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E-Book - Apostila ANÁLISE DO DISCURSO E-Book - Apostila Esse arquivo é uma versão estática. Para melhor experiência, acesse esse conteúdo pela mídia interativa. E-Book - Apostila INTRODUÇÃO À ANÁLISE DE DISCURSO Inicie sua Jornada Neste estudo você terá contato com a Análise de Discurso (doravante AD), seus principais conceitos e noções, seus princípios teóricos e metodológicos, e o modo como, no Brasil, essa teoria ganhou algumas especificidades, diferenciando-se da AD francesa. Nosso objetivo é que você possa, a partir das questões aqui discutidas, ter uma visão geral dessa disciplina que atualmente compõem os estudos dos mais variados campos de investigação e pesquisa. Esperamos, ainda, que as reflexões aqui levantadas possam auxiliá-lo em seu percurso acadêmico e profissional, uma vez que a perspectiva discursiva permite um trabalho singular com a língua e o discurso, o que permite aos sujeitos estabelecer uma relação menos ingênua com as questões da linguagem em geral. A AD é uma disciplina que tem como gesto fundador os estudos realizados na França, no final da década de 1960, pelo filósofo Michel Pêcheux e um variado grupo de professores e pesquisadores que, reunidos em torno desse autor, realizaram diferentes pesquisas, investigações e análises para pensar aquilo que Maldidier (2003, p.15) chamou de “aventura teórica”. 2-140 E-Book - Apostila Embora por questões práticas falaremos neste encontro sempre em uma teoria pecheuxtiana, gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que as noções e procedimentos da AD foram se delineando a partir de uma elaboração teórica coletiva. De acordo com Maldidier (2003, p.16), Michel Pêcheux “amava o trabalho comum. Ele escreveu bastante com amigos, com colaboradores.” Nesse sentido é importante destacar que a teoria do discurso nasce pela força do trabalho da figura de Michel Pêcheux, mas não se reduz ao seu pensamento, sendo, assim, a expressão de uma discussão teórica que, na França de 1960, estava fortemente marcada por variados interesses de pesquisadores que dialogavam com esse autor. Desse trabalho conjunto em uma aventura do discurso, surgem reflexões sobre a relação dos sujeitos com a língua e também com outros campos de saberes que nos auxiliarão a refletir sobre suas noções fundamentais, a partir de 5 aulas: na aula 1, estudaremos sua origem na França e no Brasil; na 2 a língua e o discurso; na 3 sobre as condições de produção (doravante CP), formações imaginárias e sujeito discursiva; na 4 sobre formação ideológica (doravante FI) e formação discursiva (FD) e, para finalizar, na aula 5, apresentaremos os conceitos de interdiscurso, intradiscurso e memória discursiva. Desejamos a você, um ótimo estudo e muitas reflexões produtivas. Desenvolva seu Potencial A AD E SEUS FUNDADORES: CONTEXTO HISTÓRICO 3-140 E-Book - Apostila Michel Pêcheux, líder do grupo de fundadores da AD, inicia a escrita de suas reflexões com dois textos assinados com um pseudônimo: Thomas Herbert. O primeiro deles, “Réflexions sur la situation théorique des sciences sociales, spécialement de la psychologie sociale” [Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais, especialmente da psicologia social], foi publicado em 1966 em “Cahiers pour Analyse"[Cadernos para análise], revista do círculo de epistemologia École Normale Supérieure em Paris [Escola Normal Superior de Paris]. O segundo texto, publicado na mesma revista, em uma edição de 1968, intitulava-se “Remarques pour une théorie générale des idéologies” [Anotações para uma teoria geral das ideologias].Em 1969, é publicado o primeiro livro do autor, intitulado “L'Analyse automatique du discours” [Análise automática do discurso], doravante AAD69, e, aparentemente, segundo Henry (2010) não havia nada em seu livro que remetia às questões que o autor trazia nos dois primeiros artigos publicados. Vemos, portanto, que os primeiros textos de Michel Pêcheux possuem um teor crítico, que colocava questões para a psicologia e às ciências sociais, ao mesmo tempo em que, em seu livro, ocupou-se do desenvolvimento de um método específico de análise: o método automático. Mas o que seria, então, a AAD69? Segundo Henry (2010, p.17) Pêcheux embora fosse um filósofo de formação era alguém apaixonado pelas máquinas, pelas ferramentas, pelos instrumentos e pelas técnicas. “E ele não é um filósofo qualquer, mas sim um filósofo convencido de que a prática tradicional da filosofia, em particular no que tange às ciências, está desprovida de sentido ou é, no mínimo, um fracasso.” (HENRY, 2010, p.17). 4-140 E-Book - Apostila Nesse contexto, com sua análise automática do discurso o autor buscou construir um instrumento que permitia pensar sobre a utilização empírica dos instrumentos, porque alguns tipos de utilização eram dominantes e não outros. Ou seja, com sua análise automática do discurso ele não apenas produziu reflexões importantes para sua posterior teoria do discurso, como também fez uma forte crítica ao modo como as ciências sociais de sua época se servia dos instrumentos e, consequentemente, uma forte crítica às ciências sociais em si mesmas. Era, não apenas o estabelecimento de uma teoria, de um instrumento, mas um modo de pensar a ciência na sua relação com o político (Henry, 2010).Da obra AAD69 achamos importante destacar aspectos que serão importantes para um definição de discurso, adotada pelos analistas em geral, como por exemplo: Discurso, Condições de Produção, Sujeito, Formações Imaginárias, estão fortemente presentes nesse primeiro livro do autor e serão abordadas mais detalhadamente no decorrer desta unidade. O que é importante destacarmos nesse tópico é o fato de que as reflexões de Pêcheux sobre o discurso nascem dessa preocupação do autor com uma crítica aos procedimentos teóricos e analíticos das áreas de atuação às quais ele pertencia e, simultaneamente, de sua tentativa de formalização de uma teoria do discurso através de procedimentos automáticos.Vale destacar que naquele período a análise de conteúdo era predominante nas ciências sociais e que Pêcheux demonstrava uma profunda preocupação com os rumos que as análises de textos vinham tomando. Desse modo, a AAD69 visava “obter resultados empíricos, de maneira a propor uma alternativa teórica e metodológica à análise de conteúdo” (GADET; LEON; MALDIDIER; PLON, 2010, p. 55). Esse questionamento é, portanto, um modo de colocar questões ao campo da linguística e ao modo como ela se constituiu como uma ciência e como um estudo centrado no funcionamento da língua deixa questões não respondidas ao estudo dos textos, que não podia até então se constituir como um objeto científico, uma vez que o objeto da linguística é exclusivamente a língua.A inclinação pela qual a linguística constituiu sua cientificidade deixou descoberto questões sobre o texto, a partir de uma análise meramente conteudista, a partir de questões como: a) “O que quer dizer este texto?”; b) “Que significação contém este texto?” e c)"Em que o sentido deste texto difere daquele de tal outro texto?"(PÉCHEUX, 2010, p. 61). Nesse contexto, será de fundamental importância a mudança de perspectiva que o autor propõe deslocando aquilo que seria uma análise do texto por ele mesmo, sobretudo uma análise do texto como um produto acabado, e uma análise que viria a pensar o texto em seu processo de produção discursivo, chamando a atenção, então, para as “circunstâncias” dos discursos, que o autor chamará de Condições de Produção e que na teoria linguística da época era representada pelas noções de contexto ou situação (PÊCHEUX, 2010, p. 73). Foi nesse panorama que o texto passa a ser interpretado a partir da seguinte pergunta: “Como esse texto significa?”.Foi nesse panorama francês que ocorreu o gesto fundador da AD e é importante ressaltar ainda que essa disciplina assim constituída se institucionalizouna França de forma mais ou menos marginal, designando- se como uma disciplina de entremeio (relação que a AD estabelece com outras disciplinas, pois é a partir dessa relação que ela se constitui), ou seja, a AD fazia sua crítica às disciplinas já institucionalizadas (como já dito anteriormente), a partir de três campos de estudos: a linguística, o marxismo e a psicanálise. Trata-se de uma disciplina de entremeio porque 5-140 E-Book - Apostila “[...] não acumula conhecimento meramente, pois discute seus pressupostos continuamente. [...]. [....]. Levando a sua crítica até o limite de mostrar que o recorte de constituição dessas disciplinas que constituem essa separação necessária e se constituem nela é o recorte que nega a existência desse outro objeto, o discurso, e que coloca como base a noção de materialidade, seja linguística seja histórica, fazendo aparecer uma outra noção de ideologia, possível de explicitação a partir da noção mesma de discurso e que não separa linguagem e sociedade na história. (ORLANDI, 2007, p. 23-25). q J Nesse sentido, surgem no interior da teoria discursiva uma forma singular de pensar a relação entre a língua, o sujeito, a história, produzindo um deslocamento que, segundo Orlandi (2007, p.23) "resulta sobretudo do trabalho produzido sobre a noção de ideologia”. Michel Pêcheux irá explorar melhor todas as suas reflexões sobre língua, discurso e ideologia em um segundo livro, esse mais conhecido e mais estudado no Brasil, intitulado “Les Vérités de la Palice”, traduzido para o português sob o título “Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio”. No decorrer das reflexões aqui realizadas você terá oportunidade de acompanhar um pouco mais sobre o modo como a AD trabalha com todas essas noções. Agora que você já teve uma noção bem inicial das primeiras reflexões e trabalhos sobre a AD na França, vejamos de que modo a teoria é abordada no campo brasileiro. Segundo destaca Orlandi (2009) em nota na introdução à edição brasileira da obra Semântica e Discurso a Análise de Discurso no Brasil hoje se desenvolve sob diferentes perspectivas e autores que se diferenciam entre si. Se, nos anos de 1960, ano de surgimento de uma teoria discursiva na França, as referências teóricas que influenciaram a disciplina “giravam em torno do estruturalismo filosófico, da questão da ideologia e da leitura dos discursos” políticos (ORLANDI, 2012, p.14), tendo sobretudo como conjuntura política a crise das esquerdas, no Brasil a entrada da AD se dá sob outras bases. 6-140 E-Book - Apostila No Brasil a entrada da perspectiva discursiva pecheuxtiana se dará no contexto dos anos 70, cujo o cenário principal é a ditadura militar e é nesse contexto que a pesquisadora Eni Orlandi, em volta com as questões políticas e acadêmicos de um período ditatorial, entra em contato com a obra de Michel Pêcheux e, a partir da relação que estabelece com ela, abre um campo de estudos para pensar o discurso na academia brasileira, a partir de aulas e publicações nas quais apresenta noções e conceitos dessa disciplina. Segundo a pesquisadora, naquele período os linguistas brasileiros “não aceitam que uma forma de conhecimento materialista sobre a linguagem, que ignora o positivismo, se forme contraditoriamente no seu interior” (ORLANDI, 2012, p. 22). Vemos assim que a entrada da AD pecheuxtiana no Brasil, nos anos 70, não ocorreu sem resistências, anos 70, pois a pesquisadora e professora Eni Orlandi insiste, mesmo no contexto de uma ditadura que não dava trégua e por isso era preciso ensinar AD, pois nas suas palavras. Nas palavras da autora “Era preciso acenar que o sentido podia/pode ser outro” e que “[...] sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo” (ORLANDI, 2012, p. 17). Certamente , ao longo dos anos essa teoria se disseminou, produziu deslocamentos e a própria denominação Análise de Discurso so0freu seus deslocamentos e, no Brasil, se desenvolve na relação com outros autores que não Michel Pêcheux, como o filósofo Michel Foucault, Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau e outros que se alinham a uma perspectiva de discurso mais próxima do pensador Mikhail Bakhtin. Hoje, podemos afirmar que a AD no Brasil considera a Linguística nas suas análises, mas também a História, a Filosofia, a Sociologia e a Psicanálise e diferentes arquivos de análises que perpassam do verbal ao não verbal, do discurso político, ao dos sem-terra, grevistas, religiosos, jurídicos científico e cotidiano. O) SAIBA MAIS Para saber mais sobre os textos iniciais de Michel Pêcheux sugerimos que você leia o texto “Os fundamentos teóricos da “análise automática do discurso” de Michel Pêcheux, escrito por seu colega de pesquisa Paul Henry, no livro intitulado “Por uma análise automática do discurso”, organizado por Françoise Gadet e Tony Hak, outros dois membros do grupo que se reunia em torno do autor. Essa obra reúne alguns trechos do livro de Michel Pêcheux e alguns artigos de pesquisadores de seu grupo, que se dedicam a explicar e a demonstrar análises realizadas a partir do instrumento de análise automática elaborado por Pêcheux. Fonte: as autoras. INDICAÇÃO DE FILME 7-140 E-Book - Apostila A. + NÓS QUE AQUI ESTAMOS, “POR VOS ESPERAMOS ** Um filme de Marcelo Mosagão. 8-140 E-Book - Apostila Nós que aqui estamos, por vós esperamos. Ano: 1999 Sinopse: Um filme brasileiro, cujo título foi inspirado em uma placa instalada na frente de um cemitério, produzido pelo gênero documentário que, sob a direção de Marcelo Masagão, resume os principais acontecimentos ocorridos no mundo durante o século XX, abordando de forma ficcional, criativa e também fatos reais - retratos, filmes e outros registros audiovisuais, apresentam a biografia de personagens importantes e também homens e mulheres que, escondidos, nunca fizeram parte da história documentada, mas fi zeram história, para refletirmos não só esse século de grandes acontecimentos - duas grandes guerras, quebra da bolsa em 1929, Freud e o inconsciente, Einstein e sua física, Saussure e sua teoria da língua, Marx e a divisão de classes, a viagem para a lua, etc - mas também nos direciona a uma reflexão entre a linha tênue que separa a vida da morte. Um longa-metragem de encher os olhos e que vale a pena assistir. Comentário: Um filme interessante para fazer uma análise de discurso, aplicando não só os conceitos fundantes, mas também os desdobramentos da teoria, nos últimos anos. A J PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: LÍNGUA E DISCURSO Iniciamos nosso percurso apresentando as principais questões que fundamentam as reflexões iniciais da teoria da AD, bem como, alguns teóricos franceses que contribuíram para a sua ancoragem na sociedade francesa de meados do século XX, sem deixar de mencionar também, os desdobramentos da teoria em solo brasileiro. Entretanto, é preciso avançar pelos conceitos teóricos específicos para que você comece a compreender tanto a metalinguagem, quanto a aplicabilidade da mesma em gestos de análises. Tomando o direcionamento de apresentação e definição dos conceitos que participam da sua fundação e ainda continuam nas pesquisas atuais, não poderia fugir de duas ferramentas básicas para a AD: a língua e o discurso. Por se tratar de termos que fazem parte de diferentes campos de saberes, para desenvolvê-los, retomamos autores que trabalham com a teoria e lidam diariamente com os mesmos, à luz da AD. Pêcheux (2009) reflete e ressignifica a concepção saussuriana de língua, enquanto noção de sistema que se opõe à fala. Saussure, ao desconsiderar a função da língua e considerar seu funcionamento, no desenvolvimento da teoria, deixou uma porta aberta para que ela fosse pensada de forma multifacetada. Assim, a língua é uma base em funcionamento, onde os processos discursivos (produção de efeitos de sentido) são construídos pelo animal humano socialque fala/escreve como se houvesse somente uma língua, mas ao considerá-la no entremeio de outro campos científicos - a história, por exemplo, percebe- se que ela é “[...] [...] o lugar material onde se realizam estes efeitos de sentido” (PÉCHEUX & FUCHS, 1997, p. 172). 9-140 E-Book - Apostila Nesse sentido, a língua, apesar de ser uma só para o materialista, idealista ou revolucionário vai funcionar conforme a posição daquele que vai colocá-la em funcionamento e isso, justifica a nossa afirmativa, pautado em Pêcheux (2009) que tais personagens não possuem o mesmo discurso. Por isso, a língua é fluída, ou seja, ela está sempre em movimento, vai além das suas regras e não se deixa imobilizar (ORLANDI, 2009). A língua não tem limites e muito menos se apresenta como um sistema perfeito e unidade fechada nela mesma e, por conta disso, ela está sempre sujeita a falhas e sempre afetada pela incompletude e pela exterioridade. Para a AD, a língua é opaca. A língua é a condição de possibilidade do discurso. Isto significa que este é diferente da língua, embora se utilize das suas leis internas para se concretizar e, nesse sentido, conforme salienta Orlandi (2001), etimologicamente, remete à ideia de curso, movimento, palavra em movimento nos (e pelos) sujeitos. É justamente desse aspecto que a AD vai se ocupar, enquanto proposta epistemológica que Pêcheux (1969) articula com as Ciências Sociais (História, Sociologia e Filosofia), a Linguística, a teoria do Discurso e a Psicanálise. Portanto, não devemos pensar o discurso enquanto mera transmissão de informações, mas como a produção de um efeito de sentidos entre os locutores, conforme salienta Pêcheux (1997) ou seja, como algo que se produz na relação entre os sujeitos e está para além de uma análise simplista da língua, vindo a ser definido como “[...] um processo social cuja especificidade está no tipo de materialidade dessa base, a materialidade linguística, já que a língua constitui o “lugar material" em que se realizam os efeitos de sentido. Daí que a forma da interpretação - leia-se: da relação dos sujeitos com os sentidos - é historicamente modalizada pela formação social em que se dá, e ideologicamente constituída (ORLANDI, 1996, p. 146-147). q J O que se depreende das afirmativas aqui elencadas é que o discurso é o objeto teórico, conceitual e operacional da AD, mas que para ser efetivado enquanto prática analítica dos pesquisadores, precisa estar atrelada a outros componentes como, por exemplo, a própria língua e está social e à história. E assim por diante, pois não é possível pensá-lo isolado. 10 - 140 E-Book - Apostila EU INDICO Em tempos de eleição para a reitoria de uma universidade, há uma faixa encorajando estudantes e servidores a votarem. Um leitor afetado pelo conteúdo vai pensar: “o que essa faixa (texto) quer dizer?”. Um leitor com noções sobre o discurso, sabendo que a língua é opaca e está afetada pela exterioridade, vai analisar: “como esse discurso significa"? e pelas condições de produção do modo como a campanha está ocorrendo, ele vai refletir sobre a possibilidade de coação e ameaça, no processo eleitoral. Um efeito de “voto de cabresto”. Fonte: Orlandi (2001a). Adaptado pelas autoras. CONCEITOS FUNDAMENTAIS: CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS DISCURSOS, FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS E SUJEITO DISCURSIVO E no mar do discurso é preciso avançar por outros conceitos para que sejamos capazes de compreender essa teoria e seus riscos dada às especificidades do modo pluridimensional em que ela foi pensada por seus fundadores. Por isso, se faz necessário compreendermos os conceitos básicos que compõem o rol da teoria da AD, pois esta, apesar das ressignificações que vão sendo reformuladas para atender às necessidades de análise de cada pesquisador, sempre há um retorno às questões fundantes da mesma e a partir dessa compreensão estabelece seu gesto de leitura e de análise. Vamos avançar e refletir sobre dois conceitos essenciais para iniciar um projeto pautado por esta teoria: as condições de produção do discurso (doravante CP), as formações imaginárias e o sujeito discursivo. Antes, porém, é preciso não esquecer de sempre lembrar que estamos lidando com uma teoria que produz sentidos (veja: produz) e eles não são fixos, mas oscila no (im)possível da língua e na posição daquele enuncia. Por isso, retomamos Pêcheux (1997) para sairmos da empiricismo que o termo CP nos leva a pensar como algo idêntico à situação, pois embora não se possa negar suas aproximações de similaridades conceituais, o autor se apropria do esquema informacional (modelo comunicativo) de Roman Jakobson - emissor, receptor, referente, canal, código e mensagem. Esta é pensada por Pêcheux, não mais como uma simples mensagem, ou seja, uma transmissão de informação de um emissor A, para um receptor B, mas como um discurso, ou seja, um “' efeito de sentidos' entre entre os pontos A e B” (PÊCHEUX, 1997, p. 82). 11-140 E-Book - Apostila Dentro da teoria da AD, o que isso significa? Significa que as CP de um discurso (a produção de um efeito) incluem o contexto social, histórico e ideológico, ou seja, não é possível analisar somente as circunstâncias (a situação propriamente dita) de enunciação entre dois (ou mais) locutores físicos e em um contexto imediato permeado pelo aqui e o agora, mas como lugares que estão representados no processo discurso e denomina-se como formações imaginárias, ou seja, “[...] o lugar que A e B se atribuem cada um a sie ao outro, a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro” (PÉCHEUX, 1997, p. 82). Ademais, a CP constituem tais discursos, a partir de mecanismos de antecipação que coloca o locutor no lugar do outro, para ouvir suas próprias palavras, pois " Esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo, ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte. Este espectro varia amplamente desde a previsão de um interlocutor que é seu cúmplice até aquele que, no outro extremo, ele prevê como adversário absoluto (ORLANDI, 2001 a, p 39). Nu J Resumidamente: As condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e a historicidade), o que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo imaginário. Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de uma conjuntura sócio-histórica. Temos assim a imagem da posição sujeito locutor (quem sou eu para lhe falar assim?), mas também da posição do sujeito interlocutor (quem é ele para me falar assim, ou para que eu lhe fale assim?), e também a do objeto do discurso (do que estou lhe falando, do que ele me fala?) (ORLANDI, 2001 a. p. 40). q J 12 - 140 E-Book - Apostila De acordo com a autora, todo esse mecanismo também vem permeado por relações de força constitutiva da própria estruturação da sociedade que demarcam nossos lugares no discurso, pois o discurso do lugar do professor e do aluno, do juiz e do réu produz efeitos de sentidos, hierarquicamente, com valores diferentes, ou seja, não necessariamente, mas, na maioria da vezes, os discursos do professor e do juiz valem mais do que o do aluno e do réu. Tais conceituações fazem parte das formações imaginárias e, reforçando, ela se caracteriza como algo que não trata de pessoas físicas em situações empíricas, mas que funcionam no discurso como se fosse projeções o qual subsidia os analistas do discurso a deslocar do lugar ocupados por pessoas físicas para a posição, ou seja, posição ocupadas por sujeitos discursivos. Falar sobre o sujeito do discurso também requer um deslocamento da concepção de indivíduo de carne e osso e dono do seu dizer. pois conforme os preceitos de Pêcheux (2009), para a AD, o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia que com sua força material e sua capacidade de produzirevidências se torna a condição para constituir o indivíduo em sujeito. Portanto, é nesta relação que entre sujeito e ideologia que os sentidos vão sendo produzidos, metaforicamente, como um aceite involuntário de um recrutamento obrigatório. Sobre esta questão o autor nos diz que a ideologia “[...] 'recruta' sujeitos entre os indivíduos e que ela os recruta a todos” (PÉCHEUX, 2009, p. 144), como se fossem voluntários forçados, ou seja, como indivíduos que “[...] recebem como evidente o sentido do que ouvem e dizem, lêem ou escrevem [...] (PÉCHEUX, 2009, p. 144). N É nesse jogo discursivo que a ideologia atua e “[...] fornece as evidências pelas quais “todo mundo sabe' o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc. evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado 'queiram dizer o que realmente dizem" e que mascaram, assim, sob a “transparência da linguagem [...] (PÉCHEUX, 2009.p. 146). PENSANDO JUNTOS 13 -140 E-Book - Apostila Pêcheux nos provoca ao desenvolver a teoria do sujeito do discurso, como um indivíduo interpelado. Você concorda que essa interpelação é sempre passiva? Será que em algum momento esse sujeito resiste? Pense sobre isso, a partir da situação política e econômica do Brasil e os movimentos atuais da classe trabalhadora, contra a reforma da previdência. Fonte: as autoras. CONCEITOS FUNDAMENTAIS: FORMAÇÃO IDEOLÓGICA E FORMAÇÃO DISCURSIVA Na aula anterior, foram apresentadas as reflexões sobre as CP, formações imaginárias e o sujeito discursivo enquanto componentes básicos pertencentes ao arcabouço dos conceitos fundamentais e tradicionais da AD. Cabe salientar que, embora os mesmos estejam sendo apresentados em tópicos segmentados e os analistas tendem a desenvolver suas análises, a partir de gestos que priorizam alguns desses componentes, embora todos são considerados no momento do desenvolvimento analítico, porque estão imbricados um no outro. Nessa articulação, acrescentamos, nesse momento, a Formação Ideológica (FI) e a Formação Discursiva (FD) para compor o quadro teórico da disciplina. Para iniciar, retomamos o assujeitamento do indivíduo para lembrar que é pela ideologia que ele é colocado na posição de um “sempre-já-sujeito” (PÉCHEUX, 2009, p. 140), pois essa posição ocorre por meio da interpelação da ideologia que, em outras palavras a “[...] consiste em fazer com que cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas, ao contrário, tenha a impressão de que é senhor de sua própria vontade) seja levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social (BRANDÃO, 2004, p. 47). q J 14 - 140 E-Book - Apostila No entanto, para ocupar tais lugares determinados, sem ter consciência de que é constantemente interpelado a fazer isso naturalmente, é preciso que haja a reprodução dessa naturalização, garantida pelas instituições públicas, privadas, do terceiro setor (filantrópicas/ONGS) e quarto setor (organizações sem fins lucrativos e que tem por objetivo gerar impacto positivo). Momento que é preciso pensar por meio de Althusser (2008) para dizer que tais instituições são subdivididas em: Aparelhos Ideológicos de Estado (AIEs) Escola, igreja, associação de bairro, partido político, sindicatos, disseminadores de informações, etc). Aparelho Repressor do Estado (ARE) Forças armadas, polícias e prisões. A junção dos AIEs e do ARE garantem a reprodução das relações de produção, respectivamente, pela ideologia e pela repressão (não são estanques. Há ideologia no ARE e repressão sutil nos AlEs). Pêcheux (2009), a partir da releitura dessas concepções althusserianas, estabelece o todo complexo das formações ideológicas, a partir da seguinte tese sobre o sentido: “[...] o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc., não existe “em si mesmo” (isto é, em sua sua relação transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas, isto é, reproduzidas (PÉCHEUX, 2009, p. 146). 15 - 140 E-Book - Apostila E o autor, nas suas elucubrações, reafirma a sua teoria, resumindo a mesma tese, repetindo que "[...] as palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam” (PÉCHEUX, 2009, p. 146). Ou seja, tais posições, que são ocupadas pelos sujeitos que, ao serem conduzidos sem se darem conta, produzem sentido em referência às Fls. A base de compreensão da FI está em Pêcheux & Fuchs (1997), especificamente, quando afirmam que as relações de classes se caracterizam pelo afrontamento de posições no interior dos AIEs, que colocam em jogo, as práticas associadas aos lugares ocupados nas referidas posições que não caracterizam o jeito de ser de cada indivíduo. É a ideologia se materializando na explicação que chega à tese de que os indivíduos, interpelados em sujeitos, se organizam em formações que mantêm entre si tipos de relações de antagonismo, aliança ou dominação. É a partir desse momento, que os autores definem a FI como “[...] um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem 'individuais' nem 'universais' mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras” (PÉCHEUX & FUCHS, 1997, p. 166). Momento em que se faz necessário afirmar que tais Fls comportam, como um de seus componentes, uma (ou várias) formações discursivas (FD) que se define como “[...] aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc) (PÉCHEUX, 2009, p. 147). Voltemos com o intuito de afirmar que a FD intervêm na FI, ou seja, elas estão intricadas e, nesse caso, as palavras, expressões e proposições recebem o sentido da FD que se deriva das CP do discurso e que representa, na e pela linguagem, as Fls correspondentes. Por meio de Pêcheux (1997) é preciso mencionar, dentro de tais conceitos que são os centros das reflexões da AD, que a teoria discursiva não permaneceu estanque (e ainda continua em movimento mantendo o legado de Pêcheux de que é preciso ousar se revoltar) e, em se tratando de FD, não poderia deixar de salientar que ela não é um espaço estrutural fechado e homogêneo (e isso justifica as FDs no plural), ou seja, ela é invadida por elementos que vêm de outras FDs, fornecendo-lhes evidências discursivas pelo pré- construído, ou seja, “[...] “aquilo que todo mundo sabe” [...]" (PÉCHEUX, 2009, p. 158) e não questiona por ser universal e evidente em um contexto situacional. Em outras palavra é a matéria prima do sujeito que enuncia por meio de uma FD dominante e é nesse espaço que corresponde a "[...] 'um sempre-já-aí' da interpelação ideológica que fornece-impõe a 'realidade' e seu 'sentido' sob a forma de universalidade (o 'mundo das coisas)” (PÉCHEUX, 2009, p. 151) que entraremos no campo de interdiscurso. E) atenção 16 - 140 E-Book - Apostila A teoria da AD funciona por meio de um objeto de análise. Observe os enunciados: 1) Sem-terras invadem fazenda usada em suposto esquema em Ribeirão. (jornal de grande circulação). 2) Sem-terras ocupam área em Santa Catarina. (site do MST). Análise: Superficialmente os dois enunciados tratam da ação do MST. Porém os efeitos de sentidos produzidos são diferentes em “invadir” e “ocupar”. Nas CP do enunciado “invadem”, o sujeito, inconscientemente, é interpelado a ocupar uma posição que não se identifica com a FD (o que pode e deve ser dito) sobre o MST e produz um efeito que negativiza o movimento como invasores que atacam a propriedade privada.No segundo enunciado, o sujeito, por estar afetado pela FD do MST, pois escreve para o site e, portanto, pode e deve apoiá-lo, enuncia “ocupar”, produzindo um efeito de aceitação e defesa da ação do movimento, diante de áreas improdutivas, justificando a ação de ocupar (e não invadir). Fonte: Fernandes (2005), adaptado pelas autoras. INDICAÇÃO NA WEB Apresentação: para que você possa ampliar seus conhecimentos sobre a AD, sugerimos a Enciclopédia Audiovisual de AD. produzida pelo Laboratório Arquivos do Sujeito (LAS), sob a coordenação da Prof” Dr" Bethania Mariani, anexo à Universidade Federal Fluminense (UFF). 17 - 140 E-Book - Apostila AULA 5: CONCEITOS FUNDAMENTAIS: INTERDISCURSO, INTRADISCURSO E MEMÓRIA DISCURSIVA Na reflexão desenvolvida sobre Fis e FDs, aprendemos que nas CP de um discurso e a partir da posição ocupada pelo sujeito que enuncia, a(s) FD(s) determinam o que esse sujeito pode e deve dizer e que ela apresenta em seu interior diferentes discursos. Fato que nos leva a pensar que toda FD “[...] circunscreve a zona do dizível legítimo definindo o conjunto dos enunciados possíveis de serem atualizados em uma dada enunciação a partir de um lugar determinado” (BRANDÃO, 2004, p. 93). É nessas possibilidades de entrelaçamento de diferentes discursos produzidos em torno de uma temática que entra o interdiscurso que, para a AD, significa a “presença de diferentes discursos, oriundos de diferentes lugares sociais, entrelaçados no interior de uma formação discursiva” (FERNANDES, 2005, p.61). Esses outros discursos que vão permeando o dizer do sujeito em uma posição dada, segundo Orlandi (2001 a) sinaliza que não somos donos do que estamos enunciando, ou seja, ele não é uma propriedade particular e sempre é retomado por meio de já-ditos em outro lugar e que vão sendo ressignificados nas CP e na FD que vai autorizar esse sujeito a dizer uma coisa (e não outra). Tais reflexões sobre o interdiscurso foram bebidas na fonte teórica de Michel Pêcheux, especificamente quando ele afirma que “f..] o próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do interdiscurso, que determina essa formação discursiva como tal, objetividade material essa que reside no fato de que “algo fala” [.] sempre “antes em outro lugar e independentemente”, isto é sob a dominação do complexo das formações ideológicas (PÉCHEUX, 2009, p. 149). NU J 18 - 140 E-Book - Apostila Retomando Orlandi (2001 b), o interdiscurso está dentro do plano de constituição dos sentidos e se caracteriza como irrepresentável, mas capaz de calçar o que pode e deve ser dito por um sujeito determinado pelo social e pela história, pois é pelo/no interdiscurso que o sujeito é afetado pelo mundo e seus discursos, por meio de um plano de formulação dos sentidos, ou seja, pelo fio de um discurso interior apresentado pelo sujeito que, nesse caso, denomina-se intradiscurso. Dessa forma “[...] pode-se bem dizer que o intradiscurso, enquanto “fio do discurso” do sujeito, é a rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma “interioridade” inteiramente determinada como tal “do exterior”. [...] diremos que a forma-sujeito (pela qual o “sujeito do discurso” se identifica com a formação discursiva que o constitui) tende a absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso. [...] (PÉCHEUX, 2009, p. 154). A J O sujeito, dentro dos limites da FD que o domina, o que equivale a dizer que há sentidos que jamais poderão ser produzidos, se utiliza de uma rede de discursos disponíveis (interdiscurso sobre um determinado tema e o atualiza (intradiscurso) na sua formulação. Resumindo: o interdiscurso é a apropriação de discursos já-ditos sobre um determinado assunto e que se ressignificam como intradiscurso em sequências discursivas enunciados pelo sujeito, em uma FD determinada. Nesse ponto, nos valemos de Indursky (2011) para tratarmos da noção de repetibilidade como ponto de observação de que os discursos pré- existem ao discurso do sujeito que enuncia (intradiscurso) que. sob o efeito do esquecimento dessa pré-existência, pensa ser a origem do que está sendo dito, mas, como afirma Brandão (2004), ele está simplesmente retomando, redefinindo, reatualizando, transformando, ou mesmo, esquecendo, rompendo e denegando um já- dito. É nesse jogo discursivo em que a repetibilidade se efetiva que podemos trazer para a discussão, mais um conceito denominado como memória discursiva. Diante da complexidade da teoria discursiva, nos adiantamos, por meio de Pêcheux (1999) que não estamos tratando de uma memória individual e psicologista (lembrar ou recordar de alguém, por exemplo), mas de uma memória social que, na produção discursiva faz circular formulações alhures. 19 - 140 E-Book - Apostila Dessa forma, a memória discursiva se configura “[...] face a um texto que surge como acontecimento a ler” sob uma ação de restabelecimento de “implícitos”, “remissões”, “elementos citados e relatados”, etc .E o autor diante dessa reflexão, lança um questionamento sobre onde localizar tais implícitos, uma vez que eles “estão presentes por sua ausência”, na leitura de uma sequência (PÉCHEUX, 1999, p. 52). É nesse processo, onde ocorrem diferentes funcionamentos discursivos de retomada/ repetição/regularização e efeitos de paráfrase que podem tanto manter o mesmo, como desmoroná-lo. A memória discursiva, diante de um acontecimento novo, se configura “[...] sob o 'mesmo” da materialidade da palavra abre-se então o jogo da metáfora, como outra possibilidade de articulação discursiva... Uma espécie de repetição vertical, em que própria memória esburaca-se, perfura-se antes de desdobrar- se em paráfrase” (PÊCHEUX, 1999, p. 53). O autor, apresenta a memória discursiva a partir da concepção de que ela não é plena e muito menos homogênea, como um espaço que se desdobra e se desloca, ou seja, não há memória sem exterior. QUADRO RESUMO Embora pareçam sinônimos, o interdiscurso e a memória discursiva são conceitos que se diferenciam. O interdiscurso significa tudo o que já foi dito sobre um determinado assunto, comportando todos os sentidos reunidos (Ex: tudo o que já foi dito sobre o tema “tortura”, durante o regime político militar brasileiro). A memória discursiva é a existência histórica de enunciados inscritos no interior de uma FD que produzem somente os sentidos autorizados ou esquecidos pela posição ocupada pelo sujeito (Ex: quem vai discursivizar sobre a “tortura” é um general que fez parte do exército ou um cidadão que se opôs ao regime, foi preso e torturado). O que eles estão autorizados a dizer e a não dizer? Fonte: Indursky (2011). Adaptado pelas autoras. APROFUNDANDO Abordaremos a respeito das condições de produção dos discursos: língua, formações imaginárias e interdiscurso. Pêcheux (1997, p. 83) elabora um esquema para explicar as formações imaginárias, a partir do modelo comunicativo de Roman Jakobson gue tem como propósito a transmissão de uma mensagem. 20 - 140 E-Book - Apostila No entanto, Pêcheux propõe substituir a mensagem pelo discurso, afirmando não se tratar da transmissão de informação entre A e B mas, da produção de efeitos de sentidos entre Ae B. Observe o esquema apresentado no quadro: Figura 1 - Quadro das Formações Imaginárias Pa Expressão que des- Questão implícita suja «res- | igna as formações | Significação da expressão posta» subentende a formação imaginárias imaginária correspondente. Imagem do lugar de A parao | «Quem sou eu para lhe falar x ( la (A) sujeito colocado em À assim?» la (Bj Imagem do lugar de A parao | «Quem é ele para que eu lhe sujeito colocado em B fale assim» Imagem do lugar de B parao | «Quem sou eu para que ele me & ( lb (B) sujeito colocado em B fale assim?» Ib (A) Imagem do lugar de A parao | «Quem é ele paraque ele me sujeito colocado em B fale assim» A ( la (Rj «Ponto de vista» de A sobre R | «De que lhe falo assim» a ( Io (R) «Ponto de vista» de Bsobre R | «De que ele me fala assim» Fonte: Pêcheux (1997, p. 82) 21- 140 E-Book - Apostila O discurso, a partir do quadro de formações imaginárias, produz condições para o emissor antecipar as representações que faz dos receptores de seu discurso pelo mecanismo de antecipação, pois é por meio dele que se compreende quais são as formações imaginárias que estão em jogo, em um determinado texto e também qual é a relação estabelecidas com discursos anteriores, ou seja, com o interdiscurso.Os sentidos produzidos em um texto só poderão ser compreendidos quando desloca da análise do seu conteúdo e da visão de língua homogênea e transparente, pois essa, para a AD, é heterogênea e um mesmo conteúdo pode produzir diferentes efeitos de sentidos, conforme suas CP, ou seja, usamos a língua para produzir sentidos.No que concerne a textualidades contemporâneas como hashtags, por exemplo, percebemos que elas se constituem de diferentes materialidades, pois são textos híbridos que ocorrem a partir do imbricamento de diferentes materialidades significantes como imagens, escrita e sons. Outro fator que determina as CP das textualidades contemporâneas é o fato de serem digitais ou circularem na internet (em rede). Ao analisar a hashtags iilstoÉMachismo que circulou no Twitter e no Facebook, durante o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, consideramos que ela funcionou como resposta aos discursos machistas muitas vezes naturalizados em capas.Um exemplo foi da revista semanal brasileira IstoÉ, cuja edição de 2 de abril de 2016, trazia em sua capa, uma imagem “enfurecida” de Dilma com o seguinte título: “As explosões nervosas da presidente” e, no seu interior, a matéria referente à capa era intitulada “Uma presidente fora de si”. Ao observar as CP imediatas da produção/circulação da hashtag ttlstoÉMachismo, observamos que a mesma foi produzida no mesmo dia do lançamento da revista, como forma de reação contrária à publicação que orienta para um sentido de que a Presidenta estaria perdendo o controle, na dimensão psicológica mesmo, diante da instalação de um processo de impeachment contra ela. Pensando as relações imaginárias pelas CP sócio-histórica e ideológicas: a imagem que A (IstoÉ) faz de B (leitor) é a imagem que a revista atribui a seus leitores e qual a imagem ela considera que seus leitores atribuem ao referente, no caso, Dilma Rousseff e, nesse caso, por se tratar de um veículo de imprensa, destinado a “informar”, o foco recai no referente, sendo importante compreender os lugares de A e B na sua relação com o processo de antecipação.Portanto, no jogo de formações imaginárias o elemento dominante não recai sobre o emissor ou o receptor, mas sim sobre o referente, ou seja, A antecipa a imagem que B faz de R decidindo “de que lhe fala assim”. Desse modo, À opera com uma antecipação da imagem de B e da imagem que B faz de R, o que lhe permite falar assim de R (no caso de Dilma Rousseff).A relação com o interdiscurso está no fato de o discurso da psicologia, psiquiatria, atravessar o discurso jornalístico, pois no nível da formulação o sujeito escolhe operar com o discurso médico com vistas a produzir uma análise das condições psicológicas de Dilma, usando um discurso de autoridade, por meio de uma evidência produzida no texto, ou seja, de que “todo mundo sabe que Dilma Rousseff está descontrolada”. É na hashtag *lstoÉMachismo e nas CP de textos digitais em rede que se operam com o excesso da sua circulação, atingindo não só os supostos leitores da revista IstoÉ, mas também uma gama heterogênea de sujeitos que vão produzir outras relações imaginárias, de modo que a imagem construída para Dilma Roussef, sofrerá deslizamentos de sentidos e dará, ao mesmo tempo, uma imagem da revista materializada na hashtag fiIstoÉMachismo. 22 - 140 E-Book - Apostila PÊCHEUX, Michel; FUCHS, Catherine. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 159-250. Novos Desafios Faremos agora um retorno pelo percurso que desenvolvemos com o objetivo de situar você e também motivá-lo a um mergulho um pouco mais profundo sobre este campo de saber que tem como objetivo refletir sobre os acontecimentos sociais, por meio do discurso. Afinal, como o grande mestre Michel Pêcheux deixou no seu legado teórico, as mesmas palavras e expressões podem ter o mesmo (ou outros) sentido(s), haja vista tudo vai depender da posição-sujeito daquele que enuncia. Sendo assim, precisamos investir em uma relação menos ingênua com a língua e seus desdobramentos/funcionamentos nas nossas relações sociais para compreendermos além que está exposto e por vieses já cristalizados que induzem a interpretar de uma forma única, geralmente com o intuito manter as coisas devidamente encaixadas.Por isso, reiteramos a importância do acesso à teoria da AD para que sejamos capazes de sair do mesmo, mediante outros gestos de escuta e leitura, amparados por dispositivos teóricos específicos. Por isso, na aula 1, apresentamos a você a base de fundação da teoria no turbulento contexto francês da década de 60 e seus principais teóricos, especialmente, o inquieto filósofo e apaixonado por máquinas e questões da língua Michel Pêcheux. Inquietude que atingiu também pesquisadores brasileiros que se interessaram pela AD, como a linguista Eni Orlandi e tantos outros não mediram esforços para deixarem suas marcas, apesar de um regime que calava a voz daqueles que ousavam se manifestar. 23-140 E-Book - Apostila E assim prosseguimos, estabelecendo recortes para atender aos limites de páginas pré- determinadas, tal como fizemos na aula 2, ao abordar como a língua é teorizada na AD, ou seja, com a qualidade (e não defeito) de não ser transparente, pois é na sua opacidade que o (des)limite é ultrapassado, em dobraduras que a fazem funcionar produzindo sentidos entre os locutores e para sermos analistas competentes é preciso ousar pelas trilhas teóricas da AD e refl etir, assim como ocorreu na aula 3, sobre conceitos fundantes como as CP, para entender que os fatos ocorrem sempre mediados por questões histórica e sociais (e não sem motivo) que nos obriga a compreender, atrelados ao lugares (não físicos) compreendido pelas Fls que o indivíduo (sempre, mas não sem resistência) interpelado em sujeito do seu discurso deve ocupar, ao enunciar palavras sempre fi liado a um conjunto de FDs que, projetada pela FI dadas, vão determinar o que ele pode e deve dizer, conforme estudamos na aula 4.Mas o discurso vai além do que enunciamos aqui e agora, por meio de uma posição-sujeito subordinada às CP e FDs, pois dentro desse quadro básico fundante que alicerça a teoria do discurso, há também o interdiscurso, conforme vimos na aula 5, que signifi ca um conjunto de dizeres já ditos anteriormente, sobre um determinado tema como, por exemplo, violência e suas causas e consequências. Diante desse tema, coloca-se tudo o que já foi dito na pauta, mas é o sujeito que vai elencar, no intradiscurso (na sua formulação), conforme a sua posição e a FD que o domina o que vai ser por ele repetido ou mesmo esquecido e é nessa repetibilidade que a memória discursiva atua e se confi rma na fato de que todo dizer já foi dito. VAMOS PRATICAR? Chegou o momento de testar o conhecimento adquirido até aqui! Para isso, por favor, participe da autoatividade que preparamos especialmente para você. São apenas 4 questões 4. A Análise de Discurso (AD) é uma disciplina que se originou a partir de 24 - 140 E-Book - Apostila uma relaçãoconsiderada como de entremeio e tem o discurso como seu objeto de análise. Sobre os aspectos fundantes da AD, assinale a alternativa correta. a) A A D é uma disciplina que se originou no contexto social e histórico francês da década de 60, do século passado, a partir de um grupo de pesquisadores entre os quais, apresentamos Michel Pêcheux. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! b) A obra denominada Análise Automática do Discurso, de 1969 (AAD/69) de Michel Pêcheux, tinha como propósito implementar análises de texto, a partir de uma metodologia conteúdista. Resposta Incorreta: Continue tentando! c) Diante de um texto, perguntas como: “que quer dizer este texto?"“que significação contém este texto?” e “em que o sentido deste texto difere daquele outro texto?” são elementares para se fazer uma análise discursiva. Resposta Incorreta: Continue tentando! 25 - 140 E-Book - Apostila d) Afirmar que a AD é uma disciplina de entremeio significa que ela O se estabelece a partir de uma relação crítica com outras disciplinas, entre as quais, as mais importantes são: matemática, gastronomia e oceanografia. Resposta Incorreta: Continue tentando! e) A À D também é estudada no Brasil e a entrada da teoria no país (e) ocorreu no início da década de 70, em plena ditadura militar, por meio da promulgação do Ato Institucional 5 (Al-5) do General Costa e Silva. Resposta Incorreta: Continue tentando! 2. À AD é uma disciplina que se configura por meio de pressupostos teóricos e fundantes específicos e é por deles que o analista desenvolve seu gesto de análise ao se utilizar de uma metalinguagem específica da teoria discursiva. Leia as assertivas e assinale a alternativa correta que se 26 - 140 E-Book - Apostila refere tanto aos pressupostos teóricos, quanto aos conceitos fundantes. i Michel Pêcheux elege a língua como um componente essencial da teoria discursiva, concebendo-a como uma base de funcionamento que vai além dela mesma, por ser afetada pela incompletude e exterioridade. il As CP, por ser um conceito fundamental para a AD, vai além da mera situação/circunstância propriamente dita a partir, da inclusão de aspectos sociais, históricos e ideológicos no processo de análise. iii Pensar sobre as formações imaginárias significa ultrapassar os lugares físicos ocupados por locutores para chegar a lugares discursivos ocupados pelo mesmo indivíduo que ora é professor, ora é pai ou, até mesmo, aluno. iv. Um analista de discurso somente desenvolve pesquisas a partir de um indivíduo consciente e dono do seu dizer, ou seja, pessoas com deficiência mental são desconsideradas da teoria discursiva. (a) a) As assertivas |, Il, Ill e IV estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! Q b) As assertivas |, Il e Ill estão corretas. 27 -140 E-Book - Apostila Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! c) As assertivas Il, Ille IV estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! d) As assertivas | e Il estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! e) As assertivas Ill e IV estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! 3. Pêcheux (2009, p. 147) ao afirmar que a Formação discursiva (FD) é “[...] aquilo que numa formação ideológica 28 - 140 E-Book - Apostila dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc”, apresenta uma das ferramentas de análise que compõem os conceitos fundamentais da AD. Sobre a FD e seus efeitos em uma análise, leia as assertivas, observe se é verdadeira ou falsa e assinale a alternativa correta. i Já que a FD determina o que pode e deve dizer. podemos afirmar que um indivíduo, em uma posição- sujeito de religioso e afetado pela FD religiosa que defende a vida em qualquer circunstância, não pode defender o aborto diante dos fiéis adeptos de sua religião. il Já que a FD determina o que pode e deve dizer, podemos afirmar que um indivíduo, em uma posição- sujeito de professor e afetado pela responsabilidade de ensinar todo o conteúdo do currículo pode incentivar os alunos a faltarem às aulas e não estudarem para prova. iii A firmar que uma Fl comporta uma ou várias FD(s), compreende-se que o sujeito ao discursivizar sobre um tema vai produzindo efeitos de sentidos que não se pautam somente uma FD, pois ela é invadida por outros discursos que justificam sua heterogeneidade. iv. Quando um membro do MST diz que vai invadir uma área de terra com plantação de soja, por ela ser 29 - 140 E-Book - Apostila extensa e pertencente a um único dono, é cabível uma análise que se justifica no fato de que o sujeito está posicionado e afetado por uma FD favorável ao movimento. (a) a) As assertivas | e Il são verdadeiras e as Ille IV são falsas. Resposta Incorreta: Continue tentando! Q b) As assertivas |, Il são falsas e as Ille IV são verdadeiras. Resposta Incorreta: Continue tentando! OQ c) As assertivas | e Ill são verdadeiras e as Ile IV são falsas. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! OQ d) As assertivas | e IV são falsas e as Ile Ill são verdadeiras. Resposta Incorreta: Continue tentando! 30 - 140 E-Book - Apostila 5) e) As assertivas |, Ile Ill são falsas e a IV é verdadeira. Resposta Incorreta: Continue tentando! 4. O analista de discurso ao desenvolver uma análise amparada pelo conceito fundamental da memória discursiva, precisa antes estabelecer diferenças conceituais e de efeito prático entre interdiscurso e memória. Sobre os dois conceitos apresentados, bem como, suas diferenças e similaridade, leia as assertivas, complete as lacunas e assinale a alternativa correta. i 0/a ln pode ser considerado/a como um mecanismo de análise da AD que significa um conjunto de enunciados possíveis (já-ditos) que podem ser atualizado/as. ii D izer que algo sempre fala em outro lugar e independentemente é uma característica do/da -000-—-—nnn———— que se confi gura para a AD 31-140 E-Book - Apostila como algo irrepresentável. lil 2. no processo de análise significa retomar, ressignificar ou mesmo esquecer e apagar dizeres já-ditos no interior de uma FD que vai determinar a posição-sujeito. iv. Um a das características da memória discursiva é que elanãoé (a) a) Interdiscurso, interdiscursiva, memória discursiva, heterogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! [b) b) Memória discursiva, interdiscursiva, memória discursiva, homogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! [C) c) Interdiscurso, memória discursiva, memória discursiva, homogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! OQ d) Interdiscurso, interdiscursiva, memória discursiva, homogênea. 32-140 E-Book - Apostila Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! (e) €) Interdiscurso, memória discursiva, memória discursiva, heterogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2º ed. rev. Campinas, Editora da Unicamp, 2004. FERNANDES, Claudemar Alves. Análise do Discurso: refil exões introdutórias. Goiânia: trilhas urbanas, 2005. GADET, Françoise; LÉON, Jacqueline; MALDIDIER, Denise; PLON, Michel. Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo do texto na França, em 1969. In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas:Editora da Unicamp, 2010, p. 39-58 HENRY, Paul. Os fundamentos teóricos da “análise automática do discurso” de Michel Pêcheux (1969). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed.. Campinas: Editora da Unicamp, 2010, p. 11-38 INDURSKY, Freda. A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, Freda; MITTMANN, Solange; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (Orgs.). Memória e história na/da análise do discurso. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2011, p. 67-89. ADRIANO. Juliana. Sem Terra ocupam área em Santa Catarina. Disponível em: <http:/www.mst.org.br/2017/05/21/sem-terra-ocupam-area-em-santa-c atarina.html.> Acesso em 26 maio 2017. MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso: ler Michel Pêcheux hoje. Tradução de Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes, 20083. 33-140 E-Book - Apostila ORLANDI, Eni P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólica Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001a. ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e texto: formação e circulação de sentidos. Campinas: Pontes, 2001b. ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação, autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5. ed.. Campinas, SP: Pontes, 2007. ORLANDI, Eni Puccinelli. Nota à edição brasileira, uma questão de coragem: a coragem da questão. In: PÉCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afi rmação do óbvio. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi... et tal. 4º. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009, p. 7-8. ORLANDI, Eni Puccinelli. Língua brasileira e outras histórias: discurso sobra a língua e o ensino no Brasil. Campinas, SP: Editora RG, 2009. ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso em análise: sujeito, sentido e ideologia. Campinas, SP: Pontes, 2012. PÊCHEUX, Michel; FUCHS, Catherine. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 159-250. PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 159-250. PÊCHEUX, Michel. Papel da memória. ACHARD, Pierre et tal. Papel da memória. Traduzido por José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999, p. 49-57. PÊCHEUKX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi... et tal. 4º. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. PÊCHEUKX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 2010, p. 59-158. TOLEDO, Marcelo. Sem-terra invadem fazenda usada em suposto esquema em Ribeirão. Disponível em: < http:/www1.folha.uol.com.br/poder/2017/02/1861690-sem-terra-invad em-fazenda-usada-em-esquema-de-corrupcao-em-ribeirao.shtml>. Acesso em 26 maio 2017. DISCURSO E TEXTO 34 - 140 E-Book - Apostila Inicie sua Jornada Olá, prezado(a) aluno(a), Neste estudo, iremos tratar de uma questão que permeia a nossa vida em sociedade, ou seja, o discurso e o texto enquanto componentes da teoria da linguística denominada AD que, por meio de teóricos da área, darão subsídios para você iniciar um percurso científico pelos estudos do texto para além do senso comum e, por isso, precisamos desvendar os mistérios que serão estudados em quatro aulas. A primeira aula - texto e discurso - irá situar você sobre como o texto é teorizado sob uma concepção teórica que coloca em xeque o tradicional tripé que sustenta a produção textual por meio de um começo, um meio e um fim. Para tanto, utilizaremos dos conceitos básicos e elementares da AD que dão sustentação teórica para se pensar o texto como discurso. Na segunda aula - produção textual - desenvolvemos uma reflexão sobre o modo como o texto é produzido por um indivíduo que ao ocupar a posição sujeito-autor, somente produzirá um texto mediado pelas CP em que o mesmo deverá ser produzido, conforme a FD que determina o que ele pode e deve escrever. Na terceira aula - texto e textualização -, à luz da AD, voltaremos a refletir sobre o texto enquanto um componente que une os discursos sobre um determinado tema e a textualização que é o processo de unificação de um conjunto de discursos a ser “costurado” pelo sujeito-autor. 35-140 E-Book - Apostila Na quarta aula - a ordem do discurso e a organização textual - iremos discutir com você sobre os dizeres que são autorizados a serem ditos ou escritos ou mesmo interditados por um sujeito-autor que, conforme sua posição e a FD a que está filiado, será determinado a enunciar ou silenciar os discursos dispersos que serão “unificados” pelo efeito de organização. Convidamos você aluno(a), a iniciar a leitura desta aula e esperamos que ela seja bastante proveitosa e que atinja o objetivo proposto, bem como, seja capaz de instigar e provocar você a aceitar o desafio de continuar refletindo sobre e por meio dessa corrente teórica denominada AD. Sucesso e bons estudos! Desenvolva seu Potencial Na unidade |, você teve acesso aos conceitos teóricos básicos que norteiam as pesquisas da AD de linha francesa e, diante das infinitas possibilidades que os acontecimentos sociais nos oferecem como ferramentas de análise, esta aula se dedica à compreensão reflexiva do texto, pois este, nesta concepção teórica e por intermédio de Orlandi (1996) deve ser pensado como algo multidimensional que, na sua materialidade, não se define como uma superfície plana e uma espécie de chapa linear. Mas antes, é preciso retomar Pêcheux (1997), especificamente sua afirmação de que os estudos anteriores ao desenvolvimento da ciência lingúística, cuja origem é marcada com o Curso de Lingúística Geral, de Ferdinand de Saussure, estudavam a língua por meio de textos e gramáticas. Atualmente, não há muitas diferenças, quanto aos instrumentos de estudos, a não ser no modo como são norteadas as perguntas de análise, pois se pensarmos a língua pela análise de conteúdo, as perguntas a serem feitas são: a. De que fala este texto”; b. Quais são as idéias principais contidas neste texto”: c. Este texto está em conformidade com as normas da língua na qual ele se apresenta?; Ou a. Oqueo autor quis dizer?. 36 -140 E-Book - Apostila Tais perguntas são um ponto de crítica do autor para iniciar uma reflexão sobre o texto, a partir da teoria discursiva, pois o que tínhamos sobre os estudos da língua era um meio a serviço de um fim, a saber, a compreensão do texto. No entanto, foi por meio das reflexões de Saussure que a língua passa a ser pensada como sistema, deixa de ser compreendida como portadora da função de exprimir sentido para ser o objeto o qual a ciência pode descrever ofuncionamento (metáfora do jogo de xadrez). As consequências desse deslocamento é de suma importância para os estudos linguísticos, na conjuntura histórica e social do início do século XX, mas deixou a descoberto algumas questões relevantes que não passaram despercebidas por Pêcheux. Nesta perspectiva teórica, o texto é um bólido de sentidos que parte em inúmeras direções, em múltiplos planos significantes, sendo, pois a partir dessa concepção que começamos a ressignificar nosso conhecimento prévio sobre o texto. Dessa forma, pensar em originalidade diante de qualquer texto, em suas múltiplas formas (imagético, sonoro, verbal, etc) é mera ficção, pois ele é peça resultantedo compromisso das diferentes posições sujeitos e FDs que, no dizer do autor, não pode tomar qualquer direção, pois há um regime de necessidade a ser obedecida, vindo da exterioridade. Esta se compreende pelo fato de que todo discurso remete a um outro discurso e os sentidos são sempre referidos a outros sentidos (conforme estudamos na unidade |, sobre o primado do interdiscurso e memória discursiva). Exterioridade que em Pêcheux (2009) reside no fato de que algo sempre fala antes, em outro lugar e independentemente, colocando em xeque a originalidade e singularidade da produção textual, bem como, apresentando-o como um mosaico (ou rede) de discursos que se imbricam sob a determinação de um escritor-autor. Esta concepção ressignifica (ou mesmo anula) o que temos já dado como pressuposto em relação ao texto, pois “[...] do ponto de vista de sua apresentação empírica, é um objeto com começo, meio e fim, mas que, se o considerarmos como discurso, reinstala-se imediatamente sua incompletude. [...] o texto, visto na perspectiva do discurso, não é uma unidade fechada - embora como unidade de análise. ele possa ser considerado uma unidade inteira - pois ele tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginários), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação), com o que chamamos sua exterioridade constitutiva (o interdiscurso: a memória do dizer (ORLANDI, 2007, p. 54). 37 -140 E-Book - Apostila Essa concepção que marca o texto como heterogeneidade (e não como homogeneidade) é interpretada pela autora como atravessado por várias FDs e necessitam ser compreendidos pelo leitor (mesmo sem ter essa noção de forma explícita) no que se refere ao seu funcionamento, bem como, o modo como os sentidos são produzidos. Nessa perspectiva, não se interessa pela organização do texto, mas o que ele se organiza, na sua heterogeneidade constitutiva, pela natureza da sua materialidade - imagem, grafia, som - e das linguagens - oral, escrita, científica, literária, descritiva, etc -, nas diferentes posições dos sujeitos (aqui, um sujeito-autor). É por essas premissas que, no processo de produção textual, não produz somente um discurso, mas vários, por meio das diversas FDs que compõem o texto como uma unidade que permite ao analista, o acesso ao discurso, por meio das trilhas (ou pistas) que o materializa na sua estruturação. Em outras palavras O texto [.] é a unidade de análise afetada pelas condições de produção. [...] é o lugar da relação com a representação física da linguagem: onde ela é som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. É o material bruto (ORLANDI, 2007, p. 60). QUADRO RESUMO Paula, uma aluna sabida, fez a seguinte pergunta ao professor Joel: - Paula: que autor é esse que a Análise de Discurso teoriza ? - Professor Joel: autor é uma das posições assumidas pelo sujeito no discurso, afetada pela exterioridade, ou seja, pelas condições sociais, históricas e ideológicas e pelas exigências de coerência, não-contradição e responsabilidade. O autor assume a função social de organizar e assinar uma determinada produção escrita, dando-lhe aparência de unicidade. Fonte: Ferreira, 2001. Adaptado pelas autoras. 38 - 140 E-Book - Apostila O texto é o material bruto a ser lapidado pelo analista que não o considera ponto de partida e, muito menos, como ponto de chegada, pois quando se pensa o texto pela via da AD, não há como detectar sua origem, seu fim e sua unidade definitiva. Essa concepção lógica do texto que o dimensiona e o regula é desconsiderada pela teoria da AD que o ressignifica enquanto lugar que a língua funciona sem apego às questões sobre sua originalidade e unidade definitiva. Como diz a autora, em uma ordem prática N “[...] não é sobre o texto que falará o analista, mas sobre o discurso. Uma vez atingido o processo discursivo que é o que faz o texto significar, o texto ou os textos particulares analisados desaparecem como referências específicas para dar lugar à compreensão de todo um processo discursivo do qual eles - e outros que nem mesmo conhecemos - são parte (ORLANDI, 2007, p. 61) Nu J Nesse sentido, a AD direciona o analista a refletir sobre o texto, enquanto algo queproduz sentidos a partir de uma exterioridade que se inscreve refletido nele mesmo, ou seja, é o próprio texto que produz as pistas discursivas constitutivas na sua materialidade, diferentemente da tarefa de análise conteudista que se situa a análise a partir de “[...] algo lá fora” (idem, p. 55). Por isso a pergunta que norteia o analista do discurso em seu trabalho é “como esse texto se significa?”. Questionamento que refletirá a historicidade do texto em sua materialidade que, no dizer de Orlandi (2001) é o acontecimento do texto como discurso, ou seja, o trabalho dos sentido nele, ou seja, filiação teórica da AD, o texto não é definido pela sua extensão, pois tanto pode ter uma única letra ou mesmo várias palavras, enunciados, páginas, etc, pois segundo a autora a vogal “O” escrita em uma porta e a vogal “A” escrita em outra porta, em um estabelecimento público como um bar. uma salão de eventos, etc apresenta uma unidade de sentido para a situação específica, vindo a significar 39-140 E-Book - Apostila “f.] em nossa memória, o fato de que em nossa sociedade, em nossa história, a distinção masculino/feminino é significativa e é praticada socialmente até para distinguir lugares próprios (e impróprios...) Por isso esse “O” tem seu sentido: tem sua historicidade, resulta em um trabalho de interpretação (ORLANDI, 20014, p. 69). NU J A afirmação da autora é um indício de que a AD atua em regiões menos visíveis e menos óbvias do texto, mas relevantes para aqueles que refletem sobre a sociedade e suas nuances, por meio dos vestígios deixados na composição textual, enquanto unidade de análise que vai além do dado linguístico com suas marcas e organização. Tais concepções nos remete à compreensão de que olhar o texto como discurso, significa que ele não se fecha e que está relacionado com as FDs e estas com a ideologia, valendo a orientação da autora de que a AD “[...] não está interessada no texto em si como objeto final de sua explicação, mas como unidade que lhe permite ter acesso ao discurso” (idem, p. 72). Esse é o percurso que o analista deve percorrer, buscando as CP dos sons, das letras, dos espaços, das dimensões do texto e buscar compreender como os sentidos são produzidos. O) SAIBA MAIS Agora que você já sabe que o texto é um conjunto de discursos que se juntam pelas mãos de um sujeito-autor, vale a pena ler um pouco mais para saber como se configura a produção textual, por meio da teoria discursiva e alguns modelos de análises. Sugerimos a leitura da obra “Cidade dos Sentidos”, da prof” Eni Puccinelli Orlandi, publicado em 2004, pela Editora Pontes. Trata-se de uma obra importante, pois ela considera várias materialidades como texto: poesia, música, narrativa, pichação, grafite, entrevista, tatuagem, a (des)organização urbana, etc. Fonte: elaborado pelas autoras. N J 40 - 140 E-Book - Apostila PRODUÇÃO TEXTUAL Iniciamos nossa reflexão pensando nas diversas condições de produção em que um texto pode ser produzido: publicidade, campanha política, agradar ou ofender alguém, rir ou chorar por meio de uma poesia, atender aos requisitos da instituição escolar, a tatuagem, o grafite, o canto, a dança, etc. Enfim, independente da situação, estamos sempre produzindo texto e é por conta disso que iremos traçar um percurso de compreensão sobre os mecanismos da sua produção, a partir de reflexões concebidas pela AD. Já que o texto pode ser metaforicamente compreendido como um mosaico de pequenas peças (neste caso, palavras, sons, imagens, gestos) que se juntam, vão produzindo sentidos e estão em constante movimento, precisamos retomar alguns conceitos da AD,apresentados na unidade |, e aplicá-los na construção de um texto. Estamos pensando no texto enquanto materialidade discursiva produzida por um indivíduo interpelado em sujeito pela ideologia (PÉCHEUX. 2009) que. diante das condições de produção e a posição autor ocupada por ele, produz “seu” texto nos (des)limites das FDs, ultrapassando fronteiras delimitadas, dentro do quadro fixo que compõe as regras já postas para se produzi-lo. Concepção que significa o deslocamento de um pré-construído cristalizados nas aulas tradicionais de produção textual de que todos sabem o que é um texto pelo fato de o mesmo fazer parte da nossa vida cotidiana e acadêmica. Por isso, ao pensar sobre o processo de produção textual por este viés teórico temos que refletir sobre esse sujeito discursivo designado como um sempre já sujeito que se tenta ocultar na evidência do dever a ser cumprido, diante do empreendimento de produção textual, pois, nessa concepção, o indivíduo não é o senhor da sua morada (neste caso: não é o senhor do seu texto), mas aquele que ocupa posições de reprodutor de vários discursos que vão sendo costurados, ou mesmo amarrados em pequenos nós, metaforicamente comparado a uma rede, na tentativa de formar um todo e cumprir com o objetivo proposto (ensinar, convencer, criticar, elogiar, etc). Como afirma Gallo (1995), embora se pense o texto limitado a um começo, meio e fim, o sentido depende de quem escreve (posição sujeito-autor) e de quem lê (posição sujeito- leitor). justificando a premissa de que jamais se pode considerar um texto como de direção e efeito único (sentidos previsíveis). Há uma mão dupla, um vai-e-vem ininterruptos que, na maioria da vezes, a escola esquece de trabalhar (qual o efeito desse esquecimento?), pois as aulas de produção textual estão baseadas na premissa conteudista direcionadas pela pergunta “o que o autor quis dizer” e na tentativa de expressar ideias e pensamentos deste autor, sem o posicionamento crítico daquele que lê. Devemos ir além disso, pois como afirma Lagazzi (2006, p. 85) essa concepção de produção textual dos anos 60 e 70 do século XX já não satisfaz aqueles que, afetado, pelos movimentos da conjuntura social, começa a pensar o texto “[...] como um espaço de possibilidades relacionais” e a escrita “[...] como um processo envolvendo a sociedade”. Então, se faz necessário rever conceitos, pois a língua, na concepção teórica discursiva, vai além de um sistema que a concebe por ela mesma e nela mesma, ou seja, ela é opaca e, na sua incompletude e equivocidade, sempre escapa de efeitos postos e cristalizados. Na visão da autora, este aspecto é fundamental para pensarmos esse sujeito que escreve, ao ser interpelado como autor, pois é na sua relação com a língua colocada em funcionamento no momento da produção textual que a AD 41-140 E-Book - Apostila N “[..] recusa a relação direta e natural entre forma e conteúdo, recusa a oposição entre denotação e conotação. [...]. Essa abordagem da língua não vai privilegiar a informação ou o conteúdo, e nem vai considerar que o que se quer dizer já está estabelecido antes de ser formulado (LAGAZZI, 2006, p. 88). J Esse gesto de se conceber a produção textual que começa a vigorar a partir da década de 60, do século passado, denomina-se como abordagem materialista do texto, justamente porque se compreende a língua a partir da materialidade que vai se configurando no momento da sua produção. É nesse ponto que retomamos a concepção foucaultiana para pensarmos a escrita enquanto uma regularidade que “[...] está sempre a ser experimentada nos seus limites, estando ao mesmo tempo sempre em vias de ser transgredida e invertida; a escrita desdobra-se como um jogo que vai infalivelmente para além das suas regras, desse modo as extravasando” (FOUCAULT, 1977, p. 35). A possibilidade que a AD consegue subsidiar por meio de suas reflexões teóricas, abre um campo para tecermos críticas sobre a produção textual na escola que mantém o campo fértil para a colheita do sentido único, direcionado pelo professores assujeitados ideologicamente pelo imaginário escolar que mantém um caminho baseado na direção unívoca, de mão única. É preciso ressignificar essa condição produzida no chão da escola por meio de uma reflexão teórica e prática que passe longe do senso comum. Indursky (2006), ao questionar se o texto pode ser simplesmente definido como uma soma de frases, abre possibilidades para pensarmos pelo viés teórico da AD que nos possibilita ultrapassar tais limites pelas noções de sujeito, autor, CP, ideologia, sentido, FD e os demais componentes fundantes da AD. Em posse de tais conceitos podemos ir além da frase, pois segundo ela a língua não se constitui de palavras ou de frases independentes, maos em discurso contínuo, seja ele um enunciado constituído de apenas uma palavra, ou uma obra de dez volumes, um monólogo ou uma discussão política (HARRIS, 1963, apud INDURSKY, 2006, p. 67). 42-140 E-Book - Apostila Segundo a autora, é nesse ponto que ocorre um deslocamento da concepção saussuriana de língua enquanto componente enclausurado em um sistema, pois percebe-se que os aspectos sociais, históricos e culturais passam a fazer parte do texto que, ao considerar suas condições de produção, se transforma em discurso, ultrapassando seus elementos internos, mobilizando sua exterioridade e seus sujeitos- autores afetados pelo inconsciente e historicamente identificados às FDs. Sobre isso cabe ressaltar que há dizeres que regem a escrita desse sujeito que, na posição de autor, é considerado descentrado e " age sob a ilusão de estar na origem de seu dizer, mas que de fato, precisa imergir no interdiscurso para poder dizer, pois aí reside o repetível, a memória discursiva que lhe permite dizer. Ou seja: para o sujeito da análise do discurso, imergir no interdiscurso é a condição necessária para poder dizer, para poder produzir um texto. Esta é a natureza da exterioridade e do que se chama de condições de produção (INDURSKY, 2006, p. 69). A J A ideia lançada pela autora reafirma que a produção de um texto está atravessada por outros discursos dispersos nele, mobilizando posições-sujeitos e suas vozes anônimas que determinam a tessitura do texto que, para a AD, só pode ser pensado como um espaço discursivo heterogêneo sob um efeito de sentido que está simbolicamente fechado pelo trabalho discursivo do autor que apaga sua dispersão na ilusão de um efeito origem. PENSANDO JUNTOS Você encontrou duas folhas no lixo e nelas estão escritas as letras “H” e “M”. Em um barzinho e em meio a boa conversa, você procura um banheiro e se depara com duas portas: em uma está escrito a letra “H” e na outra, “M”. Em qual situação, as letras "H” e “M” são textos? Fonte: elaborado pelas autoras. 43-140 E-Book - Apostila TEXTO E TEXTUALIZAÇÃO Até o momento, foi apresentado a você uma reflexão sobre o texto à luz da teoria discursiva e isso significa que assumimos uma posição diante da interpelação contratual da produção de um material que tem como objetivo refletir sobre a teoria linguística da AD, diante das outras concepções teóricas que foram deixadas de lado: linguística textual, teoria da enunciação, semiótica, etc. Sabemos que há uma infinidade de temáticas que tem como mote a língua e o texto, pois ambos são importantes ferramentas de reflexão, haja vista sua presença diária na vida dos sujeitos sociais e isso justifica a importância em estar sempre sendo o motivo de questionamentos críticos, por meio de outros campos de saberes. Pensando o texto como um conglomerado de discursos que o sujeito-autor unifica em limites estabelecidos pela ilusão do tripé começo, meio e fim representado graficamente pelo ponto final, é nessas condições que tratamos também da textualização enquanto ferramenta de produção textual que trabalha com a língua considerada