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22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 1/59 Historiogra�a brasileira e pós-modernidade Prof. Cairo Barbosa Descrição Analisar as diferenças entre pós-modernidade e pós-modernismo como reações ao paradigma moderno nos debates e na produção histórica na historiografia brasileira. Propósito Identificar os desdobramentos da pós-modernidade no campo dos estudos historiográficos no Brasil é fundamental para os profissionais de Ciências Humanas e os historiadores que desejam se posicionar no campo. Objetivos Módulo 1 Modernidade, pós-modernidade e pós-modernismo 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 2/59 Relacionar as ideias de pós-modernidade e pós-modernismo em tensionamento com o projeto moderno. Módulo 2 Historiogra�a brasileira e pós- modernidade Examinar a recepção dos estudos pós-modernos na historiografia brasileira na segunda metade do século XX. Módulo 3 O campo dos estudos históricos pós-modernos no Brasil Analisar as novas abordagens pós-modernas na historiografia brasileira com foco nos estudos da micro-história e nas análises sobre gênero/mulheres. Introdução Quais são os impactos da pós-modernidade na historiografia, em geral, e na historiografia brasileira, em particular? Para responder a tal pergunta, faremos um percurso dividido em três módulos. No primeiro módulo, vamos apresentar definições gerais e específicas para os termos “modernidade”, “pós-modernidade” e “pós-modernismo”, procurando aproximá-los ou diferenciá-los. No segundo, investigaremos a recepção dos “estudos pós- modernos” na historiografia brasileira. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 3/59 Por fim, no último módulo, indicaremos os desdobramentos e os impactos temáticos da pós-modernidade nos estudos históricos no Brasil atual, focando as novas abordagens, fontes e perspectivas apresentadas, como as discussões sobre gênero/mulheres e as abordagens da micro-história. 1 - Modernidade, pós-modernidade e pós- modernismo Ao �nal deste módulo, você será capaz de relacionar as ideias de pós- modernidade e pós-modernismo em tensionamento com o projeto moderno. O nascimento de um fazer histórico cientí�co Modernidade Com os eventos que inauguram a “modernidade”, como o Renascimento, as reformas religiosas, a expansão marítima e os processos de colonização das Américas, a Revolução Industrial, o Iluminismo e a Revolução Francesa, a humanidade passou a ser 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 4/59 submetida a novas experiências, produzindo um novo mundo que se diferenciava desses tempos anteriores pela necessidade de vivenciar, experimentar e assimilar novos acontecimentos, novas situações e novos cenários, alargando os limites do conhecimento e da consciência histórica que existiam até então. Com esse novo horizonte histórico específico, sentimentos, significados, sentidos e percepções são modificados, alterando não somente a forma como os humanos buscaram agir no mundo, mas também o modo com que eles se (re)orientaram no tempo. Alusão às grandes navegações que contribuiram para os choques culturais. A modernidade é fruto de amplas transformações estruturais e eventos disruptivos que inauguram uma temporalidade qualitativamente nova. O resultado é o aparecimento de choques culturais distintos e novos mecanismos de acumulação econômica – e, sobretudo, a invenção de modernas formas de organização da vida social baseadas em modelos políticos mais complexos. No livro Modernização dos sentidos (1998), o crítico alemão Hans Ulrich Gumbrecht sugere que, a partir do século XVI, o mundo teria vivido sua primeira “cascata de modernidade”, cuja marca principal é o surgimento de um sujeito histórico crente de si como um observador de primeira ordem da experiência prática, além de proclamar a si mesmo como o único capaz de produzir saber no âmbito da história. Para Gumbrecht, portanto: 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 5/59 A modernidade é tanto uma experiência histórica e um acontecimento quanto o surgimento e a consolidação de uma nova subjetividade humana no mundo voltada especialmente para a construção de projetos de transformação da ordem político-social. No livro Futuro passado (2006), o historiador alemão Reinhart Koselleck entende que esse momento de virada da modernidade inaugura uma alteração substancial na concepção de história que se tinha até ali, afetando a própria maneira como os homens vivenciavam as experiências e enxergavam o tempo. A defesa da ideia de razão e ciência por parte dos renascentistas e dos iluministas e o posterior desenvolvimento da industrialização na Europa entre os séculos XVI e XVIII apresentaram ao mundo experiências históricas inéditas, inaugurando um período de desenvolvimento social que deveria ser espalhado pelo mundo a ponto de ser universalizado. É por isso que, no âmbito do discurso da modernidade, o progresso passa a ser a finalidade última das ações humanas. Os acontecimentos são vistos como parte de uma marcha em direção à liberdade e à igualdade, sendo a história o palco onde se desenrolam tais eventos, que, em tese, deveriam levar o mundo para um futuro promissor e transformador. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 6/59 Até por isso, surge no vocabulário moderno a ideia de oposição entre o “novo”/”atual” e o “velho”/”tradicional”, em que o passado representa tudo o que deveria ser abandonado e o futuro, tudo o que deveria ser buscado e alcançado. Desde então, homens e mulheres passaram a ter consciência qualitativa da mudança temporal, criando formas singulares de apreensão da experiência e, sobretudo, de diferenciação histórica. Pintura El conjuro, que faz crítica aos pensamentos tidos como ultrapassados para os pensadores da época. A solidificação da narrativa da modernidade fez com que a ideia de progresso descortinasse um futuro capaz de ultrapassar o espaço do tempo e da experiência tradicional, natural e/ou prognosticável. Ela, com isso, passa a ser compreendida como o “tempo do novo” não somente do ponto de vista factual, mas também – e sobretudo – pela capacidade de aceleração do próprio tempo histórico e pela alteração significativa do modo com que a humanidade se relacionava com a própria vida social. Comentário Nessa nova percepção, a história torna-se, ela própria, um sujeito. O advento dela como coletivo singular deu-se em uma circunstância temporal que pode ser entendida como “a época das singularizações”, das simplificações, que se voltavam social e politicamente contra a sociedade estamental do Antigo Regime. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 7/59 A história passa a ser enxergada como uma marcha universal do progresso humano na Terra que busca afastar-se sempre das experiências do passado e projetar novas expectativas de futuro. É a partir dessa singularização dela, fenômeno indicado especialmente por sua temporalização, que se anuncia uma transformação da experiência que domina a época moderna e, portanto, indica uma alteração significativa da própria ideia de história. Conforme define o historiador francês François Hartog no livro Regimes de historicidade (2013), a modernidade constitui um regime de historicidade futurista que exalta o progresso e a esperança no futuro como melhoriae aperfeiçoamento da humanidade. Nesse novo regime histórico, com a crescente aceleração do tempo e a capacidade de mutabilidade dos acontecimentos no mundo prático, o passado é colocado de lado por perder a capacidade de balizar as ações humanas. Essa acepção fica evidente na emergência das filosofias da história e nas ideologias políticas modernas, como: Iluminismo Socialismo Comunismo 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 8/59 Nelas, o presente seria apenas a antessala de um futuro utópico e transformador, demolidor de experiências, tradições e memórias. Marca- se, com isso, o surgimento de uma história agora com uma qualidade temporal própria, na qual diferentes durações e períodos de experiência, passiveis de alternância, tomaram o lugar outrora reservado ao passado entendido como exemplo. É possível dizer que: Resumindo Na modernidade, vigorou, de maneira hegemônica, uma concepção de história linear, progressiva e evolutiva, ancorada na ideia de que a experiência temporal por excelência é aquela voltada para o futuro, a finalidade do desenvolvimento progressivo das faculdades racionais humanas. Além disso, a modernidade criou um tipo ideal específico do que é a “marcha da civilização” e o universalizou, enquadrando sujeitos e experiências distintas como “atrasados” ou passíveis de serem “transformadas”. Como veremos a seguir, existe na pós-modernidade uma atitude crítica que busca romper com essas concepções criadas e desenvolvidas no arco entre os séculos XVI e XVIII. Trata-se de um momento de crise aguda do paradigma moderno e de surgimento de uma nova visão de mundo: a pós-moderna. Pós-modernidade Novos paradigmas Liberalismo Anarquismo 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 9/59 No século XX, o “paradigma moderno” vai ser abalado por diversos eventos e acontecimentos traumáticos e violentos, como os totalitarismos, o holocausto, as guerras mundiais e as bombas atômicas. Se o discurso da modernidade vinha acompanhado de uma adesão à ideia de progresso e liberdade, esses acontecimentos mostraram que a ciência, a técnica e a razão, caso fossem apropriadas e utilizadas de forma instrumental por ideologias políticas autoritárias, poderiam produzir violência, barbárie, genocídio e catástrofes. Vamos a um exemplo imagético disso. Guernica, Pablo Picasso. Para Hans Gumbrecht, no livro Nosso amplo presente: o tempo e a cultura contemporânea (2015), tais experiências negativas da primeira metade do século XX operaram uma nova transformação na relação dos homens com o tempo. Nesse caso, o futuro passou a não se apresentar mais como um horizonte aberto de possibilidades, liberdade e progresso. Pelo contrário, especialmente por conta da ampliação da capacidade destrutiva da humanidade e pela aceleração dos acontecimentos, o futuro se torna, aos poucos, uma dimensão cada vez menos prognosticável e mais indesejável, porque é nele que pode residir a concretização do que há de pior na existência humana. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 10/59 Forma-se o que Gumbrecht chama de “cronotopo presentista”, um mundo em que homens e mulheres sentem-se encurralados entre o temor do futuro e a incapacidade de se reconectar com o passado. Com o crescimento da desconfiança sobre a ideia de progresso e a percepção de que o futuro seria o lugar da liberdade, é possível afirmar que a principal característica do “paradigma moderno” se dissolveu. Desse modo, o presente, o lugar do agora, sobrepôs-se ao peso do passado e ao apego ao futuro. Segundo François Hartog (2013), nasce então o “regime de historicidade presentista”, no qual existe um constante desgarramento em relação às experiências do passado e às expectativas do futuro. Inconstante, acelerado e fragmentado, esse “novo presente”, no século XX, é hipertrofiado e volátil, sendo incapaz tanto de enraizar os seres humanos em tradições passadísticas quanto de assegurar projeções minimamente prognosticáveis do porvir. Essa nova condição histórica é conhecida como “pós-modernidade”. Além dos eventos da primeira metade do século XX que já mencionamos, outros acontecimentos são importantes. Queda do muro de Berlim em 1989. A queda do Muro de Berlim (1989), o colapso da União Soviética e a consequente crise das grandes ideologias políticas modernas, principalmente do Socialismo e o do Comunismo. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 11/59 Tais mudanças configuram um refluxo dos movimentos de massa e, sobretudo, um declínio das utopias, inaugurando a “era conformismo político”. Um dos principais analistas dessa transformação paradigmática é o filósofo francês François Lyotard. No livro A condição pós-moderna (2004), Lyotard indica que esse novo período histórico marca o momento de crise aguda das "grandes narrativas" totalizantes da modernidade, fundadas, como já apontamos, tanto na crença no progresso e nos ideais de igualdade e liberdade quanto na busca constante pela “melhoria” e pelo “aperfeiçoamento” da vida humana na terra. Comentário Na visão do filósofo francês, a condição pós-moderna apresenta uma razão fundamentalmente marcada pela ideia de dúvida e atravessada pelas noções de relativização, perspectiva, desconstrução e desconfiança, o que coloca em dúvida especialmente a narrativa que prometia um futuro emancipado para as sociedades. Outro autor importante a refletir sobre essa problemática foi o sociólogo francês Michel Maffesoli. No livro Elogio da razão sensível (2001), o autor entende a “pós-modernidade” como um período histórico caracterizado pelo desenvolvimento de um imaginário – símbolos, valores e percepções – que rompe com o racionalismo e o culto apaixonado do progresso. Na visão de Maffesoli, houve uma saturação do projeto moderno. Produziu-se, no mundo contemporâneo, uma ruptura com valores e percepções erigidas principalmente no século XVIII, abrindo espaço para a apreensão de novas formas de sociabilidade, focando o que é plural, complexo e multifacetado. A marca da condição pós-moderna seria a 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 12/59 construção de uma nova “razão sensível” preocupada com elementos alijados do campo científico. Vejamos: Exemplo O sonho, o festivo, o lúdico, o fragmento e a diferença. De acordo com a visão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman exposta em O mal-estar da pós-modernidade (1998), as relações sociais contemporâneas, especialmente a partir da segunda metade do século XX, desmancharam a “solidez” da modernidade, que se baseava na crença no futuro. Emerge então uma “modernidade líquida”, também chamada de pós-modernidade, em que o mundo se torna fluido, sem forma definida, veloz, móvel, inconstante e inconsistente. Do ponto de vista da consciência histórica, desenha-se, assim, um mundo de incertezas, indefinição e imprevisibilidade. Vínculos sociais rígidos produzidos por instituições, como Estado, família, partido e sindicato, são substituídos por vínculos seccionados e fragmentados, como é o caso dos pertencimentos de gênero, raça e etnia, por exemplo. É possível dizer, portanto, que o período conhecido como “pós- modernidade” sedimentou uma consciência histórica que, de maneira sintética, procura questionar os princípios estruturantes do paradigma moderno, tais como: 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 13/59 A concepção de verdade absoluta A ideia de progresso e de uma história linear e evolutiva A possibilidade de emancipação universal O conceito de razão A pretensão à objetividade cientí�ca A padronização produzida pelas grandes narrativas ou ideologias políticas 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 14/59 Pós-modernismo Nova consciência histórica A nova “consciência histórica” se propagou pela sociedade, afetando diversas áreas, incluindo a ciência e, em específico, a historiografia. No âmbito epistemológico, o paradigma pós-moderno procura descontruir a possibilidade do conhecimento absoluto e total da realidade e dos fenômenos. Aposta-se agora que a razão humana é incapaz de garantir uma compreensão completa do mundo e da natureza. Mais do que isso, entende-se que a tentativa científica de explicar a história pautada em esquemas totalizantes, as chamadas metanarrativas, é uma ilusão. O pós-modernismo seria o efeito desse paradigma pós-moderno nos campos da filosofia, da ciência, da cultura e das artes. Nesse caso, suas marcas de expressão mais importantes seriam uma: Atitude cética em relação às verdades estabelecidas. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 15/59 Rejeição às grandes narrativas, às ideologias e ao princípio da “universalidade”. Oposição às certezas epistêmicas e à estabilidade dos significados discursivos. O gesto “pós-modernista” também pode ser caracterizado pela dissolução das visões binárias de mundo, operando como uma crítica às identidades estáveis, às hierarquias rígidas e às categorizações cristalizadoras. O pós-modernismo, afinal, considera o conhecimento e os sistemas de valores estabelecidos como fenômenos contingentes e socialmente condicionados, estando ligados a discursos políticos e hierarquias sociais estabelecidas ao longo da modernidade. No livro Após a grande divisão: modernismo, cultura de massa, pós-modernismo, Andreas Huyssen diz que, no campo dos conhecimentos científicos, esse movimento operou com uma recusa à divisão entre, por exemplo, “ciência válida” e “crença popular”. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 16/59 Robert Rauschenberg, Retroactive II, 1963 Por isso, os “estudos pós-modernos” procuram adotar uma postura de desconstrução e relativização de ideias estabelecidas, valorizando visões dissidentes, narrativas plurais, relatos múltiplos e novos sujeitos e objetos. Outros saberes marginalizados e esquecidos foram incorporados como objetos de análise e tratados como fenômenos socialmente determinados que merecem a atenção dos pesquisadores. Como veremos adiante, a pós-modernidade e o pós-modernismo chegaram ao debate acadêmico brasileiro no final do século XX e impactaram diretamente a forma de se escrever história no Brasil. Atividade discursiva Construa um texto discutindo, a partir de um exemplo a sua escolha, a interpretação moderna e a pós-moderna. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 17/59 Digite sua resposta aqui Chave de resposta O momento é seu, mas você precisa estar atento aos instrumentos, à noção cientificista da modernidade e à visão discursiva relacionada à pós-modernidade. Pós-modernismo e a história brasileira Acompanhe agora a chegada do pós-modernismo na historiografia brasileira. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 18/59 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 “Na sociedade e na cultura contemporânea, sociedade pós- industrial, cultura pós-moderna, a questão da legitimação do saber coloca-se em outros termos. O grande relato perdeu sua credibilidade, seja qual for o modo de unificação que lhe é conferido: relato especulativo, relato da emancipação, pois eles sofrem um processo de deslegitimação.” 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 19/59 LYOTARD, J. F. O pós-moderno. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p. 69. Um dos principais estudiosos da chamada “pós-modernidade”, o filósofo François Lyotard estabelece um contraponto entre a forma de saber típica do Iluminismo e a legitimidade do conhecimento na era pós-moderna. Na visão do autor, essa contraposição baseia-se no fato de que Parabéns! A alternativa C está correta. A questão aborda a visão de Lyotard sobre a natureza dos discursos na pós-modernidade. Na visão do autor, o “macrorrelato” típico da modernidade perde espaço na época pós-moderna por conta da fragmentação social e da diversidade cultural, que passam a vigorar com mais força no espaço público A na modernidade, o grande relato, embora parcial, era afeito à própria fragmentação do mundo. B na época moderna, o microrrelato, embora parcial, procurava recolher fragmentos do mundo para construir um mosaico socio-histórico da realidade. C na pós-modernidade, com o mundo fragmentado, o macrorrelato é descredibilizado pela sua pretensão à totalidade, já que o mundo é visto, cada vez mais, como diverso e múltiplo. D na chamada “época pós-moderna”, a globalização impôs à ordem social mundial uma homogeneização que influiu diretamente na construção de macrorrelatos sociais válidos e totalizadores. E no contexto da pós-modernidade, as noções plurais e fragmentadas do iluminismo, como razão e liberdade, são substituídas por conceitos unitários que buscam abarcar de forma uníssona a totalidade social. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 20/59 Questão 2 O conceito de modernidade histórica não é uma mera marcação de periodicidade. De maneira prática, ele acaba por criar uma abordagem singular de percepção do tempo. Essa conceção é marcada por ser Parabéns! A alternativa E está correta. Conforme apontam diversos autores que discutem a modernidade, ela é constituída por uma visão marcada pelo eurocentrismo e pelo civilizacionismo. Dessa maneira, em uma grande marcha civilizacional, a modernidade parte de uma construção científica de validação de dados fortemente linear, progressiva e evolutiva. A teológica. B estritamente econômica. C descolada da realidade. D funcionalista. E linear e evolutiva. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 21/59 2 - Historiogra�a brasileira e pós-modernidade Ao �nal deste módulo, você será capaz de examinar a recepção dos estudos pós-modernos na historiogra�a brasileira na segunda metade do século XX. História mestra da vida Antes de apontar os impactos da pós-modernidade e do pós- modernismo nos estudos históricos brasileiros atualmente, é preciso indicar os rumos que a historiografia tomou no período que vai do surgimento da modernidade, entre os séculos XVI e XVIII, até sua consolidação como disciplina acadêmica, no século XX. Na Grécia Antiga, a historiografia abordava um número restrito de temas e tinha por tarefa principal, acima de tudo, preservar a memória de fatos importantes e apresentá-los de maneira confiável e atrativa do ponto de vista do estilo de escrita. Essa visão estava ligada, sobretudo, à ideia de que o passado era relevante, porque servia de ensinamento ao futuro, e deveria, portanto, ser transmitido como uma herança cultural ao longo do tempo. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio#22/59 A história, desse modo, era como uma “mestra da vida” (magistra vitae). Ela cumpria tanto uma função política, por tratar de assuntos relacionados às formas de governo, à função dos cidadãos na vida pública, às táticas de guerra e à mediação de conflitos, entre outros exemplos, quanto função moral, já que falava de valores, comportamentos e princípios que deveriam ser seguidos. Na Roma Antiga, berço da cultura latina, a história, como prática de representação dos eventos passados, era tratada como um testemunho da passagem do tempo, uma forma de o passado se comunicar pedagogicamente com o presente à luz da verdade dos fatos. Comentário Como se percebia a natureza humana como algo estável e permanente – e que as formas de experimentação do tempo se baseavam muito nos ensinamentos deixados pelos acontecimentos –, a história tinha, a partir dos relatos das “autoridades”, como Cícero (106-43 a.C.), por exemplo, exatamente a função de mediar essa relação entre o passado e o futuro. Tratava-se, em suma, de uma historiografia voltada para resguardar a memória de vitórias, batalhas, epopeias, calamidades e outros exemplos, adquirindo uma feição pedagógica testemunhal e memorialística. Entre os antigos, portanto, a história era “mestra da vida” e se preocupava em fornecer exemplos a serem seguidos e imitados no futuro. Como guardiã dos fatos e eventos grandiosos, ela era responsável por manter vivas as lembranças e reminiscências de um tempo que já 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 23/59 passou, com a finalidade máxima de torná-las uma tradição edificada que possa guiar, de maneira segura e balizada, os passos das gerações futuras. Com a modernidade, esse modelo historiográfico foi dissolvido, dando lugar a uma nova forma de escrita da história. Como já vimos, com os grandes movimentos que inauguraram, do ponto de vista factual, a modernidade, houve uma modificação importante da forma com que os homens experimentavam a história até ali. Se antes havia a percepção de que as experiências do passado e as tradições eram fundamentais para sedimentar o futuro, por volta do século XVIII, com as rupturas causadas por alguns desses processos transformadores e revolucionários, inaugurou-se um tempo do novo e do inédito, em que a ideia de história pedagógica se esvazia e perde seu sentido usual dado desde a Antiguidade. Comentário Com o surgimento das grandes filosofias da história (iluminismo, socialismo, liberalismo, anarquismo etc.), o presente passou a ser apenas a antessala de um futuro necessariamente diferente, capaz de demolir as experiências, as tradições e as memórias. Em síntese, se antes a história considerava o passado um repositório de acontecimentos e relatos variados, recolhidos em torno de memórias dos feitos notáveis e extraordinários que tinham a função de orientar, a nova história, no século XVIII, passou a ser entendida como um acontecimento único e singular, o qual não é mais capaz de instruir nem de aconselhar. História Moderna Foi no século XIX que a historiografia, como estudo da História, se consolidou como “ciência humana”. Um dos expoentes desse movimento foi o historiador alemão Leopold von Ranke (1775-1886). 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 24/59 Leopold von Ranke. Ranke é considerado um dos “pais fundadores” da historiografia científica, ligada à institucionalização das Ciências Humanas como campo do conhecimento no interior das universidades europeias. Sua compreensão indica que a História, antes de mais nada, é uma ciência reflexiva cujo objeto primordial é o passado, e não o presente. Na perspectiva do historiador alemão, cada povo tem o seu “espírito”, que se manifesta, no plano histórico, nos “grandes homens” e nos grandes eventos e acontecimentos. A função do historiador seria, assim, encontrar esse espírito e narrá-lo. Na visão de Ranke, a historiografia tem uma função eminentemente política: auxiliar na construção dos valores sociais de um povo e contribuir para educar moralmente os cidadãos com a finalidade de criar vínculos culturais que ajudem a construir os contornos do Estado-nação – no caso alemão, um Estado nacional recém-criado, já que a unificação do país é tardia (1871). Para Gérard Noiriel, autor do livro O nascimento da profissão historiador (1990), essa relação entre historiografia, Estado e política se devia ao fato de que o ensino superior deveria funcionar como elemento central para a afirmação de valores culturais necessários à organização de uma nação coerente, coesa e unitária. No método historiográfico rankeano, em vez de se buscar inventariar o presente, transformando-o em tradição, o historiador, quase sempre próximo das posições de poder, preocupava-se em captar todas as dimensões do passado de seu povo. Ele buscava, com isso, uma 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 25/59 posição “impessoal” ao mesmo tempo que apagava memórias, visões e percepções divergentes e conflitantes em nome de um interesse maior: Formar a nação. Como saber universitário, portanto, a escrita da história, com aspirações à cientificidade, amordaçava as diversas visões sobre os acontecimentos que existiam nas sociedades em nome de uma “história oficial”, considerada como a única portadora da Verdade. Por isso, o conhecimento sobre o passado dependia fortemente das fontes históricas. Atenção! Como “ciência positiva”, a História deveria fugir do subjetivismo e se esforçar para construir uma narrativa de fatos e eventos ancorada na objetividade, sem produzir, nesse processo, uma escrita de caráter literário que pudesse afastá-la do objeto analisado. O historiador precisa lançar-se ao passado com desinteresse pessoal, condição primordial para que sua narrativa, baseada em comparações e cotejamentos de fatos, seja capaz de testar as conclusões gerais nas fontes consultadas. Até por isso, os vestígios do passado, como documentos, imagens, textos e, sobretudo, memórias, deveriam passar pelo crivo do historiador. Ele, afinal, é responsável por analisá-los metodicamente, ou seja, de maneira sistemática, sempre tendo “a verdade única dos acontecimentos” como horizonte. Diferentemente do que havia sido solidificado no modelo magistra vitae, que registrava o presente com vistas a preservá-lo como uma memória de acontecimentos considerados importantes, no século XIX, principalmente no modelo rankeano, a “historiografia científica” buscou analisar o passado de maneira pretensamente distanciada, metódica e investigativa. Baseando-se sempre em provas documentais e amordaçando as “vozes dissonantes”, ela tinha como horizonte acessar a verdade dos fatos e edificar os valores da nação em formação. A nação, por sinal, era definida dentro de limites conservadores, considerando apenas tipos ideais de sujeitos, gêneros, raças e classe – todos sempre ligados a grupos dominantes e hegemônicos historicamente. Como não poderia deixar de ser, a partir da segunda metade do século XX, esses critérios também foram cruciais na formação da historiografia brasileira no âmbito científico e acadêmico com a institucionalização da História no ensino universitário. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 26/59 A formação da moderna historiogra�a brasileira Entre as décadas de 1950 e 1970, a produção historiográfica brasileira passa a se concentrar sobretudo nas universidades, iniciando um processo longo de consolidação da profissão historiador e dos estudos históricos como campo disciplinar. Uma das figuras mais importantes desse período de transição foi JoséHonório Rodrigues. José Honório Rodrigues, 1969. Na perspectiva de Honório, o ensino universitário de História deveria se preocupar com a investigação, o manejo de fontes, os procedimentos de análise e a interpretação de documentos com vistas – todos operando como protocolos que deveriam contribuir para, a partir de uma recriação do passado, a produção de uma síntese histórica. Em certa medida, do ponto de vista metodológico, o autor nutria um apego pelo documento histórico, já que ele serviria como “instrumento de prova”. O auge dessa “institucionalização científica e universitária” foi atingido nas décadas de 1980 e 1990, momento no qual as indagações sobre o sentido da nacionalidade e a formação geral do Brasil, em suas diversas perspectivas analíticas, passam a perder espaço. A questão da 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 27/59 “explicação da nação” fica em segundo plano, um movimento que pode ser associado à consolidação da formação do campo profissional da historiografia no país. A partir desse momento, os historiadores apegaram-se ao seguinte objetivo: Desenvolver trabalhos acadêmicos de acordo com as convenções teórico-metodológicas estabelecidas pela comunidade de pares, buscando tornar-se cada vez mais um corpus relativamente autônomo em relação às forças sociais e políticas externas ao fazer historiográfico. Em outros termos, essa profissionalização foi construída com base nos parâmetros da pesquisa científica universitária. A partir daí, saem de cena as explicações gerais e a busca por “verdades perenes” em relação à história do Brasil. Em vez disso, passa a ser valorizada a análise histórica minuciosa baseada em metodologias específicas do campo e ancorada em discussões teóricas densas. Diversos debates internacionais foram incorporados ao universo dos estudos históricos nacionais. A historiografia brasileira, desse modo, modificou-se substancialmente – e a recepção dos estudos sobre pós- modernidade e pós-modernismo faz parte dessa renovação. Pós-modernidade na historiogra�a brasileira A historiografia pós-moderna parte de uma reformulação teórica, metodológica e epistemológica dos pressupostos básicos da historiografia do século XIX e da primeira metade do século XX. Nessa abordagem, recusa-se o estudo do passado como uma totalidade única e acabada, passível de ser decodificada pelo trabalho do historiador. Atenção! É importante considerar que a própria escrita da história é, por si só, uma forma de representação de determinado passado, e nunca uma maneira de esgotá-lo nem de atingir a verdade única e absoluta que ele poderia comportar. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 28/59 A historiografia, portanto, também comporta elementos estéticos e estilísticos; por isso, o estudo da narrativa é considerado fundamental. Sobre os objetos, a escrita da história pós-moderna procura ampliar as fontes, os sujeitos e os enredos de análise para mostrar a heterogeneidade e a infinitude da realidade social. É preciso ressaltar que, além dessas características, a historiografia pós-moderna possui outros pressupostos. Um deles é a desconstrução das ideias de causalidade e linearidade, ou seja: A história não é um todo coeso e progressivo. Valorizam-se a contingência, o acaso, os não ditos, os silêncios, os hiatos, os fragmentos e o descontínuo nos relatos sobre o passado. Resumindo A historiografia é uma forma metafórica de falar sobre as representações dos acontecimentos. Um dos primeiros usos do termo “pós-moderno” no debate historiográfico brasileiro foi o do historiador Nicolau Sevcenko, autor de clássicos, como Orfeu extático na metrópole - São Paulo nos frementes anos 20 (1992) e Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na I República (2003). Originalmente publicado em 1984 como artigo no jornal Folha de São Paulo, o texto do então professor da USP denominado O enigma pós-moderno analisou a pós-modernidade pelo aspecto da mudança das formas de apreensão do tempo. Comentário Em substituição ao tempo homogêneo, progressivo e linear da modernidade, no período pós-moderno teria se instaurado um que rejeita as ideias de unidade e homogeneidade e que se abre às ambiguidades, à pluralidade e à multiplicidade da história. Para Sevcenko, o pós-moderno é o tempo da fragilidade, da inconsistência, do provisório, relativo e do incerto. Anos depois, no livro História, modernidade e pós-modernidade: os desafios contemporâneos do conhecimento (1994), o historiador Francisco Moraes Paz avançou no debate sobre a pós-modernidade. Para o autor, o período pós-moderno produziu uma falência dos mitos dominantes da cultura ocidental, levando a humanidade a repensar os elementos que constituem a realidade e o conhecimento científico. No âmbito epistemológico, há uma crise das análises estruturais e das grandes narrativas – e, por conseguinte, a valorização das 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 29/59 micronarrativas capazes de ampliar aspectos da diversidade e das diferenças sociais existentes. Em 1997, Ciro Flamarion Cardoso publicou o clássico Paradigmas rivais. Nele, o autor buscava estudar o chamado “tempo pós-moderno” como um período de amplas transformações sociais, políticas e culturais que teria se iniciado na década de 1960 na Europa e nos EUA. Para Flamarion, essa mudança na condição histórica afetou a própria historiografia. Afinal, aos poucos, ela foi perdendo seu caráter científico e racional, fazendo-a renunciar às análises macro e gerais em troca do exercício meramente hermenêutico (interpretativo), micro-histórico, recortado, específico e, sobretudo, apegado à narrativa literária. Pós-modernismo em prática na historiogra�a brasileira Em artigo intitulado A “nova” historiografia brasileira, publicado em 1999, Margareth Rago produz um diagnóstico interessante. Para a autora, a década de 1990, no Brasil, foi um período de amplo florescimento cultural e intelectual, ocasionado sobretudo pela expansão urbano- industrial, pela massificação e pelo desenvolvimento das telecomunicações. Consequentemente, novos grupos sociais, étnicos e sexuais passaram a buscar maior participação na vida pública, reivindicando pautas políticas específicas. Como vimos anteriormente, o cenário de fundo, chamado de período “pós-moderno”, abria espaço não apenas para essas múltiplas vozes, perspectivas e visões de mundo, mas também para a construção de uma historiografia que procure abordar novos objetos a partir de novas perspectivas teórico-metodológicas. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 30/59 Movimento caras pintadas, 1992. Em 2011, José Carlos Reis publicou História & teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. No livro, o autor aponta no tempo pós-moderno um momento de retorno do trágico na sociedade contemporânea, marcada agora pelas rupturas, pelos dissensos e por uma disputa de narrativas e linguagens. Trata-se, na visão de Reis, de um momento histórico avesso à sensação de linearidade e progresso contínuo, uma vez que o futuro do mundo é agora o lugar do incerto, do imprevisível e do incalculável. Comentário 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 31/59 Como foi possível observar, os debates sobre tais transformações sociais, políticas, culturais, econômicas e científicas chegaram aos estudos históricos brasileiros e passaram a produzir múltiplos debates metodológico e teóricos. Nas análises dos autores que mobilizamosacima, entende-se que a discussão sobre a era pós-moderna aterrissou no país de modo contundente, produzindo reflexões internas aos campos de estudos das Humanidades, principalmente na historiografia. A partir disso, abre-se uma seara que chamaremos de “historiografia pós-moderna”, cujas características principais encontram-se na busca por um afastamento sistemático em relação aos valores da historiografia do século XIX e da primeira metade do XX. Por isso, saem de cena os grandes heróis, as histórias nacionais, os “relatos oficiais”, os “sujeitos-padrão”, a luta de classe, as grandes estruturas sociais, os discursos hegemônicos e as narrativas dominantes. Esse abalo sísmico nos modelos historiográficos filosóficos e/ou positivistas – que se baseavam ora em uma ânsia por verdades absolutas e explicações generalistas, ora no apego a documentos oficiais, no relato dos grandes eventos e heróis e na construção de valores nacionais – poderá ser sentido se analisarmos as produções historiográficas recentes que se ancoram em novas veredas metodológicas e em novos objetos de análise. Atividade discursiva Discuta qual é o seu posicionamento frente à história. Você opta por uma visão cientificista, mais vinculada à pós-modernidade, ou por um olhar mais voltado para a modernidade histórica? Digite sua resposta aqui Chave de resposta 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 32/59 O mais importante é ser coerente: compare seus argumentos com as bases apresentadas até aqui e saiba que, nesse momento, de alguma forma, você também está entrando na historiografia. Vamos fazer um contraponto entre os olhares apresentados e verificar se isso nos ajuda a entendê-los melhor. Modernidade x pós- modernidade histórica Saiba mais sobre o ofício do historiador e como ele se transformou entre as noções de modernidade e pós-modernidade. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 33/59 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 “O desenvolvimento de diferentes áreas de estudo e a sofisticação das pesquisas elaboradas tornam complexa a tarefa de mapear as diversas tendências históricas que se entrecruzam no país, marcadas por uma grande variedade e riqueza, desde então. Das questões femininas e do gênero à masculinidade, da sexualidade às relações raciais, da história do público ao privado, da ciência à religiosidade e à magia, da cultura erudita à cultura popular e à mídia, da história social à história cultural, assistimos a uma crescente produção acadêmica, criativa, instigante e polêmica, nas últimas décadas.” RAGO, M. A “nova” historiografia brasileira. Anos 90. n. 11. jul. 1999, p. 74. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 34/59 A historiadora Margareth Rago analisa as transformações no campo historiográfico brasileiro nas últimas décadas do século XX. Na visão da autora, há uma mudança significativa na forma de escrita da história que abarca questões teóricas e metodológicas. Sobre essas modificações, é possível dizer que Parabéns! A alternativa D está correta. Na visão de Rago, as mudanças operadas no interior da historiografia brasileira são fruto principalmente das transformações socio-históricas ocorridas no país e no mundo no A a despeito da pluralidade de grupos sociais na arena pública, a historiografia brasileira manteve-se afeita aos tópicos do positivismo e da história filosófica, rejeitando o fragmento e a diferença. B embora a historiografia brasileira seja porosa às novas demandas sociais, as fontes, os objetos e as abordagens permanecem parcialmente iguais às do período de institucionalização do campo, no final do século XX. C a pressão exercida pelos novos movimentos sociais que ocuparam o espaço público com mais afinco nas últimas décadas apagou o rigor científico da historiografia brasileira, que passou a se apegar à vulgarização da ideia de “história”. D os novos estudos de historiografia brasileira, nas últimas décadas, foram permeados pelas novas demandas políticas de grupos que, no passado, haviam sido alijados do fazer historiográfico e dos próprios relatos históricos. E à luz dos debates pós-modernos, a historiografia brasileira das últimas décadas promoveu uma reativação dos princípios positivistas, especialmente na busca pela verdade factual dos acontecimentos. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 35/59 final do século XX, em especial com o desmonte das grandes ideologias de corte iluminista e as filosofias da história modernas. Para a autora, portanto, emerge, sobretudo na década de 1990, uma “nova historiografia” porosa às demandas sociais e aberta à pluralidade de sujeitos, personagens, objetos e fontes de conhecimento que configuram a “pós-modernidade”. Questão 2 A discussão feita por Ciro Flamarion Cardoso em Paradigmas rivais apresenta a relação política dos olhares históricos. De um lado, a defesa da modernidade em nome da materialidade; de outro, a possibilidade de um olhar pós-moderno que valoriza Parabéns! A alternativa E está correta. A lógica acerca do significado da verdade na perspectiva pós- moderna, em detrimento da apuração do real, é um ponto vital dessa percepção, assim como é, por consequência, a valorização do discurso. A a construção de uma unidade nacional. B a adoção de autores franceses. C a guerra entre os partidos políticos brasileiros. D a desvalorização da História como campo de saber. E os discursos diversos e a ausência de uma percepção de verdade absoluta. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 36/59 3 - O campo dos estudos históricos pós-modernos no Brasil Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar as novas abordagens pós-modernas na historiogra�a brasileira com foco nos estudos da micro- história e nas análises sobre gênero/mulheres. Micro-história História em migalhas? A partir da segunda metade do século XX, a historiografia passou a se preocupar mais com os sujeitos do que apenas com os “acontecimentos coletivos” e os “eventos grandiosos”. A revalorização da “primeira pessoa” como ponto de vista, pautando a dimensão subjetiva da existência histórica, fez com que sujeitos marginais e cidadão comuns – os quais, ao longo do tempo, foram relativamente ignorados em outros modos de narração do passado – aparecessem em textos, livros e artigos do campo da História e das Humanidades em geral. No início dos anos 1980, em meio às mudanças na historiografia ocasionadas especialmente pelo impacto do pós-modernismo, surge, na Itália, uma abordagem conhecida como micro-história. Articulada inicialmente pelos italianos: Edoardo Grendi 1932-1999 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 37/59 Carlo Ginzburg 1939 - atual Giovanni Levi 1939 - atual A micro-história buscou se insurgir contra as totalizações, as generalizações e os estudos acerca de grandes eventos, personagens e acontecimentos (comuns principalmente no positivismo, no historicismo e na história econômica), todos dominantes no século XX. A ideia dos estudos de micro-história é propor uma: A redução da escala permitiria que as experiências individuais, concretas e locais ganhassem relevo e relação aos fenômenos coletivos e gerais. A partir de um indício, um sujeito, um objeto específico, parte- se para uma reconstrução do cenário histórico de fundo e, posteriormente, para uma compreensãomais ampla da sociedade a fim de captar e perceber aspectos que, de outro modo, passariam despercebidos. No livro À beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes, o historiador francês Roger Chartier diz que a micro-história procura: Redução de escala de análise Descrição da “realidade social” mais detalhada Maior exploração do objeto de estudo 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 38/59 Em outros termos, sua abordagem busca, por intermédio dessa redução da escala de análise, entender a formação de dinâmicas culturais, simbólicas e sociais mais amplas. Na visão do também historiador José D’Assunção Barros defendida no artigo Sobre a feitura da micro-história (2007, p. 171), pode-se compreender a micro-história a partir de uma metáfora: “O micro-historiador examina ‘uma gota d’água para enxergar algo do oceano inteiro”. Também é por meio da escala micro, assim, que o historiador pode apreender parcialmente elementos mais amplos da sociedade, da cultura, da política etc. Essa renovação só foi possível, é importante ressaltar, graças à expansão e à difusão da abordagem pós-moderna, a qual, do ponto de 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 39/59 vista filosófico, pautou a necessidade de desconstrução e relativização das macronarrativas e das histórias gerais, ampliando as visões dissidentes, as narrativas plurais, os relatos múltiplos e os novos sujeitos e objetos que ganharam corpo no espaço público no final do século XX, especialmente a partir dos anos 1960. Como veremos a seguir, alguns estudos floresceram na esteira desse movimento de transformação do método historiográfico. The Gardener, obra utilizada na capa de algumas versões de O queijo e os vermes. Sem dúvidas, o mais impactante entre esses estudos foi O queijo e os vermes – o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição, de Carlo Ginzburg, publicado pela primeira vez em 1976. No livro, o historiador italiano analisa a vida do moleiro Domenico Scandella, conhecido por “Menocchio", que, no século XVI, vivia na aldeia de Montereale, na Itália. Menocchio foi condenado pela Inquisição católica sob acusação de heresia. De origem humilde, o moleiro se alfabetizou e teve contato com obras do pensamento da época, marcada tanto pela invenção da imprensa quanto pelas Reformas Protestantes. Comentário O que produziu surpresa em Ginzburg, contudo, é que as críticas de Menocchio ao catolicismo não eram fruto do espírito protestante, e sim de uma formação intelectual advinda sobretudo da cultura tradicional, 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 40/59 oral e popular daquele contexto. Nesse estudo de micro-história, um personagem comum (camponês) toma o centro da narrativa como elemento central para a compreensão de regras, padrões e brechas encontradas na Europa no final da Idade Média. Nos estudos de Natalie Davis, especialmente no livro Nas margens: três mulheres do século XVII, publicado originalmente em 1995, essa mudança no paradigma historiográfico ganhou força com o advento da crítica pós-modernista ao historicismo e às “histórias totais”. Davis pretendia analisar a realidade de uma época histórica da Europa moderna a partir das relações sociais e dos significados que os sujeitos atribuíam à vida em seu próprio tempo. Para isso, a autora buscou visualizar a história particular de sujeitos “excluídos” que dificilmente tiveram lugar de destaque nos estudos históricos ao longo do tempo até aquele momento. No livro, Davis reconstruiu a experiência de vida de três mulheres do século XVII: Glikl bas Judah Leib Judia negociante de Hamburgo, Leib produziu uma narrativa que mesclava elementos autobiográficos e ensinamentos religiosos. E foi justamente graças ao universo religioso que ela 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 41/59 teve acesso à cultura letrada, que a permitiu ter contato com obras pagãs e produzir textos com ensinamento éticos. Marie de l'Incarnation Mística que se tornou ursulina em Tours, na França, Marie também vivia em meio às ordens religiosas. Aproveitando a brecha aberta pela Igreja às mulheres devotas, ela redigiu textos devocionais e de caráter teológico, o que lhe permitia manter um canal de diálogo “direto” com Deus, sem a intermediação masculina. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 42/59 Maria Sibylla Merian Segundo Davis (1997, p. 146), “foi uma pioneira: atravessou as fronteiras da instrução e do sexo para adquirir conhecimentos sobre insetos e criou as filhas ao mesmo tempo que observava, pintava e escrevia”. Nas margens: três mulheres do século XVII mostra que a abordagem da micro-história individual de três personagens proposta por Davis é capaz de apreender tanto as limitações impostas às mulheres pela cultura heteropatriarcal quanto as brechas encontradas por elas no sistema de dominação masculino. Mais do que isso, é possível perceber, a partir desse estudo, como se estruturou a sociedade europeia do século XVII em relação a aspectos: Sociais 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 43/59 O livro de Natalie Davis apresenta, portanto, as relações de conflito e harmonia que elas mantiveram com o mundo em que viveram, sem reforçar estereótipos e lugares-comuns da narrativa historiográfica. Essa abordagem se faz presente também no movimento de renovação da historiografia brasileira, que, a partir de meados dos anos 1980, possibilitou novos estudos sobre nosso passado nacional. Um dos primeiros trabalhos de micro-história no Brasil foi produzido por Laura de Mello e Souza. Trata-se de O diabo e a Terra de Santa Cruz, publicado em 1986. Comentário Nessa obra, a autora estuda a feitiçaria e a religiosidade colonial na América portuguesa. Recorrendo à análise de casos específicos, Religiosos Políticos Culturais Econômicos 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 44/59 especialmente a partir de processos inquisitoriais, Laura buscou compreender a formação de práticas mágico-religiosas e a religiosidade popular no território colonial. Para ela, as religiões comuns no Brasil, como as crenças cristãs, judaicas, indígenas e africanas, não poderiam ser analisadas, como era comum à época, de maneira isolada, como elementos particulares e singulares. Antes disso, as micro-histórias analisadas possibilitavam a compreensão de que as religiosidades no período colonial brasileira eram complexas e resultado de entrelaçamentos múltiplos. Para a chegar a essa conclusão, a historiadora tentou reconstruir o cotidiano, as práticas e as visões de mundo de homens e mulheres “comuns”. Foi por meio de uma redução de escala, portanto, que se conseguiu ampliar o entendimento sobre a formação de aspectos culturais e sociais da sociedade brasileira. É possível destacar também Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque (1986), clássico do historiador Sidney Chalhoub. O livro trata dos costumes e da rotina dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque, momento de chegada dos imigrantes europeus ao país e de construção da liberdade dos negros no período pós abolição. Avenida central, Rio de janeiro, Belle Époque. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio#45/59 Os protagonistas da narrativa são os personagens Zé Galego, Paschoal e Júlia. O trio discorre sobre como eles viveram suas experiências na capital da jovem República, a qual, à época, passava por profundas modificações econômicas, sociais, urbanas e demográficas. Por meio dessa abordagem micro-histórica, o autor deslindou o processo de marginalização do negro em detrimento do imigrante, considerado pela elite branca brasileira mais apto ao trabalho regular. A obra de Chalhoub chama a atenção também para o desenvolvimento de normas e regulações produzidas pelos próprios trabalhadores na operacionalização da convivência, assim como na interação, integração e adaptação desses homens e mulheres ao mundo do trabalho. Comentário Outra reflexão de destaque é Trópico dos pecados – moral, sexualidade e Inquisição no Brasil, de autoria de Ronaldo Vainfas, publicada em 1989. No livro, Vainfas analisa as seguintes fontes: arquivos inquisitoriais, tratados morais, legislações régias e constituições eclesiásticas. A partir dessa massa documental (e, de maneira específica, do estudo de alguns casos particulares), o autor conseguiu compreender a dinâmica maior do projeto colonial português, de caráter moralizante e conservador, no Brasil. Mas não somente isso: Vainfas também conseguiu apreender, a partir de micro-histórias, os contornos específicos da ideologia dominante, bem como as práticas exercidas pelos grupos privilegiados com a finalidade de manter a estrutura de poder social, política, econômica e cultural. No ano de 1990, João Fragoso publicou Homens de grossa aventura, obra na qual o autor opera uma redução drástica da escala de análise de modo a visualizar o funcionamento do mercado (e de suas formas de produção) da praça do Rio de Janeiro na virada do século XVIII para o XIX. O olhar focalizado de Fragoso mostrava que, diferentemente do que as perspectivas totalizantes propunham, como a ideia de que a economia brasileira se resumia à “plantation escravista e exportadora”, existia uma lógica própria no enriquecimento da elite da então cidade mais importante do espaço colonial. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 46/59 Todas essas obras (produzidas dentro dos parâmetros da abordagem da micro-história) e seus autores redimensionam os objetos de estudo a fim de reduzir a escala de observação da realidade. Atenção! Não se trata, contudo, de produzir “biografias” particulares de determinados indivíduos, e sim de ver na história desses personagens traços capazes de facilitar a apreensão de partes e componentes da vida social e coletiva, tomada não mais como um “todo unitário”. O estudo das pessoas e dos seus problemas cotidianos, assim como de suas ações e reações comuns, possibilita ir além das grandes narrativas totalizantes e das verdades pré-estabelecidas sobre o passado. Com isso, abre-se espaço não mais apenas para os sujeitos-padrão (os “grandes personagens”), mas também para aqueles marginalizados e excluídos. Regionalismos e o valor do micro na história brasileira Conheça agora o valor do micro na história por meio do regionalismo. Mulheres e gênero Uma história comprometida com a luta 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 47/59 Nas últimas décadas, os debates sobre a presença das mulheres na historiografia brasileira ganharam fôlego. Se, por muito tempo, os estudos históricos se voltaram apenas para os chamados “sujeitos universais” (nomeadamente homens), as discussões sobre o gênero foram quase sempre marginalizadas e colocadas de lado. Muito dessa transformação responsável por produzir a inserção das mulheres na historiografia se deve a diversas disputas e ganhos que esse grupo obteve no espaço público com a eclosão do movimento feminista na década de 1970 e sua consolidação definitiva no mercado de trabalho e nas universidades. União de mulheres em manifestação na Praça da Sé, em São Paulo, 1983. Bloco das Mulheres na Luta Contra a Violência do Estado n Dia da Mulher em Belo Horizonte, 2013. Além disso, foi o próprio alargamento temático, discursivo e epistemológico da historiografia – mais uma vez na esteira da condição pós-moderna – que proporcionou a aparição definitiva delas na historiografia não só como produtoras da história, mas também como objetos de análise e tema de interesse de pesquisa. Comentário No Brasil, um dos primeiros estudos com essa temática foi produzido por June Hahner. No livro A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937, lançado por aqui em 1981, a autora aborda o 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 48/59 surgimento, no início do século XX, do chamado “movimento feminista brasileiro” a partir da articulação de mulheres de elite e da criação e difusão da imprensa. A principal reflexão do livro, entretanto, encontra-se na introdução. Nela, sua autora procura responder à seguinte questão: Por que as mulheres estão ausentes da história o�cial brasileira? A resposta é importante, uma vez que levanta aspectos metodológicos, epistemológicos e teóricos da própria historiografia, segundo a qual a “história tradicional” foi produzida por homens que, de forma geral, buscaram reproduzir apenas os acontecimentos ligados às atividades típicas do seu gênero, como a atividade política, a econômica etc. Em outros termos, os homens buscavam falar de si próprios, pois era apenas o universo masculino que historicamente lhes interessava. Hahner, assim, exerce o importante papel de retirar as mulheres dessa posição “marginal” à qual elas foram relegadas ao logo do tempo no interior dos estudos históricos. Em 1984, dois importantes estudos foram lançados. De autoria de Maria Odila Leite da Silva Dias, o livro focalizou a atuação das mulheres pobres ao longo do século XX no Brasil. Com um trabalho de “resgate histórico” de personagens até então “esquecidas”, Odila procurou demonstrar que o apagamento das mulheres era antes uma escolha da historiografia que o resultado da ausência de fontes e documentos disponíveis. De Miriam Moreira Leite, foi outro estudo importante no ano de 1984. Seu texto, como indica o título, aborda os relatos de viagem que, ao produzir as representações da sociedade brasileira, acabavam abordando, de maneira especial, a condição Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 49/59 feminina à época no tocante a temas, como relacionamentos, atividades e participação social. Pouco tempo depois, em 1989, a Revista brasileira de História publicou um número intitulado “A mulher no espaço público”, que foi organizado por Maria Stella Martins Bresciani. Na visão da autora, tratava-se de produzir uma “história da exclusão”. Para tal, foram utilizadas categorias, como “mulher” e “condição feminina”. Embora fosse uma novidade na historiografia brasileira, o termo “gênero” fazia uma de suas primeiras aparições nos estudos históricos nacionais. A consolidação desse debate se deu no ano seguinte, em 1990, com o artigo Gênero: uma categoria útil de análise histórica, da norte-americana Joan Scott, traduzido e publicado aqui na revista acadêmica Educação e realidade. Na visão da autora, as relações entre os sexos “masculino” e “feminino” são construídas socialmente de modo desigual a partir de relações de poder estabelecidas historicamente. Em outros termos, Scott afirma que: Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entreos sexos. E mais: o gênero é uma forma primeira de dar significado às relações de poder. (SCOTT, 1994, p.13) Foi a partir desse estudo que, no Brasil, abriu-se ainda mais espaço para a construção de pesquisas históricas sobre a temática das mulheres. Um clássico dos estudos históricos sobre gênero e mulheres no país é o livro História das mulheres no Brasil, organizado por Mary del Priore e publicado em 1997. Trata-se de um estudo das mulheres não somente em sua inserção política no mundo do trabalho, mas também a partir de 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 50/59 seu pertencimento familiar, por exemplo, ou de sua representação na mídia, nos esportes etc. Abordando questões díspares, como corpo, sexualidade, violência, loucura, amor, sentimento e relacionamentos, entre outros exemplos, a obra tensiona a lógica “universalista” que dava centralidade aos homens na historiografia, pautando sobretudo a importância de se pensar a categoria gênero como uma forma de compreensão da formação social brasileira. Em 2006, o livro História & gênero, de autoria de Andréa Lisly Gonçalves, trouxe mais elementos para essa discussão. A publicação em si foi um marco, já que se tratava de uma novidade no tópico história e reflexões, com publicações relacionadas a temáticas até então canônicas da historiografia. Exemplo 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 51/59 A relação entre história e religião, natureza ou sociologia. No livro, Lisly trata de aspectos políticos da “militância feminista”, como a luta pelo abolicionismo e pelo sufrágio universal, além de discutir algumas das mais importantes postulações teóricas que demarcaram as diferenças sexuais entre homens e mulheres com o objetivo de solidificar as identidades coletivas na passagem do século XIX para o XX. Por fim, a historiadora também indica aspectos metodológicos da pesquisa em História das mulheres e das relações de gênero, dando um enfoque especial às fontes que podem ser mobilizadas nesse tipo de análise. Exemplo Biografias, manuais de etiquetas, testamentos, processos, crimes e dados censitários. Mais recentemente, o debate se ampliou bastante, a ponto de alguns autores passarem a produzir textos críticos à manutenção de alguns critérios restritivos específicos da historiografia. Esse é o caso do artigo Os sons do silêncio: interpelações feministas decoloniais à história da historiografia, publicado em 2018, no qual sua autora, Maria da Glória de Oliveira, questiona a invisibilidade das produções de autoria feminina no campo específico da história intelectual. Comentário Na visão de Oliveira, ao permanecer ancorado em aspectos típicos da “história oficial” e se concentrar na autoria masculina, branca e europeia, o modelo de pesquisa histórica vigente no Brasil e em parte do mundo relegou a autoria feminina a um segundo plano, mantendo-a como o “outro” silenciado, marginal e periférico. A proposta da historiadora, portanto, é tensionar esse cânone à luz do marcador de gênero, mostrando que só será possível produzir outros modelos de história se houver uma mudança importante nos “autores da história”, abrindo espaço para figuras que, ao longo do tempo, foram apenas objeto de estudos, e não sujeitos. Como pudemos observar, ao menos nas últimas três décadas, a historiografia brasileira passou a abrigar estudos sobre: A condição feminina 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 52/59 Trata-se de uma mudança paradigmática significativa. Basta, afinal, observar a configuração própria do campo dos estudos históricos na modernidade, que está preocupado principalmente com “sujeitos universais” e grandes heróis – em geral, homens. Com esse novo repertório crítico, foi possível tensionar essas balizas rígidas da historiografia brasileira, propondo tanto uma ampliação de sujeitos e objetos de análise quanto o foco na abertura para aqueles até então “marginalizados” e “excluídos” da história. É possível dizer, portanto, que esse movimento foi fruto exatamente do “abalo sísmico” provocado pela crítica pós-moderna, que se mostrou capaz de desestabilizar o projeto moderno e, por conseguinte, seus pressupostos básicos. História de gênero e seu valor na sociedade brasileira Veja agora alguns exemplos do conteúdo apresentado neste módulo. O papel das mulheres As relações de gênero que con�guraram a formação do país 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 53/59 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 54/59 Questão 1 “Pós-modernidade" é um termo que procura dar conta de um período histórico de amplas transformações sociais, políticas, culturais e econômicas ao redor do mundo. Tais mudanças também tiveram impactos decisivos, como não poderia deixar de ser, no campo científico, nas pesquisas universitárias e, mais especificamente, nos estudos de Humanidades. Se existe um novo mundo, então é preciso lançar sobre ele um novo olhar, com novas ferramentas de sondagem. Sobre a ampliação da noção de sujeito e objeto nos debates da historiografia brasileira na reta final do século XX, é possível afirmar que A tratou-se de um movimento eminentemente político gestado na atuação de partidos, sindicatos e movimentos sociais que só posteriormente produziu um impacto irrisório no cânone historiográfico. B embora as agendas sociais tenham sido importantes, a inclusão de mulheres, negros e outras minorias políticas nos relatos históricos foi um movimento exclusivo do campo historiográfico acadêmico, que há tempos tenta fechar-se às flutuações e às influências externas à universidade. C foi fruto mais da falência das narrativas das filosofias da história do Iluminismo, o que por si só acarretou a desagregação dos métodos tradicionais da historiografia, sem haver uma participação ativa da comunidade de historiadores. D não se tratou propriamente de uma ampliação, tendo em vista a presença constante de negros, mulheres e outras minorias políticas nos relatos historiográficos desde ao menos a Idade Média. trata-se do resultado da conjunção entre uma atuação política de movimentos sociais, que 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 55/59 Parabéns! A alternativa E está correta. A recepção do repertório crítico dos estudos pós-modernos no país proporcionou a ruptura de balizas rígidas da historiografia brasileira, propondo uma ampliação de sujeitos e objetos de análise e focando uma abertura para aqueles até então “marginalizados” e “excluídos” da história. Por conta disso, mulheres, negros e outras minorias políticas foram incluídas não somente nos relatos, mas também como sujeitos da própria história. Questão 2 Ao longo do século XIX e na primeira metade do XX, tanto os estudos oitocentistas quanto os estudos históricos de historiografia brasileira que abordaram o problema do “gênero” e da condição das mulheres na nossa formação social foram produzidos por homens ligados às elites intelectuais nacionais. Nessas produções historiográficas, a ideia de “mulher” apresentava-se E propuseram novas agendas de pesquisa, e as inovações do próprio campo historiográfico, sobretudo o tensionamento das premissas modernas que enrijeciam a escrita da história. A como questão central para a compreensão do Brasil, estando acima de aspectos outros, como território,cultura etc. B como elemento secundário da vida social brasileira; por isso, dificilmente aparecia nos livros da época. C como parte dispensável da formação social do país, embora aparecesse, em algumas narrativas, como elemento implícito de questões mais amplas, como nacionalidade etc. D como fator único de explicação das condições de formação do povo e do território brasileiros. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 56/59 Parabéns! A alternativa C está correta. Nos tradicionais estudos de historiografia brasileira dos séculos XIX e XX, a noção de gênero/mulher aparece como um elemento lateral e secundário da formação da nação. Considerações �nais Neste material, procuramos, em primeiro lugar, discutir e analisar as semânticas dos termos “pós-modernidade” e “pós-modernismo”, contrapondo-os à própria noção de “modernidade”. Como vimos, as ideias e as percepções do paradigma moderno, erigidas entre os séculos XVI e XIX, foram aos poucos desmanteladas a partir da primeira metade do século XX – especialmente por conta dos eventos catastróficos, traumáticos e violentos que se desenharam à época. No paradigma pós-moderno e nas expressões pós-modernistas, abrem- se novas possibilidades de visão de mundo mais plurais, heterogêneas e múltiplas, havendo espaço para o dissenso, o fragmento e a diferença. Saíam de cena, como frisamos, as metanarrativas totalizantes que operavam com discursos homogeneizadores e capazes de produzir “imagens” sociais muito rígidas. Os impactos desse consciência histórica pós-moderna na historiografia brasileira foram bastante relevantes. Como identificamos, nos últimos anos, os estudos históricos no país deslocaram-se da pretensão científica positivista e historicista, fruto ainda de um “projeto moderno”, para abordagens que, a partir de um novo referencial teórico- metodológico, buscavam dar voz a novos atores, sujeitos e objetos, como as questões raciais, étnicas e de gênero. E como critério exclusivo de compreensão da nacionalidade brasileira e, por conseguinte, dos conflitos que nos assolam como país. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 57/59 Podcast Para encerrar, ouça um resumo dos aspectos mais relevantes deste conteúdo. Explore + Confira as indicações que separamos especialmente para você! Leia os livros História e pós-modernidade, de José d'Assunção Barros, e A história em migalhas: dos Annales à Nova história, de François Dosse. Consulte a pesquisa recente de Beatriz do Nascimento Prechet intitulada Enegrecendo o meretrício: experiências da prostituição feminina no Rio de Janeiro (1871-1909). Nela, Prechet analisa a história do Brasil na 1ª República à luz de questões de raça e gênero e a partir de uma sondagem da história social com elementos de micro-história. Ouça o podcast A mulher da casa abandonada, que narra a história do crime de escravidão cometido por um casal de brasileiros nos EUA entre o ano de 1979 e o final da década de 1990, disponível na Folha de São Paulo. Com o relato “particular” e “micro-histórico”, é possível perceber elementos importante da história das elites brasileiras. Conheça o site Humanas em rede, criado por pesquisadoras que buscam ampliar a participação das mulheres nas ciências brasileiras. Leia a entrevista com a historiadora Maria da Glória Oliveira, na qual são abordados assuntos pertinentes à naturalização do fazer historiográfico como um empreendimento universal, objetivo, neutro e científico. Atente-se à crítica que a autora produz a partir da categoria “gênero” a fim de tensionar o cânone dos estudos históricos no Brasil. 22/04/2024, 14:59 Historiografia brasileira e pós-modernidade https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04410/index.html?brand=estacio# 58/59 Assista à Entrevista com Maria da Glória Oliveira, de CAIXETA, L. J.; CALDEIRA, H. R. (Org.), na revista Temporalidades. v. 11. n. set./dez. 2019. Ouça no Spotify o podcast História preta, produção narrativa/documental sobre a memória histórica da população negra no Brasil e no mundo que dá voz a sujeitos que foram “marginalizados” ao longo do tempo. Referências BARROS, J. D. Sobre a feitura da micro-história. Opsis. v. 7. n. 9. 2007. p. 167-186. BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. 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