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22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 1/57 Historiogra�a brasileira contemporânea Prof. Rodrigo Perez Descrição Atualidade dos debates históricos no Brasil. Propósito Examinar a formação da historiografia brasileira contemporânea de maneira a explorar as correntes historiográficas em voga para se manter atualizado na área de estudos do historiador. Objetivos Módulo 1 A institucionalização do Sistema Nacional de Pós-Graduação Analisar a institucionalização do Sistema Nacional de Pós- Graduação. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 2/57 Módulo 2 O topos explicativo das agências subalternas Analisar as principais características epistemológicas e políticas da história social. Módulo 3 Brasil em tempos de crise democrática Identificar os desdobramentos da crise democrática iniciada em 2013 na produção e na circulação social do conhecimento histórico. Introdução A Lei 14038/2020 regulamentou a profissão do historiador e foi o desfecho de um processo legislativo iniciado em 2012. Até então, só existia a profissão de professor de história, e não a de historiador. O campo disciplinar se envolveu diretamente nas discussões, com alguns historiadores demonstrando entusiasmo com a possibilidade de ver sua profissão reconhecida, o que significa reserva de mercado de trabalho. Outros, no entanto, demonstraram preocupação com os riscos daquilo que entendiam ser a tentativa de uma corporação em monopolizar os discursos sobre o passado. Seja como for, essa legislação é marco de um processo de delineamento da historiografia profissional no Brasil que teve 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 3/57 início da década de 1970, com a publicação do I Plano Nacional de Pós-Graduação (IPNPG). Existe produção historiográfica no Brasil desde o período colonial, sendo o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) o primeiro esforço de organização institucional dessa produção. No entanto, não estava em questão na época a profissionalização da história e do historiador. Essa discussão começou a se manifestar na década de 1960, com um amplo projeto de reforma universitária idealizado no governo de João Goulart e interrompido pelo golpe de 1964. A ditadura militar efetivou esse programa reformista a partir de 1968, sendo o IPNPG, de 1975, parte desse processo. Estudar a construção desse campo historiográfico profissional é nosso objetivo. Primeiro, nos concentramos na reforma universitária efetivada pela ditadura militar, com atenção especial à institucionalização do Sistema Nacional de Pós-Graduação, estrutura na qual se deu a organização da historiografia profissional. Em seguida, examinamos a produção historiográfica das décadas de 1980 e 1990, marcadas por uma modalidade de história social fundada na ideia de agências subalternas. Então, examinaremos os impactos da crise democrática iniciada em 2013 sobre a produção e a circulação social do conhecimento histórico. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 4/57 1 - A institucionalização do Sistema Nacional de Pós-Graduação Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar a institucionalização do Sistema Nacional de Pós-Graduação. A reforma universitária de 1968 O ano de 1968 é lembrado como o momento mais violento da ditatura. Foi quando o Ato Institucional 5 suprimiu as liberdades individuais e a divisão entre os poderes. Porém, nesse momento, as universidades brasileiras foram reformuladas por uma ampla legislação. Invasão do campus da USP pelo Exército quatro dias após a edição do AI-5. Entre outras medidas, a reforma substituiu o sistema de cátedras pela organização departamental, o que modernizou e profissionalizou a carreira do professor universitário, com a adoção de concursos públicos, planos de promoção funcional baseados em critério de produtividade científica e regime de trabalho de dedicação exclusiva. Foi um passo decisivo para a criação de condições institucionais que permitiram a transformação do professor universitário em cientista, e na junção do ensino com a pesquisa/inovação tecnológica a partir das universidades. No que se refere às ciências humanas, desmembrou as faculdades de filosofia e humanidades da de letras, dando maior autonomia à área e colaborando para a construção da identidade profissional do historiador. A reforma de 1968 modificou a organização territorial das universidades. No Brasil, as primeiras universidades, datadas do início do século XX, foram 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 5/57 instituídas pela reunião de faculdades isoladas já existentes. Mais tarde, veio o modelo de cidade universitária, com faculdades autônomas em edifícios isolados, distribuídos em uma extensa área, urbana ou rural. Com a reforma, adotou-se o modelo americano de campus, com instalações separadas das cidades, possuindo edifícios com funções bem delimitadas, primando pelo racionalismo da arquitetura modernista. Apesar de ter sido implementado na ditadura militar, o projeto da reforma universitária já vinha sendo discutido desde 1945, quando o Brasil saiu da ditadura do Estado Novo e entrou na ordem democrática. Como demonstra Fávero (2006), ainda no Governo Provisório instalado após a queda do Estado Novo, o Decreto-Lei 8.393/1945 concede autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar à Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em cumprimento a esse dispositivo, o reitor passa a ser “nomeado pelo Presidente da República, dentre os professores catedráticos efetivos, em exercício ou aposentados, eleitos em lista tríplice e por votação uninominal pelo Conselho Universitário” (art. 17, §1º) e a administração superior da Universidade passa a ser exercida pelo Conselho de Curadores, além do Conselho Universitário e da Reitoria. Segundo Fávero: 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 6/57 Para a autora, foi nesse momento que começam a esboçar-se nas universidades algumas tentativas de luta por uma autonomia. Todavia, a situação é complexa. Bitencourt observa que “Mesmo depois do Estado Novo, quando essa Universidade se torna autônoma por decreto, a situação não muda muito”, sendo suficiente pensar no DASP a intervir, dia a mais dia, na vida das universidades federais, com aspereza e inciência (2019, p. 562). Quanto à institucionalização da pesquisa científica, Paim, fazendo um balanço das instituições universitárias nos anos 1980, observa: O impulso original que a pesquisa científica veio alcançar entre 1935 e 1945 leva a uma grande frustração na década de 50. Tornada instrumento de consolidação da universidade, que fora recusada sistematicamente ao longo de mais de um século, a pesquisa científica não chega, contudo, a assumir igualmente feição acabada. (PAIM, 1982, p. 80) A partir da década de 1950, acelera-se o ritmo de desenvolvimento no País, provocado pela industrialização e pelo crescimento econômico. Simultaneamente às várias transformações nos campos econômico e sociocultural, surge a tomada de consciência, por vários setores da sociedade, da situação precária em que se encontravam as universidades no Brasil. Essa luta começa a tomar consistência por ocasião da tramitação do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sobretudo na segunda metade dos anos 1950. Limitados inicialmente ao meio acadêmico, os debates e reivindicações deixam de ser obra exclusivade 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 7/57 professores e estudantes para incorporarem vozes novas em uma análise crítica e sistemática da universidade no País. Escola de Cirurgia da Bahia, em Salvador, que junto com a Escola de Medicina do Rio de Janeiro são as primeiras instituições de ensino superior no Brasil. O movimento pela modernização do ensino superior no Brasil, embora se faça sentir a partir de então, vai atingir seu ápice com a criação da Universidade de Brasília (UnB). Instituída pela Lei 3.998/1961, a UnB surge não apenas como a mais moderna universidade do País naquele período, mas como um divisor de águas na história das instituições universitárias, quer por suas finalidades, quer por sua organização institucional. Fundação da UNE em 1937. Nesse contexto, a participação do movimento estudantil é densa, sendo difícil analisar a história do movimento da Reforma Universitária no Brasil sem levar em conta essa participação. Dos seminários e de suas propostas, fica evidente a posição dos estudantes, por meio da União Nacional dos Estudantes (UNE), de combater o caráter arcaico e elitista das instituições universitárias. Nesses seminários são discutidas questões como: autonomia universitária; participação dos corpos docente e discente na administração universitária, por meio de critério de proporcionalidade 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 8/57 representativa; adoção do regime de trabalho em tempo integral para docentes; ampliação da oferta de vagas nas escolas públicas; e flexibilidade na organização de currículos (FÁVERO, 1994). Os fundamentos programáticos da reforma universitária de 1968 foram desenhados na ordem democrática entre 1945 e 1964, com forte participação do movimento estudantil. Tratou-se de uma reforma, portanto, de dimensão progressista, ainda que tenha sido efetivada pela ditadura, que jamais relutou em perseguir professores e estudantes universitários. Polícia desocupa a Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 18 de julho de 1968. Segundo Reis (2014), essa aparente contradição se revolve quando percebemos que, apesar de ter tido o objetivo de interromper a cultura nacional-estatista, característica da década de 1950, o golpe de 1964 não foi capaz de estabelecer total ruptura com essa forma de conceber o Estado como centro de planejamento do desenvolvimento nacional. Um projeto de República perdeu-se em 1964. Nacionalista, baseado no protagonismo do Estado em aliança com as classes populares das cidades e dos campos, o programa das chamadas ‘reformas de base’ experimentou estranha derrota, saindo de cena sem travar nenhum combate. (...) O marco inicial, 1964, não suscita dúvidas. A ditadura instaurou-se, como se disse, contra determinado programa – nacionalista e popular. A ruptura aí é clara, embora as continuidades sejam também evidentes, como se verá. Perdeu-se um tipo de República na qual havia uma democracia limitada, mas em processo de ampliação. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 9/57 Ganhou-se uma ditadura que se radicalizaria com o tempo. (REIS, 2014, p. 12) Reis é autor paradigmático de uma corrente historiográfica que interpreta a história da ditadura militar brasileira não apenas na chave da ruptura com o período anterior, mas também na da permanência de uma “cultura nacional estatista” que explica, por exemplo, como o reformismo universitário plantado na década de 1950 foi efetivado pelas administrações militares. Motta é outro historiador que pensa a história da ditadura militar nessa perspectiva da continuidade. Tratando especificamente das universidades, argumenta que o espaço acadêmico mostra com excelência como a relação da ditadura com a sociedade civil não foi apenas baseada na repressão, mas também na negociação e na acomodação de interesses. A ditadura brasileira foi violenta, como sabemos bem. Matou, torturou, exilou e demitiu. Entretanto, o Estado autoritário combinou a violência com estratégias de negociação e acomodação, para aplacar as oposições e reduzir a resistência ao seu poder. Nesse sentido, as políticas de modernização objetivaram também a conquista de legitimidade, pois buscavam atrair apoio social e desmobilizar os opositores. Tais estratégias foram particularmente visíveis na relação do Estado com os as elites intelectuais, em particular profissionais acadêmicos e produtores culturais. (MOTTA, 2014, p. 55) Nesse sentido, a modernização da estrutura universitária foi um tipo de concessão que a ditatura teria feito aos intelectuais, que também foram perseguidos. Ao instituir a universidade nos moldes contemporâneos, o 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 10/57 regime permitiu que frações da inteligência brasileira tivessem acesso a posições funcionais estáveis no serviço público, com condições relativamente favoráveis para o desenvolvimento de suas pesquisas, algo que vinha sendo demandado desde a década de 1950. Frei Tito no “Memorial em homenagem aos membros da comunidade USP que foram perseguidos e mortos por motivações políticas durante o regime militar”. Não podemos esquecer, entretanto, que essa atuação intelectual estava condicionada pelo poder militar, que perseguia professores e intelectuais, ao mesmo tempo em que tentava negociar com eles. É nesse contexto de modernização da estrutura universitária que devemos inserir a criação do Sistema Nacional de Pós-Graduação a partir da década de 1970. A criação do Sistema Nacional de Pós-Graduação Moura (1990) destaca as estratégias mobilizadas pelo governo Geisel para enfrentar os primeiros efeitos do choque internacional do petróleo. Para o autor, o II Plano Nacional de Desenvolvimento, publicado em 1975 e formulado para delinear estratégias para o desenvolvimento nacional até 1979, representou o apogeu da história do nacional- desenvolvimentismo brasileiro. O nacional-desenvolvimentismo posto em prática por Geisel não ficou restrito ao plano das macroestruturas econômicas, pois tinha como uma de suas prioridades: 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 11/57 [...] a promoção de uma distribuição de renda mais justa, o que requeria um alto crescimento contínuo, para que ninguém perdesse em termos absolutos. (SKIDMORE, 1988, p. 31) A sobrevivência e o fortalecimento do nacional-desenvolvimentismo podem ser observados, também, no plano da política externa. Presidente Ernesto Geisel durante jantar oferecido ao presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, em março de 1978, período da ditadura militar. Ao lado de Geisel, a primeira-dama norte- americana, Rosalynn Carter. Como destaca Reis (2014), sobretudo no governo Geisel, foi recuperada [...] por meio do pragmatismo responsável, a chamada política externa independente, de tradição estadonovista e muito presente nos anos anteriores ao golpe (REIS, 2014, p. 25). O mais importante para a reflexão que estamos desenvolvendo é que a consolidação e ampliação da pós-graduação aconteceu nos quadros desse nacional- desenvolvimentismo. Como já sabemos, seria um equívoco afirmar que a política científica e tecnológica brasileira nasceu em 1975. Na verdade, desde a década de 1950, o Estado brasileiro já vinha investindo no setor. Em 1951, quando o poder público se empenhava em modernizar a estrutura produtiva brasileira, foram criados a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio#12/57 de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A Capes nasceu com a função de expandir e consolidar a pós- graduação stricto sensu no país, e o CNPq tinha a finalidade de promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica nos diversos domínios do conhecimento. Tudo isso estava sendo pensado e planejado: [...] em função das demandas dos setores considerados estratégicos para a modernização da infraestrutura produtiva. (DANTAS, 2004, p. 163) Uma breve análise do texto do I Plano Nacional de Pós-Graduação demonstra como os pragmatismos estratégico-desenvolvimentista e político orientaram as iniciativas do poder público para o setor. Comentário O objetivo máximo do IPNPG (BRASIL, 1975, p. 125) era transformar as universidades em centros de atividades "criativas permanentes", o que aconteceria na medida em que o sistema de pós-graduação exercesse eficientemente suas funções formativas e praticasse um trabalho constante de investigação e análise em todos os campos e temas do conhecimento humano e da cultura brasileira. O IPNPG precisa ser situado nas diretrizes estabelecidas no II Plano Nacional de Desenvolvimento. Buscava-se: Evoluir para uma nova etapa do sistema universitário em atividades de pós-graduação assumiriam uma 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 13/57 importância estratégica crescente (BRASIL, 1975, p. 119). Havia a preocupação em consolidar o sistema de pós-graduação brasileiro, que, mesmo datando dos anos 1950, ainda não estava, segundo a avaliação de seus idealizadores, satisfatoriamente estruturado. O documento é constituído por 57 páginas, dividido em quatro capítulos, sendo o texto final assinado por Ney Braga, então Ministro da Educação e Cultura. A introdução do plano apresenta um vasto panorama da evolução do sistema de pós- graduação brasileiro desde a sua fundação. O segundo capítulo, cujo título é ‘Análise da Evolução da Pós-Graduação no Brasil’, está dividido em três partes, que descrevem as principais características das atividades desenvolvidas, além de apresentar um diagnóstico a respeito dos principais problemas que comprometiam a eficiência do setor. A primeira parte do segundo capítulo é a que mais me interessa, pois temos aí uma série de informações relativas à universidade, cursos, áreas de concentração, vagas preenchidas, número de professores e titulação docente. Ainda que o próprio IPNPG admita que esse levantamento estatístico apresente falhas, os dados são fundamentais para que tenhamos uma ideia da situação da pesquisa historiográfica universitária brasileira na época de sua institucionalização a nível de pós-graduação. (OLIVEIRA, 2018, p. 203) Analisando os dados do IPNG, Oliveira (2018) demonstra que: Em 1975, 1.740 professores trabalhavam nos 117 cursos de graduação em história existentes no país, t di 14 500 l t i l d 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 14/57 O documento A Análise da área de Pós-Graduação em História é uma importante fonte para a compreensão das expectativas que o Ministério da Educação e Cultura tinha para a historiografia profissional. Segundo ele, seria função do ensino pós-graduado em história: [...] a capacitação de professores para atuação nos níveis básicos e que atendiam a 14.500 alunos matriculados. Segundo o IPNPG, para que as metas de expansão dos cursos de graduação no período 1975-1979 fossem atingidas, seria necessária a formação de mais 1250 professores, o que representaria um crescimento de 71%. Por conta dessa meta ambiciosa, a pós-graduação em história, entendida como o espaço de qualificação para professores universitários, era vista como estratégica. Na época, não existiam cursos de doutorado no Brasil e estavam disponíveis apenas 255 vagas para os cursos de mestrado, distribuídas de maneira desigual no território nacional, já que 90% dessas vagas estavam localizadas nas regiões sul e sudeste. Na esteira dos investimentos na consolidação do ensino superior e da formação pós-graduada no Brasil, havia o interesse do poder público em aumentar o tamanho da comunidade historiográfica nacional. Já em 1976, quando a Capes começava a organizar os mecanismos de avaliação de área, foram publicadas as diretrizes específicas para vários campos disciplinares. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 15/57 superior de ensino e o desenvolvimento de pesquisas que lançassem luz sobre as especificidades da história e da cultura brasileira e da contribuição do Brasil para o concerto geral das nações na história ocidental moderna. (BRASIL, 1976, p. 3) Assim, com a reforma universitária de 1968 e com o estabelecimento do Sistema Nacional de Pós-Graduação, em 1975, estavam dadas as condições institucionais dentro das quais os historiadores brasileiros se profissionalizariam como cientistas sociais. A seguir, estudaremos a produção desses historiadores ao longo das décadas de 1980 e 1990. Os anos de 1970 – 1980 na historiogra�a Confira os principais aspectos relacionados a historiografia brasileira nos anos 1970 e 1980. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 16/57 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 As discussões sobre a reforma universitária da ditadura civil-militar acabam por impactar o campo da História, uma vez que 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 17/57 Parabéns! A alternativa A está correta. A reforma universitária de 1968 promoveu o desmembramento entre as faculdades de filosofia e humanidades e a faculdade de letras. O desmembrar da área – tendência mundial – permitiu maior autonomia às pesquisas e às experiências históricas. Questão 2 A reforma universitária foi feita no período da ditadura militar no Brasil. Devemos observar que A desmembrou as ciências humanas. B proibiu o estudo de História. C redefiniu história como educação moral e cívica. D reduziu a autonomia da área. E interveio no curso de história. A as proposições foram todas ditatoriais. B a reforma queria acabar com a universidade. C a reforma queria salvar a universidade. D a reforma queria garantir a vinculação ao comunismo. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 18/57 Parabéns! A alternativa E está correta. Embora os debates tenham tido culminância durante a ditadura militar, a construção da reforma foi gestada e discutida em muitos momentos, desde Vargas. Seus fundamentos foram desenhados na ordem democrática ao sair da ditadura do Estado Novo, entre 1945 e 1964. 2 - O topos explicativo das agências subalternas Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar as principais características epistemológicas e políticas da história social. História social hegemônica nas décadas de 1980 e 1990 Na década de 1980, o sistema universitário brasileiro já estava relativamente consolidado. Dentro dele, os vários campos disciplinares se organizavam nos moldes que temos hoje: comunidades especializadas formadas por estudiosos que monitoram as pesquisas E a reforma foi estudada e discutida muito antes deste período. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 19/57 uns dos outros, definindo o que seria o conhecimento científico de qualidade. Atenção! No caso das ciênciassociais e humanas, incluindo a historiografia, essa autonomização disciplinar foi muito impactada pelo ambiente político da redemocratização, marcado pela crítica daquilo que se entendia ser a tradição autoritária do Estado brasileiro. Essa cultura política da redemocratização foi caracterizada pela afirmação da sociedade civil sobre o Estado. O assunto precisa ser discutido com cuidado. Pécaut (1989) demonstra que, entre os anos 1920 e a década de 1980, os intelectuais brasileiros se envolveram nos grandes debates nacionais de diversas maneiras. O autor afirma que a repressão atingiu diretamente a comunidade intelectual no último trimestre de 1968, quando “a censura se torna implacável e as sanções, terríveis” (PÉCAUT, 1989, p. 289). Revista Civilização Brasileira. Ele destaca o caso da extinção da Revista Civilização e a perseguição a alguns professores universitários, como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Segundo Pécaut, a situação da comunidade intelectual se transformou sensivelmente após meados da década de 1970, como resultado dos primeiros movimentos de relaxamento da repressão. O autor destaca não apenas a maior liberdade de trabalho, mas também o aprofundamento da 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 20/57 profissionalização dos intelectuais, por meio do fortalecimento da pós- graduação. O sociólogo Milton Lahuerta também aborda a cena intelectual brasileira nas décadas de 1970 e 1980 –tendo especial interesse na atuação dos intelectuais em instituições como o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), o jornal alternativo Opinião, o partido político MDB (Movimento Democrático Brasileiro), a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) –, a qual deu origem a uma nova oposição à ditadura, que também criticava o “populismo” dos anos 1950 e 1960. Tal processo teria resultado no surgimento do “partido intelectual” ou “da inteligência”, espaço no qual: [...] os especialistas saem de seus afazeres e são impelidos a se defrontarem com problemas políticos e/ou gerais. (LAHUERTA, 2001, p. 20) Os intelectuais brasileiros e a redemocratização Lahuerta (2001) argumenta que a ditadura quebrou expectativas de vida ao alterar o cotidiano das pessoas, o que levou esses letrados a desenvolverem “estratégias de racionalidade limitada”. Assim, nos anos da abertura, foi inaugurada uma nova relação entre os intelectuais e a sociedade: 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 21/57 [...] de modo a ser fornecido um ‘mandato público’ aos intelectuais, reativando os laços entre ciência e política, mas de maneira diferente do vigente no pré-64. Assim, os intelectuais lutavam ao mesmo tempo pela democracia e por condições adequadas à produção científica. Essa institucionalidade acadêmica dominante teria estimulado o surgimento de abordagens sociológicas privilegiadoras da análise das diversas instituições da sociedade civil. Por outro lado, pode-se pensar que tal ‘mandato público’ reforçaria a tendência de valorização dos movimentos sociais da sociedade civil. (LAHUERTA, 2001, p. 25) Daniel Pécaut também destaca a junção de pesquisa acadêmica e política no CEBRAP e no CEDEC, principalmente sob a forma de consultorias aos “novos movimentos sociais”. Portanto, como podemos perceber, tanto Daniel Pécaut quanto Milton Lahuerta chamam atenção para o fato de que, no período aqui em tela, surgiram diversos polos de pesquisa que passaram a atuar em termos acadêmicos e políticos de modo muito significativo. Podemos chamar de “engajamento intelectual político direto” esse envolvimento dos intelectuais nessas instituições, que Pécaut e Lahuerta conceituaram como “Partido Intelectual”. No geral, os historiadores performaram seu engajamento político de modo um tanto distinto de sociólogos e antropólogos. Ao invés de estarem atuando nos tais “partidos intelectuais”, os historiadores politizaram suas produções dentro do sistema nacional de pós- graduação, na forma de uma história social comprometida com o empoderamento retroativo de sujeitos historicamente oprimidos e fundada na ideia de agência subalterna. Foram duas as áreas temáticas que mais traduziram esse tipo de engajamento político: a “nova história da escravidão”, na década de 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 22/57 1980, e a “nova história indígena”, nos anos 1990. A “nova história da escravidão” Veja a citação extraída do livro Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista, de João José Reis e Eduardo Silva, publicado em 1989, um dos textos mais emblemáticos daquilo que ficou conhecido como a “nova história da escravidão”. O texto tratou de uma contundente renovação na abordagem da escravidão brasileira ao longo da década de 1980, sendo Silvia Lara, Maria Helena Machado, Sidney Chalhoub, Manolo Florentino e o brasilianista Robert Slenes os mais notórios historiadores envolvidos nesse movimento. É claro que os trabalhos desses autores têm suas particularidades, mas todos eles, de alguma forma, criticaram a abordagem marxista que até 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 23/57 então dominava a temática. O artigo de Maria Helena Toledo Machado, publicado em 1988, resume bem a agenda teórico/política da nova história da escravidão: Dentre a variedade de questões que têm chamado a atenção dos historiadores interessados na problemática da escravidão e sua superação no novo mundo. (...) Conceitos de resistência e autonomia entre os escravos têm sido apontados como núcleos centrais para uma história preocupada em reverter as perspectivas tradicionais e integrar os grupos de escravos em seus comportamentos históricos, como agentes efetivamente transformadores da instituição. (MACHADO, 1988, p. 146 [Grifos nossos]) A autora afirma que os conceitos norteadores da “nova história da escravidão” eram: 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 24/57 Em seguida, tensiona com as “perspectivas tradicionais” que estavam sendo revisadas por esses novos estudos. As “perspectivas tradicionais” eram as de inspiração marxista, que vinculavam a escravidão brasileira às estruturas do capitalismo moderno. Esse tipo de análise foi especialmente forte no grupo de pesquisadores que integrava aquela que ficou conhecida como “escola paulista de sociologia”, que teve na Universidade de São Paulo, a USP, seu centro institucional. Liderada por Florestan Fernandes e integrada por nomes como Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Emília Viotti da Costa, a “escola paulista” interpretou a escravidão brasileira à luz do aparato conceitual marxista. Bebendo na fonte de Caio Prado Jr., esses autores destacaram as marcas deixadas pela experiência colonial na longa duração da história brasileira. Entre essas marcas, estaria a exclusão social de grandes parcelas da população, notadamente as pessoas pretas, por conta da escravidão, tratada como parte do modo de produção capitalista (ADOLFO, 2014). Nessa perspectiva, escravizados e seus descendentes aparecem como vítimas de uma estrutura econômica e social sobre a qual não possuem agência. Nas palavras de Fernando Henrique Cardoso: 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 25/57 A possibilidade efetiva de os escravos desenvolverem ações coordenadas tendo em vista propósitos seus era muito pequena. Não tinhamcondições para definir alvos que levassem à destruição do sistema escravista e não dispunham dos meios culturais (de técnicas sociais ou materiais) capazes de permitir a consecução dos propósitos porventura definidos. (CARDOSO, 1977, p. 139) Segundo Robert Slenes, essa abordagem se caracterizou pela “marginalização dos homens livres pobres e pela vitimização do escravo, ocasionadas por um sistema econômico perverso” (SLENES, 1999, p. 32). A “nova história da escravidão” confrontou essa tese, considerada incapaz de perceber os movimentos dos sujeitos escravizados em suas práticas de agenciamento cotidiano. Silvia Lara argumentou que os “uspianos”, com sua abordagem “exclusivamente econômica”, colaboraram para produzir uma imagem caricata da colonização e da escravidão, como se todos os que viveram sob esse regime de poder fossem “incapazes de estabelecer qualquer agência sobre a vida social, sendo tão somente marionetes controladas por estruturas maléficas e perversas” (LARA, 2005, p. 24). O interesse em destacar a agência das pessoas escravizadas dessa “nova história da escravidão” ia ao encontro dos movimentos sociais organizados que se formava nos anos da redemocratização, incluindo o movimento negro. Essas organizações afirmavam a importância de fortalecer a atuação no sentido de pautar o Estado, não se deixando cooptar pelo poder público. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 26/57 Definitivamente, “agência” era a categoria que, acionada pelos historiadores profissionais da época, melhor expressava o ambiente político da redemocratização. Algo semelhante pode ser observado para a “nova história indígena”. A “nova história indígena” A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida é referência incontornável na renovação dos estudos especializados na história indígena que se consolidou no Brasil na década de 1990: A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida é referência incontornável na renovação dos estudos especializados na história indígena que se consolidou no Brasil na década de 1990. A “nova história indígena” se formou a partir de duas críticas. A primeira é direcionada aos estudos que desde o século XIX tratam os indígenas como pertencentes a uma espécie de menor idade civilizatória, como se vivessem em temporalidade menos evoluída. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 27/57 Carl von Martius e Francisco Varnhagen são as matrizes dessa perspectiva evolucionista que inspirou a “tese da extinção”, pressupondo o desaparecimento das comunidades indígenas pela assimilação ao mundo tido como “civilizado”. A “tese da extinção” teria sido a responsável por sedimentar uma “visão pessimista do futuro indígena no imaginário nacional, pois aos indígenas restaria a apenas a extinção pela assimilação” (MONTEIRO, 1995, p. 222). A segunda crítica é direcionada à historiografia marxista que teria reduzido os indígenas à posição de “vítimas incapazes” da conquista europeia, tratada como parte da história do capitalismo. Aqui, a “tese da extinção” é reconfigurada a partir das ideias de “genocídio” e “extermínio étnico”. Os principais representantes dessa interpretação seriam Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro. Florestan Fernandes. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 28/57 Darcy Ribeiro. A “nova história indígena” aciona o topos explicativo da agência subalterna para confrontar a tese da extinção. Segundo John Monteiro: Ao passo que aquelas subordinavam o pensamento e a ação dos índios às estruturas inconscientes enquanto estas enquadravam as sociedades invadidas como inermes e inocentes vítimas de processos externos, a tendência geral era a de minimizar, ou mesmo eliminar, os índios enquanto atores históricos. Em contrapartida, a antropologia histórica buscava qualificar a ação consciente – agency, em inglês – dos povos nativos enquanto sujeitos da história, desenvolvendo estratégias políticas e moldando o próprio futuro diante dos 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 29/57 desafios e das condições do contato e da dominação. (MONTEIRO, 1995, p. 226-227) Aconteceu na década de 1990 em relação à história indígena movimento semelhante ao dos anos 1980 em relação à história da escravidão. A coletânea organizada por Manuela Carneiro da Cunha (1992) é marco fundador dessa “nova história indígena”. O livro reuniu textos que abordam aspectos que até então recebiam pouca atenção, como as formas de resistência por meio da religião, da cultura, da diplomacia e da negociação com os colonizadores. O trabalho de Vainfas (1995), outro marco importante dessa renovação historiográfica, mostra como as religiosidades indígenas não foram passivas no processo de conversão, sendo capazes de pautar a inquisição portuguesa, inspirando normas, punições e até mesmo negociações e práticas informais de tolerância ao que era considerado “heresia” pelo Santo Ofício. Pataxós e seus maracás em ritual. A trilha aberta por John Monteiro, Manuela Carneiro da Cunha e Ronaldo Vainfas foi seguida por outros autores. Os trabalhos da já mencionada Maria Regina Celestino de Almeida se debruçam sobre como as aldeias coloniais dirigidas pela administração portuguesa eram um: [...] mal menor para os índios, diante das guerras, escravizações 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 30/57 em massa e crescente redução de territórios livres e recursos naturais. (ALMEIDA, 2003, p. 32) O trabalho do brasilianista Warrean Dean (1996) impactou profundamente a percepção que os estudiosos brasileiros tinham a respeito da devastação da mata atlântica, ao afirmar que os indígenas eram: [...] indiferentes à noção contemporânea de ecologia, estando bem longe de serem guardiões da integridade da �oresta. (DEAN, 1996, p. 16) Dedicado ao Maranhão do século XVII, o trabalho de Rafael Rocha (2013) mostra como cargos e títulos eram distribuídos a chefes indígenas que prestavam serviços à Coroa. Já o estudo de Silvana de Godoy (2017), sobre a Vila de São Paulo do século XVI, examina a formação de uma elite mestiça por meio da estratégia do matrimônio que atendia aos interesses de colonizadores e indígenas. Por mais diversificadas que sejam as abordagens propostas por esses estudos, a perspectiva da agência subalterna é o topos que atribui identidade teórico/política à “nova história indígena”. A história social dos sujeitos subalternos foi, portanto, o gênero predominante na historiografia brasileira nas décadas 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 31/57 de 1980 e 1990, quando a ordem democrática que sucedeu a ditatura se consolidou. Os historiadores estavam acolhendo as demandas dos movimentos sociais organizados que se formaram no contexto da redemocratização, e que tiveram influência suficiente para inspirar a produção de toda uma legislação de proteção às minorias, como pessoas pretas e indígenas. A Constituição de 1988, alicerce da “nova democracia brasileira”, traduziu essas vitórias. Na segunda década do século XXI, entretanto, a democracia brasileira entrou em um ciclo histórico de crise, deflagrado pelos eventos que ficaram conhecidos como “jornadas de junho de 2013”. Essa situação de crise democrática impactou diretamente a historiografia profissional. A predominância da história social Confira alguns detalhes sobre a recuperação das principais discussões sobre o topos inaugurado por um novo momento da historiografiabrasileira. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 32/57 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 O predomínio de abordagens sociais na historiografia brasileira é marco de uma integração autônoma do campo e do aparecimento de vozes e temas que eram subalternizados. Qual alternativa melhor exemplifica o impacto de novas abordagens teóricas sobre um campo historiográfico? 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 33/57 Parabéns! A alternativa E está correta. As abordagens sociais dos intelectuais, que trazem a noção de grupos desenvolvendo as ideias de vozes e valores, são o ponto central do debate para uma historiografia que supera o pensamento colonial. Questão 2 A rediscussão de valores predominantes na historiografia trouxe um importante papel aos estudos sobre o “Descobrimento” do Brasil. Podemos citar como uma consequência desses estudos A História das ideias B História da cultura imigrante C História dos escravos no Brasil D História dos índios. E História de resistência e visões decoloniais. A a reconsideração do movimento idealizado e heroico do colonizador. B as empresas de fomento concentraram o investimento em história indígena. C o MEC passou a obrigar o estudo de todas as raças formadoras do Brasil. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 34/57 Parabéns! A alternativa A está correta. O movimento idealizado de descobrimento e os feitos europeus vinham sendo criticados e assumiram uma condição de reposicionamento para conquista e invasão. 3 - Brasil em tempos de crise democrática Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os desdobramentos da crise democrática iniciada em 2013 na produção e na circulação social do conhecimento histórico. Produção e circulação social de conhecimento histórico Já é um consenso na bibliografia especializada na história brasileira contemporânea que o ano de 2013 marcou o início da crise do sistema D intelectuais passaram a defender um clima de confraternização como marco de nossa história. E a luta de classes entre índios e portugueses passou a ser a tônica. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 35/57 político edificado nos anos da redemocratização e instituído pela Constituição de 1988. As crises políticas são caracterizadas pela hipertrofia do campo político, do espaço de debates e disputas pelo poder. Em situações de estabilidade social e pleno funcionamento das instituições, é comum observar certa indiferença em relação ao campo da política institucional, pois as pessoas tendem a estar envolvidas com suas atividades cotidianas. Nas crises, a situação é diferente, já que a desestabilização da realidade libera energia de politização, aumenta o interesse pelo político e reduz o consenso social. Uma sociedade em crise estabelece poucos consensos e disputa tudo, inclusive sentidos diversos para o seu passado. A crise democrática, portanto, impacta diretamente o trabalho dos historiadores profissionais brasileiros, que precisam negociar constantemente sua autoridade no debate travado nas mídias digitais, na imprensa e na sociedade em geral. A relação entre o reconhecimento da legitimidade do sistema e o seu questionamento tem marcos, não como um início ou um fim, mas um marco de leitura analítica que nos remete como historiadores a perceber o campo desta produção historiográfica. A partir do movimento dos historiadores profissionais brasileiros, o campo de estudo entra em discussão, e os debates se tornam intensos, mais grupos apresentam debates como sendo embates de narrativas, mas, de fato, são exercícios negacionistas que ainda devem ser objeto de análise, e é necessário perceber sua existência no próprio campo. Anos 1990 Os debates se concentravam em quem eram os produtores Pós-2013 Encontramos em multiplataformas, debates que buscam 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 36/57 legítimos do campo historiográfico pelo crescimento de autores populares “não canônicos”, ou que respeitam os debates e os reconhecimentos da historiografia. inutilizar o discurso dos grupos de produtores especialistas em detrimento a uma tradição de verdade que precisa ser recuperada. É sob esse trajeto de tensão, manifestado dentro e fora do campo, que nos deteremos. Explorar os desdobramentos da crise democrática na historiografia profissional brasileira é o objetivo desta parte de nosso estudo. Começamos pelo mercado editorial. Consumo de historiogra�a comercial no Brasil Analisando o mercado editorial brasileiro contemporâneo, o historiador Rodrigo Perez Oliveira identificou, entre os livros mais vendidos no gênero de não ficção, a constante presença de textos que classifica como historiografia comercial, amplamente consumidos como livros de história, pouco importando se seus autores são ou não historiadores de ofício. Nas palavras do autor: O que distingue a historiografia profissional da historiografia amadora são os protocolos que autorizam os textos. Se a historiografia profissional é autorizada por um campo disciplinado relativamente autônomo a ponto de delimitar seus próprios procedimentos e interesses, as ‘obras fronteiriças’ são autorizadas pelas preferências de um público que não tem compromisso com os protocolos que regem o conhecimento histórico disciplinado. Por isso, na prateleira de uma livraria comercial, é irrelevante se o texto foi escrito por um historiador 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 37/57 profissional, se passou pelo crivo de uma banca avaliativa, se atende aos critérios de qualidade estabelecidos pela comunidade acadêmica. (OLIVEIRA, 2020, p. 65-66) Os textos arrolados como os best-sellers da historiografia comercial são: Guia politicamente incorreto da história do Brasil (2009), de Leandro Narloch. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 38/57 1808 (2009) 1822 (2010) e 1889 (2013), de Laurentino Gomes. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 39/57 Brasil, uma biogra�a (2015), de Lilia Moritz Schwarcz e Heloísa Starling. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 40/57 A elite do atraso (2017), de Jessé Souza. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 41/57 O pecado original da República (2017), de José Murilo de Carvalho. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 42/57 Sobre o autoritarismo brasileiro (2019), de Lilia Moritz Schwarcz. Todos esses textos, de alguma forma, produziram interpretações da realidade brasileira que pretensamente buscavam explicar a realidade da crise, e isso explicaria, em parte, o sucesso editorial dos títulos. É importante examinar com cuidado essas interpretações, pois isso nos permite entender melhor as demandas que a sociedade apresenta aos profissionais especializados na produção de conhecimento histórico. É interessante perceber a mudança de perspectiva olhando um pouco para trás. Pouco mais de umadécada antes desse novo “sucesso” editorial, os nomes que surgiam eram os de Laurentino Gomes, Eduardo Bueno e Elio Gaspari. Esses já tinham sido criticados, mas foram importantes no sentido de adaptação de linguagem e diferenciação entre o espaço de consumo de história e o espaço de produção intelectual dos pares. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 43/57 O que Oliveira acaba por estruturar é que esta “nova” abordagem se vale das novas dinâmicas das redes e, assim, assume um discurso pautado em narrativas e disputas destas narrativas, até culminar na reconstrução de uma verdade relativa, facilmente validada diante dos movimentos das redes. Vamos detalhar: Guia politicamente incorreto da história do Brasil de Leandro Narloch Publicado em 2010, esteve no topo da lista dos mais vendidos na categoria “não ficção” entre fevereiro e março de 2014 no mercado editorial brasileiro. A elite do atraso de Jessé Souza Esteve na posição de mais vendido em novembro de 2017, voltando a ocupá-la em janeiro e junho de 2018. Com todas as diferenças ideológicas que fizeram de Narloch e Souza os autores prediletos, respectivamente, da direita e da esquerda brasileiras contemporâneas, há entre eles algumas semelhanças naquilo que se refere ao procedimento adotado para identificar, e denunciar, as causas do atraso nacional. Segundo Rodrigo Perez: Leandro Narloch e Jessé Souza compartilham a premissa teórica de que não existe dicotomia entre pensamento e ação política, de que todo pensamento é o resultado de um conjunto de interesses políticos práticos e que toda ação política é modelada por linhagens de pensamento. Nesse sentido, ao criticar a ‘historiografia politicamente correta’ e os ‘viralatismos dos intelectuais uspianos’, Leandro Narloch e Jessé Souza, respectivamente, abordam o 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 44/57 atraso nacional a partir de um exercício de crítica intelectual. (OLIVEIRA, 2021, p. 18) Lilia Schwarcz é outro best-seller que se dedicou ao problema do atraso nacional, apropriando-se diretamente de algumas teses formuladas pelos “intérpretes do Brasil”. A autora frequentou a lista dos mais vendidos em duas ocasiões: Brasil, uma biogra�a de 2017 Livro assinado junto com Heloísa Starling. Sobre o autoritarismo brasileiro de 2019 Foi o livro mais vendido em outubro de 2019. Em Brasil, uma biografia, Lilia Schwarcz e Heloísa Starling mobilizam a alegoria da biografia para sugerir que o Brasil é dotado de uma “subjetividade”, de um traço de temperamento que atravessaria a história do país. Inspiradas em Lima Barreto e Sérgio Buarque de Holanda, as autoras argumentam que o “bovarismo” estaria entre as mais perniciosas “manias nacionais”, consistindo em uma distorção de autoimagem, pois ao se “olhar no espelho [os brasileiros] se enxergam sempre diferentes do que são. Ora mais portugueses, ora franceses, ora mais americanos, ora mais atrasados, ora até adiantados” (SCHWARCZ; STARLING, 2017, p. 49). Junto com o bovarismo, estaria outro vício de temperamento responsável pelo atraso: o “familismo”, e novamente a referência é Sérgio Buarque de Holanda, que não é lido como “intérprete do Brasil”, no sentido que os estudos sociais universitários atribuíram ao termo, mas sim como “historiador”, ou “sociólogo”, capaz de oferecer um diagnóstico preciso, e verdadeiro, da realidade nacional. Esses são apenas alguns exemplos trazidos pelo historiador Rodrigo Perez Oliveira que mostram como a sociedade brasileira tem demandas por 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 45/57 conhecimento histórico que seja capaz de produzir sensação de orientação coletiva em um momento marcado por profunda crise. Se as produções de caráter identitário cresciam e levavam a novos olhares, a busca por uma verdade alternativa e a construção de que historiadores representavam um projeto de negação do Brasil cresciam em bordas. A questão da construção de uma narrativa envolvente, uma retórica bem estruturada e a idealização de que o trabalho do historiador é somente recuperar um documento do passado e trazê-lo sem interpretação complexa ao presente tornaram-se um problema. A percepção dessas demandas impactou o trabalho dos historiadores profissionais, que cada vez mais entenderam a necessidade de desenvolver estratégias que lhe permitissem dialogar com o público não especializado. Surgiu, assim, um dos mais importantes campos da historiografia brasileira contemporânea: a história pública. A História Pública Já sabemos que, desde a década de 1970, no contexto da construção do sistema universitário brasileiro, se formou entre nós a identidade do historiador profissional, associada ao professor universitário. A partir de então, as universidades públicas, com seus programas de pós- graduação em história, seriam os espaços principais de produção do conhecimento histórico no Brasil, sendo a autoridade dos historiadores garantida por essa localização institucional: Negacionismo histórico O advento e a massificação da internet fragilizaram as autoridades disciplinares, em todas as áreas. A História pública A partir dessa realidade que, no Brasil e no mundo, os historiadores profissionais passaram a investir na divulgação do conhecimento que produzem, o que originou uma área de 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 46/57 historiografia não ficou imune a isso. A crise democrática iniciada no Brasil em 2013 implodiu consensos a respeito do passado traumático brasileiro, sobretudo em relação à ditadura militar, dando origem àquilo que se convencionou chamar de “negacionismo histórico”. especialização cada vez mais influente chamada "história pública”. Segundo o historiador Jurandir Malerba (2014), as origens da história pública estão na década de 1970, quando, no mundo ocidental, aconteceu a explosão do mercado editorial de massa. Os livros passaram a ser consumidos por milhares de pessoas, o que teve como um dos efeitos o aumento do interesse público pelo conhecimento histórico. O renomado historiador francês Jacques Le Goff falou em uma “vitória da história” nessa mídia de massa, tal era o interesse do público por temas históricos. No Brasil, o mercado editorial consagrou muitos autores que exploraram o assunto, sem o diploma, mas poderosos em seu “carinho” com a história, tais como Ruy Castro, Fernando Morais, Zuenir Ventura, Jorge Caldeira e, depois, Elio Gaspari. Eles escreveram uma espécie de “jornalismo de época” de qualidade, na melhor acepção do termo “história popular”. Dedicaram-se à escrita de biografias de personagens famosos, apoiando-se em pesquisa bibliográfica e documental rigorosa e em uma linguagem saborosa, com enredos de romance. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 47/57 Metrópole à beira-mar, livro de Ruy Castro. Com o sucesso desse nicho de mercado, passaram a escrever sobre períodos históricos, como os da época da bossa-nova, o Rio de Janeiro da época de D. João VI ou os anos da ditadura militar. A potência de seu discurso era “a reconstrução”, negada pela história, e os discursos do campo como sendo objetivo fundamental da produção histórica, assumindo o papel de discutir o tempo e não remeter os eventos, facilmente engolidos pelas paisagens construídas por esses autores, gerando ambiência e valor na narrativa. Além de boa informação e uma prosa de alta qualidade, esses livros tinham em comum tiragens enormes, com dezenas de milhares de exemplares vendidos em poucas semanas depoisdo lançamento. Como homens de mídia (eles próprios a “cara” da mídia), com nomes reconhecidos e de credibilidade, não lhes foi difícil usar a seu favor os meios de comunicação onde já atuavam havia décadas. Seu trabalho pioneiro foi decisivo para a expansão do público leitor de história no Brasil. Segundo Malerba: 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 48/57 História e ciências humanas têm um expressivo papel mobilizador junto aos indivíduos e grupos, uma vez que lidam com identidade, memória, participação e organização públicas, interação e confrontos, assim como condições de existência. São processos que têm uma linha direta com o debate nas universidades e centros de pesquisa e, por isso, difundir o que pensamos ali é alcançar interlocutores até então alheios, reformular conceitos cristalizados por aí, formar novos referenciais de consciência. Logo, cuidar da formação de um público. Desde aqui deve ficar claro o que chamamos de ‘divulgação científica’ para não embaralharmos a discussão proposta por esta entrevista. Trata-se da apresentação de conhecimento acadêmico, acompanhada por especialistas da área, sob novas formas e suportes, para um público ampliado. (MALERBA, 2014, p. 34) Fato é que, cada vez mais, o diálogo com o público não especializado está na agenda dos historiadores profissionais. Por isso, a história pública se torna tema indispensável para os estudos na história da historiografia contemporânea. A história pública não deve ser pensada somente como um campo de produzir uma narrativa popular, ou negando debates e avanços. É a compreensão do interesse vinculado à história e, como a produção de qualidade do campo, preparada e traduzida, pode ser levada e gera interesse ao grande público. Percebam os seguintes produtores do campo da História, como Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira, e as dezenas de historiadores presentes nos carnavais, festas do boi bumbá e outros grandes eventos populares. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 49/57 Bandeira Nacional revisitada em obra do carnavalesco Leandro Vieira, para o desfile da Mangueira no Carnaval, de 2019, do Rio de Janeiro. Ou ainda historiadores como Francisco Vieira, que atuou como consultor na novela Novo Mundo, sendo somente um entre muitos. Recentemente as redes têm ganhado nomes e formas que chamam atenção. Professores ou pessoas interessadas em temas históricos que produziram para os pares e estiveram nos cânones por muito tempo, como Leandro Karnal, equipes que dão suporte a grandes canais como Nerdologia e Felipe Castanhari (canal Nostalgia e Mundo Mistério, na Netflix), são exemplos de uma nova forma de pensar a história e sua produção. A historiografia, então, deve abandonar seus debates entre pares e pensar em cliques e no público? Resposta Não! Até porque essa marcha de qualidade só se dá diante dos debates e dos diálogos necessários. Se esse espaço não for ocupado por ela, as práticas de negação com pouco ou sem nenhum fundamento se solidificam, e aí as disputas e os debates ficam bem mais complicados. O papel da história pública como estratégia e debate historiográfico não corresponde a um campo de trabalho, mas à reafirmação do compromisso dos historiadores diante dos movimentos antidemocráticos, que pululam desde então e são reforçados pela dinâmica das redes. Discursos do primeiro movimento de mídias de massa são retomados como extrema novidade e encontram eco e são reproduzidos de forma acrítica. O conhecimento produzido e debatido no campo não deve ficar restrito, e deve chegar àqueles que desejam e também ao conjunto social, para o reconhecimento da História pela nossa sociedade. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 50/57 A historiogra�a em tempos de crise democrática Confira agora um resumo sobre os períodos de crise política no país. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 51/57 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 A história pública parte da seguinte percepção: Parabéns! A alternativa E está correta. A difusão de conhecimentos e debates é parte dos novos compromissos do historiador diante das crises democráticas e a A A historiografia acabou. B A história virou literatura. C É necessário um projeto para destruir a deturpação dos historiadores. D O historiador deve fazer consultorias. E O discurso do historiador não deve estar restrito. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 52/57 retomada de narrativas que se entendiam até então como superadas. Questão 2 A ideia de que o campo da subjetividade em História, em especial como ela foi praticada no Brasil, permite visões de crise ao se “olhar no espelho” se refere a uma prática/reconhecimento/vício nacional que chamamos de Parabéns! A alternativa E está correta. Segundo Lilia Schwartz, esse movimento gera uma negação à identidade nacional, uma distorção da autoimagem, sendo um vício que precisa ser superado. Considerações �nais Existe historiografia (entendida como práticas intelectuais de conhecimento do passado) no Brasil desde o período colonial. A A bolivarianismo. B terrorismo. C culturalismo. D decolonialidade. E bovarismo. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio# 53/57 fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) foi o primeiro esforço de coordenação institucional da historiografia no Brasil. Aqui, nos dedicamos ao momento mais recente da história da historiografia brasileira. Vimos como a partir da década de 1970, na conjuntura da construção do sistema universitário brasileiro, formou-se a identidade profissional do historiador, associada à figura do professor universitário. Desde então, e cada vez mais, as universidades públicas no Brasil se tornariam, por meio de seus programas de pós-graduação em história, o principal espaço de produção do conhecimento histórico. Essa lógica foi desafiada pelo advento da internet e pela crise democrática iniciada em 2013. Consensos estabelecidos a respeito do passado nacional (como a repulsa à ditadura) foram implodidos, e os historiadores profissionais passaram a disputar e negociar autoridade no debate público ampliado pela esfera digital. Essa nova realidade impactou profundamente o trabalho dos historiadores profissionais, que passaram a se esforçar em fazer circular seu conhecimento entre o público não especializado, em práticas de trabalho que configuraram uma nova área de especialização na historiografia: a história pública. O conhecimento histórico sempre traduz as inquietudes e expectativas do tempo em que é produzido. Nesse sentido, contar a história da historiografia significar contar a história das sociedades humanas. Foi isso que fizemos aqui, com atenção ao Brasil contemporâneo. Nos últimos 50 anos, o país transitou da ditadura para a ordem democrática e viu essa nova democracia colapsar. Nesse período, formou a identidade profissional dos historiadores. Mas muita coisa mudou ao longo desses anos: uma modalidade de história social se tornou dominante à luz dos valores que pautaram a redemocratização e a autoridade disciplinar do historiador foi desafiada na conjuntura da crise democrática, potencializada pela internet. Podcast Para encerrar, ouça um resumo dos aspectos mais relevantes deste conteúdo. 22/04/2024, 15:02 Historiografia brasileira contemporânea https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04411/index.html?brand=estacio#54/57 Explore + Confira as indicações que separamos especialmente para você! Leia: A formação do regime de autonomia avaliativo no Sistema Nacional de Pós-graduação e o futuro das relações entre historiografia, ensino e experiência da história O engajamento político e historiográfico no ofício dos historiadores brasileiros: uma reflexão sobre a fundação da historiografia brasileira contemporânea (1975-1979) Para aprofundar seus conhecimentos sobre História, escute os podcasts História Preta e Nerdcast. Referências ADOLFO, R. M. A. As transformações na historiografia da escravidão entre os anos de 1970 e 1980: uma reflexão teórica sobre possibilidades de abordagem do tema. In: Revista de Teoria da História, Ano 6, Número 11, maio de 2014, Universidade Federal de Goiás. p. 110- 125. ALMEIDA, M. R. C. A atuação dos indígenas no Brasil: revisões historiográficas. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 37, nº 75, 2017. ALMEIDA, M. R. C. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 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