indústrias e nas fazendas de café. Então vejam, nesse cenário podemos identificar dois agravantes para a questão social nesse período: primeiro, a situação de desemprego dos ex-escravos; segundo, o aumento do contingente populacional que a imigração, principalmente de italianos, trouxe para o país. 5 Esses são exemplos de fatores históricos que marcam o desenvolvimento da sociedade brasileira, revelando e agravando situações de exclusão e disparidades sociais. À medida que as expressões da questão social se manifestam de forma expressiva, o Estado passa a intervir na área social de forma mais contundente. Essa intervenção ocorre principalmente por meio do apoio às instituições filantrópicas que prestam serviços e caridade às populações e famílias que demandam de assistência. TEMA 03 - SERVIÇO SOCIAL E FILANTROPIA Nos dias atuais, é muito comum associar as práticas sociais realizadas por instituições filantrópicas com o exercício profissional dos assistentes sociais. Essas associações podem ser explicadas pela trajetória histórica de vinculação do serviço social com as Instituições filantrópicas. Uma das formas de ação filantrópica mais conhecidas é a exercida pela Igreja Católica, historicamente desempenhada no âmbito da caridade aos necessitados, no sentido de ajuda ao outro, do voluntariado. Mas há uma distinção entre assistência de forma genérica e Assistência Social, que está no caráter de prática racionalizada da assistência social, o que a difere da filantropia. Assim, de acordo com Mestriner (2011), podemos afirmar que a assistência social pressupõe uma prática institucionalizada, que pode ocorrer tanto no setor público como no privado, desde que seja realizada a partir de um viés teórico, que decorra de estudos para sua efetivação. Durante décadas no Brasil, a Assistência Social esteve sob responsabilidade de instituições não governamentais/sem fins lucrativos. Apenas com promulgação da Constituição de 1988 é que passou a ganhar mais atenção do Estado, recebendo o caráter de política pública. Segundo Mestriner (2011),ao longo de décadas, a Assistência Social era exercida na forma de doação de auxílio, de benesses e de favor. Isso significa que durante muito tempo a atenção do Estado no âmbito da Assistência Social esteve voltada ao apoio de organizações civis que prestavam serviços sociais 6 de acordo com sua capacidade e/ou limitações, e não de acordo com a demanda apresentada. Cabe ressaltar ainda que à medida que o atendimento de demandas sociais é realizado por meio de ações filantrópicas, de benemerência ou de caridade, deixa-se de existir nessa relação o caráter de direito que a política de assistência social estabelece, e se tem o caráter de direito, tem também o dever do Estado de garantir meios para a efetivação de tal direito. TEMA 4 - A FILANTROPIA E O TRATO À QUESTÃO SOCIAL DE 1930 A 1945 Neste tema da nossa aula, vamos dialogar sobre a forma como o Estado brasileiro articula sua relação com as entidades filantrópicas para atender demandas sociais. Sobre esse aspecto, é importante ressaltar a criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS–1938), como primeiro ato de regulamentação da assistência social no país, inicialmente vinculado ao Ministério da Educação e Saúde (Mestriner, 2011) O CNSS era composto por membros da sociedade cultural e filantrópica, aos quais incumbia a função de examinar os pedidos de auxílios financeiros encaminhados ao governo por instituições filantrópicas de diversos estados. Entre as instituições, encontravam-se as Santas Casas de Misericórdia, hospitais, “asilos de menores”, “asilos de velhos”, Associações de Damas de Caridade, entre outros (MESTRINER, 2011). Não havia instituição pública de assistência, o CNSS foi uma forma de o Estado intervir nas atividades privadas de assistência. Como podemos verificar na observação da autora: “O CNSS foi, portanto, a primeira forma de presença da assistência social na burocracia do Estado republicano brasileiro, ainda que na função subsidiária de subvenções às organizações sociais que prestam amparo social.” (MESTRINER, 2011 p. 66). Nesse quadro, é importante destacar que nesse período a questão social era uma problemática que envolvia um grande contingente populacional extremamente pobre, em consequência da libertação dos escravos, da imigração em massa e do êxodo rural. 7 O Estado novo de Getúlio Vargas tinha como objetivo o fortalecimento do Estado e a industrialização acelerada. Para tanto, foi necessário um grande número de trabalhadores, de mão de obra, para atuar nas demandas das indústrias que se instalavam nas grandes cidades. No campo da assistência, o governo tratou de incentivar a sociedade civil no que diz respeito à ampliação das entidades filantrópicas. Na área da educação, por exemplo, haviam os chamados internatos, que se ocupavam em “disciplinar e preparar os jovens – meninos e meninas – para as novas relações de produção”. (MESTRINER, 2011, p. 72) O amparo social era viabilizado por instituições filantrópicas e os serviços sociais eram prestados no âmbito individual, ou seja, não tinham o caráter de direito social. Para Mestriner (2011, p. 93), uma das caraterísticas marcantes das ações assistenciais decorrentes desse período é o caráter “filantrópico-disciplinador do Estado e do empresariado”, um dos marcos dessas ações é a criação do Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), cuja principal função é a de qualificar a mão de obra necessária ao desenvolvimento industrial no país. TEMA 5 - A LBA E A ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL Fundada em 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) é registrada como a primeira instituição nacional de assistência social. Criada a partir da inciativa de “grandes corporações patronais, (Confederação Nacional da Indústria e Associação Comercial do Brasil)”, mas sua criação contou fortemente com o apoio do governo (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 265). A organização da LBA teve como principal fundamento o envolvimento do país na Segunda Guerra Mundial. O objetivo inicial de sua criação era o de prestar assistência às famílias cujos membros haviam sido convocados para a guerra, mas com o tempo, a LBA passou a atuar também em outras áreas de assistência social. Sobre ampliação das áreas de atuação da LBA, Iamamoto e Carvalho (2011) afirmam que: “Neste sentido, se constituirá em mecanismo de grande impacto para a organização e incremento do aparelho assistencial 8 privado e desenvolvimento do serviço social como elemento dinamizador e racionalizador da assistência.” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 266). A partir da afirmação dos autores, podemos verificar que a ampliação das ações da LBA contribuiu para o desenvolvimento e a racionalização da prática profissional do Serviço Social no Brasil. Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do Serviço Social, a LBA passa, então, a fornecer apoio às escolas de Serviço Social que já existiam e também para a criação de novas escolas em diversos estados em parceria com as organizações da Igreja Católica. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011) De acordo com Iamamoto e Carvalho (2011), com a ampliação da área de atuação, a LBA passou a atuar também na assistência à maternidade e infância, aos idosos, em situações de doenças, na melhoria da habitação e alimentação de famílias em situação de pobreza. Diante da exposição acima, podemos perceber, portanto, que não havia ações estatais no trato com as expressões da questão social, o que havia era o apoio às instituições filantrópicas, as quais eram responsáveis por atender aqueles que necessitam de assistência. A questão a ser examinada aqui, é o trato para com os problemas sociais decorrentes da desigualdade produzida pelo sistema, ou seja; o Estado se eximia de toda a responsabilidade para com as carências sociais, deixando por conta da sociedade civil o comprometimento em dar respostas às expressões da questão social. NA PRÁTICA Como vimos nesta aula, as primeiras ações do Estado, no que diz respeito ao trato para com as expressões da questão social no Brasil, inicialmente, foram por meio do apoio às iniciativas de Instituições da sociedade civil que atuavam no âmbito da assistência. Para uma melhor apreensão dos temas estudados, faça uma leitura da rota de nossa aula e procure responder a seguinte questão: o enfrentamento das expressões da questão social, basicamente, por meio de ações de instituições 9 filantrópicas, configura-se na garantia de direitos para aqueles que necessitam de assistência? Para responder a esta questão, além da compreensão do conteúdo dessa aula, procure utilizar também seu conhecimento sobre o papel do Estado para garantia de direitos sociais. Bons Estudos! SÍNTESE Iniciamos esta aula com a contextualização das consequências e precárias condições de vida e de trabalho que a escravidão deixou para a sociedade brasileira. Assinalamos que a exploração do trabalho da população negra (os escravos) se manifestava como a forma mais gritante da desigualdade social. A forma como ocorreu a libertação dos escravos significou um agravo ainda maior para a questão social no Brasil, visto que não lhe foi garantido nenhum meio de trabalho, de moradia, de alimentação, de subsistência. Fato esse que acarretou a formação de uma massa populacional extremamente pauperizada e, portanto, demandatária de assistência. Tendo em vista o contingente populacional que se encontrava em situação de pobreza no início do século XIX, as ações de instituições filantrópicas aparecem como único meio para atendê-las, no entanto, esse atendimento era realizado na forma de caridade e filantropia, ainda com a intensão de disciplinar a população para os novos padrões de produção. Diante desse contexto, é possível verificar que a questão social no Brasiltem suas particularidades que vêm de um processo histórico de formação da sociedade brasileira. REFERÊNCIAS IAMAMOTO. M.; CARVALHO. R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação metodológica. São Paulo. Cortez. 2011. MESTRINER, M. L. Estado entre a Filantropia e a Assistência Social. São Paulo: Cortez, 2008. 10 RODRIGUES. J. S.; RODRIGUES. M. M.; CASTRO J. S. O.; SILVA. M. V. Questão Social e Serviço Social: entre contexto e repercussões. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v. 2, n. 2, Jul/Dez, 2014, p. 78-95. Disponível em: <http://www.ratio.edu.br/dados/trabalhosociedade/revista0309/cinco.pdf> http://www.ratio.edu.br/dados/trabalhosociedade/revista0309/cinco.pdf