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22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 1/61 Narrativas coloniais na América Portuguesa Prof. Rodrigo Perez Descrição A historiografia brasileira tem um fundamento em diálogo com seu passado colonial e isso marca a sua cosmovisão. Propósito Reconhecer os valores atribuídos ao diálogo entre as historiografias portuguesa e brasileira e sua organização colonial. Objetivos Módulo 1 Relatos de conquistadores e colonizadores Identificar os relatos de descobrimento como os primeiros indícios de uma historiografia nacional. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 2/61 Módulo 2 As histórias dos Brasis entre os séculos XVII e XVIII Reconhecer os papéis dos relatos de padres e missionários na construção de um projeto historiográfico. Módulo 3 Historicidades insubmissas no contexto da independência do Brasil Reconhecer a construção de um projeto histórico de nação no século XIX. Introdução Geralmente, os exames dedicados à historiografia brasileira localizam na fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838, o início dos estudos históricos nacionais. A premissa não está equivocada, pois o critério adotado é o da existência do Brasil como Estado-nação independente, o que nos remete a setembro de 1822, momento de separação institucional formal com Portugal. Entretanto, se adotarmos o critério da produção de historicidades variadas, podemos dizer que existem estudos históricos no Brasil desde o século XVI, antes mesmo de o Brasil existir tal como conhecemos. É exatamente esse o critério que adotamos neste conteúdo. Estamos interessados em entender o processo de 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 3/61 produção e circulação das mais diversas narrativas, que durante o período colonial elaboraram sentidos históricos variados na, e para, a América Portuguesa. Essas práticas letradas produziram um imaginário para essa região que chegou aos séculos posteriores, contribuindo para aquilo que mais tarde ficaria conhecido como “história do Brasil”. Nosso conteúdo está dividido em três partes. Primeiro, analisaremos as narrativas escritas pelos conquistadores nas décadas que marcaram o descobrimento e a estruturação da colonização, entre fins do século XV e início do século XVI. O propósito aqui é examinar as narrativas que delinearam um lugar para a América Portuguesa no imaginário europeu nos primeiros momentos da modernidade. Em seguida, estudaremos as diversas modalidades de práticas letradas, que durante o período colonial produziram, de alguma forma, sentidos históricos diversos que orientavam homens e mulheres que viviam na América Portuguesa entre os séculos XVII e XVIII. Por último, examinaremos as narrativas insubmissas, que no início do século XIX defendiam a ruptura com Portugal, preparando o caminho semântico para a independência que, como sabemos, seria consumada em setembro de 1822. 1 - Relatos de conquistadores e colonizadores Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os relatos de descobrimento como os primeiros indícios de uma historiogra�a nacional. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 4/61 A América Portuguesa no imaginário europeu moderno (XV-XVI) Segundo Rodrigues (1979), a historiografia da conquista é formada por um conjunto textual de extrema variedade, que envolve: Na década de 1970, José Honório Rodrigues se notabilizou por sistematizar a história da historiografia brasileira, ou seja, o estudo dos esforços que desde o século XVI produziram histórias diversas para o Brasil. Historiogra�a das invasões Está concentrada nos relatos resultantes da experiência francesa de colonização do rio de janeiro. Crônica geral colonial Tem como pilares Pero de Magalhães Gândavo e Gabriel Soares de Sousa. Historiogra�a religiosa Produzida pelas diversas ordens religiosas em atuação no Brasil ao longo do século XVI. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 5/61 O autor agrupa os relatos produzidos no século XVI em três grandes grupos, indo desde os textos produzidos pelos “invasores”, passando pelas crônicas coloniais produzidas por Gândavo e Soares de Sousa e chegando aos textos escritos pelos religiosos, sobretudo jesuítas. José Honório Rodrigues (1913-1987). Segundo a historiadora Andrea Daher (2014), a classificação proposta por José Honório Rodrigues precisa ser tratada com ressalvas, na medida em que naturaliza a genealogia nacional e dá aos textos quinhentistas uma lógica nacionalista estranha a eles. Ou seja, no século XVI ainda não existia a ideia de Brasil como Estado-nação independente, que começaria a se afirmar apenas no século XIX. Assim, a classificação de Honório Rodrigues precisa ser tratada com cautela, para que sejamos capazes de compreender o real funcionamento dos textos quinhentistas, seus valores e as funções que desempenhavam na sociedade colonial ainda em formação. Começaremos pelos relatos da conquista. Os relatos da conquista A expansão marítima e comercial da Europa ocidental entre fins do século XV e meados do século XVI foi um dos eventos mais impactantes da história humana. Sociedades que até então não se conheciam se encontraram, estabelecendo entre si relações de poder, violência, dominação política e econômica, mas também de trocas culturais. Re�exão 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 6/61 Por mais que o sistema internacional moderno, forjado pela expansão marítima, tenha se caracterizado pela assimetria e pela dominação europeia, seria falso acreditar que as sociedades dominadas foram passivas no processo e que a própria cultura europeia ficou indiferente ao contato. Ao longo do século XVI, o imaginário europeu foi bastante impactado pelo descobrimento da América. As “cartas de navegação” escritas por Américo Vespúcio na década de 1490 foram reunidas em um único volume e publicadas em 1516, quando a tecnologia da imprensa começava a se difundir pela Europa. O texto circulou muito e influenciou tratados fundamentais para a história do pensamento político europeu, como: A Utopia de Thomas Morus, publicado em 1519. Os Ensaios de Montaigne, publicados em 1588. Tanto Morus como Montaigne abordaram a América como um lugar selvagem ainda não corrompido pela civilização, imagem que seria consolidada no século XVIII no Contrato Social, de Jean Jacques Rousseau, que definiu o indígena americano como um “bom selvagem”. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 7/61 No que se refere especificamente à América Portuguesa, têm destaque os relatos de viagem de Pero Vaz de Caminha, Hans Staden, Jean de Léry, todos escritos entre o fim do século e XV e o início do século XVI. Esses textos circularam bastante na época em que foram escritos, mas chegaram até nós por causa do trabalho de coletânea feito pelos sócios do IHGB, sobretudo por Francisco Adolfo de Varnhagen, ao longo do século XIX. Peças do acervo do IHGB. Comprometidos com o objetivo político/institucional de produzir uma genealogia para a nação brasileira, os letrados do IHGB transformaram os textos quinhentistas em fontes primárias para a escrita da história da pátria. Nosso objetivo é, tomando consciência dessa memória nacionalista hegemônica, contornar a apropriação do IHGB para encontrar os relatos quinhentistasem sua lógica própria de existência. Segundo Andrea Daher, o primeiro aspecto a ser destacado consiste nos valores envolvidos na produção desses textos. Sob a instituição retórica, nas letras da época moderna, como as jesuíticas, o auctor, por exemplo, é mais um letrado no sentido de um ethos, e não uma psicologia autoral que define o autor como capaz de obra original através de livre-concorrência. A noção de propriedade, aplicada aos textos, que então corriam manuscritos ou se faziam imprimir, é 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 8/61 autoral somente no sentido de atribuição de uma auctoritas, posto que não tinham originalidade, no sentido romântico de uma mercadoria que concorre com outras no mercado de bens culturais. A produção da escrita consistia, consistia, na transformação de matérias partilhadas anônima e coletivamente, reatualizando sempre através da imitação as autoridades antigas. (DAHER, 2012, p. 223) A autora chama atenção para o fato de que no século XVI a produção letrada não era regulada pelas mesmas práticas, nem pelos valores que se consolidariam na modernidade iluminista, depois do século XVIII. Nós, modernos, partimos do princípio de que todo texto é resultado e propriedade da psicologia criativa de um autor, que escreve em função do interesse de ser lido/consumido por um mercado de leitores. Por isso, temos a tendência de considerar o plágio, entendido como apropriação indevida e não referência de propriedade intelectual, como a mais grave violência intelectual. Curiosidade No século XVI, a produção letrada era regida por outras práticas e valores. Os redatores dos textos não se consideravam seus donos, ou seus autores, no sentido moderno do termo. Isso acontecia porque o que era escrito não era tratado como resultado de uma psicologia criativa, mas como uso circunstanciado de tópicas retóricas (lugares- comuns) de propriedade coletiva. Tratava-se da auctoria rectorica, segundo a qual cabe o escritor acionar, com adequação, aquilo que já está estabelecido em uma tradição coletivamente compartilhada. Por isso, não era raro que os produtores desses textos deixassem de assiná-los, o que para nós modernos, em circunstâncias de normalidade intelectual, é algo impensável. Os escritores submetidos à auctoria rectorica não assinavam seus textos, simplesmente, porque não os reconheciam como propriedade individual, visto que a própria concepção moderna de “indivíduo” ainda não estava disponível na época. Pero Vaz de Caminha era um nobre português típico dos anos da expansão marítima. Filho mais novo (e por isso deserdado, segundo a legislação portuguesa) de uma família aristocrática, Caminha viu nas 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 9/61 aventuras no ultramar a chance de se manter no topo da hierarquia social lusitana. Era a tradicional figura do “cavaleiro mercador” da qual tanto falou Victor Magalhães Gondim, historiador especializado na expansão marítima portuguesa. Pero Vaz de Caminha lê a carta que enviará ao rei D. Manuel I. Como aconteceu com a maioria dos “relatos do descobrimento”, a carta de Caminha ficou relativamente esquecida por três séculos, sendo tratada como um diário de viagem, igual a tantos outros que foram produzidos no século XVI. Apenas no século XIX o documento foi monumentalizado pela narrativa historiográfica nacionalista do IHGB, como uma espécie de certidão de nascimento do Brasil, passando a ter lugar de destaque no imaginário nacional. Segundo José Augusto Seabra, a carta de Caminha traduz o imaginário europeu nos primeiros momentos da modernidade, marcado pela incessante busca do “outro”, entendido como experiência inédita. Uma vez que os europeus já conheciam no século XVI a África e a Ásia, o contato com a América representou a alteridade radical que fundou a modernidade e, argumenta Seabra, é exatamente disso que a carta de Caminha trata. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 10/61 Pardos, todos nus sem nenhuma coisa que lhes cobrisse suas vergonhas. Todos rijos. A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Tanta inocência como têm em mostrar o rosto. As mulheres são muito gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas e tão çarradinhas que não limpas que de nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha. Certo era tão bem-feita e tão redonda é sua vergonha que ela não tinha, tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições fizera vergonha, por não ter a sua como a delas. (CAMINHA, apud SEABRA, 1994, p. 68) Em texto cujo objetivo era narrar ao Rei os acontecimentos da viagem, Caminha utilizou os procedimentos discursivos típicos dos diários de navegação para traduzir a experiência da novidade radical. O objetivo não era escrever um texto de teor antropológico, ou contar uma história. O horizonte de conhecimento dos estudos sociais era estranho ao século XVI. Caminha desejava apenas relatar, mas o fez como um homem do seu tempo, a partir das estruturas retóricas e poéticas disponíveis, traduzindo espanto e maravilhamento diante daquilo que acreditava ser algo sem precedentes. A descrição feita dos habitantes nativos é emblemática disso. Caminha deixa claro que a diferença abissal entre o índio e o português não era de ordem biológica, mas cultural. Eram seres humanos pertencentes a outro modo de vida, com outros valores e pudores. O fato de isso ter chamado a atenção do narrador é emblemático do que estava em questão naquela experiência: a “constante busca pelo outro”, como argumentou Seabra. O tom maravilhado como o Caminha o fez foi tomado pela retórica nacionalista do século XIX, especialmente pelo romantismo que 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 11/61 idealizou o índio como “bom selvagem”, como observaremos no exemplo a seguir: Mapa Terra Brasilis feito no ano de 1519, mostra a costa do Brasil e parte do Atlântico central, desde as duas largas aberturas do Amazonas até o Prata e parte da costa que se lhe segue ao sul. Como vimos, isso deixa claro como os textos sobrevivem ao seu momento original de enunciação, sendo objeto diversas apropriações. Tal como Pero Vaz de Caminha, o navegador alemão Hans Staden também viveu a experiência da expansão marítima europeia e do contato com a América. Porém, diferentemente do navegador português, Staden não estava a serviço de nenhum Estado europeu. Era um mercenário, aventureiro que prestava serviços a quem pagasse. Hans Staden (1525-1576). Ao longo do século XVI, Hans Staden esteve por duas vezes na América Portuguesa, participando de batalhas contra invasores franceses e seus aliados indígenas, chegando a ficar por nove meses como refém dos Tupinambás. As experiências foram contatas no livro Duas viagens ao Brasil, no qual Staden promete contar a “verdadeira história de uma terra de selvagens nus e cruéis, comedores de seres humanos”. O texto foi publicado em 1557 e se tornou uma espécie de best-seller na época, colaborando para a formação do imaginário europeu sobre a América. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 12/61 Como argumenta Melissa Boechat, tentar buscar as fronteiras entre verdade e invenção na narrativa de Staden seria duplamente equivocado: Porque a busca não é possível de ser concretizada. Porque o valor do texto de Staden está na forma como pinta imagens da América, acionando estruturas do vocabulário europeu da época e determinadastradições de pensamento. A experiência dos viajantes europeus gerou frutos literários recebidos com ansiedade pelo público europeu, sedento de novidades e em conflito interno por atravessar uma fase de transição entre modelos históricos e religiosos diversos, saindo da Idade Média e enfrentando o desconhecido trazido pelas mudanças na nova ordem geográfica mundial. O livro escrito por Staden trazia ainda uma novidade, como veremos a seguir: Execução de um prisioneiro que está preso à Mussurana. As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 13/61 O uso de imagens, desenhos produzidos por um artista desconhecido representavam os rituais antropofágicos praticados pelos indígenas americanos. As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil, sempre significadas pelo texto de Staden, são extremamente representativas para a criação do imaginário europeu do século XVI sobre o Brasil. Dois Chefes Tupinambás com os Corpos Adornados por Plumas. As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil Não apenas o continente tinha ali sua invenção geográfica e política; ao surgir aos olhos do mundo como o local da diferença, o continente recém-descoberto (ou inventado) auxiliou o europeu na tarefa de inventar e consolidar sua própria identidade, sua própria concepção de uma sociedade evoluída e organizada. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 14/61 Xilogravura dos índios Tupinambás em festa canibal. As xilogravuras de Duas viagens ao Brasil Assim, as imagens se constituem em elemento verificador e comprobatório da história de Staden, passando seu relato a ser o amálgama do pensamento europeu sobre o novo continente e sobre si mesmo, diante de tão irrefutáveis provas do que o autor vivencia e do que narra. São como o martelo que termina por cravar na tábua da mentalidade europeia a visão do colonizador sobre os habitantes do Novo Mundo. Também é preciso citar o trabalho de Jean de Léry. Lery era um pastor protestante francês que chegou à América Portuguesa na década de 1550, quando as tropas francesas comandadas por Villegagnon dominavam a Baia de Guanabara. Embora inicialmente aceitasse os protestantes, Villegagnon os expulsou em 1558 e Jean de Léry, junto com outros pastores, foi acolhido pelos Tupinambás, vivendo por dois meses com os indígenas. De volta à França, Léry escreveu um livro contando suas experiências na América. História de uma viagem à terra do Brasil foi publicado em 1578 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 15/61 e tal como tudo o que se relacionava à América, chamou bastante a atenção do público europeu. Se Caminha era um navegador a serviço do Rei de Portugal e Hans Staden era um aventureiro mercenário, Léry era um religioso protestante. Portanto, o texto de Léry precisa ser lido a partir do interesse do autor em tomar parte das guerras civis religiosas que estavam acontecendo na Europa durante o século XVI. Como os outros relatos quinhentistas, o texto de Léry estava marcado pela evocação do signo do inédito. Ou seja, o autor afirma narrar um conjunto de experiências sem precedentes na história humana. Família de índios do Brasil ilustrado no livro História de uma viagem à terra do Brasil. Segundo Dominique-Antoine Grisoni, em prefácio a uma edição do Livro de Léry publicado em 1994: A leitura de Léry me ajuda a escapar de meu século, a retomar contato 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 16/61 com o que eu chamaria de “sobrerrealidade”, não aquela de que falam os surrealistas, mas uma realidade ainda mais real do que aquela que testemunhei. Léry viu coisas que não têm preço, porque era a primeira vez que eram vistas e porque foi há quatrocentos anos. (GRISONI, 1994, p. 32) A Europa que adentrava a modernidade e vivia o espetáculo sangrento das guerras civis religiosas recebeu o texto de Léry como a representação das origens da humanidade, do “tempo dos começos”. Era como se o passado pudesse existir em sincronicidade com o presente, em um território isolado daquilo que era considerado a “civilização”. Porém, as intenções de Léry eram outras, como bem demonstra o historiador Frank Lenstringant. Na verdade, Léry, à diferença de Montaigne, não tinha a impressão de descobrir um mundo na infância, “ainda nu no seio da mãe nutriz” (MONTAIGNE, 1965: 908). Seu Brasil é um mundo já velho; a humanidade que nele habita pertence indubitavelmente à “raça corrompida de Adão”. A maldição que sobre ela pesa só será afastada com a condição de uma conversão, bastante improvável, ao cristianismo. (LENSTRINGANT, 2000, p. 82-83) Ao narrar os costumes indígenas, Léry pretendia representar a corrupção da humanidade, algo que somente poderia ser remediado pela conversão ao cristianismo protestante. Como podemos perceber, na cena da produção do texto, a ideia de nacionalidade brasileira, obviamente, não estava disponível. A produção, a circulação e o consumo do texto atendiam à outra lógica: as disputas religiosas do século XVI. Curiosidade Dentro do conjunto de texto que estamos chamando aqui de “relatos quinhentistas”, é possível encontrar, também, tratados propriamente historiográficas que não tinha o objetivo de relatar experiências de viagem e de contato com os indígenas, mas produzir histórias e historicidades para o “Brasil”, na época colônia de Portugal. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 17/61 Representações historiográ�cas no início da colonização Sobre os tratados propriamente historiográficos escritos ao longo do século XVI, podemos citar: História da província de Santa Cruz que vulgarmente chamamos de Brasil De Pero de Magalhães Gândavo, publicado em 1523. Tratado descriptivo do Brasil De Gabriel Soares de Sousa, publicado em 1587. O livro de Gândavo foi o primeiro texto sobre a colonização portuguesa na América a ser escrito em língua portuguesa. O próprio autor tinha 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 18/61 consciência do ineditismo de seu empreendimento: “a causa principal que me obrigou a lançar mão da presente história e sair com ela à luz foi por não haver até agora pessoa que a empreendesse já setenta anos que esta província é descoberta” (GÂNDAVO, 1826, p. 12). Comentário O texto de Gândavo propõe, então, a escrita de uma “história” para o “Brasil”. Contudo, precisamos ter o cuidado para não tratar os termos “história” e “Brasil” em seus sentidos modernos, que eram estranhos a Gândavo. O autor inicia o texto com versos de Luís de Camões, poeta português que no século XVI era a grande referência literária de Portugal, alegorizando em versos o empreendimento lusitano na expansão marítima. O livro é dedicado a D. Leonis Pereira, fidalgo português que governou a colônia asiática de Malaca. O texto de Gândavo não conta a história do Brasil entendida como o desenvolvimento cronológica de formação de uma nação independente. Trata-se de uma apologia à colonização portuguesa, que estaria sendo levada a cabo por homens instruídos nas letras e nas armas. Nas palavras do autor: A qual história, creio que mais esteve sepultada em tanto silêncio, pelo pouco caso que os portugueses fizeram sempre da mesma província, que por faltarem na terra pessoas de engenho e curiosidade, que por melhor estilo e mais copiosamente que eu, a escrevessem. (GÂNDAVO, 1826, p. 15) Apesar do tom, em geral, elogioso, Gândavo também criticou a colonizaçãoportuguesa na América: 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 19/61 Primeiro, pelo “pouco caso” com o que tratou a colônia. Depois, pela falta de interesse lhe contar a história, tarefa que havia sido feita apenas por estrangeiros. Segundo a historiadora Andrea Daher, dois aspectos sustentam a argumentação de Gândavo em defesa da escrita de uma “história do Brasil” no século XVI, como veremos a seguir: Primeiro aspecto Consistiria na necessidade de despertar a curiosidade dos portugueses sobre sua colônia americana, o que sugere que o destinatário do texto idealizado por Gândavo não era o “europeu” em sentido amplo, mas sim os portugueses, em sentido estrito. A expectativa do autor era de que seu texto pudesse colaborar para a intensificação da ação colonial portuguesa nos trópicos americanos. Segundo aspecto Consistiria em “eternizar pela memória” o “estado primitivo” do Brasil, para depois que a colonização cumprisse seu papel civilizatório, uma “futura história” pudesse ser escrita em função da analogia, ou seja, da comparação entre um “antes” e um “depois”, capaz de trazer à luz as “boas ações” dos colonizadores. Por isso, o indígena representado por Gândavo, nas palavras de Daher: “é de uma desordem monstruosa, na perspectiva da desproporção e da dessemelhança, o que constitui praticamente uma impossibilidade de definição da barbárie, como se pode constatar na sua descrição das diferentes tribos que viviam ao longo da costa. Gândavo descreve o gentio do Brasil como gente ingrata, desumana e cruel, vingativa, preguiçosa, não tendo outro pensamento senão o de comer, beber e matar, desonestos, dados à sensualize, viciosos e inconstantes” (DAHER, 2014, p. 395-396). 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 20/61 Re�exão Nosso interesse não é especular se a descrição de Gândavo é verdadeira ou não. Mais importante é entender como o autor colaborou para construir certo imaginário a respeito dos indígenas que sobrevive até os nossos dias, e como o seu texto tinha a função primordial de propagandear a colonização portuguesa. Por isso, na pena de Gândavo, o indígena, em “estado bruto”, ou seja, anterior à ação colonial, precisava ser selvagem e bárbaro, para que depois fosse representado como dócil e civilizado. Gabriel Soares de Souza foi um colono e agricultor português que se estabeleceu na Bahia na década de 1560, onde prosperou e fez família. Chegou a ser vereador na Câmara de Salvador e fez da produção letrada uma de suas atividades fundamentais. O Tratado descriptivo do Brasil foi publicado no final da década de 1580 e durante muito tempo circulou de forma anônima, tendo sido reunido, copilado e identificado pelos historiadores que no século XIX se dedicaram à escrita da história do Brasil. Francisco Adolfo de Varnhagen foi o responsável por reunir os textos em volume único, publicado em 1851. Como demonstra Temístocles Cezar, o texto de Gabriel Soares de Souza foi transformado em uma das principais fontes da historiografia nacionalista produzida no século XIX, sendo amplamente citado por autores como Robert Southey, Von Martius e Ferdinand Denis, todos destacando a quantidade e a precisão das informações apresentadas no Tratado descriptivo do Brasil. O tratado escrito por Gabriel Soares de Sousa talvez seja a mais completa descrição da geografia, da fauna e da flora brasileira produzida no século XVI. Não se trata daquilo que hoje consideraríamos um texto historiográfico, produzido de acordo com os protocolos de pesquisa que se afirmariam como constitutivos da ciência histórica apenas no século XIX. Dedicado à Bahia, o autor produziu uma verdadeira cartografia da realidade natural local. Gabriel Soares de Souza entregou os manuscritos ao Rei Felipe II em 1587, na ambição de obter um prêmio para seus esforços. Não se sabe quando ele iniciou a redação do texto, mas no período em que permaneceu em Madri revisou a versão final que seria entregue ao monarca. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 21/61 A obra publicada por Varnhagen inclui as duas "partes" escritas por Souza, o Roteiro Geral, com largas informações de toda a costa do Brasil, e o Memorial e Declaração das grandezas da Bahia de todos os Santos, de sua fertilidade e das notáveis partes que tem. Veja como as duas partes estão divididas: Primeira parte Apresenta 74 capítulos e faz um apanhado geral do litoral da América do Sul, desde a foz do Rio Amazonas até o Rio da Prata. Segunda parte Apresenta 195 capítulos sobre a Bahia, parte dos quais dedicados ao recôncavo em termos geográficos, com outra parte expressiva dedicada à flora, à fauna e aos grupos nativos. Os textos escritos por religiosos católicos em missão na América Portuguesa do século XVI representam outro corpus importante de documentos para os estudos da história da historiografia brasileira. Os relatos missionários Entre os séculos XVI e XVIII, a Companhia de Jesus teve importante atuação no projeto colonial português, principalmente naquilo que se refere à “civilização” dos indígenas, o que na conjuntura das reformas religiosas significava a catequese dos nativos. Operando em um universo discursivo regulado pela cultura retórica, os jesuítas se esforçaram em converter as práticas indígenas em textos, o que deu origem a um importante corpus documental, também transformado em fonte primária pela historiografia nacional que passou a ser produzida no século XIX. Comentário Andrea Daher nos ajuda na reflexão, chamando nossa atenção para como esses relatos missionários foram monumentalizados no século 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 22/61 XIX em função de um projeto de escrita da história cujo objetivo era inventar a identidade nacional brasileira. Mas o que significa monumentalizar um texto? Assim, a partir de um trabalho de monumentalização histórico-literária – em que a definição do gênero como fixação anacrônica de forma narrativa potencializa o caráter documental do texto, erigido em obra atribuída a um autor como individualidade psicológica –, os textos jesuíticos, entre outros do período colonial, passaram a ser disponibilizados, a partir do século XIX, para finalidades literárias e científicas. Nesse sentido, extraídos das contingências históricas da função colonizadora da escrita do século XVI, vários textos atribuídos a Anchieta constituem hoje, anacronicamente, uma “Monumenta Anchietana”, especificados numa “obra poética”, numa “obra teatral” etc., cuja legitimação relaciona-se, antes de tudo, ao processo de beatificação do jesuíta. (DAHER; 2012, p. 227-228) É importante, no entanto, fazer o mesmo exercício que fizemos há pouco com os relatos dos viajantes e os tratados historiográficos: devolvê-los à dinâmica social, política e discursiva do século XVI. Como fica claro nas palavras, os textos dos missionários podem ser divididos em dois grupos, tomando como critério a autoria, o que talvez seja inadequado para o século XVI, mas o adotamos assim mesmo, com a devida cautela, os textos escritos por: 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 23/61 Padre José de Anchieta De Gestis Mendi de Saa, poemas em homenagem a Mem de Sá, publicados em 1563, e A arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil, o primeiro registro dos fundamentos da língua tupi, publicado em Portugal, 1895. Padre António Vieira Os Sermões, publicado em 1679, e o História do Futuro, publicado postumamente, em Paris, em 1718.Vejamos citações dos respectivos missionários a seguir: De acordo com Anchieta (1595): "para a companhia desta província corresponder ao segundo de dar por escrito, o que julgou podia ajudar pera esta língua se saber, já contribui o com este meio, quando na era de 1595 fez imprimir a arte da língua, com a qual seus filhos pudessem aperfeiçoar o que com o uso da comunicação com os índios fossem aprendendo" (ANCHIETA, 1595). 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 24/61 Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil, 1595. A primeira gramática contendo os fundamentos da língua tupi. De acordo com Vieria (1679), as letras dos "chinas e dos japões" impetravam muita dificuldade ao seu estudo, pois são letras hieroglíficas, como a dos egípcios. Outro dado seria que aprender línguas de gente política é estudar por letra e por papel. Para Antônio Vieira seria "arrostar com uma língua bruta e de brutos, sem livro, sem mestre, sem guia no meio daquela escuridade e dissonância haver de cavar os primeiros alicerces e verbo, o advérbio, a proposição, o número, o caso, o tempo, o modo e modos nunca vistos nem imaginados, como o de homens enfim tão diferentes dos outros nas línguas, como nos costumes, não há dúvida que é empresa muita árdua a qualquer entendimento e muito mais árdua à vontade que não estiver muito sacrificada e muito unida com Deus" (VIEIRA, 1679). Como fica claro nas citações, os textos dos missionários jesuítas foram produzidos em função das necessidades práticas da ação catequética, o que envolvia, entre outras coisas, a comunicação com os indígenas. Por isso, os jesuítas foram os responsáveis pela produção de grande parte dos dicionários de idiomas indígenas que chegaram até nós. Afinal, os padres precisavam entender o uso que os nativos faziam da linguagem para disciplinar seu comportamento de acordo com a moral cristã. Na próxima seção, estudaremos os textos que se dedicaram a historicizar a vida na América Portuguesa ao longo dos séculos XVII e XVIII, quando a colonização portuguesa já estava estruturada. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 25/61 Vamos praticar? Antes de praticar, o professor Rodrigo Perez apresenta algumas visões importantes sobre as raízes historiográficas. Raízes historiográ�cas Vamos ouvir um breve resumo sobre o que discutimos até agora. Atividade discursiva Segundo a historiadora Andrea Daher, os relatos quinhentistas foram produzidos a partir de valores distintos daqueles que passariam a orientar a produção letrada depois do século XVIII. À luz desse entendimento escreva sobre a carta de Pero Vaz de Caminha com duas perspectivas de leitura diferentes. Digite sua resposta aqui Chave de resposta 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 26/61 Na análise da autora, a autoria retórica, que regulava a produção letrada no século XVI, não estava baseada nos valores modernos da psicologia autoral criativa, mas nos valores tradicionais das artes retóricas. O texto de Caminha pode ser lido como o testemunho da consciência moderna em seus primeiros momentos de formação, em busca da alteridade radical. Pode também ser lido, a partir das apropriações feitas pela posteridade, sobretudo pelo romantismo nacionalista no século XIX. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 27/61 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 A tipologia historiográfica elaborada por José Honório Rodrigues para os textos quinhentistas precisa ser tratada como bastante cautela, visando evitar equívocos de análise. Assinale a alternativa que melhor define essa cautela. A A cautela consiste em entender a análise de José Honório Rodrigues como representativa da abordagem marxista, que é equivocada para o estudo dos textos quinhentistas. B A cautela consiste em entender a análise de José Honório Rodrigues como representativa da abordagem estruturalista, que é equivocada para o estudo dos textos quinhentistas. C A cautela consiste em entender a análise de José Honório Rodrigues como representativa da genealogia nacional, que é equivocada para o estudo dos textos quinhentistas. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 28/61 Parabéns! A alternativa C está correta. José Honório Rodrigues escreveu a história da historiografia brasileira a partir da premissa da existência do Brasil como Estado- nação independente. Isso projetou para os textos do século XVI uma lógica nacionalista que era estranha a eles. Questão 2 Ao longo do século XIX, os letrados reunidos no IHGB elaboraram determinada chave de leitura para os “relatos quinhentistas”. Assinale entre as alternativas a seguir aquela que melhor define essa chave de leitura. D A cautela consiste em entender a análise de José Honório Rodrigues como representativa da abordagem culturalista, que é equivocada para o estudo dos textos quinhentistas. E A cautela consiste em entender a análise de José Honório Rodrigues como representativa da abordagem linguística, que é equivocada para o estudo dos textos quinhentistas. A A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da história da escravidão africana, escondendo, assim, outras dimensões da história da colonização. B A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da história da escravidão indígena, escondendo, assim, outras dimensões da história da colonização. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 29/61 Parabéns! A alternativa E está correta. O projeto político/institucional de escrita da história nacional colocado em prática pelo IHGB no século XIX condicionou a forma como nos relacionamos com os relatos quinhentistas. 2 - As histórias dos Brasis entre os séculos XVII e XVIII C A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da história da catequese católica, escondendo, assim, outras dimensões da história da colonização. D A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou os relatos quinhentistas em fonte para a escrita da história dos bandeirantes paulistas, escondendo, assim, outras dimensões da história da colonização. E A chave de leitura elaborada pelo IHGB transformou os relatos quinhentistas em fontes primárias para a escrita da história pátria, o que acabou por ocultar a lógica e o sentido que esses textos tinham em sua época de origem. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 30/61 Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer os papéis dos relatos de padres e missionários na construção de um projeto historiográ�co. Século XVII No século XVII, a estrutura da administração colonial portuguesa na América estava completamente estruturada. Os assediadores a serviço das potências europeias rivais já tinham sido expulsos. O litoral estava ocupado e o sertão estava sendo desbravado pelos bandeirantes e padres jesuítas. Já era possível falar em uma “sociedade colonial” relativamente organizada, dotada de capacidade produção intelectual e artística. Do ponto de vista da metrópole portuguesa, a colônia americana era estratégica no sentido da extração de riquezas e de competição na cena do sistema internacional europeu. Na perspectivada sociedade colonial, o território representava o cotidiano, a vida possível. Existiam ali dinâmicas sociais e culturais que combinavam diversas influências na elaboração de práticas de produção de sentido para a realidade. Vista do Rossio (atual Praça Tiradentes) no Rio de Janeiro, no Brasil, com o pelourinho ainda de pé, em 1834. Debruçando-se sobre o assunto, Sérgio Buarque de Holanda falou em uma “era barroca” na América Portuguesa colonial entre os séculos XVI e XVII. Segundo o autor, as principais manifestações do “barroco” nas letras e nas artes coloniais foram: Uma visão desencantada e nutrida de sentimento religioso que se opunha ao humanismo renascentista. Ou seja, nas representações barrocas, a austeridade cristã continua estando no primeiro plano. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 31/61 Foi sob essa atmosfera cultural que Frei Vicente de Salvador e Rocha Pita produziram seus tratados históricos, documentos que passamos a estudar a partir de agora. A História do Brazil, de Frei Vicente de Salvador Frei Vicente foi um padre franciscano nascido em Salvador, Bahia, em 1564. Os detalhes de sua vida não são bem conhecidos, mas sua reputação como homem das letras chegou até nós, sobretudo em virtude dos textos Crônica da custódio do Brasil, de 1622, e História do Brazil. A “história” de Frei Vicente de Salvador possui trajetória acidentada, que vale a pena ser contada. Como demonstra Marcelo Lachar (2019), a obra teria sido composta, aproximadamente, entre 1619 e 1630, mas só foi publicada no fim do século XIX, já sob os valores do nacionalismo historiográfico representado pelo IHGB. O cultismo, marcado pela profusão de imagens religiosas e encenações simbólicas e alegóricas com representações de santos e mártires cristãos. A epopeia sacra como gênero discursivo predominante, fazendo com que as narrativas produtoras de historicidade tendessem a ser organizar no sentido queda-redenção, remetendo à própria trajetória bíblica de Jesus Cristo. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 32/61 Frontispício da primeira edição da História do Brasil, 1889. Em 1839, Varnhagen noticiou a obra em um estudo intitulado Reflexões críticas sobre o escripto do século XVI. Mas apenas em 1857 João Francisco Lisboa enviou a Varnhagen a cópia do capítulo 24, que pertencia ao acervo da Biblioteca das Necessidades de Lisboa. Rapidamente, Varnhagen publicou o texto na revista do IHGB, em 1858. Capistrano de Abreu deu à estampa duas edições parciais da História de Frei Vicente: A primeira no Diário Oficial, começando em 23 de julho de 1886 e indo até 4 de fevereiro de 1887, tendo sido publicados o primeiro, o segundo, o terceiro e parcialmente o quarto livro. A segunda, na qual se editaram os dois primeiros livros, apareceu em 1887. Em 1888, Capistrano publicou a primeira edição integral da obra de Frei Vicente do Salvador, no volume 13 dos Anais da Biblioteca Nacional. A segunda edição completa veio à luz somente em 1918. O texto do Frei Vicente, portanto, é mais um entre tantos exemplos de textos escritos no período colonial que foram reunidos, lidos e apropriados pelo século XIX. Comentário Isso nos coloca, como já sabemos, diante do desafio de ler esses textos em seus próprios termos, não nos deixando levar de forma acrítica pelos sentidos produzidos no século XIX. A “história” de Frei Vicente de Salvador consiste em um valioso relato sobre os primeiros anos da colonização portuguesa na América. Como se tratou de uma escrita produzida quase exclusivamente pelo testemunho ocular do autor, Frei Vicente ficou conhecido como o “pai da historiografia brasileira”, como o “Heródoto brasileiro”. Interessa-nos explorar com mais cuidado o texto historiográfico de Frei Vicente. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 33/61 O que signi�cava escrever história na primeira metade do século XVI? É preciso ter em mente que por “estudo da história” se entendia algo muito diferente daquilo que veio se afirmar na fase disciplinar/científica da historiografia, depois do século XIX. Não se tratava de uma operação científica cujo objetivo era produzir informações e interpretações sobre o passado por meio de pesquisa em arquivos. Curiosidade Era um tipo de relato fundado no princípio da autópsia (testemunho ocular) cujo objetivo era registrar aquilo que fosse considerado digno de ser lembrado, de forma muito semelhante como se fazia no mundo ocidental desde a Antiguidade grega, com Heródoto e Tucídides. Dessa “história” esperava-se que fosse escrita de acordo com os protocolos retóricos, sendo capaz de agradar aos sentidos com um estilo belo e instruir para o futuro, na medida em que produzia exemplos que deveriam servir como modelo para a conduta humana. São essas as funções da “história” tal como foi escrita por Frei Vicente de Salvador. O texto de Frei Vicente começa com a extensa narração dos “principais acontecimentos da América Portuguesa” entre 1500 e 1627. Esse “tratado das coisas do Brasil” se divide em cinco livros: Primeiro O primeiro livro descreve a terra na época do descobrimento. Segundo O segundo abarca por ordem geográfica o período dos donatários. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 34/61 Terceiro Termina com a perda da independência de Portugal, no começo da União Ibérica, em 1580. Quarto Começa com os socorros prestados pelos espanhóis logo depois de Filipe II ter reunido as duas coroas, e termina no governo de D. Diogo de Menezes, que preparou a grande avançada para o Norte. Quinto Começa com o avanço realizado sob Gaspar de Sousa, que por não estar completo, ficou quase todo limitado à guerra holandesa. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 35/61 No primeiro capítulo (Como foy descuberto este estado) do Livro I, Frei Vicente relata que: A terra do Brasil, que está na América, uma das quatro partes do mundo, não se descobriu de propósito, e de principal intento; mas acaso indo Pedro Álvares Cabral, por mandado de el-rei d. Manuel, no ano de 1500 para as Índias, por capitão-mor de 12 naus, afastando-se da costa de Guiné, que já era descoberta ao Oriente, achou estoutra ao Ocidente, da qual não havia notícia alguma, foi costeando alguns dias com tormenta até chegar a um porto seguro, do qual a terra vizinha ficou com o mesmo nome. Ali desembarcou o dito capitão com seus soldados armados, para pelejarem; porque mandou primeiro um batel com alguns a descobrir campo, e deram novas de muitos gentios, que viram; porém não foram necessárias armas, porque só de verem homens vestidos, e calçados, brancos, e com barba / do que tudo eles carecem / os tiveram por divinos, e mais que homens, e assim chamando-lhe Caraíbas, que quer dizer na sua língua coisa divina, se chegaram pacificamente aos nossos. (SALVADOR, 1982, p. 6) Temos aqui a imagem do Brasil sendo descoberto ao acaso, que até hoje se faz presente na memória nacional. Frei Vicente foi responsável por uma série de outros lugares-comuns sobre história do Brasil que 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 36/61 tiveram vida longa, tendo sido reproduzidos no ensino de história escolar. Ainda no livro I, o autor escreve: “Cabral teria dado o nome de Santa Cruz à terra descoberta, a qual foi por esse nome conhecida durante muitos anos. Porem, como o Demonio com o signal da Cruz perdeu todo oDominio, que tinha sobre os homens, receando perder tambem o muito, que tinha em os desta terra, trabalhou, que se esquecesse, o primeiro nome, e lhe ficasse o de Brazil, por cauza de hum pao assi chamado de cor abrazada, e vermelha, com que tingem panos” (SALVADOR, 1982, p. 32). Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500. Quem de nós nunca ouviu na escola que o nome “Brasil” se devia a uma planta da qual se extraía uma tinta vermelha usada para tingir tecidos? Textos como os de Frei Vicente estão entre aqueles responsáveis por construir o imaginário que temos do passado nacional. O mesmo pode ser dito para o tratado escrito por Rocha Pita. A História da América Portugueza de Rocha Pitta Como Frei Vicente, Sebastião da Rocha Pitta também nasceu em Salvador, tendo já em vida sido reconhecido como importante homem das letras na sociedade baiana. O fato de ambos os historiadores terem nascido e produzido em Salvador é uma das consequências do fato de a Bahia, na época, ser sede administração colonial, e território mais urbano e rico da América Portuguesa. Rocha Pitta se formou em Direito na Faculdade de Coimbra e foi membro da Academia Real da História Portuguesa. Seu prestígio intelectual, portanto, ultrapassou as fronteiras coloniais. Tratava-se de 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 37/61 um letrado próximo ao poder metropolitano, o que nos ajuda a entender, em parte, o tipo de historiografia que ele produziu. Sebastião da Rocha Pita (1660-1738). História da America Portugueza, publicada em Lisboa pela Officina de Joseph Antonio da Silva, Em 1730, Rocha Pitta publicou sua “História da América Portugueza”, sendo diretamente comissionado pelo poder régio. Portugal já não tinha a mesma hegemonia de antes na geopolítica europeia e o texto de Rocha Pitta deve ser lido como parte dos esforços diplomáticos de propagandear os feitos coloniais portugueses. Como demonstra o historiador Roger Jesus, a própria Academia Real da História Portuguesa foi fundada, em 1720, com esse propósito: “escrever a história dita secular e eclesiástica do reino2, redigindo Memórias (assim conhecidos os trabalhos da Academia, por pretenderem recolher a memória existente sobre o assunto em questão – reinado, diocese, província etc.) devendo ser escritas a partir de uma base fortemente consolidada na investigação. Assim, a crítica à fonte e aos factos era imprescindível” (JESUS, 2011, p. 141-142). Naqueles anos, estavam surgindo na Europa diversas academias letradas desse tipo, modelo que no século XIX seria transferido para as Américas, já formadas por 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 38/61 nações independentes, inspirando a criação de diversos institutos históricos nacionais, como o IHGB. A historiografia produzida nesses espaços já apresentava as preocupações metodológicas que caracterizariam a ciência histórica, sobretudo no que se refere à exigência da pesquisa em arquivos e a busca pela “verdade” dos eventos passados. No entanto, o recrutamento para integrar os quadros dessas associações não seguia obrigatoriamente os critérios profissionais, mas a lógica das sociabilidades típicas das sociedades de antigo regime. Curiosidade O rei português D. João V era tratado como benemérito, cuja “generosidade ilustrada” viabilizava os esforços institucionais de escrita da história do reino, algo considerado fundamental para fazer parte do mundo considerado “civilizado”. Na colônia, foi criada logo depois, em 1724, uma associação letrada semelhante, que ficou conhecida como “Academia Brasílica dos renascidos”, de que Rocha Pitta também foi integrante. Portanto, o texto historiográfico que começamos a examinar agora foi escrito por um homem da corte, interessado em mostrar para o mundo os feitos civilizatórios que, segundo o discurso oficial, Portugal estava promovendo nos trópicos americanos. Diferente do trabalho do Frei Vicente de Salvador, a História da América Portugueza, de Rocha Pitta, não precisou esperar o IHGB para ser publicada integralmente. Contando com o financiamento e a proteção das autoridades metropolitanas, o trabalho foi publicado assim que concluído, em 1730. Em termos estruturais, a obra encontra-se dividida em dez livros, estando estes divididos em “capítulos” pelos vários parágrafos numerados e identificados à margem (na primeira edição) por um título genérico. A obra segue o padrão de organização sugerido pela Academia Real: A dedicatória ao rei. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 39/61 Enquanto narra fatos da vida política, o autor não esquece as questões religiosas, intercalando a chegada, presença e expansão de diversas ordens religiosas com o governo do clero secular. Da guerra contra os holandeses até à sua época, são narradas as lutas da Restauração, contra os gentios, contra os espanhóis no Rio da Prata, a descoberta e respectiva corrida ao ouro (apresentando uma visão consciente dos seus efeitos sociais), a resistência dos escravos no quilombo dos Palmares, entre outras questões. A história do reino ou até da presença portuguesa na Índia é abordada. A apologia à colonização portuguesa pode ser percebida já nas primeiras páginas do texto. Enquanto narra fatos da vida política, o autor não esquece as questões religiosas, intercalando a chegada, presença e expansão de diversas ordens religiosas com o governo do clero secular. Da guerra O prólogo esclarece quanto à organização dos livros. O primeiro e o segundo livro se concentram na fauna e na flora, descrevendo a estrutura geográfica e natural de cada província do Brasil, do descobrimento do território ao seu povoamento inicial. Do terceiro ao décimo livro encontramos a história do Brasil, organizada cronologicamente, e seguindo quase sempre a administração dos governadores- gerais ou dos vice-reis. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 40/61 contra os holandeses até à sua época, são narradas as lutas da Restauração, contra os gentios, contra os espanhóis no Rio da Prata, a descoberta e respectiva corrida ao ouro (apresentando uma visão consciente dos seus efeitos sociais), a resistência dos escravos no quilombo dos Palmares, entre outras questões. A história do reino ou até da presença portuguesa na Índia é abordada. A apologia à colonização portuguesa pode ser percebida já nas primeiras páginas do texto. (PITTA, 1982, p. 9) O tempo passou e o século XIX começou com mudanças estruturais na dinâmica do império português. A transferência da corte para a América na conjuntura das guerras napoleônicas alterou profundamente a relação entre metrópole e colônia no sentido de fortalecimento das elites coloniais. Um dos efeitos dessas transformações ocorreu nos esforços de escritas da história que começaram a reivindicar a separação formal entre Brasil e Portugal. É isso que estudaremos a seguir. Vamos praticar? Antes de praticar, o professor Rodrigo Perez apresenta algumas visões importantes sobre o ínicio da história do Brasil. E cria-se um Brasil 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 41/61 Vamos ouvir um breve resumo sobre o que discutimos até agora. Atividade discursiva Entre meados do século XVII e início do século XVIII, Sebastião da Rocha Pitta foi um intelectual prestigiado tanto na América Portuguesa como em Portugal. Discuta como essa proximidade com o poder metropolitano nos ajuda a entender o tipo de historiografia que ele produziu. Digite sua resposta aqui Chave deresposta Rocha Pita era membro da Academia Real de História Portuguesa, cuja função era propagandear os feitos coloniais portugueses. A historiografia produzida por Rocha Pitta, portanto, era parte dos investimentos oficiais do poder régio para afirmar o lugar de Portugal como potência ilustrada na Europa. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 42/61 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 43/61 Os tratados históricos escritos pelo Frei Vicente de Salvador e por Rocha Pitta foram produzidos sob uma atmosfera cultural que Sérgio Buarque de Holanda chamou de “Era do Barroco”. Assinale entre as alternativas a seguir, aquela que melhor define essa atmosfera. Parabéns! A alternativa A está correta. O gênero discursivo predominante na cultura barroca é a epopeia cristã, na qual o enredo é organizado no sentido queda-redenção, inspirado na própria trajetória bíblica de Jesus Cristo. Questão 2 A A principal característica da “Era do Barroco” consistia na afirmação dos valores do antropocentrismo renascentistas. B A principal característica da “Era do Barroco” consistia na epopeia cristã como gênero discursivo predominante, organizando a realidade em narrativa que seguia o sentido decadência-redenção. C A principal característica da “Era do Barroco” consistia na afirmação dos valores do socialismo cristão, já hegemônicos na Igreja Católica durante o século XVI. D A principal característica da “Era do Barroco” consistia na afirmação dos valores clássicos, como o politeísmo e o humanismo. E A principal característica da “Era do Barroco” consistia na afirmação dos valores da laicidade republicana, que chegaram na América Portuguesa pela influência das colônias hispânicas. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 44/61 Assinale entre as alternativas a seguir, aquela que melhor define os objetivos do tipo de escrita história desenvolvido por Frei Vicente de Salvador na primeira metade do século XVII. Parabéns! A alternativa A está correta. A História do Brazil, de Frei Vicente do Salvador, foi escrita de acordo com os protocolos historiográficos da Antiguidade, caracterizados pela produção de memória e de bons exemplos. A Os objetivos consistiam em registrar em belo estilo fatos considerados dignos de serem lembrados, legando para a posteridade modelos de boa conduta. B Os objetivos consistiam em construir uma narrativa história que estimulasse o Brasil a se tornar independente de Portugal, fundando uma nova ordem política republicana. C Os objetivos consistiam em construir uma narrativa história que estimulasse o Brasil a ser uma província coroada autônoma de Portugal, mas ainda vinculada simbolicamente ao reino. D Os objetivos consistiam em construir uma narrativa histórica capaz de produzir no Brasil a ideia de identidade nacional, colaborando para a consolidação da independência do país. E Os objetivos consistiam em construir uma narrativa história que estimulasse o Brasil a se tornar independente de Portugal, fundando uma nova ordem política monarquista. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 45/61 3 - Historicidades insubmissas no contexto da independência do Brasil Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a construção de um projeto histórico de nação no século XIX. Em busca de um outro Brasil Entre 1803 e 1815, o sistema internacional europeu foi desestabilizado por um conjunto de conflitos que ficou conhecido como “guerras napoleônicas”. Em síntese, eram as disputas travadas entre França e Inglaterra pelo status quo de potência mundial. Portugal, então potência decadente, era aliado e dependente dos ingleses, o que o colocou na alça de mira da expansão francesa. Em 1808, o exército francês invadiu o território português, levando a monarquia portuguesa a colocar em prática o antigo projeto de deslocar a sede do Império para sua colônia americana. O fato modificou radicalmente as relações entre as elites coloniais e as elites portuguesas, desequilibrando o equilíbrio de forças que existia até então. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 46/61 Embarque da família real portuguesa no cais de Belém. A presença da corte estimulou o desenvolvimento das principais cidades brasileiras, movimentou a cena artística e intelectual. Comentário Interessa-nos entender como essa nova situação ensejou a produção de uma historiografia que foi se deslocando da perspectiva oficial de elogio à colonização portuguesa para ler o passado colonial brasileiro à luz do projeto independentista. Como demonstra Valdei Araujo (2008), nesse período, à luz dos conflitos de interesses entre as elites luso-brasileiros, desenvolveram-se historicidades até então inéditas que prepararam semanticamente o caminho da independência do Brasil. A historiogra�a joanina A historiadora Flávia Varella afirma que um dos primeiros efeitos da chegada da corte portuguesa ao Brasil foi a intensificação das relações entre a colônia e a Inglaterra. Era algo de se esperar, pois as próprias relações entre Portugal e Inglaterra, já bastante estreitas desde o final do século XVIII, aprofundaram-se ainda mais na conjuntura das guerras napoleônicas. A bibliografia especializada já demonstrou como os laços econômicos e políticos entre os dois países eram fortes nesse período, com clara situação de assimetria em favor dos ingleses. Foi um momento em que Portugal perdeu grande parte do controle que exercia sobre sua colônia desde o 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 47/61 século XVI, o que aumentou o fluxo de estrangeiros que exploraram econômica e intelectualmente o território colonial português. Surgiram diversos textos escritos por estrangeiros que abordaram história do Brasil fora da perspectiva metropolitana, dominante até então. Essa “historiografia joanina”, portanto, foi marcada pelo cosmopolitismo. O primeiro texto que chama atenção foi History of Brasil, escrita pelo médico inglês Andrew Grant e publicada em 1809. O texto de Grant ganhou tradução francesa, publicada em São Petersburgo em 1811, e ainda teve edição alemã, publicada em 1814. Quem seria o público leitor da obra de Grant? O publicado imaginado da History, de Grant, é explicitamente delimitado logo na dedicatória de sua obra, onde a oferta aos comerciantes da Grã-Bretanha com negócios no Brasil. Essa obra foi escrita tendo como horizonte o leitor em geral e, mais especificamente, as pessoas envolvidas nas atividades comerciais especulativas. (VARELLA, 2018, p. 11) O texto de Grant não repercutiu bem entre a intelectualidade luso- brasileira. Vários autores resenharam o livro, como Manuel Arruda da Câmara, que denunciou os “erros grosseiros do viajante moderno”. Segundo Flávia Varella, as contundentes críticas luso-brasileiras ao trabalho de Grant faziam parte de disputas políticas pelo controle do passado colonial. Ao tentar desqualificar as interpretações estrangeiras, a intelectualidade luso-brasileira pretendia continuar a controlar o que se podia dizer sobre a colônia, sobre seu presente e sobre seu passado. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 48/61 Andrew Grant. A History of Brazil, de Grant, está organizada em 12capítulos, organizados cronologicamente, abordando o período que vai do descobrimento até a chegada da corte. O término da abordagem em 1808 se tornou uma característica dessa historiografia joanina. O evento era considerado algo promissor para o futuro do Brasil, que começava a se ver livre das imposições coloniais portuguesas. É nesse sentido que essa historiografia já produzia o que podemos chamar de uma semântica da independência. Certamente, o mais notório texto da historiografia joanina é o History of Brazil, do também britânico Robert Southey. O livro foi organizado em três volumes publicados em 1810, 1817 e 1819, em Londres. O recorte cronológico também está situado entre o descobrimento e a transferência da corte. Robert Southey. Talvez por ter tido o último volume publicado em um momento adiantado do período joanino, quando as disputas no seio das elites luso-brasileiras já estavam bastante acirradas, o texto de Southey foi mais impactante que o de Grant. Para muitos estudiosos, a história 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 49/61 escrita por Southey é a primeira manifestação de uma narrativa historiográfica que apresenta o Brasil como realidade distinta de Portugal. É como se a colônia estivesse naquele momento ganhando identidade histórica própria, o que seria fundamental para a elaboração da semântica da independência. Curiosidade O trabalho teve como base os materiais reunidos pelo reverendo Herbert Hill, tio de Southey, que morou em Portugal durante muitos anos, reunindo preciosas fontes para a escrita da história do império colonial português. Trata-se de um tipo de arquivo que não estava sob controle da autoridade régias, bem diferente do que aconteceu com as fontes mobilizadas por Sebastião da Rocha Pitta. Southey não estava subordinado à Real Academia Portuguesa de História. É nesse sentido que sua historiografia é diferente daquela produzida ao longo do século XVIII. Apesar de ter sido formalizada em setembro de 1822, a independência do Brasil se deu em um longo processo que começou nas revoltas independentistas ainda na segunda metade do século XVIII e terminou na década de 1830, quando as possibilidades de restauração da autoridade colonial portuguesa foram finalmente derrotadas. Entre os anos 1820 e 1830, com o Brasil já independente, desenvolveu- se uma historiografia que preparou os caminhos para a retórica nacionalista que seria monopolizada pelo IHGB depois de 1838. José Bonifácio e a regeneração da grandeza luso-brasileira José Bonifácio de Andrada e Silva foi uma das principais lideranças políticas e intelectuais em atuação no contexto da independência do 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 50/61 Brasil. Atenção! Quando estudamos história da historiografia é importante destacar que a leitura que fazemos do passado é sempre politicamente orientada, e isso fica muito claro quando nos debruçamos sobre a atuação de Bonifácio nos anos que marcaram o acirramento das tensões entre Brasil e Portugal. Representando certa fração das elites brasileiras, aquela localizada ao sul do território (Rio de Janeiro, São Paulo e Mingas Gerais), Bonifácio combinou as articulações políticas que levaram ao rompimento com as cortes de Lisboa com textos sobre a história de Portugal. Segundo Valdei Araujo, a imagem da decadência foi constantemente evocada nos escritos historiográficos de Bonifácio, pois era estratégica para reivindicar mudanças na organização administrativa do império português. Como analisaremos a seguir: No primeiro momento, a proposta era a do império dual, com igualdade de condições entre Brasil e Portugal. No segundo momento, quando ficou claro que as cortes não estavam dispostas a negociar, a agenda evoluiu para a ruptura formal. Como vimos, em ambos os casos, a imagem da decadência foi importante para outra imagem, a da regeneração. Bonifácio escolheu o critério do desenvolvimento das letras para avaliar a decadência de Portugal. A escolha do critério não estava isenta de interesses imediatos. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 51/61 Seria equivocado, porém, acreditar que a “regeneração” idealizada por Bonifácio pressupunha ruptura com a tradução. O próprio autor deixa clara a “orientação conservadora” com a qual se relaciona com essa aceleração das transformações no mundo moderno. Se era evidente para Bonifácio a decadência portuguesa, a restauração passava pela mudança, o que envolvia transformações na posição do Brasil dentro do Império português, mas jamais pela ruptura com o legado lusitano. Mesmo quando ficou evidente que a situação do Brasil seria a da nação independente, Bonifácio defendeu o jovem país como herdeiro da “civilização europeia” na América, argumento que mais tarde seria retomado pelo IHGB. Visconde de Cairu e a consciência historiográ�ca no Brasil Tal como José Bonifácio, José da Silva Lisboa, o primeiro Visconde de Cairu, foi importante líder político brasileiro no contexto da independência, tendo se destacado, também, como homem das letras. É autor de vasta obra, que envolvia poesia, crônica política e historiografia, que é o que nos interessa. Ao longo da década de 1820, Cairu publicou diversos volumes da sua História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil. Segundo Valdei Araujo, o texto de Cairu é marcado pelo engajamento a favor da independência do Brasil, o que prejudicou sua recepção ao longo do século XIX. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 52/61 José da Silva Lisboa (1756-1835 ). Nos quadros do IHGB, Varnhagen, por exemplo, acreditava que a historiografia de Cairu tinha valor menor, na medida em que estava muito imersa nos eventos que narrava, sendo partidária da independência. A crítica de Varnhagen teve vida longa e chegou ao século XX, quando José Honório Rodrigues, evocando argumentos semelhantes, colocou Cairu em um patamar inferior entre os historiadores brasileiros. Não se pode apenas dizer que juízos como os de Varnhagen ou José Honório Rodrigues sejam injustos ou incorretos. Do ponto de vista de uma história da formação mítica da historiografia moderna no Brasil eles se justificam, pois de fato o modelo historiográfico que se hegemonizou em torno do IHGB não poderia reconhecer na complexa e ambivalente historiografia de Cairu suas origens. O problema desses juízos é a tendência a naturalizar um modelo historiográfico como o único possível, fruto de uma evolução necessária da ciência histórica, negando mesmo o título de historiografia a tudo aquilo que escape ao cânone. (ARAUJO, 2010, p. 3) Valdei Araujo está nos alertando para algo sobre o qual já estamos atentos desde o início dos nossos estudos: a necessidade de ler os 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 53/61 textos em sua historicidade própria, não naturalizando as apropriações futuras. Portanto, “devemos reler nossa historiografia não como quem busca a justificação para nossa própria ciência, mas procurando reconstruir os contextos específicos nos quais ela fazia sentido e atuava como força histórica” (ARAUJO, 2010, p. 3). A partir dessa perspectiva, o texto de Cairu ganha bastante relevância, pois nos permite ter acesso à atmosfera de historicidade dentro da qual se deu a independência do Brasil. Comentário Pouco importa, então, a verdade factual daquilo que estava sendo narrado por Cairu. Importante é entender como ele modulou os eventos da independência em um relato históricoque já era atravessado pela ideia de identidade nacional. Nas palavras do próprio Visconde de Cairu: “a história do Brasil é menos bela que a da mãe pátria, e menos esplêndida que a dos portugueses na Ásia; mas não é menos importante que a de qualquer delas... Descoberto o Brasil por acaso, e por longo tempo deixado ao acaso, foi pela indústria dos indivíduos, e pela operação das comuns leis da Natureza e da Sociedade que se levantou e floresceu esse império, tão extenso como é, e tão poderoso como algum dia virá a ser” (CAIRU, 1826, p. 1). Como podemos perceber, Cairu já trata a história do Brasil como independente da história de Portugal e da história da colonização portuguesa na Ásia. A colonização na América teria tido percurso histórico específico que na altura em Cairu escreveu apontava para o futuro do império livre e soberano. O ano era 1826 e mesmo que formalmente o Brasil já fosse independente, o país era governado pelo príncipe português, herdeiro do trono de Portugal, o que colocava a recolonização como possibilidade. A história escrita pelo Visconde de Cairu reagiu a essa possibilidade, por meio de uma historicidade atravessada pela ideia da independência. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 54/61 O primeiro Imperador do Brasil, Pedro I (1798-1834). A ruptura com Portugal devia ser feita no presente e garantida para o futuro, o que não significava negar que a ex-metrópole era a “mãe pátria”. Para esses homens que fundaram o Estado nacional brasileiro, a independência interessava tanto quando o legado “civilizatório” europeu. Vamos praticar? Antes de praticar, o professor Rodrigo Perez apresenta algumas visões sobre importantes acontecimentos rumo ao século XIX. Rumo ao século XIX Vamos ouvir um breve resumo sobre o que discutimos até agora. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 55/61 Atividade discursiva Durante o período Joanino (1808-1820), foi marcante o interesse de intelectuais estrangeiros, sobretudo ingleses, sobre a história do Brasil. Discuta essa afirmação. Digite sua resposta aqui Chave de resposta O período joanino foi caracterizado não apenas pela abertura comercial e política da América Portuguesa a outras influências europeias para além de Portugal, mas, também, pelo cosmopolitismo intelectual. Isso explica a variada historiografia estrangeira sobre o Brasil que foi produzida na época. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 56/61 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Ainda na primeira década do século XIX, é possível perceber o surgimento de novas formas de narrar a história do passado colonial brasileiro, bem diferentes daquelas disponíveis até então. Assinale, entre as alternativas a seguir, aquela que melhor define essa afirmação. A A invasão da França por Portugal fez com o que os portugueses recuperassem a antiga hegemonia na Europa, o que levou os historiadores luso-brasileiros a narrarem o passado colonial em perspectiva épica e heroica. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 57/61 Parabéns! A alternativa D está correta. A transferência da corte portuguesa para a América tensionou as relações entre as elites luso-brasileiras, colocando a emancipação política no horizonte da historiografia. Questão 2 Uma das principais características da historiografia joanina é localizar na chegada da corte portuguesa à América, em 1808, o fim do período histórico a ser examinado. Assinale entre as alternativas a seguir, aquela que melhor explica a escolha. B A invasão da Inglaterra por Portugal rompeu as relações de colaboração intelectual entre historiadores brasileiros e ingleses, o que levou à produção de uma historiografia com fundamentos científicos, bem diferente da perspectiva religiosa que caracterizada a historiografia inglesa. C A invasão de Portugal pela Inglaterra rompeu o intercâmbio entre historiadores ingleses e luso- brasileiros, o que significou a emancipação intelectual da historiografia brasileira, que passou a se pensar em seus próprios termos. D A invasão de Portugal pela França alterou o equilíbrio de forças entre as elites coloniais e as metropolitanas, o que acabou produzindo uma sensibilidade histórica comprometida com a agenda política da emancipação. E As guerras napoleônicas restabeleceram o antigo prestígio de Portugal na Europa o que mudou tom melancólico através do qual o passado colonial brasileiro vinha sendo narrado, substituindo-o por uma abordagem épica e heroica. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 58/61 Parabéns! A alternativa B está correta. Para a historiografia joanina, a chegada da corte, em 1808, significava a abertura de um futuro de liberdades para a colônia. Considerações �nais Neste conteúdo, estudamos as diversas modalidades de escrita da história que surgiram no Brasil quando ainda nem era possível falar na A O ano de 1808 é importante para essa historiografia, pois foi nesse período que foi abolida a escravidão, algo considerado um marco para o ingresso do Brasil no mundo dito “civilizado”. B O ano de 1808 é importante para essa historiografia, pois foi nesse período que os vínculos coloniais com Portugal se afrouxaram, o que foi considerado como sinal de mais liberdade. C O ano de 1808 é importante para essa historiografia, pois foi nesse período que acabou a Guerra do Paraguai, considerada um marco para a afirmação da hegemonia brasileira na América Latina. D O ano de 1808 é importante para essa historiografia, pois foi nesse período em que foi proclamada a República, algo considerado um marco para o ingresso do Brasil na modernidade política. E O ano de 1808 é importante para essa historiografia, pois foi nesse momento que o pacto colonial foi restabelecido, com o fortalecimento da autoridade portuguesa e o fim das aspirações independentistas das elites coloniais. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 59/61 existência do Brasil como país independente. Vimos como esses textos foram reunidos no século XIX, sob a coordenação institucional do IHGB, e convertidos em fontes primárias para a escrita de uma história nacional. Isso nos coloca diante do desafio de não confundir o enquadramento semântico feito pela retórica nacionalista do IHGB com o sentido original dos textos. Temos aqui uma das principais preocupações dos estudos especializados na história da historiografia: entender como passado sempre é usado pelo presente. Nesse sentido, a história, entendida como prática intelectual de produção de sentido para as experiências passadas, traduz os interesses do tempo que é o seu. Esse tempo é o presente no qual ela é escrita. Podcast Neste podcast, você conhecerá os principais aspectos sobre a historiografia e narrativas coloniais. Explore + Sobre experiências de colonização da América Portuguesa, assista ao filme Desmundo, com direção de Alain Fresnot, 2003. Sobre as missões jesuíticas e catequização assista ao filme A Missão, com direção de Roland Joffé, 1986. Sobre a historiografia das narrativas coloniais assista à série documental Intérpretes do Brasil, produzida pelo canal Curta!, 2013. 22/04/2024, 14:49 Narrativas coloniais na América Portuguesa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04406/index.html?brand=estacio# 60/61 Referências ARAUJO, V. L. A experiência do tempo: