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DISCIPLINA: QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL AULA 04 Prof.ª Valdirene da Rocha Pires 2 CONVERSA INICIAL Olá, alunas e alunos! Sejam bem-vindos (as) à quarta aula da disciplina Questão Social e Serviço Social! Nesta aula, temos como objetivo: compreender a temática que envolve o surgimento do chamado “terceiro setor” e a sua relação com o Serviço Social, no que diz respeito ao trato da questão social. Iniciamos com o conceito de terceiro setor, apresentado pelo Professor Carlos Montaño e, posteriormente, faremos a discussão sobre a relação entre Estado, Terceiro Setor e as suas formas de enfrentamento da questão social. CONTEXTUALIZANDO O termo “terceiro setor” está vinculado às organizações que se caracterizam “sem fins lucrativos”, ou seja, não são empresas públicas/estatais e nem empresas privadas com fins lucrativos. Desde o seu surgimento, no Brasil, em meados da década de 1990, este segmento de organizações tem registrado forte participação no atendimento de demandas sociais, seja nas áreas da educação, da saúde ou da assistência social. Com o surgimento do terceiro setor, o Estado passa a transferir a sua responsabilidade, para com as demandas sociais, para este segmento. É neste contexto que década de 1990 apresenta um significativo crescimento das chamadas Organizações Não Governamentais (ONG), as quais vão protagonizar as intervenções na questão social, de modo que o Estado se exonere de sua responsabilidade para com o setor. Bons estudos! TEMA 01 – A NOÇÃO HEGEMÔNICA DE TERCEIRO SETOR A denominação “terceiro setor” surge nos Estados Unidos em 1978. O termo foi utilizado pelo empresário John D. Rockfeller para se referir às diversas instituições privadas sem fins lucrativos. Tais instituições seriam consideradas como “terceiro setor” porque, de acordo com o recorte social realizado por Rockfeller, não se encaixavam nem no “primeiro setor”, representado pelo Estado, nem no segundo setor, representado pelo mercado (empresas privadas com fins lucrativos). 3 Para Montaño (2002), o termo “terceiro setor” é construído com base num recorte social que atribui funções a cada um destes setores, isolando, desta forma, a participação que cada um deles tem sobre a realidade social. Isso porque, “é como se o 'político' pertencesse à esfera estatal, o 'econômico' ao âmbito do mercado e o 'social' remetesse apenas à sociedade civil, num conceito reducionista. ” (MONTAÑO, 2002, P. 53) No Brasil, o termo terceiro setor foi introduzido com a realização do III Encontro Ibero Americano do terceiro setor, em 1996, no Rio de Janeiro. No entanto, para Carlos Montaño, este evento foi uma continuidade do I e II Encontro Ibero Americano de Filantropia. Fato este que deixa evidente a vinculação das instituições filantrópicas com o terceiro setor. TEMA 02 – TERCEIRO SETOR E A NOVA FORMA DE ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL Com o advento da reestruturação do capitalismo, as reformas do Estado, e com o surgimento das instituições sem fins lucrativos, ou seja, o terceiro setor, atuando de forma direta em situações que expressam as contradições das relações entre capital e trabalho, a questão social ganha um novo “olhar”. De acordo com Montaño (2002), apesar de a sociedade e o Estado terem passado por profundas mudanças em seu contexto histórico, cultural, social, político e econômico, a questão social é a mesma; ou seja, a expressão das contradições capital e trabalho continua inalterada. Ainda de acordo com o autor, o que mudou foram as expressões/manifestações da velha questão social. Outro ponto importante de se ressaltar, quando se trata do surgimento do terceiro setor, diz respeito à transferência da responsabilidade estatal, para com a questão social, ou seja, para as instituições que representam o terceiro setor; fato este que, no Brasil, ocorreu majoritariamente durante as décadas de 1980 e 1990. Neste contexto, a questão social, que para quem defende as intervenções estatais do Welfare State era alvo das políticas sociais, passa a ser vinculada às instituições representantes do terceiro setor, ou seja, para as instituições sem fins lucrativos. Neste sentido, é possível afirmar que há o retrocesso no trato com a questão social, pois se vincula, novamente, à perspectiva da filantropia. 4 TEMA 03 – SOBRE A (DES) RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO COM A QUESTÃO SOCIAL De acordo com Montaño (2002), há uma tendência em justificar o desmonte da seguridade social estabelecida na Constituição federal de 1988, (Saúde, Previdência e Assistência), com as chamadas organizações não governamentais, atuando diretamente no atendimento de demandas sociais de forma precarizadas e sem o controle público e social. Uma vez que o Estado transfere as suas responsabilidades sociais para o chamado terceiro setor, há certa tendência de a população aceitar e apoiar tal transferência. Não percebem, com isso, os danos existentes nesta relação, principalmente no que diz respeito ao caráter de políticas públicas que deixam de existir nas ações das instituições e, também, no que diz respeito à garantia de direitos. É neste sentido que Montaño (2002), afirma que: As perdas de direitos universais por serviços públicos de qualidade tendem a ser vistas como ganhos nos serviços de forças voluntárias, não-governamentais, filantrópicas. Verdadeiras perdas de conquistas históricas são convertidas, pela ação ideológica do ‘terceiro setor’, em ‘nova conquista’ de um tipo de atividade (supostamente) verdadeiramente solidária. (MONTAÑO, 2002, p. 234) Mas qual é o ônus para a população demandatária de políticas sociais públicas diante da relação entre Estado e terceiro setor? Para responder tal questão devemos ter a clareza de que direitos sociais são conquista históricas, bem como que a introdução da política de seguridade social, na Constituição de 1988, se configura em fruto de muita luta dos movimentos sociais e dos trabalhadores. Por isso, tais direitos devem ser garantidos, enquanto política pública universal e no âmbito público. Quando ocorre esta transferência de responsabilidades do Estado para o terceiro setor, tende-se a fragilizar e fragmentar o atendimento para as populações demandatária de assistência pública, agravando ainda mais os efeitos da desigualdade social. 5 TEMA 04 – A REDUÇÃO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA QUESTÃO SOCIAL Se partirmos do pressuposto de que o Estado é responsável por atender as demandas da questão social, e que a intervenção estatal é financiada mediante contribuições de toda a sociedade, o Estado torna-se, portanto, um instrumento para a realização e efetivação de ações que se destinem a dar respostas às expressões da questão social. Neste sentido, quando ocorre a terceirização dos serviços que atendem demandas sociais, há uma redução do papel do Estado e de sua responsabilidade para com a questão social, colocando, desta forma, as instituições sem fins lucrativos a frente de grande parte dos serviços prestado a população, pois como a firma Montaño: Toda demanda social, atendida por essas “entidades” independentes, filantrópicas e voluntaristas, tende a ser, via de regra, transformada em demanda emergencial – isto é, retirada dos seus fundamentos sistêmicos e, eliminado as mediações, transforma em demanda imediata, apenas tratando a forma assistencialista – sem constituir direito, sem garantia de permanência e como atividade curativa. (MONTAÑO, 2002, p. 236)Com a redução das ações estatais, o atendimento das instituições e organizações, que compõe o terceiro setor, passa a ser primordial àqueles que carecem de assistência. Desta forma, de acordo com Montaño (2002, p.236), além da desoneração do Estado, há uma tendência em “auto-responsabilizar os portadores de carências”. Outro ponto importante de se considerar, neste cenário, diz respeito à indução da ideia de ineficiência da esfera estatal, para, com isso, propagar a ideia de eficiência das instituições do terceiro setor no atendimento de demandas sociais. Assim, o setor terceiro passa a ser visto como um importante segmento para o atendimento das expressões da questão social. 6 TEMA 05 – REFLEXÕES SOBRE AS TENDÊNCIAS DO TERCEIRO NO SERVIÇO SOCIAL Uma vez que já pontuamos o debate sobre a funcionalidade do terceiro, para com o atendimento de demandas sociais, agora vamos trabalhar sua funcionalidade no âmbito do Serviço Social. Para compreender esta relação, vamos partir do princípio de que o Serviço Social tem, nas políticas sociais, sua base de fundamentação, e é deste setor que mais se ocupam os profissionais da área. Isto significa que, à medida que se altera o trato para com as políticas sociais, e, consequentemente, com a questão social, haverá também mudanças no âmbito da atuação profissional dos assistentes sociais, “na sua demanda, nos campos de atuação e nas relações trabalhistas”. (Montaño, 2002, p.245) De acordo com Montaño (2002 p. 244), para compreender estas transformações, é necessário partir do entendimento de que há uma distinção entre “entender as políticas sociais como ‘base de sustentação funcional- ocupacional’ da profissão, do que entendê-las como ‘instrumentos’ da ação profissional”. Para o referido autor, entender as políticas sociais como base de sustentação profissional, significa entendê-las como um instrumento utilizado pelo Estado para intervir na questão social. Sendo assim, se constitui em mercado de trabalho do Serviço Social. Além disso, neste caso, o assistente social é o agente implementador da política social. Ao contrário disso, seria entender a política social como instrumento de ação profissional, que, para Montaño (2002. p.245), “leva a uma equivocada interpretação da relação Serviço Social/Estado, e a uma problemática avaliação da profissão [...]”. Assim, se o Serviço Social tem na política social sua base de sustentação profissional, com a redução das responsabilidades estatais no trato à questão social, e com a transferência de suas atribuições para as organizações do terceiro setor, a profissão sofre uma significativa alteração. Que tipo de alterações? 7 No tipo e quantidade da demanda, da demanda dirigida ao profissional, nas condições de trabalho do assistente social, na modalidade interventiva, na eventual tendência ao aumento ao desemprego e subemprego profissional, na descaracterização da profissão. (MONTAÑO, 2002, p.146) Assim, podemos perceber, nas palavras do autor, que há uma crítica sobre as transformações que o Serviço Social sofre com transferências da responsabilidade da questão social para o terceiro setor. NA PRÁTICA Como vimos, nesta aula, com o surgimento das organizações do terceiro setor, o Estado transfere parte de suas responsabilidades para estas instituições, colocando-as a frente das atividades que atendem demandas da questão social. Um exemplo bastante comum que podemos citar, como organização do terceiro setor, são as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs). São entidades filantrópicas, sem fins lucrativos de direito privado, sua forma de atuação se concentra no atendimento de Pessoas com Deficiência Intelectual. Sendo assim, as APAEs se configuram como organização do terceiro setor que é campo de atuação profissional, do Assistente social. Agora que já temos um exemplo de instituição do terceiro setor, que atua no atendimento as demandas da questão social, para um melhor conhecimento sobre a história e as formas de intervenção das APAEs, realize uma pesquisa no site da instituição e faça uma breve análise das informações coletadas, correlacionando com o conteúdo da nossa aula. https://www.apaebrasil.org.br SÍNTESE Nesta aula, tratamos de temas referentes à vinculação do terceiro setor com o Serviço Social. Tratamos do conceito hegemônico de terceiro setor, para, posteriormente, pontuar que, com o seu surgimento, nasce uma nova forma de enfrentamento da questão social, ou seja: por meio das ações destas organizações, e não por meio de políticas estatais. Vimos, ainda, que, com o surgimento do terceiro setor, o Estado passa a transferir as suas responsabilidades com a questão social para este segmento, o que acaba por acarretar em alterações significativas nas relações de trabalho 8 do Assistente Social. Estas alterações vão desde as modalidades interventivas da ação profissional e condições de trabalho, até a demanda por profissionais especializados. Isto significa que, com a transferência da responsabilidade estatal com a questão social para o terceiro setor, há uma tendência à redução de campos de trabalho e, consequentemente, de uma redução, também, na oferta de serviços sociais para o enfrentamento da questão social. Além disso, vimos que, com a intensa participação das organizações do terceiro setor no enfrentamento da questão social, há uma tendência de se propagar a ideia de que o Estado é ineficiente para lidar com estas questões, quando, na verdade, ocorre que o próprio Estado apoia as organizações da sociedade civil, justamente para ter menos responsabilidade com a questão social. Tendo em vista estes elementos, presentes na relação entre Estado e terceiro setor, é que devemos compreender que, apesar da importância que muitas organizações do terceiro setor têm para atender situações advindas da questão social, enquanto profissionais de serviço social, não podemos deixar de defender as políticas sociais públicas como principal meio para o enfrentamento da questão social e garantia de direitos. REFERÊNCIAS APAE. Rede Apae e sua história. Disponível em: <https://www.apaebrasil.org.br/#/artigo/2 > Acessado em: 08/12/2016. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2008.