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Literatura - Moderna Plus-778-780

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Para que se possa formar uma visão de conjunto da poesia africana de 
língua portuguesa é necessário considerar esses marcos do longo processo 
de definição de uma voz literária própria. 
Uma vez construída a identidade literária coletiva, os autores passam a 
se dedicar à definição de um trajeto literário próprio, estabelecendo de modo 
mais definido seus estilos individuais. Alguns deles, como Mia Couto, alcançam 
uma maturidade literária plena, que faz com que suas obras, mesmo ao tratar 
da realidade africana, toquem em questões de natureza mais universais.
Segundo um conhecido estudioso da literatura africana, Manuel Ferreira, 
algumas publicações específicas também devem ser consideradas quando 
procuramos identificar momentos significativos da produção literária dos 
países africanos lusófonos. 
[...] Os fundamentos irrecusáveis de uma literatura africana de expressão portu-
guesa vão definir-se com precisão, deste modo: a) em Cabo Verde a partir da revista 
Claridade (1936-1960); b) em São Tomé e Príncipe com o livro de poemas Ilha de 
nome santo (1943), Francisco José Tenreiro; c) em Angola com a revista Mensagem 
(1951-1952); d) em Moçambique com a revista Msaho (1952); e) na Guiné-Bissau 
com a antologia Mantenhas para quem luta! (1977). [...]
FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa I. Lisboa: ICP, 1977. p. 34. 
COSTA, José Francisco. Poesia africana de língua portuguesa. Disponível em: <http://www.crono-
pios.com.br/site/ensaios.asp?id=1208>. Acesso em: 11 fev. 2010.
Conheceremos, a seguir, alguns dos poetas que enfrentaram o desafio 
de encontrar uma voz verdadeiramente africana na língua do colonizador.
Cabo Verde: olhos voltados 
para a imensidão do mar
Dos seios da ilha ao corpo da África
O mar é ventre E umbigo maduro
E o arquipélago cresce
FORTES, Corsino. Raiz e rosto. In: Árvore & tambor. Lisboa: Dom Quixote, 1986. p. 36. 
Disponível em: <http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=1208>. 
Acesso em: 11 fev. 2010.
No início do século XX, já era possível identificar, em 
Cabo Verde, a presença de uma elite local consciente 
dos principais problemas da população das ilhas que 
constituem o arquipélago. São intelectuais (professo-
res e jornalistas) e comerciantes que, concentrados 
principalmente em São Nicolau, Santo Antão e São 
Vicente, mantêm-se em contato com os principais 
movimentos literários portugueses. 
A principal influência, porém, será exercida pelos 
modernistas brasileiros. Poetas como Jorge de Lima, 
Manuel Bandeira, romancistas como Graciliano Ramos 
e Jorge Amado, além do sociólogo Gilberto Freyre, 
animam os escritores cabo-verdianos a retratarem 
aspectos da realidade local em seus textos. 
O lançamento da revista Claridade, em 1936, criou 
um importante espaço para que poetas como Baltasar Lopes, Jorge Barbosa 
e Manuel Lopes divulgassem poemas em que os signos locais ganhassem 
uma roupagem mais lírica. Observe.
 Barcos no porto em São Vicente, 
Cabo Verde, 2010.
 Pessoas celebram a 
independência de Guiné-Bissau 
em manifestação organizada pelo 
PAIGC (Partido Africano para a 
Independência de Guiné e Cabo 
Verde), 27 set. 1974.
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Poema do mar
O drama do Mar,
o desassossego do Mar, 
sempre
sempre
dentro de nós!
O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas...
O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficaram
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!
O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!...
O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa...
de bebedeiras, de rixas, de mulheres,
nos portos estrangeiros...
O Mar!
dentro de nós todos, 
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!
Este convite de toda a hora
que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir
e ter que ficar!
BARBOSA, Jorge. In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.). 
Poesia africana de língua portuguesa: antologia. 
Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 125-126. 
O mar que se estende no horizonte, símbolo de aprisionamento e de 
liberdade, é um elemento inseparável da vida de um povo insular. Em seus 
versos, Jorge Barbosa se vale da onipresença do mar para evocar outros 
símbolos da identidade cabo-verdiana, como a sensualidade de suas 
Morna: música típica de Cabo 
Verde, cantada em ritmo lento 
ou moderado, acompanhada por 
instrumentos de corda como 
violão, violino, viola e cavaquinho.
 Barcos de pesca se transformam 
em mercado de peixes quando os 
pescadores retornam, em Santo 
Antão, Cabo Verde, c. 2004.
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mulheres ou o canto da Morna. Autor mais descritivo e intimista, Jorge Bar-
bosa ainda não encontra solução para os dilemas dos seus compatriotas 
que não seja a evasão do mundo conhecido. 
Em António Nunes, poeta da geração seguinte aos claridosos, vamos 
encontrar a releitura poética das marcas da exploração sofrida durante o 
período colonial, bem como a consciência de que as consequências desse 
período produziram chagas sociais difíceis de serem apagadas.
Ritmo de pilão
Bate, pilão, bate,
que o teu som é o mesmo
desde o tempo dos navios negreiros,
de morgados,
das casas-grandes,
e meninos ouvindo a negra escrava
 contando histórias de florestas, de bichos, de encantadas...
Bate, pilão, bate
que o teu som é o mesmo
e a casa-grande perdeu-se,
o branco deu aos negros cartas de alforria
mas eles ficaram presos à terra por raízes de suor...
Bate, pilão, bate
que o teu som é o mesmo
desde o tempo antigo
dos navios negreiros...
(Ai os sonhos perdidos lá longe!
Ai o grito saído do fundo de nós todos
ecoando nos vales e nos montes,
transpondo tudo...
Grito que nos ficou de traços de chicote,
da luta dia a dia,
e que em canções se reflecte, tristes...)
Bate, pilão, bate
que o teu som é o mesmo
e em nosso músculo está
nossa vida de hoje
feita de revoltas!...
Bate, pilão, bate!...
NUNES, António. In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.). 
Poesia africana de língua portuguesa: antologia. 
Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 143-144.
Passado o momento de retomar, poeticamente, as marcas da exploração 
e do sofrimento, muitas vozes cabo-verdianas começaram a buscar uma 
expressão lírica mais independente. 
Mário Fonseca, por exemplo, atribui novo sentido ao campo semântico 
da fome, fortemente associado aos sofrimentos históricos. Veja como o 
sentido dos termos associados a esse campo é expandido pelo poeta.
 Moçambicana usa pilão 
para socar arroz, c. 1999.
Morgados: bens inalienáveis e 
indivisíveis que, em função do 
falecimento de quem os possuía, 
eram destinados ao primogênito.
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