Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SOCIEDADE, CULTURA E CIDADANIA Pablo Rodrigo Bes Sensibilizar para a democracia e a participação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Relacionar a prática educadora com os conceitos de autonomia e emancipação dos sujeitos. Identificar os diversos ambientes educativos como espaços de- mocráticos que possibilitem uma troca de saberes e um mútuo enriquecimento. Repensar a organização dos ambientes educativos para o favoreci- mento da coletividade, da democracia e da participação. Introdução Atualmente, o Brasil tem um sistema de governo democrático, que se baseia nos princípios da participação e do envolvimento coletivo nos assuntos de interesse dos cidadãos. Para o sistema educacional brasileiro, os princípios democráticos também são norteadores das ações educativas. A escola é a instituição encarregada de promover as aprendizagens necessárias para que os estudantes desenvolvam sua cidadania, per- cebam a importância da manutenção de um ambiente democrático e sejam capazes de agir por si próprios com criticidade e responsabilidade. Para que se possam atingir os objetivos de uma prática educacional voltada à participação de todos da comunidade escolar, é necessário que os ambientes educacionais sejam repensados e preparados para essas finalidades. Neste capítulo, você vai estudar os conceitos de autonomia e eman- cipação dos sujeitos a partir das práticas educacionais. Também vai identificar os ambientes educativos presentes na escola, associando-os com espaços democráticos estruturados para a troca de conhecimentos e o enriquecimento mútuo dos profissionais da educação e seus alunos. Além disso, vai ver como os ambientes da escola podem ser repensados e organizados para favorecer a participação da coletividade e reafirmar os princípios democráticos. Educação: autonomia e emancipação dos sujeitos Reconhecer que a sociedade passou por inúmeras mudanças nas últimas dé- cadas ajuda você a entender o conceito de autonomia. Afi nal, sem autonomia você não seria capaz de perceber que hoje as pessoas são conduzidas a viver de acordo com o estilo de vida produzido por uma sociedade organizada pela lógica do capital, do consumo e da concorrência. O conceito de autonomia está ligado à independência, à capacidade que as pessoas têm de determinar e conduzir suas vidas. Essa tarefa se torna muito complexa na sociedade contemporânea, porém ela faz toda a diferença na tomada de decisões conscientes e na análise mais apurada das situações. A escola é uma instituição social que se encarrega (ou deveria), desde os primeiros anos de escolarização (na educação infantil), de proporcionar aos alunos o desen- volvimento de sua autonomia, tornando-os capazes de resolver por si só seus conflitos cotidianos. Esses conflitos incluem desde os mais simples, como o controle dos esfíncteres nas crianças do berçário, até as abstrações e formulações de hipóteses mais complexas e o traçado de cenários futuros no ensino médio. Segundo Nogaro e Nogaro (2007, p. 11), [...] a autonomia tem como princípio o atendimento da necessidade e orientação humana de liberdade e independência, que lhe garantem espaços e oportu- nidades para a iniciativa e a criatividade, as quais são impulsionadoras do desenvolvimento pessoal e organizacional. Dessa forma, para que a escola possa desenvolver a autonomia de seus alunos, os espaços escolares e as práticas educacionais devem possibilitar esses exercícios de liberdade e independência. Isso pode ferir o estatuto dis- ciplinar da escola ou mesmo as normas estabelecidas no interior dela. Como exemplo, considere uma escola que preza, em seu regimento e em seu projeto político-pedagógico, pelo desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e dos princípios democráticos. Contudo, nas práticas cotidianas desenvolvidas pelos professores em sala de aula, os alunos não podem manifestar-se, sendo coibidos de participar ou nem sequer sendo questionados sobre os formatos adotados para as aulas. Sensibilizar para a democracia e a participação2 Marchesi (2006, p. 27) adverte que: [...] aumentar o espaço para a autonomia das escolas e dos professores é lhes oferecer, e lhes exigir, uma maior responsabilidade. Reduzir esse espaço, ou não facilitar os meios para se mover dentro de seus limites, contribui para reduzir a responsabilidade individual e coletiva. Cabe a reflexão sobre o quanto os profissionais da educação são respon- sáveis pelo desenvolvimento da autonomia daqueles a quem ensinam. Será que os educadores simplesmente consideram que seus alunos devem agir passivamente, sem desenvolver seu espírito crítico? A autonomia se encontra fortemente relacionada com a emancipação do sujeito, com a sua condição de agir de forma coerente com uma melhor lei- tura de mundo, de sua realidade social e de sua capacidade de mudança. A emancipação do sujeito: [...] pode ser entendida como a capacidade do homem de, a partir da reflexão das incertezas da contemporaneidade e de perceber as contradições dialéticas do contexto social, se restituir como sujeito autônomo (processo de subjeti- vação) mediante o exercício de pensar criticamente sua condição humana [...] (MEDEIROS, 2015, documento on-line). Logo, esses exercícios de reflexão sobre as incertezas e contradições con- temporâneas devem ser propostos no interior das escolas para a formação de uma geração de adultos mais capazes de produzir atitudes condizentes com a construção de um mundo melhor. A emancipação do sujeito ocorre a partir do momento em que ele se torna capaz de perceber como a sua subjetividade vem sendo construída, produzida a partir de uma série de fatores que estão à sua volta. Para entender melhor, observe a Figura 1, a seguir. Figura 1. Fatores importantes na construção da subjetividade. 3Sensibilizar para a democracia e a participação A subjetividade é constituída a partir de interações com os campos sociais (pessoas com quem se vive e interage), culturais (ensinamentos recebidos dos grupos sociais), econômicos (fatores que integram a materialidade da vida, a condição de classe, etc.) e políticos (condição daqueles que gover- nam e da forma como as pessoas se articulam no espaço democrático). Dessa forma, o sujeito emancipado é aquele que, ao analisar esses campos que o constituem, consegue perceber a importância e as articulações que existem entre eles. A subjetividade pode ser definida como os aspectos internos, íntimos de cada pessoa. Ela envolve o modo como a pessoa se relaciona consigo mesma e com outras pessoas, como ela interpreta o mundo em que vive, por meio de suas emoções, sentimentos e pensamentos. A subjetividade é construída a partir das experiências que cada um vivencia nos mais diversos campos sociais de que participa. É por isso que as pessoas são diferentes, singulares e únicas. De acordo com Freire (1997, p. 66), “[...] o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conce- der uns aos outros”. Dessa forma, é imperativo para um educador promover o desenvolvimento da autonomia em seus alunos. Bittar (2007, p. 2), ao analisar o conceito de autonomia, afirma que ela se verifica: [...] na capacidade de analisar e distinguir, para o que é necessária a crítica, pois somente ela divisa o errado no aparentemente certo, o injusto no aparen- temente justo. O educando deve ser estimulado a perceber estas diferenças e a reagir a elas quando necessário. Novamente, você deve notar o papel do professor como aquele responsável pela mediação do processo de aprendizagem de seus alunos em busca do des- pertar para a criticidade. Lembre-se sempre de que os alunos são diferentes e, dessa maneira, apresentam necessidades de apoio e intervenção do professor em momentos distintos e graus diferentes. Sensibilizar para a democracia e a participação4 Outro aspecto de extrema importância para o docente que deseja exercer umapostura crítica, promovendo reflexões que produzam autonomia e emancipação em seus alunos, é o fato de não se manter somente preso aos conteúdos que devem ser ensinados. O professor deve ir além e fazer com que o cotidiano da vida de seus alunos seja vivenciado e problematizado a partir de suas aulas. Afinal: [...] a capacidade crítica se adquire com permanente olhar dedicado aos des- locamentos da vida social, cuja consciência histórica deve ser trazida à visão do aluno, não importando se o curso seja de matemática, biologia, física ou geografia, se de sociologia ou de psicologia (BITTAR, 2007, p. 3). Ou seja, todas as disciplinas ensinadas na escola fazem parte desse conjunto maior, dessa matriz que possibilita viver em sociedade. Por isso, devem ser aprendidas sem que o aluno perca a capacidade de localizá-las e articulá-las com as características da vida social. Os conhecimentos escolares não se encontram separados, fragmentados ou dissociados entre si da vida cotidiana. Eles ocorrem simultaneamente, quebrando as ideias cartesianas e positivistas ainda hoje utilizadas nas escolas. O termo “cartesiano” refere-se a René Descartes, que criou o método científico, tão utilizado na ciência. Tal método procura dividir o fenômeno em frações para que seja mais facilmente analisado, o que ocasionou a divisão do ensino em disciplinas, seguindo suas premissas. Por sua vez, as ideias positivistas remetem ao positivismo, corrente de pensamento educacional e filosófico moderna que enxerga na ciência a explicação verdadeira e válida para todas as coisas. Para desenvolver autonomia, capacidade crítica e emancipação dos sujeitos, melhor seria o uso de outras práticas além da disciplinar, como você pode ver no Quadro 1, a seguir. 5Sensibilizar para a democracia e a participação Fonte: Adaptado de Iarozinski Neto e Leite (2010). Disciplinar Observação da realidade a partir de uma base de conhecimentos. Multidisciplinar Observação da realidade realizada por disciplinas do conhecimento isoladamente. Pluridisciplinar Observação da realidade realizada por várias disciplinas do conhecimento, havendo troca entre elas. Interdisciplinar Observação da realidade realizada por meio da transfe- rência de conhecimento de uma disciplina para outra. Transdisciplinar Observação da realidade realizada na interseção dos conhecimentos das disciplinas. Quadro 1. Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade Você deve refletir sobre a construção da sua própria autonomia, assim como das condições que possibilitam a você pensar criticamente. Nesse sentido, deve verificar se tal construção se associa com o período de sua escolarização inicial. Como você pode notar, é importante que os professores transcendam as metodologias e tendências pedagógicas mais tradicionais, focadas unicamente nos conteúdos. A ideia é que os professores façam conexões entre diferentes saberes, entre os mais variados aspectos da vida dos seus alunos. Isso, além de propor o desenvolvimento da autonomia, da criticidade e da emancipação, costuma despertar o interesse e motivar para novos desafios. Faça um esforço e procure lembrar como eram os professores que mais ficaram na sua lembrança. Eles agiam da mesma forma que os demais ou pareciam inovar e propor novos formatos ao ensinar suas disciplinas? Um sujeito emancipado é aquele capaz de analisar os aspectos de sua vida e fazer escolhas mais apropriadas, tendo assim maior liberdade. Sensibilizar para a democracia e a participação6 Ambientes educativos democráticos O homem se diferencia dos demais animais porque possui condições de produzir os mais diversos conhecimentos dos quais necessita para a mate- rialidade da sua vida. Além disso, e principalmente, ele se distingue pela sua capacidade de ensinar aos seus descendentes. Essas ações humanas de ensinar e aprender ocorrem nos grupos em que os indivíduos convivem, constituindo sua cultura. A cultura é formada também pelos diversos fatores que estão na socie- dade, envolvendo os aspectos econômicos, sociais e políticos. Nessas áreas são produzidas ideias, conceitos e discursos que chegam às pessoas e aos quais elas podem aderir ou não, exercitando assim a sua autonomia e a sua subjetividade. Atualmente, no Brasil, há um sistema político denominado democracia representativa, caracterizado pela possibilidade de os cidadãos elegerem os representantes que atuarão em seu nome na condução do País. A democracia não se resume somente ao conceito de sistema político e às suas características, pois envolve a participação das pessoas em todas as áreas da nação, desempenhando seu papel de cidadãs. Desde a Constituição Federal de 1988, e principalmente após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB), a gestão democrática se constitui como o modelo de gestão que deve ser utilizado nas escolas do sistema educacional brasileiro. A LDB atual explicita, em seu art. 3°, que “[...] o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VIII — gestão democrática do ensino público, na forma da Lei e da legislação dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996, documento on-line). Essa gestão democrática ocorre a partir dos espaços abertos para a participação da comunidade escolar no interior da escola. Por exemplo: os conselhos escolares, as associações de pais e mestres, os grêmios estudan- tis, as vagas reservadas para pais representantes de escolas no Conselho Municipal de Educação, bem como o próprio processo de escolha dos gestores da escola pela comunidade escolar por meio de eleições diretas. A promoção da democracia na escola também se dá por meio da análise de outros elementos que compõem o ambiente educativo, como você pode ver na Figura 2, a seguir. 7Sensibilizar para a democracia e a participação Figura 2. Componentes do ambiente educativo. A estrutura física da escola pode ser mais ou menos democrática quando é pensada para incluir todos os alunos. As salas de aula, com as suas medidas e a organização de seus espaços, as mobílias utilizadas e a sua disposição, os materiais escolares existentes e disponíveis aos alunos, os banheiros, as pias e os bebedouros, as salas de atividades múltiplas, o refeitório, a cozinha, as quadras poliesportivas, as pracinhas, os auditórios, o pátio aberto ou fechado e todos os outros espaços e elementos devem ser pensados para contemplar todos os alunos e especialmente aqueles com necessidades educativas especiais. São muitos os aspectos que envolvem a estrutura física da escola e que devem ser considerados quando se pensa nas finalidades desse ambiente educacional. Os aspectos da didática utilizada pelo professor, que muito dizem a res- peito da tendência pedagógica à qual ele se filia, também são importantes na construção do ambiente educativo. As metodologias adotadas pelo docente são diretamente proporcionais ao retorno que ele terá da turma em que o processo de ensino e aprendizagem é realizado. Freire (2003, p. 86) esclarece que “[...] o fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve”. A didática utilizada em sala de aula pelo docente acaba sendo decisiva, muitas vezes, para as respostas que ele terá de seus alunos, para definir se conseguirá motivá-los ou despertar sua curiosidade e seu interesse em aprender. O planejamento se alia com a didática, pois por meio dele são previstas as estratégias metodológicas mais adequadas, que podem levar ao alcance dos objetivos propostos para aquela aula ou para o projeto em questão. Esse elemento é essencial para que sejam previamente analisados os espaços de participação dos alunos no decorrer das aulas. Os recursos aqui também devem ser considerados, pois, ao planejar, o professor e o gestor da escola Sensibilizar para a democracia e a participação8 precisam avaliar a dimensão dos elementos necessários. A ideia é evitar,assim, a frustração de um mal planejamento, de modo que os recursos não sejam suficientes, ou, pior ainda, excluam alguns alunos de famílias mais vulneráveis da participação em alguma atividade proposta. As interações ocorridas dentro do ambiente educativo são importantes quando se pretende que o diálogo se estabeleça. Caso contrário, serão coibidas e até mesmo evitadas. É a partir das interações professor-aluno e aluno-aluno que podem ser reconhecidos pontos em comum e aproveitadas as experiências e vivências de cada um em busca da troca e do enriquecimento mútuo dos saberes. Freire (2003) propõe a ideia de que o ensinar exige do professor o saber escutar. Ele ressalta que “[...] uma das tarefas essenciais da escola, como centro de pro- dução sistemática do conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e sua comunicabilidade” (FREIRE, 2003, p. 123). Para que a comunicabilidade se efetive, são necessários canais, propostos pela escola ou pelo professor em sala de aula, em que a participação dos sujeitos pode ocorrer. Para que os alunos e demais membros da comunidade escolar manifestem suas ideias, precisam visualizar que existe um canal aberto para isso. Caso contrário, a comunicação e, consequentemente, a participação deixarão de ocorrer. Outro aspecto que merece destaque e que tem sido muito enfatizado nas políticas públicas educacionais na contemporaneidade diz respeito ao direito de todos a uma educação de qualidade, o que na escola está relacionado à diversidade. Todos têm direito a um ambiente educativo que os considere em equidade de condições, independentemente de seu gênero, de sua origem étnico-racial, de sua religião ou de sua orientação sexual. A busca por uma cultura de paz e de propagação dos direitos humanos deve estar presente no interior das escolas, evitando preconceitos e discriminações de qualquer ordem. A didática hoje é normalmente entendida a partir do processo de ensino e aprendi- zagem. Nesse processo, se encontram envolvidos os aspectos inerentes ao professor e seus conteúdos (planejamento, metodologia, etc.), o que se refere ao ensino. Já a aprendizagem se localiza no aluno, que é o centro do processo. Essa nova maneira de entender o processo educacional desloca a figura do professor como aquele que detém e transfere o conhecimento. Hoje, o professor tem o papel de mediador, de orientador das atividades cotidianas de sala de aula. 9Sensibilizar para a democracia e a participação Repensando os ambientes educativos A escola também deve atuar de forma democrática, propondo aos seus estu- dantes espaços onde possam se manifestar e se organizar de forma coletiva e individual sempre que for necessário. A escola contemporânea no Brasil, porém, em alguns momentos não promove a participação tanto da comuni- dade escolar como dos próprios alunos em sala de aula. Portanto, você deve se esforçar agora para repensar essa escola, propondo uma nova organização para os ambientes educativos. A ideia é aliar a escola e os princípios demo- cráticos para de fato formar um aluno autônomo e emancipado, pela via do conhecimento e da criticidade de sua leitura de mundo. Primeiro, você deve considerar alguns aspectos históricos relacionados à finalidade da educação e ao surgimento das escolas ao redor do mundo no século XVIII. Esse início estava muito atrelado ao projeto civilizador moderno, que entendia que por meio da escolarização seriam incutidos os padrões com- portamentais típicos de um ser civilizado, que poderia viver socialmente sem maiores problemas. Como a educação escolar era um privilégio de poucos, do clero e dos monarcas num primeiro momento, escolarizar os demais membros da sociedade (os pobres principalmente) era uma tarefa extremamente disci- plinar, que associava rigor com castigos físicos. Nessas primeiras escolas, a disposição das classes nas salas de aula favorecia a vigilância do mestre, que sentava sobre um tablado, num nível mais elevado do que o dos alunos, o que reforçava a sua autoridade e o seu protagonismo em sala de aula. Ao aluno cabia ouvir, responder quando solicitado e manter-se em silêncio no restante do tempo. Os alunos que erravam eram castigados e, inclusive, humilhados publicamente na frente de seus colegas para que servissem de exemplo. A escola atual, embora tenha se modificado em vários dos aspectos cita- dos, ainda mantém resquícios dessa organização inicial. Alguns professores adotam práticas autoritárias em suas aulas, coibindo a participação dos alunos, reiterando pedidos de silêncio e mantendo a busca pelo controle e pelo domínio de classe. Esses professores colocam-se ainda como o centro do processo de ensino, não percebendo que a ênfase atual é na aprendiza- gem, e não só no ensino, e o protagonismo deve ser do aluno e não mais do Sensibilizar para a democracia e a participação10 professor. É interessante você perceber esse deslocamento das tendências da didática, pois ele se reflete diretamente nos papéis dos sujeitos presentes em sala de aula, como você pode ver na Figura 3, a seguir. Figura 3. Evolução histórica das ideias centrais da didática. Como você viu, o centro do processo de ensino e aprendizagem hoje é o aluno, que é o sujeito que deve desenvolver as competências necessárias. Além disso, busca-se agir de forma democrática em sala de aula. Portanto, nada mais coerente do que o aluno participar ativamente das atividades realizadas no interior dos ambientes educativos nos quais se insere, manifestando suas opiniões, estabe- lecendo suas hipóteses, agindo de forma individual e coletiva, interagindo com seus colegas e professores para que todos saiam dessa experiência enriquecidos. Dessa forma, cabe às escolas romper com o modelo tradicional de educação e propor metodologias mais colaborativas. A ênfase deve estar na resolução de problemas e desafios. O professor passa a ser um orientador para que o aluno faça bom uso inclusive das tecnologias para o aprimoramento da aprendizagem. 11Sensibilizar para a democracia e a participação Para conhecer melhor os aspectos relativos aos valores democráticos e à sua articulação com a educação, assista ao vídeo “O que é educação para a democracia?”, da Câmara dos Deputados, disponível no link a seguir. https://goo.gl/p7A1mW Agora você vai conhecer dois modelos de escolas que podem servir de inspiração para que as escolas do sistema educacional brasileiro adaptem sua organização e seu funcionamento em torno dos princípios da participação e do desenvolvimento da autonomia dos alunos: a Escola da Ponte, em Portugal, e a rede de escolas de educação infantil públicas de Reggio Emilia, na Itália. Ambas se destacam internacionalmente pelos seus projetos pedagógicos diferenciados e de vanguarda. As escolas de educação infantil de Reggio Emilia apresentam características particulares na sua organização e nos aspectos curriculares que conduzem o dia a dia das crianças e professores. Katz (1999) comenta algumas diferenças: o uso de projetos de longo prazo que norteiam os trabalhos e o amplo uso das linguagens gráficas pelas crianças para representarem visualmente o que pensam e o que sentem. Além dos projetos, [...] jogos espontâneos com blocos, dramatização, brincadeiras ao ar livre, audição de histórias, encenação de papéis, culinária, tarefas domésticas e atividades ligadas à arrumação pessoal, bem como atividades de pintura, colagem e trabalhos com argila estão disponíveis a todas as crianças diaria- mente (KATZ, 1999, p. 45). Não existe uma rotina fixa para os alunos, na qual mecanicamente tenham de realizar ações e respeitar as pausas cotidianamente estabelecidas pelo professor. O relacionamento professor-aluno tem como foco o próprio trabalho que desenvolvem e o uso de todas as possíveis linguagens é incentivado, para que as crianças exponham o que estão aprendendo e como estão se apropriando dos conhecimentos no interior da escola. Além disso, “[...] as criançassão livres para trabalhar e brincar sem interrupções frequentes e transições tão comuns na maioria de nossos programas para a primeira infância” (KATZ, 1999, p. 50). Sensibilizar para a democracia e a participação12 No Brasil, muitas vezes a rotina das escolas de educação infantil é regu- lada pelos horários dos lanches, por exemplo, ou da escrita das agendas pelas professoras, o que faz com que toda a parte pedagógica tenha que se adaptar a isso. O trabalho dos professores em Reggio Emilia ocorre em parceria: um complementa o outro sempre que necessário. Além disso, existe um espaço comum a todas as turmas da escola, que é o ateliê, onde os mais diversos tipos de materiais podem ser explorados por alunos e professores, organizados previamente a partir da atelierista da escola. Malaguzzi (1999, p. 87) ainda acrescenta mais um tópico importante sobre as escolas de Reggio Emilia, que é o uso da criatividade: “[...] a criatividade exige que a escola do saber encontre conexões com a escola da expressão, abrindo as portas (e este é o nosso slogan) para as cem linguagens da criança”. Enfim, utilizar-se das múltiplas linguagens que a criança pode manifestar dentro da escola garante que ela efetivamente participe, seja considerada seriamente em relação ao que traz consigo e protagonize o processo de aprendizagem, desenvolvendo-se assim plenamente e afirmando sua autonomia. A participação das famílias na escola ocorre a partir da diversidade de oportunidades abertas para que a interação ocorra. As famílias estão presen- tes não somente em reuniões sistemáticas ou entrega de avaliações, mas na discussão dos temas a serem trabalhados. Elas também atuam para mediar conflitos ou aumentar o engajamento em oficinas e laboratórios, passeios, etc., de acordo com a disponibilidade dos pais. Já a Escola da Ponte, segundo Alves (2007), apresenta também uma proposta curricular diferenciada, adaptada tanto ao interesse dos alunos quanto aos seus níveis de desenvolvimento. Os estudos são interdisciplinares e normalmente em grupos. Os alunos utilizam a internet sempre que pos- sível para a busca das informações necessárias. Outro aspecto interessante é o convívio de crianças de faixas etárias diferentes, de modo que os mais velhos (ou que mais aprenderam) ensinam aos menores. O autor afirma que na Escola da Ponte o que mais se evidencia entre os alunos é a linguagem, a comunicação por meio de inúmeros canais, inclusive por intermédio de computadores. O autor resume sua experiência na Escola da Ponte da se- guinte maneira: Escola da Ponte: um único espaço, partilhado por todos, sem separação por turmas, sem campainhas anunciando o fim de uma disciplina e o início da outra. A lição social: todos partilhamos de um mesmo mundo. Pequenos e grandes são companheiros numa mesma aventura. Todos se ajudam. Não há competição. Há cooperação. Ao ritmo da vida: os saberes da vida não 13Sensibilizar para a democracia e a participação seguem programas. É preciso ouvir os "miúdos", para saber o que eles sentem e pensam. É preciso ouvir os "graúdos", para saber o que eles sen- tem e pensam. São as crianças que estabelecem as regras de convivência: a necessidade do silêncio, do trabalho não perturbado, de se ouvir música enquanto trabalham. São as crianças que estabelecem os mecanismos para lidar com aqueles que se recusam a obedecer às regras (ESCOLA DA PON- TE, 2007, documento on-line). A Escola da Ponte promove a autonomia de seus alunos a partir de sua liberdade e da possibilidade de as crianças agirem pelos seus interesses de aprendizagem. Tal como ocorre na vida em sociedade, as regras de convivência e os comportamentos vão sendo moldados de acordo com as situações e as necessidades. Isso prepara os alunos para viverem em sociedade de forma mais humana e democrática. Cury (2007, p. 493), ao analisar a importância da gestão democrática nas escolas, afirma o seguinte: A escola é uma instituição de serviço público que se distingue por oferecer o ensino como um bem público. Ela não é uma empresa de produção ou uma loja de vendas. Assim, a gestão democrática é, antes de tudo, uma abertura ao diálogo e à busca de caminhos mais consequentes com a democratização da escola brasileira em razão de seus fins maiores postos no artigo 205 da Constituição Federal. A Constituição Federal de 1988 estabelece como objetivos a serem per- seguidos pela educação escolar o “[...] pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, documento on-line). Dessa forma, desenvolver-se plenamente significa ser capaz de analisar os aspectos da vida e tomar decisões, realizar escolhas conscientes e críticas (autonomia). Como você sabe, a própria cidadania envolve a capacidade de reconhecer direitos e deveres individuais e coletivos. Logo, um bom cidadão, autônomo e emancipado para a vida e para o trabalho, é produzido também a partir de sua vida escolar. Por isso, os ambientes educacionais devem ser repensados e reorganizados para promover ainda mais tais aspectos, qualificando a vivência social democrática. Sensibilizar para a democracia e a participação14 Leia o relato a seguir para ver como o conteúdo deste capítulo pode ser aplicado ao cotidiano das escolas: “Certa vez, ao visitar uma escola de educação infantil no papel de conselheiro municipal de educação, percebi que, ao me deslocar pela escola com duas professoras, éramos acompanhados por uma aluna. A criança constantemente chamava uma das professoras que caminhava ao meu lado, porém era ignorada. Depois de assistir por mais de 10 vezes à aluna interpelar a professora sem receber atenção, eu questionei a professora perguntando-lhe porque não respondia à criança. Ela me respondeu que a aluna passava o dia todo assim. Refleti com essa professora sobre a necessidade de escutar e responder às crianças desde a primeira infância, pois faz parte de seu processo de desenvolvimento questionar e requerer atenção. Para que se formem cidadãos conscientes, autônomos e críticos, precisamos ouvir e respeitar os alunos desde pequenos, pois todas essas vivências são importantes para a produção de suas subjetividades.” ALVES, R. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 10 ed. Cam- pinas: Papirus, 2007. BITTAR, E. C. A escola como espaço de emancipação de sujeitos. In: CAPACITAÇÃO de educadores da rede básica em educação em direitos humanos. 2007. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/04/4_1_bittar_escola.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2019. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Consti- tuicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 14 jan. 2019. BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu- cação nacional. 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2019. CURY, C. R. J. A gestão democrática na escola e o direito à educação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação-Periódico científico editado pela ANPAE, v. 23, n. 3, 2007. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/19144>. Acesso em: 14 jan. 2019. 15Sensibilizar para a democracia e a participação ESCOLA DA PONTE. In: WIKIPÉDIA. 2007. Disponível em: <https://pt.wikiquote.org/wiki/ Escola_da_Ponte>. Acesso em: 14 jan. 2019. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. IAROZINSKI NETO, A.; LEITE, M. S. A abordagem sistêmica na pesquisa em Engenharia de Produção. Produção, v. 20, n. 1, mar. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65132010000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 jan. 2019. KATZ, L. O que podemos aprender com Reggio Emilia. In: EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagensda criança. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul, 1999. MALAGUZZI, L. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul, 1999. MARCHESI, Á. O que será de nós, os maus alunos? Porto Alegre: Artmed, 2006. MEDEIROS, A. M. Emancipação política e social. 2015. Disponível em: <http://m.sabedo- riapolitica.com.br/products/emancipacao-politica-e-social/>. Acesso em: 14 jan. 2019. NOGARO, I. A construção da autonomia pela construção pedagógica. Revista Espaço Pedagógico, v. 14, n. 1, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://seer.upf.br/index.php/rep/ article/view/7601>. Acesso em: 14 jan. 2019. Leitura recomendada EVC. O que é educação para a democracia? Youtube, nov. 2016. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=HmSI45cNsr8>. Acesso em: 14 jan. 2019. Sensibilizar para a democracia e a participação16
Compartilhar