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RESPONSABILIDADE CIVIL Luciana Tramontin Bonho Responsabilidade civil contratual e extracontratual Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar a responsabilidade civil contratual da extracontratual. Avaliar as implicações da responsabilidade contratual e da extracontratual. Entender a responsabilidade civil nos contratos públicos. Introdução A responsabilidade civil surge como o dever de reparação do prejuízo sofrido em decorrência da violação de deveres jurídicos. A origem do dever violado pode advir de relação jurídica obrigacional existente en- tre as partes ou de dever jurídico imposto pelo ordenamento a todos, sendo que, dessa divisão, a responsabilidade civil pode ser contratual e extracontratual, respectivamente. Neste capítulo, você vai estudar a responsabilidade civil contratual e a extracontratual. Você verá as diferenças e implicações da respon- sabilidade civil contratual e da extracontratual, bem como estudará a responsabilidade civil nos contratos públicos. Diferença responsabilidade civil contratual e extracontratual O instituto da responsabilidade civil se baseia na ideia de que aquele que causar dano a outrem deve repará-lo. O Código Civil (BRASIL, 2002) distingue as duas espécies de responsabilidade, disciplinando genericamente a responsabi- lidade extracontratual nos arts. 186 a 188 e 927 a 954 e a contratual nos arts. 389 e seguintes e 395 e seguintes, omitindo qualquer referência diferenciadora. C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 1 04/04/2018 09:57:27 Como adverte Dias (2012, p. 129), “[...] a responsabilidade extracontratual e a contratual regulam-se racionalmente pelos mesmos princípios, porque a ideia de responsabilidade é una”. Com efeito, o autor afirma que, quando ocorre a inexecução, não é a obrigação contratual que movimenta o mundo da responsabilidade (DIAS, 2012). O que se estabelece é uma obrigação nova que substitui à obrigação preexistente no todo ou em parte: a obrigação de reparar o prejuízo consequente à inexecução da obrigação assumida. Quando a responsabilidade não deriva de contrato, dizemos que ela é extracontratual. Nesse caso, aplicamos o disposto no art. 186 do Código Civil (BRASIL, 2002). Todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também chamada de aquiliana. Nas palavras de Diniz (2005, p. 24), “[...] contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”. Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano quando este pratica o ato ilícito. A primeira diferença, segundo Gonçalves (2017, p. 45), entre os dois tipos de responsabilidade civil diz respeito ao ônus da prova. Se a res- ponsabilidade é contratual, o credor só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida. O devedor só não será condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. O ônus da prova, portanto, é do devedor. No entanto, se a responsabilidade for extracon- tratual, prevista no art. 186 do Código Civil (BRASIL, 2002), o autor da ação (vítima) é que fica com o ônus de provar que o fato se deu por culpa do agente causador do dano. Outra diferenciação estabelecida entre a responsabilidade contratual e a extracontratual diz respeito às suas fontes. A responsabilidade contratual tem a sua origem na convenção ou no contrato, enquanto a extracontra- tual tem a sua fonte na inobservância do dever genérico de não lesar, de não causar dano a ninguém, previsto na lei, em especial no referido artigo (GONÇALVES, 2017). Responsabilidade civil contratual e extracontratual2 C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 2 04/04/2018 09:57:27 Comentando as fontes das obrigações, de acordo com a teoria dualista, pautada em lei ou contrato como elementos geradores, Pereira (1990, p. 26) assim se posiciona: [...] podemos mencionar duas fontes obrigacionais, tendo em vista a prepon- derância de um ou de outro fator: uma, em que a força geratriz imediata é à vontade, outra, em que é a lei. Não seria certo dizer que existem obrigações que nascem somente da lei, nem que há as oriundas só da vontade. Em ambas trabalha o fato humano, em ambas atua o ordenamento jurídico, e, se de nada valeria a emissão volitiva sem a lei, também de nada importaria essa sem uma participação humana, para a criação do vínculo obrigacional. Quando, pois, nos referimos à lei como fonte, pretendemos mencionar aquelas a que o reus debendi é subordinado, independentemente de haver, neste sentido, feito uma declaração de vontade: são obrigações em que procede a lei, em conjugação com o fato humano, porém fato humano não volitivo. Quando, ao revés, falamos na vontade como fonte e discorremos de obrigações que provêm da vontade, não queremos significar a soberania desta ou a sua independência da ordem legal, senão que há obrigações em que o vínculo jurídico busca mediatamente a sua explicação na lei, nas quais, entretanto, a razão próxima, imediata ou direta é a declaração de vontade. Outro elemento de diferenciação entre as duas espécies de responsabilidade civil refere-se à capacidade do agente causador do dano. Segundo Josserand (1950-1951), a capacidade civil sofre limitações no terreno da responsabilidade contratual, sendo mais ampla no campo da responsabilidade extracontratual. O contrato exige que os agentes sejam plenamente capazes ao tempo da sua celebração, sob pena de nulidade e de que ele não produza efeitos indenizatórios. Na hipótese de obrigação derivada de um ilícito, o ato do incapaz pode dar origem à reparação por aqueles que legalmente são encarregados da sua guarda. É o que prevê o art. 928 do Código Civil (BRASIL, 2002), que responsabiliza os incapazes em geral pelos prejuízos que causarem a outrem. Ressaltamos que, segundo o Código Civil (BRASIL, 2002), o menor de 18 anos é, em princípio, irresponsável, mas poderá responder pelos prejuízos que causar se os seus responsáveis não dispuserem de patrimônio suficiente. No campo contratual, esse mesmo menor somente estará vinculado se, ao assinar o contrato, estiver devidamente representado ou assistido pelo seu representante legal. Josserand (1950-1951) considera a capacidade jurídica bem mais restrita na responsabilidade contratual do que na derivada de atos ilícitos, porque estes podem ser perpetrados por amentais e por menores e 3Responsabilidade civil contratual e extracontratual C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 3 04/04/2018 09:57:27 podem gerar o dano indenizável, ao passo que somente as pessoas plenamente capazes são suscetíveis de celebrar contratos válidos. Mais um elemento de diferenciação entre a responsabilidade contratual e a extracontratual é no que tange à gradação da culpa. De regra, ambas as responsabilidades se fundam na culpa. A obrigação de indenizar, tratando-se de ilícito, nasce da lei, sendo, consequentemente, a sua apuração mais rigorosa, enquanto na responsabilidade contratual o valor da indenização varia conforme os diferentes casos, sem, contudo, alcançar os padrões da extracontratual. No setor da responsabilidade contratual, a culpa obedece a um certo escalonamento, de conformidade com os diferentes casos em que ela se configure, ao passo que, na delitual, ela iria mais longe, alcançando a falta ligeiríssima. É o fato gerador que define a responsabilidadecomo contratual ou extracontratual (aquiliana ou legal). Assim: Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes, que não é cum- prida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo existe entre a vítima e o causador do dano quando este pratica o ato ilícito (GONÇALVES, 2008, p. 27). Implicações da responsabilidade civil contratual e extracontratual Regra geral: tanto na responsabilidade contratual quanto na extracontratual são necessários a existência do dano, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima ou pelo outro contratante. Quer a culpa parta de uma infração à lei ou ao contrato, surge a obrigação de indenizar a vítima. É o chamado princípio da unidade da culpa, defendido pela maioria dos escritores autorizados, segundo o qual Responsabilidade civil contratual e extracontratual4 C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 4 04/04/2018 09:57:28 as diferenças técnicas entre a responsabilidade contratual e a extracontratual seriam periféricas, aparentes e sem importância (PEREIRA, 2002). A responsabilidade contratual geralmente decorre de uma conduta culposa, que corresponde ao inadimplemento total ou parcial do contrato. Nesse sentido, a culpa contratual se difere da extracontratual: aquela tem uma conotação objetiva, correspondendo ao inadimplemento ou ao adimplemento imperfeito. Na avaliação da culpa para a responsabilização civil, é necessário saber quem deu causa ao inadimplemento ou ao adimplemento imperfeito do contrato. A culpa, nesse caso, será presumida, podendo ser ilidida por prova em contrário. Cavalieri Filho (2010, p. 29) distingue as duas modalidades de responsa- bilidade com base na culpa: [...] na culpa contratual há a violação de um dever positivo de adimplir, que constitui o próprio objeto da avença, ao passo que na culpa aquiliana viola- -se um dever negativo, isto é, a obrigação de não prejudicar, de não causar dano a ninguém. Na responsabilidade contratual, o descumprimento injustificado de uma prestação avençada resulta, para a parte lesada, na possibilidade de reparação do dano que, em regra, substitui a prestação. É mister a existência de culpa na responsabilidade que decorre de um contrato. Portanto, agindo o devedor com culpa ou mesmo dolo, a reparação do prejuízo abrangerá não apenas a prestação devida, mas também todos os danos que surgirem dessa inexecução, como danos emergentes lucros cessantes. Para Pereira (2002), o que importa, na realidade, é que um dano foi causado e deve ser reparado de acordo com as normas regentes da responsabilidade civil. O efeito principal, portanto, de ambas as responsabilidades é a obri- gação de indenizar a vítima. O que as diferencia é o ônus da prova. Assim, na responsabilidade contratual, o ônus da prova se transfere para o devedor quanto ao dano causado, que terá de provar a sua ausência de culpa, como, por exemplo, provando a hipótese de caso fortuito, força maior ou ainda qualquer outro fator excludente de sua responsabilidade. Na responsabilidade extra- contratual, incumbe à vítima demonstrar os seus requisitos caracterizadores, quais sejam: a existência do dano, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano sofrido pela vítima. 5Responsabilidade civil contratual e extracontratual C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 5 04/04/2018 09:57:28 Uma consequência significativa que diferencia os tipos de responsabilidade é que a vítima tem maiores probabilidades de obter a condenação do agente ao pagamento da indenização quando a sua responsabilidade deriva do descumprimento do contrato, ou seja, quando a responsabilidade é contratual, porque não precisa provar a culpa do agente, bastando provar que o contrato não foi cumprido e, em consequência, que houve o dano. Além disso, a doutrina que defende a diferenciação entre os dois tipos de responsabilidade justifica que, pelo fato da responsabilidade civil con- tratual vincular-se à resolução de conflitos “[...] circunscritos a um risco específico de dano, criado em razão da particular relação que se constitui entre dois ou mais particulares contratantes [...]”, bem como “[...] em razão das circunstâncias materiais dessa relação preexistente, surgem diversas questões que não podem ser abordadas de maneira uniforme em relação às soluções propugnadas para os casos de responsabilidade civil extracontratual” (LEONARDO, 2004, p. 265). Implicações jurídicas existem também na diferenciação entre a responsa- bilidade contratual e a extracontratual, tais como: a diferença entre os prazos prescricionais, que é de 10 anos para a pretensão derivada de um inadimple- mento contratual, prevista no art. 205 do Código Civil (BRASIL, 2002), e de ou de três anos para a decorrente de ilícito absoluto, prevista no art. 206, § 3º, do Código Civil (BRASIL, 2002). Além disso, há a necessidade de se constituir o devedor em mora na responsabilidade contratual prevista no art. 397 do Código Civil (BRASIL, 2002). Ainda a data para o início do cômputo dos juros de mora diverge nas duas modalidades de responsabilidade civil. Nas relações contratuais, os juros correm da citação, e isso porque é nesse momento que se tem constituído o devedor em mora, aplicando-se, assim, integralmente o disposto no art. 405 do Código Civil (BRASIL, 2002). Já a correção monetária contamos a partir da data do efetivo prejuízo, na forma da Súmula 43 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (BRASIL, 1992b), uma vez que é nesse instante em que se inicia a desvalorização da moeda em relação ao montante devido. Já nas relações extracontratuais, os juros moratórios contam-se da data do evento danoso, na forma da Súmula 54 do STJ (BRASIL, 1992a), porque é então que nasce para o credor a pretensão de ver o dano ressarcido e, por- tanto, é a partir daí que estará o devedor em mora. Do mesmo modo, incidirá Responsabilidade civil contratual e extracontratual6 C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 6 04/04/2018 09:57:28 a correção monetária a partir da data em que efetivamente ocorreu o dano material, pois é quando o devedor precisa ressarcir o credor, na forma do art. 398 do Código Civil, de modo a também se aplicar, nesse caso, a Súmula 43 do STJ (NEVES, 2018). Ressaltamos a interpretação dada pelo STJ ao julgar um caso de indenização com pagamento em parcelas sucessivas. O STJ afastou o entendimento de que os juros de mora devam ser aplicados a partir do evento danoso, ainda que haja determinação para constituição de capital, visando assegurar o pagamento da pensão mensal à vítima. O argumento é de que se a parcela mensal não estiver vencida, não há que se falar em incidência de juros moratórios, na medida em que não faz sentido a aplicação de juros sobre parcelas vincendas, posto que ainda inexigíveis. Nesse sentido, inclusive, é o que estabelece o art. 397 do Código Civil (BRASIL, 2002), ao determinar que o devedor somente se constitui em mora quando deixa de adimplir a obrigação positiva e líquida na data do seu vencimento. No caso concreto, o STJ, ao julgar o Recurso Especial 1.270.983 (SP), deu parcial provimento para afastar a incidência de juros moratórios, “[...] a partir da ocorrência de ato ilícito — por não se tratar de pagamento de quantia singular — tampouco da citação — por não configurar obrigação ilíquida” (COCUZZA, 2016), e concluiu que os juros “[...] devem ser contabi- lizados a partir do vencimento de cada prestação, que ocorre mensalmente” (BRASIL, 2016). Súmula 43 do STJ (BRASIL, 1992b): “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.” Súmula 54 do STJ (BRASIL, 1992a): “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. Responsabilidade civil nos contratospúblicos O Estado, muitas vezes, necessita contratar terceiros para a realização de obras e serviços, pois nem sempre dispõe de funcionários públicos que façam certas funções. Entretanto, ao contrário do que ocorre entre particulares, que podem contratar livremente, a administração pública deve seguir o estipulado 7Responsabilidade civil contratual e extracontratual C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 7 04/04/2018 09:57:28 em lei para ofi cializar essa contratação. Esse procedimento de contratação de terceiros pela administração pública é denominado licitação pública, o qual não permite que o poder público escolha os seus contratados, obrigando-o a respeitar as regras e procedimentos que inviabilizam qualquer opção ou preferência entre eles. Meirelles (1999) conceitua licitação como o procedimento administrativo mediante o qual a administração pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato do seu interesse. Tem como objetivo propiciar oportunidades iguais a todos os que desejam contratar com o poder público, dentro dos pa- drões previamente estabelecidos pela administração, atuando como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. É o meio técnico-legal de verificação das melhores condições para a execução de obras e serviços, compra de materiais e alienação de bens públicos. A licitação se realiza por intermédio de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a administração e para os licitantes, sem a observância dos quais são nulos o procedimento licitatório e, consequentemente, o contrato por ele firmado. A Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, contempla cinco modalidades de licitação: 1. Concorrência — É a modalidade de licitação que se realiza com ampla publici- dade para assegurar a participação de quaisquer interessados que preencham os requisitos previstos no edital. Do conceito, decorrem duas características básicas: a ampla publicidade e a universalidade. 2. Tomada de preços — É a modalidade de licitação realizada entre interessados já previamente cadastrados ou que preencham os requisitos para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas licitatórias, observada a necessária qualificação 3. Convite — É a modalidade de licitação entre, no mínimo, três interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados pela uni- dade administrativa, e da qual podem participar também aqueles que, não sendo convidados, estiverem cadastrados na correspondente especialidade e manifesta- rem seu interesse com antecedência de 24 horas da apresentação das propostas. 4. Concurso — Tem o objetivo de selecionar trabalho técnico ou artístico, que exige habilidade físico-intelectual ou revelador de certas capacidades personalíssimas. 5. Leilão — É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou que tenham sido legalmente apreendidos ou empenhados, ou de bens imóveis adquiridos em procedimentos judiciais ou de dação em pagamento. Fonte: Oliveira (2013). Responsabilidade civil contratual e extracontratual8 C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 8 04/04/2018 09:57:28 Da relação jurídica estabelecida entre o ente público e pessoa física ou jurídica, nascem os contratos administrativos. O regime jurídico ao qual se sujeitam os contratos administrativos é identificado por meio da verificação dos princípios que lhe dizem respeito, os quais devem ser extraídos do pró- prio ordenamento jurídico (SUNDFELD, 1996). Além disso, aos contratos administrativos também se aplicam, subsidiariamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as regras do Direito Privado. Assim, os contratos administrativos são firmados após a realização dos procedimentos licitatórios ou em casos de dispensa ou inexigibilidade de lici- tações. Caso não seja observada essa regra, como, por exemplo, o contrato seja firmado sem licitação quando exigida, ou resultante de licitação irregular, ou, ainda, fraudada no julgamento, o contrato administrativo é nulo, como também ocorre quando ele for omisso em pontos fundamentais (MEIRELLES, 1999). Os contratos públicos têm as seguintes características: formalidade; consensualidade; onerosidade; comutatividade; pessoalidade. É formal porque deve ser formulado por escrito e nos termos previstos em lei. É consensual por ser expresso de forma escrita e com requisitos especiais. É oneroso porque há remuneração relativa à contraprestação do objeto do contrato. É comutativo por estabelecer compensações recíprocas e equivalentes para as partes. A pessoalidade consiste na exigência para execução do objeto pelo próprio contratado. Ressaltamos que o princípio da responsabilidade civil do Estado é próprio e possui conotação própria e mais extensa que a responsabilidade aplicável ao Direito privado. Assim, para o Estado, são previstas regras mais rígidas, visto que toda avença adminis- trativa decorre do interesse público e visa ao bem geral da coletividade. A responsabilidade estatal passou pelos vários tipos de responsabilidade civil. Inicialmente, baseava-se no princípio da irresponsabilidade do Estado. 9Responsabilidade civil contratual e extracontratual C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 9 04/04/2018 09:57:28 Posteriormente, o Estado surgiu como sujeito responsável, de forma tênue e lenta. Em um primeiro momento, a responsabilidade passou a ser reconhecida em situações pontuais, não era absoluta e se regulava por regras específicas, em um segundo momento, por meio da responsabilidade subjetiva. A fase atual da responsabilidade estatal é a da responsabilidade objetiva, na qual não é necessária a prova da culpa, bastando a prova da conduta estatal, do dano e do nexo causal. Como excludentes da responsabilidade, temos duas teorias: a teoria do risco integral; teoria do risco administrativo. Carvalho Filho (2009, p. 524) distingue: No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscrimi- nada: se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado não será responsável no primeiro caso e, no segundo, terá atenuação no que concerne à sua obrigação de indenizar. Por conseguinte, a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites. Já no risco integral a responsabilidade sequer depende de nexo causal e ocorre até mesmo quando a culpa é da própria vítima. Assim, por exemplo, o Estado teria que indenizar o indivíduo que se atirou deliberadamente à frente de uma viatura pública. É evidente que semelhante fundamento não pode ser aplicado à responsabilidade do Estado, só sendo admissível em situações raríssimas e excepcionais. Em tempos atuais, tem-se desenvolvido a teoria do risco social, segundo a qual o foco da responsabilidade civil é a vítima, e não o autor do dano, de modo que a reparação estaria a cargo de toda a coletividade, dando ensejo ao que se denomina socialização dos riscos — sempre com o intuito de que o lesado não deixe de merecer a justa reparação pelo dano sofrido. Assim, na teoria do risco administrativo, o que se exige é a ocorrência do dano sem a concorrência de um particular, por exemplo. Essa teoria admite a excludente quando estiver ausente qualquer dos elementos definidores da responsabilidade. São exemplos de hipóteses de exclusão: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior (MEIRELLES, 2000). O Brasil adota a teoria do risco administrativo como regra. Porém, em situações especiais, em razão da natureza da atividade e da extensão dos possíveis danos que venham a ocorrer, adotamos a responsabilidade pelo risco integral, como nos casos de danos nucleares e ambientais. O Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) traz, no art. 43, matéria relativa à responsabilização estatal por atos dos seus agentes, nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas de Direito público interno são civilmente responsáveisResponsabilidade civil contratual e extracontratual10 C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 10 04/04/2018 09:57:28 por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. O Código (BRASIL, 2002), em consonância com a Constituição de 1988, reconhece a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito público interno, consagrando a teoria do risco administrativo e possibilitando à ad- ministração pública o direito de regresso contra o agente causador do dano, no caso de culpa ou dolo. O art. 37, § 6º, da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) dispõe: “As pessoas jurídicas de Direito público e as de Direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Essa previsão legal tem o intuito de igualar as pessoas jurídicas de Direito Público às de Direito Privado que executem funções que, em princípio, caberiam ao Estado, igualando a sua responsabilidade civil. Assim, respondem objetiva- mente pelos danos decorrentes da sua atuação as pessoas jurídicas de Direito privado da administração indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de Direito privado), quando atuam na prestação de serviços públicos, bem como os concessionários e permissionários de serviços públicos, na forma do art. 175 da Constituição (MEIRELLES, 2000). A responsabilidade estatal nos contratos administrativos decorre muitas vezes da concessão de serviços públicos a terceiro. O contrato de concessão é aquele em que a administração pública (concedente) transfere a um particular (concessionário) a execução de determinado serviço público. Essa obrigação assumida pelo concessionário deverá ser fiscalizada pela concedente. O concessionário responde de forma objetiva, no que diz respeito aos serviços objeto da concessão. Assim, mesmo sendo pessoa jurídica de Direito privado, ele assume a possibilidade de ser sancionado no âmbito do Direito público, exatamente por ser executor de serviço do qual o Estado é titular. Ressaltamos que o Estado, ao conceder serviços dos quais é responsável pela execução, assume a responsabilidade de fiscalizar a execução desses serviços exercidos pelo concessionário, decorrendo disso a responsabilidade solidária do Estado para com os danos causados por terceiros por ele contratado. 11Responsabilidade civil contratual e extracontratual C04_Responsabilidade_civil_contratual.indd 11 04/04/2018 09:57:29 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 14 dez. 2016. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002. 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