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Autora: Profa. Valéria Batista Colaboradoras: Profa. Silmara Machado Profa. Christiane Mazur Doi Conteúdos de Ensino de História e Geografia Professora conteudista: Valéria Batista Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC‑SP, 2015). Mestre em Educação (2008), pós‑graduada em Gestão e Organização Escolar (2004) e graduada em Pedagogia – Licenciatura Plena (2001) pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Atualmente é professora do curso de Pedagogia da UNIP. Atua como pró‑reitora de pós‑graduação, coordenadora e professora do curso de pós‑graduação lato sensu (especialização) em Alfabetização e Letramento em Contexto Educacional e professora do curso de Pedagogia do Centro Universitário Assunção (Unifai). Tem experiência de quase vinte anos em Educação Básica e Ensino Superior, atuando principalmente em educação, formação de professores, alfabetização, prática de ensino e políticas públicas. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B333c Batista, Valéria. Conteúdos de Ensino de História e Geografia / Valéria Batista. – São Paulo: Editora Sol, 2024. 160 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230. 1. Currículo. 2. História. 3. Geografia. I. Título. CDU 371.214.46 U519.94 – 24 Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Revisão: Prof. Alexandre Ponzetto Luiza Gomyde Caio Ramalho Auriana Malaquias Sumário Conteúdos de Ensino de História e Geografia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 HISTÓRIA E GEOGRAFIA COMO DISCIPLINAS ESCOLARES: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS ATUAIS ......................................................................................................... 11 1.1 Trajetória da história como disciplina escolar .......................................................................... 11 1.2 Trajetória da geografia como disciplina escolar ...................................................................... 18 1.3 Perspectivas atuais no ensino de história e geografia .......................................................... 22 2 HISTÓRIA E GEOGRAFIA COMO ÁREAS DE CONHECIMENTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS ......................................................................................................................................... 23 2.1 Áreas de conhecimento das ciências humanas ....................................................................... 25 2.2 Proposta do ensino de história ....................................................................................................... 30 2.3 Proposta do ensino de geografia ................................................................................................... 33 3 CURRÍCULOS DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL ................................................................................................................................... 35 3.1 Currículo de história no Ensino Fundamental – Anos Iniciais ........................................... 37 3.1.1 Afinal, o que ensinar no Ensino Fundamental – Anos Iniciais? ........................................... 38 3.2 Currículo de geografia no Ensino Fundamental – Anos Iniciais ....................................... 40 4 PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS COMO FORMA DE INTERPRETAÇÃO CRÍTICA DA REALIDADE .......................................................................................... 44 4.1 Investigação como pesquisa em ciências humanas ............................................................... 45 4.2 Fontes de coleta de dados ................................................................................................................ 47 4.2.1 Fontes primárias ...................................................................................................................................... 47 4.2.2 Fontes secundárias ................................................................................................................................. 49 4.2.3 Fontes terciárias ...................................................................................................................................... 49 4.3 Espaço biográfico como compreensão do vivido .................................................................... 50 Unidade II 5 ENSINO DE HISTÓRIA: UNIDADES TEMÁTICAS E OBJETOS DE APRENDIZAGEM DO 1º AO 3º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL .................................................... 58 5.1 Unidade temática: Mundo pessoal: meu lugar no mundo ................................................. 59 5.2 Unidade temática: Mundo pessoal: eu, meu grupo social e meu tempo ..................... 64 5.3 Unidade temática: A comunidade e seus registros ................................................................ 67 5.4 Unidade temática: Formas de registrar experiências da comunidade ........................... 72 5.5 Unidade temática: Trabalho e sustentabilidade na comunidade ..................................... 74 5.6 Unidade temática: Pessoas e grupos que compõem a cidade e o município ................. 77 5.7 Unidade temática: O lugar em que se vive ................................................................................ 79 5.8 Unidade temática: Noção de espaço público e privado ....................................................... 81 6 ENSINO DE HISTÓRIA: UNIDADES TEMÁTICAS E OBJETOS DE APRENDIZAGEM DO 4º E 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL ........................................................ 83 6.1 Unidade temática: Transformações e permanências na trajetória dos grupos humanos .................................................................................................................................. 84 6.2 Unidade temática: Circulação de pessoas, produtos e culturas ........................................ 85 6.3 Unidade temática: Questões históricas relativas a migrações .......................................... 89 6.4 Unidade temática: Povos e culturas: meu lugar no mundo e meu grupo social ......................................................................................................................................... 90 6.5 Unidade temática: Registros da história: linguagens e culturas ...................................... 92 Unidade III 7 ENSINO DE GEOGRAFIA: UNIDADES TEMÁTICAS E OBJETOS DE APRENDIZAGEM – PARTE 1 ...................................................................................................................1007.1 Unidade temática: O sujeito e seu lugar no mundo (noções de pertencimento e identidade) ................................................................................................................102 7.1.1 As experiências com o espaço e o tempo para conhecer a si mesmos e a comunidade ....................................................................................................................................................................112 7.1.2 As relações sociais e étnico‑raciais e sua identificação com a comunidade e o respeito aos diferentes contextos socioculturais ............................................. 113 7.1.3 Relações espaciais topológicas, projetivas e euclidianas ..................................................... 113 7.1.4 Raciocínio geográfico e o processo de alfabetização cartográfica com as diversas linguagens (formas de representação e pensamento espacial) ................... 115 7.2 Unidade temática: Conexões e escalas (articulação de diferentes espaços, escalas de análises, e relações existentes entre os níveis local e global) ............................116 7.2.1 Interações entre a sociedade e o meio físico natural ........................................................... 122 7.2.2 Diferentes espaços e escalas de análise e as relações existentes entre os níveis local e global (vida familiar, grupos sociais, espaços de convivência e as interações espaciais) ................................................................................................................................ 123 7.2.3 Elementos da superfície terrestre (paisagens, localização, distribuição de diferentes fenômenos e objetos) ........................................................................................................ 124 7.3 Unidade temática: Mundo do trabalho (reflexão das funções socioeconômicas e o impacto das novas tecnologias) ...............................................................125 7.3.1 Processos e técnicas construtivas e o uso de diferentes materiais produzidos pelas sociedades em diversos tempos ............................................................................ 129 7.3.2 Atividades econômicas: características e suas funções socioeconômicas ................... 130 8 ENSINO DE GEOGRAFIA: UNIDADES TEMÁTICAS E OBJETOS DE APRENDIZAGEM – PARTE 2 ...................................................................................................................131 8.1 Unidade temática: Formas de representação e pensamento espacial .........................131 8.1.1 Localização geográfica ...................................................................................................................... 140 8.1.2 Pensamento espacial ...........................................................................................................................141 8.1.3 Princípios metodológicos do raciocínio geográfico: localização, extensão, correlação, diferenciação e analogia espacial ................................................................ 142 8.1.4 Alfabetização cartográfica: domínio da leitura e elaboração de mapas e gráficos ....................................................................................................................................... 143 8.1.5 Diversas linguagens: fotografias, desenho e imagens de satélites .................................. 143 8.2 Unidade temática: Natureza, ambientes e qualidade de vida .........................................144 8.2.1 Noções relativas à percepção do meio físico natural e de seus recursos ......................151 8.2.2 Transformação da natureza pelas diferentes comunidades e os impactos socioambientais ............................................................................................................................151 9 APRESENTAÇÃO A disciplina Conteúdos de Ensino de História e Geografia fornece subsídios teóricos das ciências humanas com base nos conhecimentos dessas duas áreas para a docência no Ensino Fundamental – Anos Iniciais. Privilegia também a construção dos conceitos de espaço e tempo e relações sociais, trabalhando a identidade e a territorialidade, com destaque para a compreensão de si mesmo e dos outros, das diferentes histórias de vida, do entorno e das diferenças entre diversos grupos sociais. Também são apresentados procedimentos de investigação e de pesquisa como base para interpretar e ler diferentes fontes documentais, observar e registrar para que, dessa forma, o aluno possa comparar e analisar o mundo, suas relações, o tempo e o espaço em que os eventos ocorrem, para melhor compreendê‑los e assim agir de modo crítico, participativo e consciente. O objetivo da disciplina é que você domine os princípios teóricos das áreas de conhecimento de história e geografia como base para sua futura prática pedagógica, articulando ensino e pesquisa na produção de conhecimento dessas áreas e compreendendo sua importância para interpretar o contexto social e cultural em que está inserido, embasando‑se na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ao final da disciplina, espera‑se que você seja capaz de: • conhecer os conceitos fundamentais do ensino de história e geografia; • identificar as diferentes linguagens/documentos e suas possibilidades de abordagem no Ensino Fundamental – Anos Iniciais; • conhecer as propostas curriculares para o ensino de história e geografia; • conhecer os conceitos temporais e suas aplicações pedagógicas; • compreender o desenvolvimento do pensamento espacial, estimulando o raciocínio geográfico; • aprender as noções básicas de representação e interpretação do mundo e suas relações sociais. Para isso, foram trazidos teóricos que discutem a proposta de ensino de história e geografia para o Ensino Fundamental – Anos Iniciais e que apresentam subsídios para pensar a docência dentro de uma perspectiva atual, significativa e interativa, de modo a encaminhá‑lo a refletir sobre o fazer pedagógico comprometido e coerente com um ensino de qualidade. 10 INTRODUÇÃO Este livro‑texto subsidia o processo de aprendizagem abordando conteúdos para a apropriação de conhecimentos históricos situados em determinado tempo e espaço, trazendo questões geográficas, levando‑nos a compreender a transformação e ação do homem sobre a natureza. A disciplina estimula uma formação ética que respeite o ambiente, a coletividade, os seres humanos e a diversidade para fortalecer valores sociais, direitos humanos e solidariedade com o intuito de dar suporte à intervenção em situações do cotidiano e do posicionamento mediante situações‑problema do mundo contemporâneo. O conteúdo do livro‑texto divide‑se em três unidades. A primeira unidade apresenta a trajetória da história e geografia como disciplinas escolares e suas propostas de ensino atuais, abordando seus pressupostos e componentes curriculares com ênfase no Ensino Fundamental – Anos Iniciais. Também apresenta procedimentos indicados pela BNCC apoiados na investigação em ciências humanas, para que se possa, pela pesquisa, interpretar e compreender a vida e suas relações sociais. A segunda unidade aborda o ensino de história para Ensino Fundamental – Anos Iniciais como base para desenvolver um pensamento crítico e reflexivo sobre a realidade, conhecendo o tempo passado e presente para formar cidadãos capazes de opinar e pensar sobre acontecimentos atuais. Também apresenta as unidades temáticas propostas pela BNCC do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental como base para a formação docente, a fim de conhecer os diferentes povos e suas diversidades, os direitos, deveres e a cidadania de cada povo, refletindo sobre problemas e questões que o cotidiano apresenta e compreendendo tempo, espaço, identidade e representatividade dos povos e seus ambientes. Por fim, a terceira unidade aponta cinco unidades temáticas que orientam o ensino de geografia no Ensino Fundamental – Anos Iniciais de acordo com a BNCC. Esse conhecimento colaboracom a formação docente e prática pedagógica, levando as crianças a ampliar sua visão de mundo e a compreender de maneira crítica suas relações sociais. As unidades temáticas apresentam conhecimentos diversos. Por exemplo, o tópico 7.1, “O sujeito e seu lugar no mundo”, traz estudos sobre as noções de pertencimento e identidade. Já o 7.2, “Conexões e escalas”, articula diferentes espaços e escalas de análise, mostrando as relações entre os níveis local e global e o pensar sobre seu lugar na totalidade. “Mundo do trabalho”, tópico 7.3, reflete sobre suas diversas atividades e possibilidades, funções socioeconômicas e o impacto das novas tecnologias produzidas pela sociedade em diversos tempos e espaços. O tópico 7.4, “Formas de representação e pensamento espacial”, apresenta conceitos de alfabetização cartográfica, mapas, gráficos e outras formas de representação, além dos princípios metodológicos do raciocínio geográfico. Finalmente, em “Natureza, ambientes e qualidade de vida”, tópico 7.5, articula‑se geografia física e humana, abordando processos físico‑naturais do planeta e seus impactos socioambientais. 11 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA Unidade I 1 HISTÓRIA E GEOGRAFIA COMO DISCIPLINAS ESCOLARES: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS ATUAIS História e geografia são duas disciplinas escolares fundamentais no currículo educacional, que fornecem aos alunos conhecimento sobre o mundo em que vivem, sua formação e evolução ao longo do tempo. A disciplina de história é responsável por explorar e analisar os eventos passados – como guerras, revoluções, descobrimentos e avanços científicos –, e seu objetivo principal é explicar como esses eventos moldaram o mundo atual e como as sociedades se desenvolveram em decorrência deles. Além disso, permite que os alunos entendam diversidade cultural, diferentes civilizações e sistemas políticos sociais e econômicos. A disciplina de geografia estuda tanto o ambiente natural quanto as relações sociais que se desenvolvem nele, explorando portanto a relação entre o ser humano e seu meio, analisando clima, vegetação, demografia, economia, entre outros aspectos. Dessa forma, ajuda os estudantes a compreender os desafios ambientais atuais – como aquecimento global, escassez de recursos naturais e urbanização –, trazendo conhecimento sobre a diversidade e as características de diferentes continentes e países. Portanto, as duas disciplinas promovem o pensamento crítico, a capacidade de análise e a compreensão do mundo, contribuindo para construir a identidade cultural e social, incentivando o respeito pela diversidade e o entendimento das diferenças entre povos e civilizações. E elas são interdisciplinares, pois o conteúdo nelas trabalhado permeia outras áreas do conhecimento – como linguagem, economia, sociologia e política –, o que fornece diversas condições de intertextualidade, possibilitando uma compreensão do passado, do presente e hipóteses do futuro, e desenvolvendo habilidades essenciais para uma formação cidadã de modo crítico, responsável e consciente. 1.1 Trajetória da história como disciplina escolar A renomada historiadora Circe Maria Fernandes Bittencourt afirma: A história escolar integra o conjunto de disciplinas que foram sendo constituídas como saberes fundamentais no processo de escolarização brasileira e passou por mudanças significativas quanto a métodos, conteúdos e finalidades até chegar à atual configuração nas propostas curriculares. Quando se analisa a trajetória da disciplina, constata‑se que esta faz parte dos “planos de estudos” de 1837 da primeira escola pública brasileira, considerada de nível secundário. Acompanhando o percurso da história nos cursos de nível superior no Brasil, no entanto, verifica‑se que os estudos históricos e a formação de seus profissionais foram criados apenas a partir da década de 1930. Tal situação provoca, sem dúvida, algumas indagações (2018, p. 26). 12 Unidade I A história como disciplina escolar remonta aos primórdios da educação formal. Na Grécia antiga, começou a ser vista como disciplina acadêmica, com historiadores como Heródoto e Tucídides registrando os eventos importantes da época. No entanto, seu ensino em escolas ainda não era comum até a Idade Média, quando começou a ser ensinada principalmente em universidades europeias. Na época, o estudo era muitas vezes voltado para a história da Igreja e dos santos, refletindo a influência religiosa dominante na sociedade medieval. Estudiosos medievais tinham uma visão ambivalente da Idade Média. Por um lado, muitos valorizavam e se orgulhavam da herança cultural da época, especialmente no que dizia respeito à religião cristã e às contribuições intelectuais dos filósofos e teólogos da época. Essa visão considerava a natureza uma criação divina e buscava nela sinais e mensagens divinas, justificando‑se numa proposta de história natural vista como forma de conhecer e entender a obra de Deus na natureza. A autora Règine Pernoud, em sua obra Luz sobre a Idade Média, aponta que, para os nossos antepassados, a história natural propriamente dita apenas apresentava um interesse muito secundário: toda a manifestação de uma verdade espiritual, ao contrário, cativa‑os no mais alto grau; de tal modo que a sua visão do mundo exterior não passa, as mais das vezes, de um simples suporte para estear lições morais: assim acontece com esses bestiários em que, ao descrever animais – tanto os mais familiares como os mais fantásticos –, os autores veem nos seus hábitos, reais ou supostos, a imagem de uma realidade superior (1997, p. 156). A história natural desempenhava um papel importante na teologia medieval, auxiliando a compreender conceitos religiosos e a interpretar textos sagrados. Por exemplo, o estudo dos animais frequentemente era associado a metáforas bíblicas, e sua morfologia e comportamento ilustravam princípios morais. E o ensino de história fazia parte da teologia, com o objetivo de transmitir ensinamentos religiosos e promover a fé cristã, predominantemente em universidades e instituições eclesiásticas, como mosteiros e abadias. Observação Mosteiros e abadias eram centros de aprendizagem onde monges copistas e estudiosos preservavam manuscritos religiosos antigos, incluindo também obras históricas, além de crônicas e livros que narravam eventos importantes da época. 13 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA A seguir, a biblioteca do Mosteiro de Strahov, em Praga, República Tcheca. Figura 1 – Biblioteca do Mosteiro de Strahov Disponível em: https://tinyurl.com/b25sr9vx. Acesso em: 28 fev. 2024. Observação O Mosteiro de Strahov está na colina de Petřín, em Praga, República Tcheca, e foi fundado em 1143 pelo bispo Jindřich Zdík de Olomouc com o apoio de Vladislao II e outros bispos da Ordem dos Mostenses. É um dos mais antigos e importantes monastérios da cidade, conhecido por abrigar a Biblioteca de Strahov, uma das mais antigas e importantes da Europa Central, com uma vasta coleção de livros raros, manuscritos e documentos históricos, totalizando mais de 200 mil volumes. Também contém uma impressionante coleção de mapas, globos e ilustrações. Por outro lado, muitos estudiosos medievais viam a Idade Média como uma era de transição e decadência em relação à grandeza da Grécia antiga e do Império Romano, vistos por eles como referência intelectual e cultural, e consideravam a Idade Média uma etapa intermediária entre o esplendor dessas épocas antigas e o renascimento das mesmas ideias no período do Renascimento. 14 Unidade I A valorização da Grécia e do Império Romano também se ligava a conexões que os estudiosos medievais faziam entre essas civilizações e a herança cultural ocidental. Muitos consideravam a cultura greco‑romana uma base fundamental para o desenvolvimento posterior da sociedade europeia. No entanto, nem todos os estudiosos medievais compartilhavam essa opinião; Santo Agostinho, por exemplo, valorizava muito sua própria era e acreditavaque a Idade Média tinha seu próprio mérito e importância histórica. Portanto, para nossos antepassados na Idade Média, a história natural não se limitava a um interesse puramente científico, mas era uma forma de conhecer e compreender a criação divina e extrair dela lições morais e religiosas. Saiba mais Saiba mais sobre a Idade Média no filme O nome da rosa, de 1986, dirigido por Jean‑Jacques Annaud, um clássico baseado no romance homônimo de Umberto Eco. Sean Connery interpreta o protagonista, um monge franciscano enviado a um mosteiro longínquo para investigar mortes misteriosas por lá. O filme transporta o espectador para a época medieval abordando questões como teologia, política e filosofia, e sua trama revela segredos sombrios e intrigas dentro dessa comunidade. O NOME da rosa. Direção: Jean‑Jacques Annaud. França: ZDF, 1986. 210 min. Outro grande período que aponta especificidades e mudanças no ensino de história é o Renascimento. Seu tempo de destaque foram os séculos XIV‑XVI, caracterizados por um grande interesse nos valores e realizações da cultura clássica da Grécia e Roma. Na época houve um renascimento cultural, científico e artístico na Europa, marcado por um florescimento das artes, ciências, literatura e filosofia, além do ressurgimento do interesse pela história como disciplina acadêmica. Historiadores como Nicolau Maquiavel e Francesco Guicciardini começaram a escrever sobre a política e a história dos estados italianos, influenciando o desenvolvimento dessas disciplinas e, portanto, trazendo mudanças significativas na visão do mundo e na forma de pensar, prenunciando o surgimento do pensamento moderno. • Francesco Guicciardini: considerado o mais notável historiador e escritor político da Itália renascentista, foi chamado de pai da história moderna, por usar documentos governamentais para sistematizar a história do país. 15 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA Figura 2 – Retrato de Francesco Guicciardini Disponível em: https://tinyurl.com/5hch3nbd. Acesso em: 29 fev. 2024. • Nicolau Maquiavel: também um dos principais autores do Renascimento, defendeu o absolutismo e ações mais severas por parte de um governante quando necessário. Para ele, a conservação da ordem política depende da necessidade de preservar o poder nas mãos de um bom governante. Figura 3 – Retrato de Nicolau Maquiavel Disponível em: http://tinyurl.com/y5vn6dp7. Acesso em: 28 fev. 2024. 16 Unidade I No século XVII, durante o Iluminismo, o ensino de história apresentava características diferentes das metodologias atuais, pois era fortemente influenciado pelo método tradicional, focado na memorização de fatos e datas. Os estudantes aprendiam história nos livros didáticos, muitas vezes elaborados por historiadores renomados da época – como Voltaire e Montesquieu –, que escreveram sobre eventos passados com base em evidências e critérios objetivos. Portanto, a história começou a ser vista como disciplina científica. Esses livros traziam uma narrativa cronológica dos eventos, enfatizando a história da Europa, com aulas ministradas principalmente em escolas abastadas, destinadas a formar uma elite intelectual. Nesses lugares a história era vista como disciplina fundamental para formar o caráter e os valores morais dos estudantes. Além disso, seu ensino no século XVII também tinha forte influência religiosa, pois a Igreja desempenhava papel importante no controle do conteúdo ensinado. A história era geralmente ensinada de forma eurocêntrica, com pouco espaço para outros continentes e povos, e muitos eventos da humanidade eram vistos como resultado da ação divina ou de líderes carismáticos, com pouca ênfase na análise das causas e consequências desses acontecimentos. Observação O ensino de história nas escolas tornou‑se mais comum no século XVII, porém no Brasil só foi introduzido no currículo escolar no XIX. No século XIX se tornou disciplina escolar obrigatória em muitos países europeus, com ensino fortemente influenciado pelo nacionalismo; por isso os alunos aprendiam majoritariamente a história de seu país e os feitos de seus antepassados. Com isso, naquela época a constituição da disciplina escolar de história passou por aproximações e separações entre o ensino escolar e a dos historiadores: O historiador francês Henri Moniot, ao debruçar‑se sobre a história enquanto disciplina escolar, pondera sobre suas especificidades e conclui que seu ensino, no final do século XIX, assegurou a existência da história universitária. A divisão da história em grandes períodos – Antiguidade, Idade Média, Moderna e Contemporânea –, criada para organizar os estudos históricos escolares, acabou por definir as divisões das “cadeiras” ou disciplinas históricas universitárias assim como as especificidades dos historiadores em seus campos de pesquisa (Bittencourt, 2018, p. 38). No entanto, a articulação entre disciplinas escolares e acadêmicas é um processo complexo e não linear. Bittencourt (2018) também afirma que são evidentes os hiatos entre o conhecimento histórico acadêmico e o que deve necessariamente ser transmitido e incorporado pela escola, porém é necessário manter um diálogo constante entre ambos. No Brasil, o ensino de história foi adentrando escolas primárias à medida que a alfabetização diminuía e o nível de escolarização se ampliava; antes disso era ministrada somente na última etapa 17 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA de ensino. Ao longo do tempo, ganhou conotação de “conteúdo encarregado de veicular uma ‘história nacional’ e instrumento pedagógico significativo na constituição de uma ‘identidade nacional’” (Bittencourt, 2018, p. 46). Observação No Brasil do século XIX, a educação primária era chamada de Escolas de Primeiras Letras, responsáveis por ensinar habilidades básicas de leitura, escrita e aritmética, tornando‑se conhecidas como lugares que ensinavam a “ler, escrever e contar”. As lições baseavam‑se em leitura com foco na fortificação do senso moral por meio de deveres para com a pátria e seus governantes. Essa proposta de ensino focada em formação moral e cívica, fortalecida pela noção de nacionalismo, se acentuou nos séculos XIX e grande parte do XX. Outras mudanças decorrentes do século XX: desenvolvimento de ciências históricas; descolonização e pós‑colonialismo; uso de história oral e memória; ensino crítico; e presença de tecnologias digitais. A nacionalização do currículo se deu pelo fortalecimento dos Estados nacionais, quando se compartilharam “tradições nacionais” com a população para, dessa forma, fazer emergir nela sentimento patriótico. Por exemplo, os livros escolares exaltavam uma dita “história da pátria”, e o ensino criava arquétipos de herói, como Tiradentes, interpretado como herói nacional; além de festejos de datas comemorativas nacionais como obrigatórias, sendo o Sete de Setembro uma das mais famosas. Porém, ao longo do mesmo século, houve tanto uma busca por maior rigor científico na escrita da história quanto uma maior especialização dos profissionais envolvidos, que passaram a incorporar novas abordagens e metodologias de pesquisa, surgindo novas correntes historiográficas, como a Escola dos Annales, que privilegiava uma abordagem multidisciplinar e o estudo de temas mais amplos. Saiba mais Para mais informações sobre a Escola dos Annales, confira o seguinte livro: BURKE, P. A Escola dos Annales: 1929‑1989. São Paulo: Unesp, 1991. Durante o século XX a história deixou de ser apenas uma narrativa de eventos importantes e passou a tentar entender estruturas sociais, culturais e econômicas que moldaram determinado período. A história social, por exemplo, ganhou destaque ao enfocar a vida e as experiências das classes populares, grupos étnicos e gêneros historicamente marginalizados. Com isso surgiu o processo de descolonização, ao valorizar a história das antigas colônias e incluí‑las nos currículos escolares, passando‑se a abordar também a história de povosindígenas e afro‑brasileiros. 18 Unidade I A partir da década de 1960, desenvolveram‑se técnicas de pesquisa e investigação histórica, adotando‑se métodos científicos, fontes históricas mais variadas e análise crítica das informações disponíveis, como memória e história oral – esta, por exemplo, ganhou importância ao permitir a coleta e análise de relatos de pessoas que viveram determinado período histórico. Na década de 1970, um ensino de história mais reflexivo passou a ser desenvolvido, para estimular o pensamento crítico dos alunos e capacitá‑los a analisar e questionar o passado. Posteriormente, com o advento da internet e das tecnologias digitais, passou‑se a incorporar recursos como vídeos, jogos eletrônicos, banco de imagens e documentos históricos online, possibilitando maior interatividade dentro da sala de aula e fora dela. Além disso, o século XX também testemunhou a expansão do campo de estudo da história para além das fronteiras nacionais; história global e história comparada tornaram‑se áreas de pesquisa importantes, permitindo uma análise mais ampla e conectada dos processos históricos. Observação No século XX também surgiram novas técnicas de digitalização e preservação de documentos, facilitando o acesso a fontes para pesquisa. Enfim, o século XX foi um período de evolução em termos de abordagens, metodologias, técnicas de pesquisa e inclusão de novos temas e perspectivas, ajudando a criar uma disciplina histórica mais complexa, crítica e abrangente, a partir do questionamento das narrativas tradicionais e do desejo de dar voz a grupos historicamente silenciados. Tal perspectiva continua no século XXI, ao termos o ensino da história como disciplina importante em todo o mundo, com a proposta de que os alunos conheçam eventos históricos significativos, diferentes períodos históricos e desenvolvam uma compreensão mais profunda do mundo e da realidade. Portanto, a história desempenha papel fundamental na formação da identidade cultural e na compreensão da diversidade humana. 1.2 Trajetória da geografia como disciplina escolar As especialistas em geografia Nídia Pontuschka, Tomoko Paganelli e Núria Cacete afirmam: Houve, nos últimos três mil anos, extraordinário acúmulo de conhecimentos geográficos, de origem empírica ou científica, que se desenvolveram desde as primeiras cartas e descrições produzidas na China. No entanto, o conhecimento geográfico foi significativamente ampliado com as grandes descobertas marítimas, e a institucionalização da geografia, no chamado mundo ocidental, somente ocorreu com as expedições científicas pela África, América e Ásia sob o respaldo das associações geográficas e das academias europeias, que sistematizaram as informações coletadas pelos cientistas em suas viagens pelo mundo (2009, p. 39‑40). 19 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA Geografia é uma das mais antigas ciências desenvolvidas pela civilização ocidental, com origem na antiguidade. Os primeiros registros de estudos geográficos datam desde a Grécia antiga (por volta do século VI a.C.), com as obras de Heródoto, historiador e geógrafo grego considerado o “pai da história”. Outros grandes nomes: Tales de Mileto, Heródoto, Hiparco, Estrabão, Eratóstenes, Aristóteles e Ptolomeu. Além deles, a geografia como conhecemos contou com a contribuição de vários povos da Antiguidade para seu desenvolvimento enquanto disciplina: gregos, romanos, sumérios, chineses, egípcios, entre outros. Os romanos mapearam grande parte do mundo conhecido na sua época, como Estrabão, autor de Geographica, uma obra de 17 volumes que descrevem as diversas regiões do império romano e o mundo conhecido por eles, fornecendo informações sobre localização geográfica, costumes dos povos e características naturais; e Eratóstenes, que calculou a circunferência da Terra com uma precisão notável para a época. Na China antiga, a geografia era estudada principalmente para fins militares e administrativos; acredita‑se que tenham produzido mapas detalhados desde o século III a.C., na dinastia Han. No Egito, a geografia era essencialmente uma ferramenta de planejamento agrícola, devido à importância do rio Nilo para a sobrevivência da civilização egípcia. Através do estudo das cheias do rio e dos solos, foram capazes de desenvolver sistemas de irrigação eficientes e técnicas agrícolas avançadas. De modo geral, geografia na antiguidade tinha um enfoque mais descritivo, observando e mapeando as características naturais e humanas das diferentes regiões do mundo conhecido. Apesar das limitações tecnológicas da época – como falta de instrumentos de medição precisos –, os antigos geógrafos fizeram importantes contribuições para desenvolver a disciplina. Durante a Idade Média, era ensinada principalmente em escolas monásticas e mosteiros; os monges eram responsáveis por copiar, traduzir e preservar os textos geográficos da Antiguidade, como as obras de Ptolomeu, Heródoto e Estrabão. No entanto, os procedimentos na época eram limitados e baseavam‑se principalmente em conhecimentos religiosos e bíblicos. O objetivo era entender a Terra como um lugar criado por Deus, com elementos simbólicos e teológicos. Mapas medievais também eram produzidos, mas com representações imprecisas e exageradas. A Europa era geralmente considerada o centro do mundo, enquanto outras regiões eram subestimadas ou até mesmo omitidas. 20 Unidade I Figura 4 – Exemplo de mapa confeccionado na Idade Média Disponível em: https://tinyurl.com/kr3kbdx9. Acesso em: 5 mar. 2024. Geografia também era ensinada de forma prática, principalmente através das viagens de exploradores e comerciantes que traziam relatos de suas expedições, mapas e informações sobre terras desconhecidas, enriquecendo o conhecimento geográfico da época. No final da Idade Média, com a disseminação da imprensa e o início do Renascimento, houve maior circulação de textos geográficos e uma revisão de métodos. As explorações marítimas também impulsionaram a expansão do conhecimento geográfico, com a descoberta de novos continentes e a ampliação dos horizontes. Dado o poder da Igreja Católica na época, o conhecimento geográfico ficou restrito aos estudos teológicos, geralmente limitando‑se a valores religiosos e mitológicos. Porém não podemos negar que preservou conhecimentos antigos e contribuiu para o desenvolvimento posterior da disciplina. Foi somente no final do século XVIII, devido ao Iluminismo, que começou a ser incorporada em instituições de ensino novamente. Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009, p. 40) afirmam que a geografia reuniu condições para constituir‑se como ciência, mas enfrentava dois problemas: o primeiro é sua ligação com história, cumprindo papel de apenas fundamentar aspectos e fatos históricos; o segundo são as relações entre a natureza e o ser humano. Os estudos da época aceitavam a influência quase absoluta do meio biofísico sobre o homem, mesmo quando a geografia humana se desenvolvia como corpo de conhecimentos sistematizados. Tais problemas permaneceram em discussão durante o século XIX e ainda na primeira metade do XX. 21 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA No século XIX, a geografia começou a se desenvolver como disciplina científica graças a estudiosos como Alexander von Humboldt e Carl Ritter. No período, a disciplina se tornou cada vez mais presente nas escolas, com a criação de currículos específicos e a publicação de livros didáticos. Durante o século XIX, o centro de discussão da geografia, na Europa, concentrou‑se na Alemanha, e somente no fim desse mesmo século o pensamento geográfico francês encontrou seu espaço. As ideias dos mestres alemães chegaram também ao Brasil, trazidas pelos geógrafos franceses, mas acrescidas de críticas embasadas na escola criada por Vidal de La Blache e seus discípulos (Pontuschka; Paganelli; Cacete, 2009, p. 43). No Brasil, foi introduzida nas instituições de ensino no final do século XIX, com a reforma educacional propostapor Benjamin Constant. A disciplina começou a ser ensinada em escolas primárias, com enfoque na descrição física de países e na localização de fatos históricos. Durante grande parte do século XX, seu ensino no Brasil teve influência do ideário produzido pela escola francesa, que trouxe uma abordagem mais humanista e crítica, enfatizando a importância de compreender as relações entre sociedade e espaço. Uma das principais ideias trazidas pela escola francesa foi a de paisagem, entendida como a materialização do espaço geográfico, que reflete as relações sociais, econômicas, políticas e culturais de determinada região. Foi abordada de forma dinâmica, considerando as mudanças ao longo do tempo e os processos que a transformaram. Outro conceito fundamental foi o de lugar, que busca entender o espaço geográfico como local onde as pessoas vivem e constroem relações sociais. A ideia de lugar é importante para ensinar geografia, pois destaca a importância da vivência e das experiências pessoais na construção de conhecimento do espaço. Além disso, a escola francesa também valorizou a análise crítica das representações do espaço, questionando as visões de mundo e os estereótipos presentes em mapas, livros didáticos e outros materiais educativos. Essa abordagem refletia sobre desigualdades e injustiças presentes na organização espacial do mundo; no entanto, nas últimas décadas houve uma diversificação do ideário no ensino de geografia no Brasil, com outras correntes de pensamento e abordagens pedagógicas se somando à tradição francesa. Com o passar dos anos, a geografia escolar passou por diversas transformações e acompanhou mudanças de pensamento e correntes pedagógicas. O foco no ensino de conceitos e teorias deu lugar a uma abordagem mais ampla e interdisciplinar, valorizando a relação entre sociedade e espaço. Portanto o ensino atual de geografia no país é influenciado por uma pluralidade de ideias e perspectivas, e hoje temos uma geografia escolar que busca não apenas ensinar conceitos e conteúdos do espaço, mas também desenvolver a consciência crítica dos estudantes em relação ao mundo, para que reflitam sobre questões ambientais, sociais, econômicas e culturais. 22 Unidade I 1.3 Perspectivas atuais no ensino de história e geografia Hoje o ensino de história e geografia passa por várias mudanças, seja em razão das novas abordagens de ensino ou pela formação que visa oferecer ao estudante conhecimentos que o levem a desenvolver consciência social, que lhe forneçam uma percepção crítica da sociedade em que vive, além de perceber a si próprio como agente social que pode e deve intervir na realidade, tendo consciência do seu papel, do processo de transformação e dos impactos que isso gera a si e aos demais. Tal criticidade nas práticas pedagógicas tem mudado a forma como o material didático é oferecido, pois possibilita ao estudante questionar narrativas tradicionais e compreender o passado e o mundo de forma mais contextualizada e inclusiva, com oportunidades de análise das estruturas de poder, das relações sociais e das experiências subalternas. O avanço possível nesse conhecimento [...] é saber que “a vida social construída pelo homem é reconstruída ao longo das gerações; que essa reconstrução não significa necessariamente avanços ou melhorias”. Como se trata de saberes significativos, funcionarão para o indivíduo como instrumentos de pensamento e de conhecimento sobre sua vida, geradores de outros conhecimentos – e, portanto, são recursos eficientes no seu trabalho de construtor social, como ser humano que é (Penteado, 1994, p. 23). O ensino de história e geografia no século XXI promove o protagonismo do aluno, com metodologias ativas que o tornam central no processo de aprendizagem. Nesse modelo, o processo de ensino‑aprendizagem se dá por debates, projetos de pesquisa, simulações históricas, navegação geográfica e saídas de campo para explorar territórios, tornando o ensino dinâmico e colaborativo. Entre as metodologias ativas, temos o ensino baseado em projetos, uma proposta que motiva os alunos a buscar conhecimento como pesquisadores, investigando diversas fontes e apresentando resultados com base em análises. Para o estudante ter uma visão macro e micro do conhecimento e se perceber como parte do todo, o ensino deve disponibilizar a fontes além dos livros didáticos – como fotografias, vídeos, músicas e testemunhos orais –, para proporcionar uma visão mais completa e diversa dos eventos históricos e geográficos, pois integrando múltiplas fontes ampliamos o olhar sobre a realidade. Para facilitar o acesso a essa variedade de fontes, a tecnologia tem desempenhado papel cada vez mais importante no ensino de história e geografia, com recursos digitais, aplicativos educacionais e plataformas de aprendizagem online multimídia, além de acesso a vídeos, imagens e mapas interativos, promovendo dinâmicas que tornam o ensino atrativo e envolvente. Com o aumento dessas conexões, o ensino se globaliza cada vez mais, e os estudantes são encorajados a entender eventos históricos e fenômenos geográficos, relacionando‑os com diferentes partes do mundo, além de desenvolver uma compreensão das relações internacionais e dos desafios globais. Assim como há uma ênfase na educação global, também há um reconhecimento crescente da importância das perspectivas locais. Estudantes são incentivados a explorar histórias e fenômenos geográficos de sua própria região, conhecendo peculiaridades culturais, sociais e ambientais de onde 23 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA vivem. Com um ensino que forma estudantes críticos e reflexivos, capazes de compreender e atuar na sociedade, precisamos desenvolver habilidades como análise, argumentação, pesquisa, busca e interpretação de dados e fontes, além da habilidade de trabalhar em equipe. Daí a importância de um ensino interdisciplinar, que possibilite conexões com áreas como literatura, filosofia, sociologia e ciências políticas, pois isso permitiria uma compreensão ainda mais ampla e contextualizada de eventos históricos e geográficos. Em resumo, o ensino de história e geografia no século XXI busca ser mais significativo, relevante, crítico e contextualizado, valorizando a diversidade de perspectivas e incentivando a formação de cidadãos conscientes e reflexivos. 2 HISTÓRIA E GEOGRAFIA COMO ÁREAS DE CONHECIMENTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS Heloisa Penteado (1994), renomada teórica de educação no Brasil, comenta: A produção do conhecimento compreende, pois, um processo de trabalho, atualmente organizado por uma “divisão do trabalho” entre cientistas de diferentes especialidades. No presente momento da história das ciências, essa divisão tem a função de viabilizar a ação humana de produção do conhecimento científico. Não impede, contudo, e chega mesmo a requerer, o recurso aos saberes produzidos em outros campos, ou a construção de equipes interdisciplinares de trabalho. Isso porque a própria indivisibilidade da realidade exige sempre a volta ao todo, à compreensão abrangente (Penteado, 1994, p. 19). Ciências humanas dizem respeito a várias áreas, mas nos anos iniciais do Ensino Fundamental se desdobram apenas em duas disciplinas: história e geografia. Penteado (1994) afirma que essa redução é preocupante, pois é na escola que os estudantes acessam conhecimento sistematizado e organizado. E o conhecimento produzido nessas áreas costuma ser desmistificador, uma espécie de saber ameaçador, capaz de provocar no estudante indagações e inquietações diante do status quo. Por isso elas podem ser negligenciadas a depender da orientação ideológica de um governo em questão, dada sua capacidade de questionar regimes autoritários e populistas que compreendem a realidade sociocultural como um fato “natural” e, portanto, “dado”, tachando a injustiça social como “fatalismo”. Portanto, um ensino capaz de conduzir o estudante ao ato de indagar sobre a realidade poderia provocar tumulto e chegar aodesvelamento de fatos controversos. Saiba mais Para mais informações sobre o momento histórico dos regimes autoritários no Brasil, leia: SOARES, E. L. T. Regimes autoritários e ditadura militar no Brasil: história e historiografia, 2020. (Relatório de pesquisa). 24 Unidade I A Lei n. 5.692/1971 estabeleceu normas que organizam o ensino de estudos sociais. Esse ensino ministrado no 1º grau – equivalente ao que hoje se chama de Ensino Fundamental Anos Iniciais – serviu de base para conhecimentos e conceitos de história e geografia, com o objetivo de integrar a relação espaço‑temporal do educando. Foi uma lei de referência na época, pois orientou o ensino da disciplina nas escolas brasileiras, permanecendo doze anos no currículo dos 4 anos iniciais do 1º grau e nos 4 anos finais. Outras disciplinas também foram trabalhadas, como organização social e política do Brasil, e educação moral e cívica. O desagrado com o ensino das ciências humanas no curso de primeiro grau não data, porém, de 1971. Remonta ao período anterior, em que história e geografia eram trabalhadas de maneira estanque, desvinculadas entre si e da realidade do aluno que a estudava, não dando conta de uma visão global da vida do ser humano, de sua existência em sociedade (Penteado, 1994, p. 20‑21). Ao longo dos anos, a legislação na área educacional passou por diversas mudanças; a mais expressiva e em vigor até hoje é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, que trouxe novas diretrizes para o currículo escolar. Ainda assim, a Lei n. 9.256/1971 foi um marco histórico no ensino de estudos sociais no Brasil e em vários outros aspectos, pois trouxe determinações em vários campos da educação. A LDB estabelece diretrizes sobre como organizar a educação brasileira; nela o ensino de ciências humanas e sociais aplicadas é obrigatório e deve constar nos currículos do Ensino Fundamental e Médio, fundamentais para formar o estudante. Também coloca que o ensino deve ser pautado por uma abordagem crítica e reflexiva, estimulando o senso crítico e contribuindo para formar cidadãos participativos e conscientes. Nessa diretriz entra o ensino de história, que permite entender melhor nossa identidade coletiva, compreender a formação de nações, entender raízes de problemas atuais e contribuir para construir uma sociedade mais consciente e crítica, e geografia, fundamental para compreender as dinâmicas espaciais e territoriais, transformações urbanas, relações de poder e desigualdades sociais. Portanto, ambas as disciplinas se complementam. Enquanto a história nos ajuda a entender o passado e a construir uma narrativa sobre ele, a geografia nos ajuda a compreender as características do espaço em que essas histórias se desenvolvem. Juntas, elas permitem entender a diversidade e a complexidade das sociedades humanas, contribuindo para uma formação crítica e reflexiva. 25 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA 2.1 Áreas de conhecimento das ciências humanas As ciências humanas devem […] estimular uma formação ética, elemento fundamental para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a construir um sentido de responsabilidade para valorizar: os direitos humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais (Brasil, 2018, p. 354). As ciências humanas abarcam o conhecimento embricando‑se por várias áreas, como sociologia, filosofia, antropologia, história, geografia, economia e política, entre outras – todas objetivam estudar o homem e suas relações: entre si, com o meio natural e com recursos já criados por outros homens nos mais diversos tempos e locais. Cada ciência apresenta especificidades e especializa‑se em determinados aspectos (Penteado, 1994, p. 17‑18): • Sociologia examina fenômenos sociais, relações humanas e estruturas que moldam a vida em sociedade. • Filosofia busca entender as questões fundamentais da existência humana, como a natureza do conhecimento, da ética, da moral e da razão. • Antropologia estuda a cultura, a sociedade e as características humanas em diferentes contextos socioculturais. • História analisa eventos, pessoas e processos do passado, buscando compreender como a humanidade evoluiu ao longo do tempo. • Geografia estuda a relação entre os seres humanos e o espaço geográfico, incluindo distribuição da população, padrões de assentamento e relações entre sociedade e ambiente. • Economia analisa produção, distribuição e consumo de bens e serviços, além de estudar as relações econômicas entre indivíduos, empresas e governos. • Ciência política investiga estruturas, processos e relações de poder em governos e outras instituições políticas. • Psicologia investiga processos mentais, comportamento humano, emoções e interações sociais. Essas são apenas algumas das áreas das ciências humanas; todas têm subcampos específicos e conexão com outras disciplinas. 26 Unidade I A presença das ciências humanas no currículo foi estabelecida pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada no Brasil em 2018. O documento estabelece conhecimentos e habilidades essenciais que todos os alunos brasileiros devem adquirir ao longo de toda a Educação Básica, no intuito de garantir a qualidade e equidade da educação no país. Observação Educação Básica é a primeira etapa da educação formal, compreendendo geralmente os primeiros anos da vida escolar. Ela engloba Educação Infantil, que atende crianças de 0 a 5 anos; Ensino Fundamental, que abrange alunos dos 6 aos 14; e Ensino Médio, dos 15 aos 17. A Educação Básica busca proporcionar uma formação integral aos alunos, desenvolvendo habilidades cognitivas, sociais, emocionais, físicas e culturais, visando garantir acesso à educação e ao aprendizado de competências básicas para a vida em sociedade. A BNCC foi elaborada de forma colaborativa por educadores, especialistas e representantes de diversos setores da sociedade, de todo o Brasil, e teve como base os princípios da igualdade de direitos e a promoção da cidadania, além de considerar múltiplas dimensões do desenvolvimento humano. É importante destacar que ela não estabelece um currículo único para todas as escolas do país, mas serve como referência para elaborar currículos das redes de ensino. Cada escola e rede tem autonomia para adaptar a BNCC à sua realidade. 27 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA Educação Básica Competências gerais da Educação Básica Educação Infantil Direitos de aprendizagem e desenvolvimento Etapas Campos de experiências Áreas do conhecimento Áreas do conhecimento Competências específicas de área Competências específicas de área Língua Portuguesa Matemática Competências específicas de componente Anos Iniciais Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento Anos Finais HabilidadesHabilidadesObjetivos de conhecimento Unidades temáticas Bebês (0-1a6m) Crianças bem pequenas (1a7m-3a11m) Crianças pequenas (4a-5a11m) Componentes curriculares Ensino Fundamental Ensino Médio Figura 5 Adaptada de: Brasil (2018, p. 24). Nos Ensino Fundamental – Anos Iniciais, as ciências humanas são uma área de conhecimento que visa desenvolver nos alunos compreensão e reflexão da sociedade e da cultura em que estão inseridos. 28 Unidade I Educação Básica Competências gerais da Educação Básica Áreas do conhecimento Componentes curriculares Anos iniciais (1o ao 5o ano) Anos finais (6o ao 9o ano) Língua Portuguesa Arte Educação Física Língua Inglesa MatemáticaMatemática Ciências Geografia História Ensino Religioso Ensino Religioso Ciências Humanas Ciências da Natureza Linguagens Ensino Fundamental Na BNCC, O Ensino Fundamental está organizado em cinco áreas do conhecimento. Essas áreas, como bem aponta o Parecer CNE/CEB nº 11/201024 “favorecema comunicação entre os conhecimentos e saberes dos diferentes componentes curriculares” (BRASIL, 2010). Elas se intersectam na formação dos alunos, embora se preservem as especificidades e os saberes próprios construídos e sistematizados nos diversos componentes. Nos textos de apresentação, cada área do conhecimento explicita seu papel na formação integral dos alunos do Ensino Fundamental e destaca particularidades para o Ensino Fundamental – Anos Iniciais e o Ensino Fundamental – Anos Finais, considerando tanto as caracteristicas do alunado quanto as especificidades e demandas pedagógicas dessas fases da escolarização. Figura 6 Adaptada de: Brasil (2018, p. 27). Pelas ciências humanas, os alunos são incentivados a conhecer e valorizar a diversidade cultural, compreender seu tempo histórico, identificar características geográficas do seu ambiente e refletir sobre questões sociais relevantes. Além disso, a disciplina também estimula a capacidade de questionamento, raciocínio lógico e interpretação de diferentes fontes de informação. A área de ciências humanas contribui para que os alunos desenvolvam a cognição in situ, ou seja, sem prescindir da contextualização marcada pelas noções de tempo e espaço, conceitos fundamentais da área. [...] A capacidade de identificação dessa circunstância impõe‑se como condição para que o ser humano compreenda, interprete e avalie os significados das ações realizadas no passado ou no presente, o que o torna responsável tanto pelo saber produzido quanto pelo controle dos fenômenos naturais e históricos dos quais é agente (Brasil, 2018, p. 353). 29 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA A proposta metodológica para ensinar ciências humanas nessa etapa da escolarização é que história e geografia sejam trabalhadas de forma lúdica e didática, com atividades e projetos que despertam o interesse dos alunos e os incentivem a pesquisar, dialogar e participar ativamente, com ênfase na noção de tempo, espaço, diversidade cultural e trabalho em equipe. Dessa forma, as ciências humanas do Ensino Fundamental têm papel salutar na formação dos alunos, desenvolvendo competências cognitivas, sociais e emocionais, além de promover uma educação crítica e cidadã desde cedo, e potencializando sentidos e experiências com saberes sobre pessoa, mundo social e natureza. A figura 7 sinaliza as competências específicas das ciências humanas para o Ensino Fundamental de acordo com a BNCC: Competências específicas de Ciências Humanas para o Ensino Fundamental 1. Compreender a si e ao outro como identidades diferentes, de forma a exercitar o respeito à diferença em uma sociedade plural e promover os direitos humanos. 2. Analisar o mundo social, cultural e digital e o meio técnico‑científico‑informacional com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, considerando suas variações de significado no tempo e no espaço, para intervir em situações do cotidiano e se posicionar diante de problemas do mundo contemporâneo. 3. Identificar, comparar e explicar a intervenção do ser humano na natureza e na sociedade, exercitando a curiosidade e propondo ideias e ações que contribuam para a transformação espacial, social e cultural, de modo a participar efetivamente das dinâmicas da vida social. 4. Interpretar e expressar sentimentos, crenças e dúvidas com relação a si mesmo, aos outros e às diferentes culturas, com base nos instrumentos de investigação das Ciências Humanas, promovendo o acolhimento e a valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 5. Comparar eventos ocorridos simultaneamente no mesmo espaço e em espaços variados, e eventos ocorridos em tempos diferentes no mesmo espaço e em espaços variados. 6. Construir argumentos, com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, para negociar e defender ideias e opiniões que respeitem e promovam os direitos humanos & a consciência socioambiental, exercitando a responsabilidade e o protagonismo voltados para o bem comum e a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 7. Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e diferentes gêneros textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação no desenvolvimento do raciocínio espaço‑temporal relacionado a localização, distância, direção, duração, simultaneidade, sucessão, ritmo e conexão. Figura 7 Adaptada de: Brasil (2018, p. 357). 30 Unidade I 2.2 Proposta do ensino de história A proposta do ensino de história é proporcionar aos alunos a compreensão do passado, para que possam refletir sobre o presente e se preparar para o futuro, com o objetivo de incentivar o pensamento crítico, a análise das fontes históricas e o desenvolvimento de habilidades de pesquisa e interpretação. Além de, promover a consciência da diversidade cultural e social, buscando desconstruir estereótipos e preconceitos presentes na sociedade. Estudando o passado, os alunos são encorajados a refletir sobre diferentes processos históricos, compreendendo relações de poder, desigualdades e lutas sociais. Fermiano e Santos (2014, p. 9) apresentam vários desafios ao professor do Ensino Fundamental na área de história: • conceber o aluno como sujeito histórico; • partir da realidade do aluno para ensinar história; • colaborar com a formação do pensamento crítico entre estudantes; • educar para construir cidadania; • educar para desenvolver solidariedade entre os alunos e a comunidade onde vivem; • trabalhar com temas transversais e com novas temáticas: direito das crianças, adolescentes e pessoas idosas; história e cultura afro‑brasileira e indígena. Todos esses desafios estão presentes nos documentos orientadores do ensino de história desde 1980, mais explicitamente desde 1997, após a publicação dos PCN de história e reafirmados, de alguma forma, pela BNCC em 2018. Nessa conjuntura, compete ao professor compreender o aluno como sujeito no processo histórico, de modo a trazer em suas propostas pedagógicas o conhecimento histórico capaz de contribuir para desenvolver sua identidade, para que ele se perceba parte da história e se reconheça dentro de um sistema de relações sociais que o precede e do qual ele faz parte. Conceber o aluno como sujeito histórico também implica sensibilizá‑lo em relação às suas responsabilidades sociais, que tendem a crescer com o tempo. Para isso, é preciso que ele aprenda a respeitar o “outro”, com suas especificidades culturais e experiências de vida (Fermiano; Santos, 2014, p. 10). O desafio de partir da realidade do aluno para ensinar história significa ter como primeira referência o cotidiano deles; mas para isso o professor deve conhecer esse universo sociocultural, isto é, valores, linguagem, visão de mundo e, dessa forma, levá‑los a compreender sua realidade, mostrando que ela é apenas uma fração de diversas possibilidades de viver. Com o tempo, os alunos poderão compreender que a história é fruto de uma construção dinâmica de relações entre pessoas, que acolhe diferentes caminhos de existência. 31 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA Uma tarefa muito importante para quem leciona história é ensinar os alunos a pensar criticamente. Os PCN da disciplina colocam como objetivo que eles sejam capazes de “questionar a realidade formulando‑se problemas e tratando de resolvê‑los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação” (Brasil, 1997, p. 8). Conforme as aulas apresentem situações didáticas estimuladoras, que levem o aluno a pesquisar, comparar, classificar, analisar, imaginar e criar em diferentes linguagens, o professor o fará perceber o diálogo entre passado e presente, e que tempos históricos não são independentes e estanques; havendo na verdade uma forte relação entre diversos espaços, trajetórias, causas e consequências(Fermiano; Santos, 2014). O pensamento crítico nos alunos se desenvolve com atividades de reflexão, perguntas desafiadoras, levando‑os a um amadurecimento necessário para agir com capacidade reflexiva diante de situações históricas simples, que os direcionem a exercitar o pensamento crítico. De preferência, métodos do tipo devem ser apresentados desde o Ensino Fundamental – Anos Iniciais (Fermiano; Santos, 2014). Exemplo de aplicação Público-alvo: alunos de 1º e 2º ano do Ensino Fundamental Atividade: a partir da leitura prévia de Alice no País das Maravilhas, o professor solicita que os alunos descrevam características, hábitos e condutas da personagem Rainha de Copas. Desenvolvimento da situação didática: os alunos provavelmente descreverão algumas situações como: “Ela gosta de rosas cor de carmim”, “Ela é má”, “Ela joga croquet”, “Ela ordena que cortem a cabeça daqueles que a desagradam ou a desobedecem”. A partir das respostas, o professor deve avançar na discussão, sempre com o intuito de encaminhar os alunos para formar o pensamento crítico e colocar as seguintes perguntas: “Por que a rainha pode mandar dessa forma?”, “Por que os outros personagens a temem?”, “Ela é obedecida?”, “Os outros personagens gostam de jogar com ela?”, “Existe outro modo de governar (ou jogar)?”. Adaptado de: Fermiano e Santos (2014, p. 16). Ensinar história para construir a cidadania e educar para a solidariedade significa entender que precisamos formar o aluno para ser capaz de compreender como a sociedade se organiza e qual é seu papel dentro dela, de modo a perceber‑se como sujeito de direitos e deveres, que deve conviver com tolerância e respeito à diversidade, atuando com solidariedade diante das diversas situações de vulnerabilidade que a sociedade apresenta, e sempre de modo democrático. Sabemos que não é tarefa simples, pois significa levar o aluno a sair da condição de mero espectador da história para se tornar capaz de fazer parte dela com ações que o ajudem a transformar sua própria realidade (Fermiano; Santos, 2014, p. 22). 32 Unidade I O trabalho com temas transversais – ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde, orientação sexual e temas locais – é apresentado pelos PCN para contribuir com a formação do aluno, por considerar que relações sociais e históricas abarcam uma diversidade ampla, e que discutir diferentes aspectos da realidade lhe permite compreender a pluralidade dos grupos sociais (Brasil, 1997, p. 26). Esse trabalho deve eleger conteúdos relevantes, que sirvam de base para discutir questões sociais e levem o aluno a uma análise crítica da realidade. Os PCN indicam aos professores, diante da diversidade de conteúdo, fazer escolhas daqueles que são mais significativos para ser trabalhados em determinados momentos ou determinados grupos de alunos, no decorrer da escolaridade. Os conteúdos de história, como são propostos neste documento, não devem ser considerados fixos. A escola e os professores devem recriá‑los e adaptá‑los à sua realidade local e regional (Brasil, 1997, p. 45). Uma proposta didática para trabalhar com temas transversais e outras atualidades é desenvolver projetos que encaminhem o aluno à pesquisa de campo, investigando a partir da observação, da curiosidade e da necessidade de buscar respostas coerentes aos questionamentos apresentados e que possibilitem uma visão ampla sobre o assunto. É importante que o conteúdo a ser trabalhado no Ensino Fundamental – Anos Iniciais seja dado em situações didáticas, com discussões em classe, investigações do estudo do meio, debates que propiciem um ambiente cooperativo de compreensão da realidade e dos temas (Fermiano; Santos, 2014). As novas leis do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Estatuto da Pessoa Idosa, além da inserção da história e cultura afro‑brasileira e indígena nos currículos escolares, representam maior visibilidade para grupos historicamente excluídos, alcançando um avanço social que abre espaço para eles serem reconhecidos como sujeitos históricos e participantes da história do Brasil. Observação A seguir, algumas leis que determinam a obrigatoriedade de discutir a inclusão de grupos excluídos historicamente: • Lei n. 8.069/1990: dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e define ambos como sujeitos de direitos que precisam de proteção integral e prioritária por parte da família, da sociedade e do Estado. • Lei n. 10.741/2003: dispõe sobre o Estatuto do Idoso, que passa a se chamar Estatuto da Pessoa Idosa a partir da redação dada pela Lei n. 14.423/2022. • Lei n. 10.639/2003: estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro‑brasileira no currículo oficial da rede de ensino. 33 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA • Lei n. 11.645/2008: modifica a Lei n. 10.639/2003, incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “história e cultura afro‑brasileira e indígena”. Portanto, o ensino de história no Ensino Fundamental – Anos Iniciais deve entender o aluno como sujeito de sua própria história e compreender as múltiplas visões de outros sujeitos que compõem sua narrativa. Além disso, essa proposta busca conectar o passado com o presente, incentivando‑o a refletir sobre os impactos históricos ainda hoje vivenciados. Dessa forma, o ensino de história pode formar cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade. 2.3 Proposta do ensino de geografia O ensino de geografia deve proporcionar conhecimento sobre o espaço físico e social do aluno, suas características e a relação entre sociedade e ambiente, pois o objetivo é desenvolver sua capacidade de compreender e interpretar fenômenos como a formação e transformação de lugares, interações entre sociedades e meio ambiente, distribuição da população, migrações, entre outros aspectos. A disciplina de geografia também apresentou mudanças históricas em seu ensino. De acordo com os PCN (Brasil, 1997, p. 71‑72), as primeiras tendências foram estas: • Década de 1940: ensino de geografia sob influência da escola francesa de Vidal de La Blache, com explicação objetiva e quantitativa da realidade, também conhecida como geografia tradicional. Apesar de valorizar o papel do ser humano como sujeito histórico, propunha‑se, na análise da produção do espaço geográfico, estudar a relação homem‑natureza sem priorizar as relações sociais. • Décadas de 1950 e 1960: ensino marcado pelo pós‑guerra, sob influência das teorias marxistas, fez crítica à geografia tradicional, passando a se basear no espaço, termo que orientava o pensamento geográfico. O centro de preocupações passou a ser as relações entre sociedade, trabalho e natureza na produção do espaço geográfico. • Década de 1980 em diante: o ensino de geografia passou a considerar as dimensões subjetivas do ser humano em sociedade e suas relações com a natureza. As novas propostas de ensino de geografia possibilitam diferentes percepções do espaço geográfico e sua construção. Por isso, diversas interpretações desse espaço promoveram relações com várias áreas do saber, como antropologia, sociologia, biologia e ciências políticas (Brasil, 1997). Os PCN afirmam que, com essas relações interdisciplinares, o ensino passou a trabalhar “tanto as relações socioculturais da paisagem como os elementos físicos e biológicos que dela fazem parte, investigando as múltiplas interações entre eles estabelecidas na constituição de um espaço: o espaço geográfico” (p. 72). Tal proposta trouxe condições para produzir novos modelos didáticos, mas a rápida incorporação das mudanças do meio acadêmico trouxe inúmeras propostas didáticas, adotadas e descartadas, sem 34 Unidade I possibilitar que professores em sala de aula compreendessem o sentido delas, o que impulsionou o uso técnico do livro didático sem questionamento e, pior, apoiado numa geografia descritiva e sem crítica. Os PCN apontam que não apenas a prática do professor está permeada de indefinições e confusões, masas propostas curriculares produzidas nas últimas décadas também. De acordo com análise da Fundação Carlos Chagas (FCC), o ensino de geografia apresenta problemas na ordem epistemológica em seus pressupostos teóricos e na escolha de conteúdo. A análise indica (Brasil, 1997, p. 73): • abandono de conteúdos fundamentais da geografia, como categorias de nação, território, lugar, paisagem e até mesmo de espaço geográfico, bem como do estudo de elementos físicos e biológicos que se encontram ali presentes; • modismos que buscam sensibilizar alunos para temáticas mais atuais, sem preocupação real de compreender múltiplos fatores que delas são causa ou decorrência, o que provoca um “envelhecimento” rápido do conteúdo. Um exemplo é a adaptação forçada de questões ambientais em currículos e livros didáticos que ainda preservam um discurso da geografia tradicional e não têm como objetivo uma compreensão processual e crítica dessas questões, transformando‑se numa “aprendizagem de slogans”; • preocupação maior com conteúdo conceitual do que procedimental. Assim o ensino fica restrito a aprender fenômenos e conceitos, desconsiderando a aprendizagem de procedimentos fundamentais para compreender métodos e explicações com que a própria geografia trabalha; • propostas pedagógicas que separam geografia humana da geografia física: ou a abordagem é essencialmente social e a natureza é um apêndice, um recurso natural, ou então trabalha a gênese dos fenômenos naturais de forma pura, analisando suas leis, em detrimento da possibilidade exclusiva da geografia de interpretar fenômenos numa abordagem socioambiental; • memorização como exercício fundamental praticado no ensino de geografia, mesmo nas abordagens mais avançadas. Apesar da proposta de problematização, de estudo do meio e da forte ênfase no papel dos sujeitos sociais na construção do território e do espaço, o que se avalia ao final de cada estudo é se o aluno memorizou ou não os fenômenos e conceitos trabalhados, e não o que pôde identificar e compreender das múltiplas relações ali existentes; • noção de escala espaço‑temporal muitas vezes confusa; ou seja, não se explicita como os temas de âmbito local estão presentes nos de âmbito universal e vice‑versa, nem como o espaço geográfico materializa diferentes tempos (da sociedade e da natureza). Segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009), os PCN de geografia (1997) propõem um ensino que leve o aluno a compreender de forma mais ampla a realidade, possibilitando que interfira nela de maneira mais consciente e propositiva, observando, conhecendo, explicando, comparando e representando características do lugar onde vive e de diferentes paisagens e espaços. Para isso, o ensino 35 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA de geografia busca estimular o pensamento crítico e a reflexão sobre a realidade através da análise de mapas, gráficos, imagens e textos, ferramentas para compreender e interpretar temas abordados; além de valorizar e respeitar a diversidade cultural e pluralidade de saberes, considerando a importância da ação humana na construção do espaço geográfico. Lembrete Os temas abordados no ensino de geografia variam e se relacionam a questões sociais, econômicas, políticas e ambientais, como desigualdade socioespacial, desenvolvimento sustentável, globalização, mudanças climáticas, entre outras. Dessa forma, podemos afirmar que a proposta do ensino de geografia é formar cidadãos críticos, conscientes e responsáveis, capazes de compreender e atuar de forma ética e sustentável onde vivem. 3 CURRÍCULOS DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Neste material formativo é importante saber o que significa currículo escolar, parte essencial da educação em todos os níveis, pois fornece a base para o aprendizado em escolas, colégios e universidades. Trata‑se da estrutura que guia o processo de ensino e aprendizagem, definindo objetivos educacionais, conteúdo, estratégias de ensino e avaliação, sendo elaborado a partir de uma série de elementos interligados – como objetivos educacionais, metas a alcançar, etapa de ensino e conteúdo a ensinar. Desde a publicação da BNCC, em 2018, estados, municípios e Distrito Federal devem se basear nela para elaborar seu currículo e alinhar as orientações curriculares, definindo aprendizagens essenciais a que todos os alunos devem ter acesso, com base nas habilidades e competências determinadas no documento. O conhecimento no currículo é sempre conhecimento especializado e é especializado de duas maneiras: (i) Em relação às fontes disciplinares: conhecimento produzido por especialistas nas áreas de conhecimento – história, física, geografia. Os especialistas disciplinares nem sempre concordam ou acertam, e, embora seu propósito seja descobrir a verdade, às vezes são influenciados por outros fatores, além da busca da verdade. Contudo, é difícil pensar em uma fonte melhor para “o melhor conhecimento disponível” em qualquer campo. Não há país com um bom sistema educacional que não confie nos seus especialistas disciplinares como fontes do conhecimento que devem estar nos currículos. (ii) Em relação a diferentes grupos de aprendizes: todo currículo é elaborado para grupos específicos de aprendizes e tem de levar em consideração o conhecimento anterior de que estes dispõem (Young, 2014, p. 199). 36 Unidade I Portanto, o currículo escolar deve organizar conteúdos relevantes, sendo atualizado e coerente com os objetivos educacionais, áreas de conhecimento ou temas transversais, a depender da abordagem pedagógica adotada pela instituição. Além disso, deve ser flexível às necessidades e demandas da sociedade e contemplar uma avaliação sistemática e contínua do desempenho dos estudantes – o que pode ocorrer de diferentes formas, como testes escritos, provas orais, trabalhos em grupo, projetos individuais, entre outros –, para verificar se estão alcançando os objetivos educacionais estabelecidos e identificar possíveis dificuldades ou lacunas no processo de ensino e aprendizagem. A construção de um currículo escolar eficiente requer trabalho conjunto entre educadores, especialistas em educação e gestores educacionais. Isso demanda tempo e esforço coletivo na definição dos objetivos educacionais, na seleção do conteúdo, na escolha das estratégias de ensino e aprendizagem e na elaboração das avaliações. Um bom planejamento é essencial para o sucesso dos estudantes, pois oferece uma base sólida para sua formação acadêmica; um currículo que integre diferentes áreas do conhecimento permite que os estudantes associem conteúdos e desenvolvam uma visão mais ampla e integrada do mundo. A seguir, um esquema da divisão escolar atual: Educação Infantil Ensino Fundamental Ensino Médio Anos iniciais Anos finais Unidades temáticas Objetos do conhecimento Habilidades Figura 8 Unidades temáticas na BNCC são agrupamentos de conhecimentos que percorrem diferentes áreas do saber, permitindo abordar conteúdos curriculares de forma integrada e interdisciplinar, com vistas a promover uma formação integral e significativa. São o conjunto de conhecimentos inter‑relacionados e relevantes para formar um perfil específico dos estudantes ao final de cada etapa da Educação Básica (Brasil, 2018). 37 CONTEÚDOS DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA Objetos do conhecimento são os conteúdos que se espera que os estudantes desenvolvam ao longo de sua trajetória educacional. Cada área apresenta diferentes tópicos, organizados dentro das habilidades específicas para os estudantes desenvolverem capacidades cognitivas, éticas, estéticas, físicas e emocionais. Habilidades representam o desenvolvimento de práticas nas situações cognitivas e socioemocionais, buscando resolver da melhor forma problemas da vida cotidiana. Por fim, um bom currículo escolar, além de considerar habilidades e competências do documento norteador, deve promover a autonomia e o protagonismo do aluno e estimular sua capacidade
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