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1 Narrativas coloniais na América Portuguesa

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22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 1/61
Narrativas coloniais na América Portuguesa
Prof. Rodrigo Perez
Descrição
A historiografia brasileira tem um fundamento em diálogo com seu
passado colonial e isso marca a sua cosmovisão.
Propósito
Reconhecer os valores atribuídos ao diálogo entre as historiografias
portuguesa e brasileira e sua organização colonial.
Objetivos
Módulo 1
Relatos de conquistadores e
colonizadores
Identificar os relatos de descobrimento como os primeiros indícios de
uma historiografia nacional.
22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 2/61
Módulo 2
As histórias dos Brasis entre os
séculos XVII e XVIII
Reconhecer os papéis dos relatos de padres e missionários na
construção de um projeto historiográfico.
Módulo 3
Historicidades insubmissas no
contexto da independência do
Brasil
Reconhecer a construção de um projeto histórico de nação no século
XIX.
Introdução
Geralmente, os exames dedicados à historiografia brasileira
localizam na fundação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), em 1838, o início dos estudos históricos
nacionais. A premissa não está equivocada, pois o critério
adotado é o da existência do Brasil como Estado-nação
independente, o que nos remete a setembro de 1822, momento
de separação institucional formal com Portugal.
Entretanto, se adotarmos o critério da produção de historicidades
variadas, podemos dizer que existem estudos históricos no Brasil
desde o século XVI, antes mesmo de o Brasil existir tal como
conhecemos. É exatamente esse o critério que adotamos neste
conteúdo. Estamos interessados em entender o processo de

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https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 3/61
produção e circulação das mais diversas narrativas, que durante
o período colonial elaboraram sentidos históricos variados na, e
para, a América Portuguesa. Essas práticas letradas produziram
um imaginário para essa região que chegou aos séculos
posteriores, contribuindo para aquilo que mais tarde ficaria
conhecido como “história do Brasil”.
Nosso conteúdo está dividido em três partes. Primeiro,
analisaremos as narrativas escritas pelos conquistadores nas
décadas que marcaram o descobrimento e a estruturação da
colonização, entre fins do século XV e início do século XVI. O
propósito aqui é examinar as narrativas que delinearam um lugar
para a América Portuguesa no imaginário europeu nos primeiros
momentos da modernidade. Em seguida, estudaremos as
diversas modalidades de práticas letradas, que durante o período
colonial produziram, de alguma forma, sentidos históricos
diversos que orientavam homens e mulheres que viviam na
América Portuguesa entre os séculos XVII e XVIII. Por último,
examinaremos as narrativas insubmissas, que no início do século
XIX defendiam a ruptura com Portugal, preparando o caminho
semântico para a independência que, como sabemos, seria
consumada em setembro de 1822.
1 - Relatos de conquistadores e colonizadores
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os relatos de
descobrimento como os primeiros indícios de uma historiogra�a
nacional.
22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 4/61
A América Portuguesa no
imaginário europeu
moderno (XV-XVI)
Segundo Rodrigues (1979), a historiografia da conquista é formada por
um conjunto textual de extrema variedade, que envolve:
Na década de 1970, José Honório Rodrigues se notabilizou por
sistematizar a história da historiografia brasileira, ou seja, o estudo dos
esforços que desde o século XVI produziram histórias diversas para o
Brasil.
Historiogra�a das
invasões
Está concentrada nos relatos
resultantes da experiência
francesa de colonização do rio
de janeiro.
Crônica geral
colonial
Tem como pilares Pero de
Magalhães Gândavo e Gabriel
Soares de Sousa.
Historiogra�a
religiosa
Produzida pelas diversas ordens
religiosas em atuação no Brasil
ao longo do século XVI.
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O autor agrupa os relatos produzidos no século XVI em três grandes
grupos, indo desde os textos produzidos pelos “invasores”, passando
pelas crônicas coloniais produzidas por Gândavo e Soares de Sousa e
chegando aos textos escritos pelos religiosos, sobretudo jesuítas.
José Honório Rodrigues (1913-1987).
Segundo a historiadora Andrea Daher (2014), a classificação proposta
por José Honório Rodrigues precisa ser tratada com ressalvas, na
medida em que naturaliza a genealogia nacional e dá aos textos
quinhentistas uma lógica nacionalista estranha a eles.
Ou seja, no século XVI ainda não existia a ideia de
Brasil como Estado-nação independente, que
começaria a se afirmar apenas no século XIX.
Assim, a classificação de Honório Rodrigues precisa ser tratada com
cautela, para que sejamos capazes de compreender o real
funcionamento dos textos quinhentistas, seus valores e as funções que
desempenhavam na sociedade colonial ainda em formação.
Começaremos pelos relatos da conquista.
Os relatos da conquista
A expansão marítima e comercial da Europa ocidental entre fins do
século XV e meados do século XVI foi um dos eventos mais
impactantes da história humana. Sociedades que até então não se
conheciam se encontraram, estabelecendo entre si relações de poder,
violência, dominação política e econômica, mas também de trocas
culturais.
Re�exão
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Por mais que o sistema internacional moderno, forjado pela expansão
marítima, tenha se caracterizado pela assimetria e pela dominação
europeia, seria falso acreditar que as sociedades dominadas foram
passivas no processo e que a própria cultura europeia ficou indiferente
ao contato.
Ao longo do século XVI, o imaginário europeu foi bastante impactado
pelo descobrimento da América. As “cartas de navegação” escritas por
Américo Vespúcio na década de 1490 foram reunidas em um único
volume e publicadas em 1516, quando a tecnologia da imprensa
começava a se difundir pela Europa.
O texto circulou muito e influenciou tratados fundamentais para a
história do pensamento político europeu, como:
A Utopia
de Thomas Morus, publicado em 1519.
Os Ensaios
de Montaigne, publicados em 1588.
Tanto Morus como Montaigne abordaram a América como um lugar
selvagem ainda não corrompido pela civilização, imagem que seria
consolidada no século XVIII no Contrato Social, de Jean Jacques
Rousseau, que definiu o indígena americano como um “bom selvagem”.
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No que se refere especificamente à América Portuguesa, têm destaque
os relatos de viagem de Pero Vaz de Caminha, Hans Staden, Jean de
Léry, todos escritos entre o fim do século e XV e o início do século XVI.
Esses textos circularam bastante na época em que foram escritos, mas
chegaram até nós por causa do trabalho de coletânea feito pelos sócios
do IHGB, sobretudo por Francisco Adolfo de Varnhagen, ao longo do
século XIX.
Peças do acervo do IHGB.
Comprometidos com o objetivo político/institucional de produzir uma
genealogia para a nação brasileira, os letrados do IHGB transformaram
os textos quinhentistas em fontes primárias para a escrita da história da
pátria.
Nosso objetivo é, tomando consciência dessa memória
nacionalista hegemônica, contornar a apropriação do
IHGB para encontrar os relatos quinhentistasem sua
lógica própria de existência.
Segundo Andrea Daher, o primeiro aspecto a ser destacado consiste nos
valores envolvidos na produção desses textos.
Sob a instituição retórica, nas letras da época
moderna, como as jesuíticas, o auctor, por
exemplo, é mais um letrado no sentido de um
ethos, e não uma psicologia autoral que
define o autor como capaz de obra original
através de livre-concorrência. A noção de
propriedade, aplicada aos textos, que então
corriam manuscritos ou se faziam imprimir, é
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autoral somente no sentido de atribuição de
uma auctoritas, posto que não tinham
originalidade, no sentido romântico de uma
mercadoria que concorre com outras no
mercado de bens culturais. A produção da
escrita consistia, consistia, na transformação
de matérias partilhadas anônima e
coletivamente, reatualizando sempre através
da imitação as autoridades antigas.
(DAHER, 2012, p. 223)
A autora chama atenção para o fato de que no século XVI a produção
letrada não era regulada pelas mesmas práticas, nem pelos valores que
se consolidariam na modernidade iluminista, depois do século XVIII.
Nós, modernos, partimos do princípio de que todo texto é resultado e
propriedade da psicologia criativa de um autor, que escreve em função
do interesse de ser lido/consumido por um mercado de leitores. Por
isso, temos a tendência de considerar o plágio, entendido como
apropriação indevida e não referência de propriedade intelectual, como a
mais grave violência intelectual.
Curiosidade
No século XVI, a produção letrada era regida por outras práticas e
valores. Os redatores dos textos não se consideravam seus donos, ou
seus autores, no sentido moderno do termo. Isso acontecia porque o
que era escrito não era tratado como resultado de uma psicologia
criativa, mas como uso circunstanciado de tópicas retóricas (lugares-
comuns) de propriedade coletiva.
Tratava-se da auctoria rectorica, segundo a qual cabe o escritor acionar,
com adequação, aquilo que já está estabelecido em uma tradição
coletivamente compartilhada. Por isso, não era raro que os produtores
desses textos deixassem de assiná-los, o que para nós modernos, em
circunstâncias de normalidade intelectual, é algo impensável.
Os escritores submetidos à auctoria rectorica não assinavam seus
textos, simplesmente, porque não os reconheciam como propriedade
individual, visto que a própria concepção moderna de “indivíduo” ainda
não estava disponível na época.
Pero Vaz de Caminha era um nobre português típico dos anos da
expansão marítima. Filho mais novo (e por isso deserdado, segundo a
legislação portuguesa) de uma família aristocrática, Caminha viu nas
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aventuras no ultramar a chance de se manter no topo da hierarquia
social lusitana.
Era a tradicional figura do “cavaleiro mercador” da qual tanto falou Victor
Magalhães Gondim, historiador especializado na expansão marítima
portuguesa.
Pero Vaz de Caminha lê a carta que enviará ao rei D. Manuel I.
Como aconteceu com a maioria dos “relatos do descobrimento”, a carta
de Caminha ficou relativamente esquecida por três séculos, sendo
tratada como um diário de viagem, igual a tantos outros que foram
produzidos no século XVI.
Apenas no século XIX o documento foi
monumentalizado pela narrativa historiográfica
nacionalista do IHGB, como uma espécie de certidão
de nascimento do Brasil, passando a ter lugar de
destaque no imaginário nacional.
Segundo José Augusto Seabra, a carta de Caminha traduz o imaginário
europeu nos primeiros momentos da modernidade, marcado pela
incessante busca do “outro”, entendido como experiência inédita. Uma
vez que os europeus já conheciam no século XVI a África e a Ásia, o
contato com a América representou a alteridade radical que fundou a
modernidade e, argumenta Seabra, é exatamente disso que a carta de
Caminha trata.
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Pardos, todos nus sem nenhuma coisa que
lhes cobrisse suas vergonhas. Todos rijos. A
feição deles é serem pardos, maneira de
avermelhados, de bons rostos e bons narizes,
bem-feitos. Tanta inocência como têm em
mostrar o rosto. As mulheres são muito
gentis, com cabelos muito pretos, compridos
pelas espáduas e tão çarradinhas que não
limpas que de nós muito bem olharmos não
tínhamos nenhuma vergonha. Certo era tão
bem-feita e tão redonda é sua vergonha que
ela não tinha, tão graciosa, que a muitas
mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais
feições fizera vergonha, por não ter a sua
como a delas.
(CAMINHA, apud SEABRA, 1994, p. 68)
Em texto cujo objetivo era narrar ao Rei os acontecimentos da viagem,
Caminha utilizou os procedimentos discursivos típicos dos diários de
navegação para traduzir a experiência da novidade radical. O objetivo
não era escrever um texto de teor antropológico, ou contar uma história.
O horizonte de conhecimento dos estudos sociais era estranho ao
século XVI. Caminha desejava apenas relatar, mas o fez como um
homem do seu tempo, a partir das estruturas retóricas e poéticas
disponíveis, traduzindo espanto e maravilhamento diante daquilo que
acreditava ser algo sem precedentes.
A descrição feita dos habitantes nativos é emblemática disso.
Caminha deixa claro que a diferença abissal entre o
índio e o português não era de ordem biológica, mas
cultural.
Eram seres humanos pertencentes a outro modo de vida, com outros
valores e pudores. O fato de isso ter chamado a atenção do narrador é
emblemático do que estava em questão naquela experiência: a
“constante busca pelo outro”, como argumentou Seabra.
O tom maravilhado como o Caminha o fez foi tomado pela retórica
nacionalista do século XIX, especialmente pelo romantismo que
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idealizou o índio como “bom selvagem”, como observaremos no
exemplo a seguir:
Mapa Terra Brasilis feito no ano de 1519, mostra a costa do Brasil e parte do Atlântico central,
desde as duas largas aberturas do Amazonas até o Prata e parte da costa que se lhe segue ao
sul.
Como vimos, isso deixa claro como os textos sobrevivem ao seu
momento original de enunciação, sendo objeto diversas apropriações.
Tal como Pero Vaz de Caminha, o navegador alemão Hans Staden
também viveu a experiência da expansão marítima europeia e do
contato com a América. Porém, diferentemente do navegador
português, Staden não estava a serviço de nenhum Estado europeu. Era
um mercenário, aventureiro que prestava serviços a quem pagasse.
Hans Staden (1525-1576).
Ao longo do século XVI, Hans Staden esteve por duas vezes na América
Portuguesa, participando de batalhas contra invasores franceses e seus
aliados indígenas, chegando a ficar por nove meses como refém dos
Tupinambás. As experiências foram contatas no livro Duas viagens ao
Brasil, no qual Staden promete contar a “verdadeira história de uma terra
de selvagens nus e cruéis, comedores de seres humanos”. O texto foi
publicado em 1557 e se tornou uma espécie de best-seller na época,
colaborando para a formação do imaginário europeu sobre a América.
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Como argumenta Melissa Boechat, tentar buscar as fronteiras entre
verdade e invenção na narrativa de Staden seria duplamente
equivocado:
Porque a busca não é possível de ser concretizada.
Porque o valor do texto de Staden está na forma como pinta
imagens da América, acionando estruturas do vocabulário europeu
da época e determinadastradições de pensamento.
A experiência dos viajantes europeus gerou frutos literários recebidos
com ansiedade pelo público europeu, sedento de novidades e em
conflito interno por atravessar uma fase de transição entre modelos
históricos e religiosos diversos, saindo da Idade Média e enfrentando o
desconhecido trazido pelas mudanças na nova ordem geográfica
mundial. O livro escrito por Staden trazia ainda uma novidade, como
veremos a seguir:
Execução de um prisioneiro que está preso à Mussurana.
As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil
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O uso de imagens, desenhos produzidos por um artista
desconhecido representavam os rituais antropofágicos
praticados pelos indígenas americanos.
As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil, sempre significadas
pelo texto de Staden, são extremamente representativas para a
criação do imaginário europeu do século XVI sobre o Brasil.
Dois Chefes Tupinambás com os Corpos Adornados por Plumas.
As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil
Não apenas o continente tinha ali sua invenção geográfica e
política; ao surgir aos olhos do mundo como o local da
diferença, o continente recém-descoberto (ou inventado)
auxiliou o europeu na tarefa de inventar e consolidar sua
própria identidade, sua própria concepção de uma sociedade
evoluída e organizada.
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Xilogravura dos índios Tupinambás em festa canibal.
As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil
Assim, as imagens se constituem em elemento verificador e
comprobatório da história de Staden, passando seu relato a ser
o amálgama do pensamento europeu sobre o novo continente
e sobre si mesmo, diante de tão irrefutáveis provas do que o
autor vivencia e do que narra. São como o martelo que termina
por cravar na tábua da mentalidade europeia a visão do
colonizador sobre os habitantes do Novo Mundo.
Também é preciso citar o trabalho de Jean de Léry. Lery era um pastor
protestante francês que chegou à América Portuguesa na década de
1550, quando as tropas francesas comandadas por Villegagnon
dominavam a Baia de Guanabara. Embora inicialmente aceitasse os
protestantes, Villegagnon os expulsou em 1558 e Jean de Léry, junto
com outros pastores, foi acolhido pelos Tupinambás, vivendo por dois
meses com os indígenas.
De volta à França, Léry escreveu um livro contando suas experiências na
América. História de uma viagem à terra do Brasil foi publicado em 1578
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e tal como tudo o que se relacionava à América, chamou bastante a
atenção do público europeu. Se Caminha era um navegador a serviço do
Rei de Portugal e Hans Staden era um aventureiro mercenário, Léry era
um religioso protestante. Portanto, o texto de Léry precisa ser lido a
partir do interesse do autor em tomar parte das guerras civis religiosas
que estavam acontecendo na Europa durante o século XVI.
Como os outros relatos quinhentistas, o texto de Léry estava marcado
pela evocação do signo do inédito. Ou seja, o autor afirma narrar um
conjunto de experiências sem precedentes na história humana.
Família de índios do Brasil ilustrado no livro História de uma viagem à terra do Brasil.
Segundo Dominique-Antoine Grisoni, em prefácio a uma edição do Livro
de Léry publicado em 1994:
A leitura de Léry me ajuda a escapar
de meu século, a retomar contato
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com o que eu chamaria de
“sobrerrealidade”, não aquela de que
falam os surrealistas, mas uma
realidade ainda mais real do que
aquela que testemunhei. Léry viu
coisas que não têm preço, porque
era a primeira vez que eram vistas e
porque foi há quatrocentos anos.
(GRISONI, 1994, p. 32)
A Europa que adentrava a modernidade e vivia o espetáculo sangrento
das guerras civis religiosas recebeu o texto de Léry como a
representação das origens da humanidade, do “tempo dos começos”.
Era como se o passado pudesse existir em sincronicidade com o
presente, em um território isolado daquilo que era considerado a
“civilização”. Porém, as intenções de Léry eram outras, como bem
demonstra o historiador Frank Lenstringant.
Na verdade, Léry, à diferença de Montaigne, não tinha a
impressão de descobrir um mundo na infância, “ainda
nu no seio da mãe nutriz” (MONTAIGNE, 1965: 908).
Seu Brasil é um mundo já velho; a humanidade que nele habita pertence
indubitavelmente à “raça corrompida de Adão”. A maldição que sobre
ela pesa só será afastada com a condição de uma conversão, bastante
improvável, ao cristianismo. (LENSTRINGANT, 2000, p. 82-83)
Ao narrar os costumes indígenas, Léry pretendia representar a
corrupção da humanidade, algo que somente poderia ser remediado
pela conversão ao cristianismo protestante. Como podemos perceber,
na cena da produção do texto, a ideia de nacionalidade brasileira,
obviamente, não estava disponível. A produção, a circulação e o
consumo do texto atendiam à outra lógica: as disputas religiosas do
século XVI.
Curiosidade
Dentro do conjunto de texto que estamos chamando aqui de “relatos
quinhentistas”, é possível encontrar, também, tratados propriamente
historiográficas que não tinha o objetivo de relatar experiências de
viagem e de contato com os indígenas, mas produzir histórias e
historicidades para o “Brasil”, na época colônia de Portugal.
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Representações
historiográ�cas no início da
colonização
Sobre os tratados propriamente historiográficos escritos ao longo do
século XVI, podemos citar:
História da província de Santa
Cruz que vulgarmente chamamos
de Brasil
De Pero de Magalhães Gândavo, publicado em 1523.
Tratado descriptivo do Brasil
De Gabriel Soares de Sousa, publicado em 1587.
O livro de Gândavo foi o primeiro texto sobre a colonização portuguesa
na América a ser escrito em língua portuguesa. O próprio autor tinha
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consciência do ineditismo de seu empreendimento: “a causa principal
que me obrigou a lançar mão da presente história e sair com ela à luz foi
por não haver até agora pessoa que a empreendesse já setenta anos
que esta província é descoberta” (GÂNDAVO, 1826, p. 12).
Comentário
O texto de Gândavo propõe, então, a escrita de uma “história” para o
“Brasil”. Contudo, precisamos ter o cuidado para não tratar os termos
“história” e “Brasil” em seus sentidos modernos, que eram estranhos a
Gândavo.
O autor inicia o texto com versos de Luís de Camões, poeta português
que no século XVI era a grande referência literária de Portugal,
alegorizando em versos o empreendimento lusitano na expansão
marítima.
O livro é dedicado a D. Leonis Pereira, fidalgo português que governou a
colônia asiática de Malaca. O texto de Gândavo não conta a história do
Brasil entendida como o desenvolvimento cronológica de formação de
uma nação independente. Trata-se de uma apologia à colonização
portuguesa, que estaria sendo levada a cabo por homens instruídos nas
letras e nas armas. Nas palavras do autor:
A qual história, creio que mais
esteve sepultada em tanto silêncio,
pelo pouco caso que os
portugueses fizeram sempre da
mesma província, que por faltarem
na terra pessoas de engenho e
curiosidade, que por melhor estilo e
mais copiosamente que eu, a
escrevessem.
(GÂNDAVO, 1826, p. 15)
Apesar do tom, em geral, elogioso, Gândavo também criticou a
colonizaçãoportuguesa na América:
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Primeiro, pelo “pouco
caso” com o que tratou
a colônia.
Depois, pela falta de
interesse lhe contar a
história, tarefa que
havia sido feita apenas
por estrangeiros.
Segundo a historiadora Andrea Daher, dois aspectos sustentam a
argumentação de Gândavo em defesa da escrita de uma “história do
Brasil” no século XVI, como veremos a seguir:

Primeiro aspecto
Consistiria na necessidade de despertar a curiosidade dos portugueses
sobre sua colônia americana, o que sugere que o destinatário do texto
idealizado por Gândavo não era o “europeu” em sentido amplo, mas sim
os portugueses, em sentido estrito. A expectativa do autor era de que
seu texto pudesse colaborar para a intensificação da ação colonial
portuguesa nos trópicos americanos.

Segundo aspecto
Consistiria em “eternizar pela memória” o “estado primitivo” do Brasil,
para depois que a colonização cumprisse seu papel civilizatório, uma
“futura história” pudesse ser escrita em função da analogia, ou seja, da
comparação entre um “antes” e um “depois”, capaz de trazer à luz as
“boas ações” dos colonizadores.
Por isso, o indígena representado por Gândavo, nas palavras de Daher:
“é de uma desordem monstruosa, na perspectiva da desproporção e da
dessemelhança, o que constitui praticamente uma impossibilidade de
definição da barbárie, como se pode constatar na sua descrição das
diferentes tribos que viviam ao longo da costa. Gândavo descreve o
gentio do Brasil como gente ingrata, desumana e cruel, vingativa,
preguiçosa, não tendo outro pensamento senão o de comer, beber e
matar, desonestos, dados à sensualize, viciosos e inconstantes”
(DAHER, 2014, p. 395-396).

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Re�exão
Nosso interesse não é especular se a descrição de Gândavo é
verdadeira ou não. Mais importante é entender como o autor colaborou
para construir certo imaginário a respeito dos indígenas que sobrevive
até os nossos dias, e como o seu texto tinha a função primordial de
propagandear a colonização portuguesa.
Por isso, na pena de Gândavo, o indígena, em “estado bruto”, ou seja,
anterior à ação colonial, precisava ser selvagem e bárbaro, para que
depois fosse representado como dócil e civilizado.
Gabriel Soares de Souza foi um colono e agricultor português que se
estabeleceu na Bahia na década de 1560, onde prosperou e fez família.
Chegou a ser vereador na Câmara de Salvador e fez da produção letrada
uma de suas atividades fundamentais.
O Tratado descriptivo do Brasil foi publicado no final da década de 1580
e durante muito tempo circulou de forma anônima, tendo sido reunido,
copilado e identificado pelos historiadores que no século XIX se
dedicaram à escrita da história do Brasil.
Francisco Adolfo de Varnhagen foi o responsável por reunir os textos em
volume único, publicado em 1851. Como demonstra Temístocles Cezar,
o texto de Gabriel Soares de Souza foi transformado em uma das
principais fontes da historiografia nacionalista produzida no século XIX,
sendo amplamente citado por autores como Robert Southey, Von
Martius e Ferdinand Denis, todos destacando a quantidade e a precisão
das informações apresentadas no Tratado descriptivo do Brasil.
O tratado escrito por Gabriel Soares de Sousa talvez
seja a mais completa descrição da geografia, da fauna
e da flora brasileira produzida no século XVI. Não se
trata daquilo que hoje consideraríamos um texto
historiográfico, produzido de acordo com os protocolos
de pesquisa que se afirmariam como constitutivos da
ciência histórica apenas no século XIX.
Dedicado à Bahia, o autor produziu uma verdadeira cartografia da
realidade natural local. Gabriel Soares de Souza entregou os
manuscritos ao Rei Felipe II em 1587, na ambição de obter um prêmio
para seus esforços. Não se sabe quando ele iniciou a redação do texto,
mas no período em que permaneceu em Madri revisou a versão final que
seria entregue ao monarca.
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A obra publicada por Varnhagen inclui as duas "partes" escritas por
Souza, o Roteiro Geral, com largas informações de toda a costa do
Brasil, e o Memorial e Declaração das grandezas da Bahia de todos os
Santos, de sua fertilidade e das notáveis partes que tem. Veja como as
duas partes estão divididas:

Primeira parte
Apresenta 74 capítulos e faz um apanhado geral do litoral da América do
Sul, desde a foz do Rio Amazonas até o Rio da Prata.

Segunda parte
Apresenta 195 capítulos sobre a Bahia, parte dos quais dedicados ao
recôncavo em termos geográficos, com outra parte expressiva dedicada
à flora, à fauna e aos grupos nativos.
Os textos escritos por religiosos católicos em missão na América
Portuguesa do século XVI representam outro corpus importante de
documentos para os estudos da história da historiografia brasileira.
Os relatos missionários
Entre os séculos XVI e XVIII, a Companhia de Jesus teve importante
atuação no projeto colonial português, principalmente naquilo que se
refere à “civilização” dos indígenas, o que na conjuntura das reformas
religiosas significava a catequese dos nativos.
Operando em um universo discursivo regulado pela cultura retórica, os
jesuítas se esforçaram em converter as práticas indígenas em textos, o
que deu origem a um importante corpus documental, também
transformado em fonte primária pela historiografia nacional que passou
a ser produzida no século XIX.
Comentário
Andrea Daher nos ajuda na reflexão, chamando nossa atenção para
como esses relatos missionários foram monumentalizados no século
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XIX em função de um projeto de escrita da história cujo objetivo era
inventar a identidade nacional brasileira.
Mas o que significa monumentalizar um texto?
Assim, a partir de um trabalho de
monumentalização histórico-literária – em
que a definição do gênero como fixação
anacrônica de forma narrativa potencializa o
caráter documental do texto, erigido em obra
atribuída a um autor como individualidade
psicológica –, os textos jesuíticos, entre
outros do período colonial, passaram a ser
disponibilizados, a partir do século XIX, para
finalidades literárias e científicas. Nesse
sentido, extraídos das contingências
históricas da função colonizadora da escrita
do século XVI, vários textos atribuídos a
Anchieta constituem hoje, anacronicamente,
uma “Monumenta Anchietana”, especificados
numa “obra poética”, numa “obra teatral” etc.,
cuja legitimação relaciona-se, antes de tudo,
ao processo de beatificação do jesuíta.
(DAHER; 2012, p. 227-228)
É importante, no entanto, fazer o mesmo exercício que fizemos há
pouco com os relatos dos viajantes e os tratados historiográficos:
devolvê-los à dinâmica social, política e discursiva do século XVI.
Como fica claro nas palavras, os textos dos missionários podem ser
divididos em dois grupos, tomando como critério a autoria, o que talvez
seja inadequado para o século XVI, mas o adotamos assim mesmo, com
a devida cautela, os textos escritos por:
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Padre José de Anchieta
De Gestis Mendi de Saa, poemas em homenagem a Mem de Sá,
publicados em 1563, e A arte de gramática da língua mais usada
na costa do Brasil, o primeiro registro dos fundamentos da língua
tupi, publicado em Portugal, 1895.
Padre António Vieira
Os Sermões, publicado em 1679, e o História do Futuro, publicado
postumamente, em Paris, em 1718.Vejamos citações dos respectivos missionários a seguir:
De acordo com Anchieta (1595): "para a companhia desta província
corresponder ao segundo de dar por escrito, o que julgou podia ajudar
pera esta língua se saber, já contribui o com este meio, quando na era de
1595 fez imprimir a arte da língua, com a qual seus filhos pudessem
aperfeiçoar o que com o uso da comunicação com os índios fossem
aprendendo" (ANCHIETA, 1595).
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Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil, 1595. A primeira gramática contendo
os fundamentos da língua tupi.
De acordo com Vieria (1679), as letras dos "chinas e dos japões"
impetravam muita dificuldade ao seu estudo, pois são letras
hieroglíficas, como a dos egípcios. Outro dado seria que aprender
línguas de gente política é estudar por letra e por papel. Para Antônio
Vieira seria "arrostar com uma língua bruta e de brutos, sem livro, sem
mestre, sem guia no meio daquela escuridade e dissonância haver de
cavar os primeiros alicerces e verbo, o advérbio, a proposição, o número,
o caso, o tempo, o modo e modos nunca vistos nem imaginados, como
o de homens enfim tão diferentes dos outros nas línguas, como nos
costumes, não há dúvida que é empresa muita árdua a qualquer
entendimento e muito mais árdua à vontade que não estiver muito
sacrificada e muito unida com Deus" (VIEIRA, 1679).
Como fica claro nas citações, os textos dos
missionários jesuítas foram produzidos em função das
necessidades práticas da ação catequética, o que
envolvia, entre outras coisas, a comunicação com os
indígenas.
Por isso, os jesuítas foram os responsáveis pela produção de grande
parte dos dicionários de idiomas indígenas que chegaram até nós.
Afinal, os padres precisavam entender o uso que os nativos faziam da
linguagem para disciplinar seu comportamento de acordo com a moral
cristã.
Na próxima seção, estudaremos os textos que se dedicaram a
historicizar a vida na América Portuguesa ao longo dos séculos XVII e
XVIII, quando a colonização portuguesa já estava estruturada.
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Vamos praticar?
Antes de praticar, o professor Rodrigo Perez apresenta algumas visões
importantes sobre as raízes historiográficas.
Raízes historiográ�cas
Vamos ouvir um breve resumo sobre o que discutimos até agora.
Atividade discursiva
Segundo a historiadora Andrea Daher, os relatos quinhentistas foram
produzidos a partir de valores distintos daqueles que passariam a
orientar a produção letrada depois do século XVIII. À luz desse
entendimento escreva sobre a carta de Pero Vaz de Caminha com duas
perspectivas de leitura diferentes.
Digite sua resposta aqui
Chave de resposta


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Na análise da autora, a autoria retórica, que regulava a produção
letrada no século XVI, não estava baseada nos valores modernos
da psicologia autoral criativa, mas nos valores tradicionais das
artes retóricas. O texto de Caminha pode ser lido como o
testemunho da consciência moderna em seus primeiros
momentos de formação, em busca da alteridade radical. Pode
também ser lido, a partir das apropriações feitas pela posteridade,
sobretudo pelo romantismo nacionalista no século XIX.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
A tipologia historiográfica elaborada por José Honório Rodrigues
para os textos quinhentistas precisa ser tratada como bastante
cautela, visando evitar equívocos de análise. Assinale a alternativa
que melhor define essa cautela.
A
A cautela consiste em entender a análise de José
Honório Rodrigues como representativa da
abordagem marxista, que é equivocada para o
estudo dos textos quinhentistas.
B
A cautela consiste em entender a análise de José
Honório Rodrigues como representativa da
abordagem estruturalista, que é equivocada para o
estudo dos textos quinhentistas.
C
A cautela consiste em entender a análise de José
Honório Rodrigues como representativa da
genealogia nacional, que é equivocada para o
estudo dos textos quinhentistas.
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Parabéns! A alternativa C está correta.
José Honório Rodrigues escreveu a história da historiografia
brasileira a partir da premissa da existência do Brasil como Estado-
nação independente. Isso projetou para os textos do século XVI
uma lógica nacionalista que era estranha a eles.
Questão 2
Ao longo do século XIX, os letrados reunidos no IHGB elaboraram
determinada chave de leitura para os “relatos quinhentistas”.
Assinale entre as alternativas a seguir aquela que melhor define
essa chave de leitura.
D
A cautela consiste em entender a análise de José
Honório Rodrigues como representativa da
abordagem culturalista, que é equivocada para o
estudo dos textos quinhentistas.
E
A cautela consiste em entender a análise de José
Honório Rodrigues como representativa da
abordagem linguística, que é equivocada para o
estudo dos textos quinhentistas.
A
A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou
os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da
história da escravidão africana, escondendo, assim,
outras dimensões da história da colonização.
B
A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou
os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da
história da escravidão indígena, escondendo, assim,
outras dimensões da história da colonização.
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Parabéns! A alternativa E está correta.
O projeto político/institucional de escrita da história nacional
colocado em prática pelo IHGB no século XIX condicionou a forma
como nos relacionamos com os relatos quinhentistas.
2 - As histórias dos Brasis entre os séculos XVII
e XVIII
C
A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou
os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da
história da catequese católica, escondendo, assim,
outras dimensões da história da colonização.
D
A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou
os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da
história dos bandeirantes paulistas, escondendo,
assim, outras dimensões da história da colonização.
E
A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou
os relatos quinhentistas em fontes primárias para a
escrita da história pátria, o que acabou por ocultar a
lógica e o sentido que esses textos tinham em sua
época de origem.
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Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer os papéis dos
relatos de padres e missionários na construção de um projeto
historiográ�co.
Século XVII
No século XVII, a estrutura da administração colonial portuguesa na
América estava completamente estruturada. Os assediadores a serviço
das potências europeias rivais já tinham sido expulsos. O litoral estava
ocupado e o sertão estava sendo desbravado pelos bandeirantes e
padres jesuítas. Já era possível falar em uma “sociedade colonial”
relativamente organizada, dotada de capacidade produção intelectual e
artística.
Do ponto de vista da metrópole portuguesa, a colônia americana era
estratégica no sentido da extração de riquezas e de competição na cena
do sistema internacional europeu. Na perspectivada sociedade colonial,
o território representava o cotidiano, a vida possível. Existiam ali
dinâmicas sociais e culturais que combinavam diversas influências na
elaboração de práticas de produção de sentido para a realidade.
Vista do Rossio (atual Praça Tiradentes) no Rio de Janeiro, no Brasil, com o pelourinho ainda de
pé, em 1834.
Debruçando-se sobre o assunto, Sérgio Buarque de Holanda falou em
uma “era barroca” na América Portuguesa colonial entre os séculos XVI
e XVII. Segundo o autor, as principais manifestações do “barroco” nas
letras e nas artes coloniais foram:
 Uma visão desencantada e nutrida de sentimento
religioso que se opunha ao humanismo
renascentista. Ou seja, nas representações
barrocas, a austeridade cristã continua estando no
primeiro plano.
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Foi sob essa atmosfera cultural que Frei Vicente de Salvador e Rocha
Pita produziram seus tratados históricos, documentos que passamos a
estudar a partir de agora.
A História do Brazil, de Frei
Vicente de Salvador
Frei Vicente foi um padre franciscano nascido em Salvador, Bahia, em
1564. Os detalhes de sua vida não são bem conhecidos, mas sua
reputação como homem das letras chegou até nós, sobretudo em
virtude dos textos Crônica da custódio do Brasil, de 1622, e História do
Brazil.
A “história” de Frei Vicente de Salvador possui trajetória acidentada, que
vale a pena ser contada. Como demonstra Marcelo Lachar (2019), a
obra teria sido composta, aproximadamente, entre 1619 e 1630, mas só
foi publicada no fim do século XIX, já sob os valores do nacionalismo
historiográfico representado pelo IHGB.
 O cultismo, marcado pela profusão de imagens
religiosas e encenações simbólicas e alegóricas
com representações de santos e mártires cristãos.
 A epopeia sacra como gênero discursivo
predominante, fazendo com que as narrativas
produtoras de historicidade tendessem a ser
organizar no sentido queda-redenção, remetendo à
própria trajetória bíblica de Jesus Cristo.
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Frontispício da primeira edição da História do Brasil, 1889.
Em 1839, Varnhagen noticiou a obra em um estudo intitulado Reflexões
críticas sobre o escripto do século XVI. Mas apenas em 1857 João
Francisco Lisboa enviou a Varnhagen a cópia do capítulo 24, que
pertencia ao acervo da Biblioteca das Necessidades de Lisboa.
Rapidamente, Varnhagen publicou o texto na revista do IHGB, em 1858.
Capistrano de Abreu deu à estampa duas edições parciais da História de
Frei Vicente:
A primeira no Diário Oficial, começando em 23 de julho de 1886 e
indo até 4 de fevereiro de 1887, tendo sido publicados o primeiro, o
segundo, o terceiro e parcialmente o quarto livro.
A segunda, na qual se editaram os dois primeiros livros, apareceu
em 1887.
Em 1888, Capistrano publicou a primeira edição integral da obra de Frei
Vicente do Salvador, no volume 13 dos Anais da Biblioteca Nacional. A
segunda edição completa veio à luz somente em 1918. O texto do Frei
Vicente, portanto, é mais um entre tantos exemplos de textos escritos
no período colonial que foram reunidos, lidos e apropriados pelo século
XIX.
Comentário
Isso nos coloca, como já sabemos, diante do desafio de ler esses textos
em seus próprios termos, não nos deixando levar de forma acrítica
pelos sentidos produzidos no século XIX.
A “história” de Frei Vicente de Salvador consiste em um valioso relato
sobre os primeiros anos da colonização portuguesa na América. Como
se tratou de uma escrita produzida quase exclusivamente pelo
testemunho ocular do autor, Frei Vicente ficou conhecido como o “pai da
historiografia brasileira”, como o “Heródoto brasileiro”. Interessa-nos
explorar com mais cuidado o texto historiográfico de Frei Vicente.
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O que signi�cava escrever história na
primeira metade do século XVI?
É preciso ter em mente que por “estudo da história” se entendia algo
muito diferente daquilo que veio se afirmar na fase disciplinar/científica
da historiografia, depois do século XIX. Não se tratava de uma operação
científica cujo objetivo era produzir informações e interpretações sobre
o passado por meio de pesquisa em arquivos.
Curiosidade
Era um tipo de relato fundado no princípio da autópsia (testemunho
ocular) cujo objetivo era registrar aquilo que fosse considerado digno de
ser lembrado, de forma muito semelhante como se fazia no mundo
ocidental desde a Antiguidade grega, com Heródoto e Tucídides.
Dessa “história” esperava-se que fosse escrita de acordo com os
protocolos retóricos, sendo capaz de agradar aos sentidos com um
estilo belo e instruir para o futuro, na medida em que produzia exemplos
que deveriam servir como modelo para a conduta humana. São essas as
funções da “história” tal como foi escrita por Frei Vicente de Salvador.
O texto de Frei Vicente começa com a extensa narração dos “principais
acontecimentos da América Portuguesa” entre 1500 e 1627. Esse
“tratado das coisas do Brasil” se divide em cinco livros:
Primeiro
O primeiro livro descreve a terra na época do descobrimento.
Segundo
O segundo abarca por ordem geográfica o período dos
donatários.
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Terceiro
Termina com a perda da independência de Portugal, no começo
da União Ibérica, em 1580.
Quarto
Começa com os socorros prestados pelos espanhóis logo depois
de Filipe II ter reunido as duas coroas, e termina no governo de D.
Diogo de Menezes, que preparou a grande avançada para o Norte.
Quinto
Começa com o avanço realizado sob Gaspar de Sousa, que por
não estar completo, ficou quase todo limitado à guerra
holandesa.
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No primeiro capítulo (Como foy descuberto este estado) do Livro I, Frei
Vicente relata que:
A terra do Brasil, que está na América, uma
das quatro partes do mundo, não se
descobriu de propósito, e de principal intento;
mas acaso indo Pedro Álvares Cabral, por
mandado de el-rei d. Manuel, no ano de 1500
para as Índias, por capitão-mor de 12 naus,
afastando-se da costa de Guiné, que já era
descoberta ao Oriente, achou estoutra ao
Ocidente, da qual não havia notícia alguma,
foi costeando alguns dias com tormenta até
chegar a um porto seguro, do qual a terra
vizinha ficou com o mesmo nome. Ali
desembarcou o dito capitão com seus
soldados armados, para pelejarem; porque
mandou primeiro um batel com alguns a
descobrir campo, e deram novas de muitos
gentios, que viram; porém não foram
necessárias armas, porque só de verem
homens vestidos, e calçados, brancos, e com
barba / do que tudo eles carecem / os
tiveram por divinos, e mais que homens, e
assim chamando-lhe Caraíbas, que quer dizer
na sua língua coisa divina, se chegaram
pacificamente aos nossos.
(SALVADOR, 1982, p. 6)
Temos aqui a imagem do Brasil sendo descoberto ao acaso, que até
hoje se faz presente na memória nacional. Frei Vicente foi responsável
por uma série de outros lugares-comuns sobre história do Brasil que
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tiveram vida longa, tendo sido reproduzidos no ensino de história
escolar. Ainda no livro I, o autor escreve:
“Cabral teria dado o nome de Santa Cruz à terra descoberta, a qual foi
por esse nome conhecida durante muitos anos. Porem, como o
Demonio com o signal da Cruz perdeu todo oDominio, que tinha sobre
os homens, receando perder tambem o muito, que tinha em os desta
terra, trabalhou, que se esquecesse, o primeiro nome, e lhe ficasse o de
Brazil, por cauza de hum pao assi chamado de cor abrazada, e vermelha,
com que tingem panos” (SALVADOR, 1982, p. 32).
Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500.
Quem de nós nunca ouviu na escola que o nome “Brasil” se devia a uma
planta da qual se extraía uma tinta vermelha usada para tingir tecidos?
Textos como os de Frei Vicente estão entre aqueles responsáveis por
construir o imaginário que temos do passado nacional. O mesmo pode
ser dito para o tratado escrito por Rocha Pita.
A História da América
Portugueza de Rocha Pitta
Como Frei Vicente, Sebastião da Rocha Pitta também nasceu em
Salvador, tendo já em vida sido reconhecido como importante homem
das letras na sociedade baiana. O fato de ambos os historiadores terem
nascido e produzido em Salvador é uma das consequências do fato de a
Bahia, na época, ser sede administração colonial, e território mais
urbano e rico da América Portuguesa.
Rocha Pitta se formou em Direito na Faculdade de Coimbra e foi
membro da Academia Real da História Portuguesa. Seu prestígio
intelectual, portanto, ultrapassou as fronteiras coloniais. Tratava-se de
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um letrado próximo ao poder metropolitano, o que nos ajuda a entender,
em parte, o tipo de historiografia que ele produziu.
Sebastião da Rocha Pita (1660-1738).
História da America Portugueza, publicada em Lisboa pela Officina de Joseph Antonio da Silva,
Em 1730, Rocha Pitta publicou sua “História da América Portugueza”,
sendo diretamente comissionado pelo poder régio. Portugal já não tinha
a mesma hegemonia de antes na geopolítica europeia e o texto de
Rocha Pitta deve ser lido como parte dos esforços diplomáticos de
propagandear os feitos coloniais portugueses.
Como demonstra o historiador Roger Jesus, a própria Academia Real da
História Portuguesa foi fundada, em 1720, com esse propósito:
“escrever a história dita secular e eclesiástica do reino2, redigindo
Memórias (assim conhecidos os trabalhos da Academia, por
pretenderem recolher a memória existente sobre o assunto em questão
– reinado, diocese, província etc.) devendo ser escritas a partir de uma
base fortemente consolidada na investigação. Assim, a crítica à fonte e
aos factos era imprescindível” (JESUS, 2011, p. 141-142).
Naqueles anos, estavam surgindo na Europa diversas
academias letradas desse tipo, modelo que no século
XIX seria transferido para as Américas, já formadas por
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nações independentes, inspirando a criação de
diversos institutos históricos nacionais, como o IHGB.
A historiografia produzida nesses espaços já apresentava as
preocupações metodológicas que caracterizariam a ciência histórica,
sobretudo no que se refere à exigência da pesquisa em arquivos e a
busca pela “verdade” dos eventos passados. No entanto, o recrutamento
para integrar os quadros dessas associações não seguia
obrigatoriamente os critérios profissionais, mas a lógica das
sociabilidades típicas das sociedades de antigo regime.
Curiosidade
O rei português D. João V era tratado como benemérito, cuja
“generosidade ilustrada” viabilizava os esforços institucionais de escrita
da história do reino, algo considerado fundamental para fazer parte do
mundo considerado “civilizado”.
Na colônia, foi criada logo depois, em 1724, uma associação letrada
semelhante, que ficou conhecida como “Academia Brasílica dos
renascidos”, de que Rocha Pitta também foi integrante. Portanto, o texto
historiográfico que começamos a examinar agora foi escrito por um
homem da corte, interessado em mostrar para o mundo os feitos
civilizatórios que, segundo o discurso oficial, Portugal estava
promovendo nos trópicos americanos.
Diferente do trabalho do Frei Vicente de Salvador, a História da América
Portugueza, de Rocha Pitta, não precisou esperar o IHGB para ser
publicada integralmente. Contando com o financiamento e a proteção
das autoridades metropolitanas, o trabalho foi publicado assim que
concluído, em 1730. Em termos estruturais, a obra encontra-se dividida
em dez livros, estando estes divididos em “capítulos” pelos vários
parágrafos numerados e identificados à margem (na primeira edição)
por um título genérico. A obra segue o padrão de organização sugerido
pela Academia Real:
 A dedicatória ao rei.
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Enquanto narra fatos da vida política, o autor não esquece as questões
religiosas, intercalando a chegada, presença e expansão de diversas
ordens religiosas com o governo do clero secular. Da guerra contra os
holandeses até à sua época, são narradas as lutas da Restauração,
contra os gentios, contra os espanhóis no Rio da Prata, a descoberta e
respectiva corrida ao ouro (apresentando uma visão consciente dos
seus efeitos sociais), a resistência dos escravos no quilombo dos
Palmares, entre outras questões. A história do reino ou até da presença
portuguesa na Índia é abordada. A apologia à colonização portuguesa
pode ser percebida já nas primeiras páginas do texto.
Enquanto narra fatos da vida
política, o autor não esquece as
questões religiosas, intercalando a
chegada, presença e expansão de
diversas ordens religiosas com o
governo do clero secular. Da guerra
 O prólogo esclarece quanto à organização dos
livros.
 O primeiro e o segundo livro se concentram na
fauna e na flora, descrevendo a estrutura geográfica
e natural de cada província do Brasil, do
descobrimento do território ao seu povoamento
inicial.
 Do terceiro ao décimo livro encontramos a história
do Brasil, organizada cronologicamente, e seguindo
quase sempre a administração dos governadores-
gerais ou dos vice-reis.
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contra os holandeses até à sua
época, são narradas as lutas da
Restauração, contra os gentios,
contra os espanhóis no Rio da Prata,
a descoberta e respectiva corrida ao
ouro (apresentando uma visão
consciente dos seus efeitos
sociais), a resistência dos escravos
no quilombo dos Palmares, entre
outras questões. A história do reino
ou até da presença portuguesa na
Índia é abordada. A apologia à
colonização portuguesa pode ser
percebida já nas primeiras páginas
do texto.
(PITTA, 1982, p. 9)
O tempo passou e o século XIX começou com mudanças estruturais na
dinâmica do império português. A transferência da corte para a América
na conjuntura das guerras napoleônicas alterou profundamente a
relação entre metrópole e colônia no sentido de fortalecimento das
elites coloniais. Um dos efeitos dessas transformações ocorreu nos
esforços de escritas da história que começaram a reivindicar a
separação formal entre Brasil e Portugal. É isso que estudaremos a
seguir.
Vamos praticar?
Antes de praticar, o professor Rodrigo Perez apresenta algumas visões
importantes sobre o ínicio da história do Brasil.
E cria-se um Brasil

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Vamos ouvir um breve resumo sobre o que discutimos até agora.
Atividade discursiva
Entre meados do século XVII e início do século XVIII, Sebastião da
Rocha Pitta foi um intelectual prestigiado tanto na América Portuguesa
como em Portugal. Discuta como essa proximidade com o poder
metropolitano nos ajuda a entender o tipo de historiografia que ele
produziu.
Digite sua resposta aqui
Chave deresposta
Rocha Pita era membro da Academia Real de História Portuguesa,
cuja função era propagandear os feitos coloniais portugueses. A
historiografia produzida por Rocha Pitta, portanto, era parte dos
investimentos oficiais do poder régio para afirmar o lugar de
Portugal como potência ilustrada na Europa.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
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Os tratados históricos escritos pelo Frei Vicente de Salvador e por
Rocha Pitta foram produzidos sob uma atmosfera cultural que
Sérgio Buarque de Holanda chamou de “Era do Barroco”. Assinale
entre as alternativas a seguir, aquela que melhor define essa
atmosfera.
Parabéns! A alternativa A está correta.
O gênero discursivo predominante na cultura barroca é a epopeia
cristã, na qual o enredo é organizado no sentido queda-redenção,
inspirado na própria trajetória bíblica de Jesus Cristo.
Questão 2
A
A principal característica da “Era do Barroco”
consistia na afirmação dos valores do
antropocentrismo renascentistas.
B
A principal característica da “Era do Barroco”
consistia na epopeia cristã como gênero discursivo
predominante, organizando a realidade em narrativa
que seguia o sentido decadência-redenção.
C
A principal característica da “Era do Barroco”
consistia na afirmação dos valores do socialismo
cristão, já hegemônicos na Igreja Católica durante o
século XVI.
D
A principal característica da “Era do Barroco”
consistia na afirmação dos valores clássicos, como
o politeísmo e o humanismo.
E
A principal característica da “Era do Barroco”
consistia na afirmação dos valores da laicidade
republicana, que chegaram na América Portuguesa
pela influência das colônias hispânicas.
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Assinale entre as alternativas a seguir, aquela que melhor define os
objetivos do tipo de escrita história desenvolvido por Frei Vicente de
Salvador na primeira metade do século XVII.
Parabéns! A alternativa A está correta.
A História do Brazil, de Frei Vicente do Salvador, foi escrita de
acordo com os protocolos historiográficos da Antiguidade,
caracterizados pela produção de memória e de bons exemplos.
A
Os objetivos consistiam em registrar em belo estilo
fatos considerados dignos de serem lembrados,
legando para a posteridade modelos de boa
conduta.
B
Os objetivos consistiam em construir uma narrativa
história que estimulasse o Brasil a se tornar
independente de Portugal, fundando uma nova
ordem política republicana.
C
Os objetivos consistiam em construir uma narrativa
história que estimulasse o Brasil a ser uma província
coroada autônoma de Portugal, mas ainda
vinculada simbolicamente ao reino.
D
Os objetivos consistiam em construir uma narrativa
histórica capaz de produzir no Brasil a ideia de
identidade nacional, colaborando para a
consolidação da independência do país.
E
Os objetivos consistiam em construir uma narrativa
história que estimulasse o Brasil a se tornar
independente de Portugal, fundando uma nova
ordem política monarquista.
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3 - Historicidades insubmissas no contexto da
independência do Brasil
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a construção de
um projeto histórico de nação no século XIX.
Em busca de um outro
Brasil
Entre 1803 e 1815, o sistema internacional europeu foi desestabilizado
por um conjunto de conflitos que ficou conhecido como “guerras
napoleônicas”. Em síntese, eram as disputas travadas entre França e
Inglaterra pelo status quo de potência mundial.
Portugal, então potência decadente, era aliado e dependente dos
ingleses, o que o colocou na alça de mira da expansão francesa.
Em 1808, o exército francês invadiu o território português, levando a
monarquia portuguesa a colocar em prática o antigo projeto de deslocar
a sede do Império para sua colônia americana. O fato modificou
radicalmente as relações entre as elites coloniais e as elites
portuguesas, desequilibrando o equilíbrio de forças que existia até
então.
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Embarque da família real portuguesa no cais de Belém.
A presença da corte estimulou o desenvolvimento das principais
cidades brasileiras, movimentou a cena artística e intelectual.
Comentário
Interessa-nos entender como essa nova situação ensejou a produção de
uma historiografia que foi se deslocando da perspectiva oficial de elogio
à colonização portuguesa para ler o passado colonial brasileiro à luz do
projeto independentista.
Como demonstra Valdei Araujo (2008), nesse período, à luz dos conflitos
de interesses entre as elites luso-brasileiros, desenvolveram-se
historicidades até então inéditas que prepararam semanticamente o
caminho da independência do Brasil.
A historiogra�a joanina
A historiadora Flávia Varella afirma que um dos primeiros efeitos da
chegada da corte portuguesa ao Brasil foi a intensificação das relações
entre a colônia e a Inglaterra. Era algo de se esperar, pois as próprias
relações entre Portugal e Inglaterra, já bastante estreitas desde o final
do século XVIII, aprofundaram-se ainda mais na conjuntura das guerras
napoleônicas.
A bibliografia especializada já demonstrou como os laços econômicos e
políticos entre os dois países eram fortes nesse período, com clara
situação de assimetria em favor dos ingleses.
Foi um momento em que Portugal perdeu grande parte
do controle que exercia sobre sua colônia desde o
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século XVI, o que aumentou o fluxo de estrangeiros
que exploraram econômica e intelectualmente o
território colonial português.
Surgiram diversos textos escritos por estrangeiros que abordaram
história do Brasil fora da perspectiva metropolitana, dominante até
então. Essa “historiografia joanina”, portanto, foi marcada pelo
cosmopolitismo.
O primeiro texto que chama atenção foi History of Brasil, escrita pelo
médico inglês Andrew Grant e publicada em 1809. O texto de Grant
ganhou tradução francesa, publicada em São Petersburgo em 1811, e
ainda teve edição alemã, publicada em 1814. Quem seria o público leitor
da obra de Grant?
O publicado imaginado da History,
de Grant, é explicitamente
delimitado logo na dedicatória de
sua obra, onde a oferta aos
comerciantes da Grã-Bretanha com
negócios no Brasil. Essa obra foi
escrita tendo como horizonte o
leitor em geral e, mais
especificamente, as pessoas
envolvidas nas atividades
comerciais especulativas.
(VARELLA, 2018, p. 11)
O texto de Grant não repercutiu bem entre a intelectualidade luso-
brasileira. Vários autores resenharam o livro, como Manuel Arruda da
Câmara, que denunciou os “erros grosseiros do viajante moderno”.
Segundo Flávia Varella, as contundentes críticas luso-brasileiras ao
trabalho de Grant faziam parte de disputas políticas pelo controle do
passado colonial. Ao tentar desqualificar as interpretações estrangeiras,
a intelectualidade luso-brasileira pretendia continuar a controlar o que se
podia dizer sobre a colônia, sobre seu presente e sobre seu passado.
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Andrew Grant.
A History of Brazil, de Grant, está organizada em 12capítulos,
organizados cronologicamente, abordando o período que vai do
descobrimento até a chegada da corte. O término da abordagem em
1808 se tornou uma característica dessa historiografia joanina. O evento
era considerado algo promissor para o futuro do Brasil, que começava a
se ver livre das imposições coloniais portuguesas.
É nesse sentido que essa historiografia já produzia o
que podemos chamar de uma semântica da
independência.
Certamente, o mais notório texto da historiografia joanina é o History of
Brazil, do também britânico Robert Southey. O livro foi organizado em
três volumes publicados em 1810, 1817 e 1819, em Londres. O recorte
cronológico também está situado entre o descobrimento e a
transferência da corte.
Robert Southey.
Talvez por ter tido o último volume publicado em um momento
adiantado do período joanino, quando as disputas no seio das elites
luso-brasileiras já estavam bastante acirradas, o texto de Southey foi
mais impactante que o de Grant. Para muitos estudiosos, a história
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escrita por Southey é a primeira manifestação de uma narrativa
historiográfica que apresenta o Brasil como realidade distinta de
Portugal.
É como se a colônia estivesse naquele momento ganhando identidade
histórica própria, o que seria fundamental para a elaboração da
semântica da independência.
Curiosidade
O trabalho teve como base os materiais reunidos pelo reverendo Herbert
Hill, tio de Southey, que morou em Portugal durante muitos anos,
reunindo preciosas fontes para a escrita da história do império colonial
português.
Trata-se de um tipo de arquivo que não estava sob controle da
autoridade régias, bem diferente do que aconteceu com as fontes
mobilizadas por Sebastião da Rocha Pitta. Southey não estava
subordinado à Real Academia Portuguesa de História. É nesse sentido
que sua historiografia é diferente daquela produzida ao longo do século
XVIII.
Apesar de ter sido formalizada em setembro de 1822, a
independência do Brasil se deu em um longo processo
que começou nas revoltas independentistas ainda na
segunda metade do século XVIII e terminou na década
de 1830, quando as possibilidades de restauração da
autoridade colonial portuguesa foram finalmente
derrotadas.
Entre os anos 1820 e 1830, com o Brasil já independente, desenvolveu-
se uma historiografia que preparou os caminhos para a retórica
nacionalista que seria monopolizada pelo IHGB depois de 1838.
José Bonifácio e a
regeneração da grandeza
luso-brasileira
José Bonifácio de Andrada e Silva foi uma das principais lideranças
políticas e intelectuais em atuação no contexto da independência do
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Brasil.
Atenção!
Quando estudamos história da historiografia é importante destacar que
a leitura que fazemos do passado é sempre politicamente orientada, e
isso fica muito claro quando nos debruçamos sobre a atuação de
Bonifácio nos anos que marcaram o acirramento das tensões entre
Brasil e Portugal.
Representando certa fração das elites brasileiras, aquela localizada ao
sul do território (Rio de Janeiro, São Paulo e Mingas Gerais), Bonifácio
combinou as articulações políticas que levaram ao rompimento com as
cortes de Lisboa com textos sobre a história de Portugal.
Segundo Valdei Araujo, a imagem da decadência foi constantemente
evocada nos escritos historiográficos de Bonifácio, pois era estratégica
para reivindicar mudanças na organização administrativa do império
português. Como analisaremos a seguir:

No primeiro momento, a
proposta era a do
império dual, com
igualdade de condições
entre Brasil e Portugal.

No segundo momento,
quando ficou claro que
as cortes não estavam
dispostas a negociar, a
agenda evoluiu para a
ruptura formal.
Como vimos, em ambos os casos, a imagem da decadência foi
importante para outra imagem, a da regeneração.
Bonifácio escolheu o critério do desenvolvimento das letras para avaliar
a decadência de Portugal. A escolha do critério não estava isenta de
interesses imediatos.

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Seria equivocado, porém, acreditar que a “regeneração” idealizada por
Bonifácio pressupunha ruptura com a tradução. O próprio autor deixa
clara a “orientação conservadora” com a qual se relaciona com essa
aceleração das transformações no mundo moderno.
Se era evidente para Bonifácio a decadência portuguesa, a restauração
passava pela mudança, o que envolvia transformações na posição do
Brasil dentro do Império português, mas jamais pela ruptura com o
legado lusitano. Mesmo quando ficou evidente que a situação do Brasil
seria a da nação independente, Bonifácio defendeu o jovem país como
herdeiro da “civilização europeia” na América, argumento que mais tarde
seria retomado pelo IHGB.
Visconde de Cairu e a
consciência historiográ�ca
no Brasil
Tal como José Bonifácio, José da Silva Lisboa, o primeiro Visconde de
Cairu, foi importante líder político brasileiro no contexto da
independência, tendo se destacado, também, como homem das letras. É
autor de vasta obra, que envolvia poesia, crônica política e historiografia,
que é o que nos interessa.
Ao longo da década de 1820, Cairu publicou diversos volumes da sua
História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil. Segundo
Valdei Araujo, o texto de Cairu é marcado pelo engajamento a favor da
independência do Brasil, o que prejudicou sua recepção ao longo do
século XIX.
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José da Silva Lisboa (1756-1835 ).
Nos quadros do IHGB, Varnhagen, por exemplo, acreditava que a
historiografia de Cairu tinha valor menor, na medida em que estava
muito imersa nos eventos que narrava, sendo partidária da
independência. A crítica de Varnhagen teve vida longa e chegou ao
século XX, quando José Honório Rodrigues, evocando argumentos
semelhantes, colocou Cairu em um patamar inferior entre os
historiadores brasileiros.
Não se pode apenas dizer que juízos como os
de Varnhagen ou José Honório Rodrigues
sejam injustos ou incorretos. Do ponto de
vista de uma história da formação mítica da
historiografia moderna no Brasil eles se
justificam, pois de fato o modelo
historiográfico que se hegemonizou em torno
do IHGB não poderia reconhecer na complexa
e ambivalente historiografia de Cairu suas
origens. O problema desses juízos é a
tendência a naturalizar um modelo
historiográfico como o único possível, fruto
de uma evolução necessária da ciência
histórica, negando mesmo o título de
historiografia a tudo aquilo que escape ao
cânone.
(ARAUJO, 2010, p. 3)
Valdei Araujo está nos alertando para algo sobre o qual já estamos
atentos desde o início dos nossos estudos: a necessidade de ler os
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textos em sua historicidade própria, não naturalizando as apropriações
futuras. Portanto, “devemos reler nossa historiografia não como quem
busca a justificação para nossa própria ciência, mas procurando
reconstruir os contextos específicos nos quais ela fazia sentido e atuava
como força histórica” (ARAUJO, 2010, p. 3).
A partir dessa perspectiva, o texto de Cairu ganha bastante relevância,
pois nos permite ter acesso à atmosfera de historicidade dentro da qual
se deu a independência do Brasil.
Comentário
Pouco importa, então, a verdade factual daquilo que estava sendo
narrado por Cairu. Importante é entender como ele modulou os eventos
da independência em um relato históricoque já era atravessado pela
ideia de identidade nacional.
Nas palavras do próprio Visconde de Cairu: “a história do Brasil é menos
bela que a da mãe pátria, e menos esplêndida que a dos portugueses na
Ásia; mas não é menos importante que a de qualquer delas...
Descoberto o Brasil por acaso, e por longo tempo deixado ao acaso, foi
pela indústria dos indivíduos, e pela operação das comuns leis da
Natureza e da Sociedade que se levantou e floresceu esse império, tão
extenso como é, e tão poderoso como algum dia virá a ser” (CAIRU,
1826, p. 1).
Como podemos perceber, Cairu já trata a história do
Brasil como independente da história de Portugal e da
história da colonização portuguesa na Ásia.
A colonização na América teria tido percurso histórico específico que na
altura em Cairu escreveu apontava para o futuro do império livre e
soberano.
O ano era 1826 e mesmo que formalmente o Brasil já fosse
independente, o país era governado pelo príncipe português, herdeiro do
trono de Portugal, o que colocava a recolonização como possibilidade. A
história escrita pelo Visconde de Cairu reagiu a essa possibilidade, por
meio de uma historicidade atravessada pela ideia da independência.
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O primeiro Imperador do Brasil, Pedro I (1798-1834).
A ruptura com Portugal devia ser feita no presente e garantida para o
futuro, o que não significava negar que a ex-metrópole era a “mãe
pátria”. Para esses homens que fundaram o Estado nacional brasileiro, a
independência interessava tanto quando o legado “civilizatório” europeu.
Vamos praticar?
Antes de praticar, o professor Rodrigo Perez apresenta algumas visões
sobre importantes acontecimentos rumo ao século XIX.
Rumo ao século XIX
Vamos ouvir um breve resumo sobre o que discutimos até agora.


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Atividade discursiva
Durante o período Joanino (1808-1820), foi marcante o interesse de
intelectuais estrangeiros, sobretudo ingleses, sobre a história do Brasil.
Discuta essa afirmação.
Digite sua resposta aqui
Chave de resposta
O período joanino foi caracterizado não apenas pela abertura
comercial e política da América Portuguesa a outras influências
europeias para além de Portugal, mas, também, pelo
cosmopolitismo intelectual. Isso explica a variada historiografia
estrangeira sobre o Brasil que foi produzida na época.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Ainda na primeira década do século XIX, é possível perceber o
surgimento de novas formas de narrar a história do passado
colonial brasileiro, bem diferentes daquelas disponíveis até então.
Assinale, entre as alternativas a seguir, aquela que melhor define
essa afirmação.
A
A invasão da França por Portugal fez com o que os
portugueses recuperassem a antiga hegemonia na
Europa, o que levou os historiadores luso-brasileiros
a narrarem o passado colonial em perspectiva épica
e heroica.
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Parabéns! A alternativa D está correta.
A transferência da corte portuguesa para a América tensionou as
relações entre as elites luso-brasileiras, colocando a emancipação
política no horizonte da historiografia.
Questão 2
Uma das principais características da historiografia joanina é
localizar na chegada da corte portuguesa à América, em 1808, o fim
do período histórico a ser examinado. Assinale entre as alternativas
a seguir, aquela que melhor explica a escolha.
B
A invasão da Inglaterra por Portugal rompeu as
relações de colaboração intelectual entre
historiadores brasileiros e ingleses, o que levou à
produção de uma historiografia com fundamentos
científicos, bem diferente da perspectiva religiosa
que caracterizada a historiografia inglesa.
C
A invasão de Portugal pela Inglaterra rompeu o
intercâmbio entre historiadores ingleses e luso-
brasileiros, o que significou a emancipação
intelectual da historiografia brasileira, que passou a
se pensar em seus próprios termos.
D
A invasão de Portugal pela França alterou o
equilíbrio de forças entre as elites coloniais e as
metropolitanas, o que acabou produzindo uma
sensibilidade histórica comprometida com a agenda
política da emancipação.
E
As guerras napoleônicas restabeleceram o antigo
prestígio de Portugal na Europa o que mudou tom
melancólico através do qual o passado colonial
brasileiro vinha sendo narrado, substituindo-o por
uma abordagem épica e heroica.
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Parabéns! A alternativa B está correta.
Para a historiografia joanina, a chegada da corte, em 1808,
significava a abertura de um futuro de liberdades para a colônia.
Considerações �nais
Neste conteúdo, estudamos as diversas modalidades de escrita da
história que surgiram no Brasil quando ainda nem era possível falar na
A O ano de 1808 é importante para essa historiografia,
pois foi nesse período que foi abolida a escravidão,
algo considerado um marco para o ingresso do
Brasil no mundo dito “civilizado”.
B
O ano de 1808 é importante para essa historiografia,
pois foi nesse período que os vínculos coloniais
com Portugal se afrouxaram, o que foi considerado
como sinal de mais liberdade.
C
O ano de 1808 é importante para essa historiografia,
pois foi nesse período que acabou a Guerra do
Paraguai, considerada um marco para a afirmação
da hegemonia brasileira na América Latina.
D
O ano de 1808 é importante para essa historiografia,
pois foi nesse período em que foi proclamada a
República, algo considerado um marco para o
ingresso do Brasil na modernidade política.
E
O ano de 1808 é importante para essa historiografia,
pois foi nesse momento que o pacto colonial foi
restabelecido, com o fortalecimento da autoridade
portuguesa e o fim das aspirações independentistas
das elites coloniais.
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existência do Brasil como país independente.
Vimos como esses textos foram reunidos no século XIX, sob a
coordenação institucional do IHGB, e convertidos em fontes primárias
para a escrita de uma história nacional. Isso nos coloca diante do
desafio de não confundir o enquadramento semântico feito pela retórica
nacionalista do IHGB com o sentido original dos textos.
Temos aqui uma das principais preocupações dos estudos
especializados na história da historiografia: entender como passado
sempre é usado pelo presente. Nesse sentido, a história, entendida
como prática intelectual de produção de sentido para as experiências
passadas, traduz os interesses do tempo que é o seu. Esse tempo é o
presente no qual ela é escrita.
Podcast
Neste podcast, você conhecerá os principais aspectos sobre a
historiografia e narrativas coloniais.

Explore +
Sobre experiências de colonização da América Portuguesa, assista ao
filme Desmundo, com direção de Alain Fresnot, 2003.
Sobre as missões jesuíticas e catequização assista ao filme A Missão,
com direção de Roland Joffé, 1986.
Sobre a historiografia das narrativas coloniais assista à série
documental Intérpretes do Brasil, produzida pelo canal Curta!, 2013.
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Referências
ARAUJO, V. L. A experiência do tempo: