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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO AULA 5 Prof. Rafael Luciano de Mello 2 CONVERSA INICIAL Os indicadores fisiológicos da aptidão física são fundamentais para a avaliação e a prescrição do exercício físico, seja no âmbito da atividade física e da saúde, seja no esporte de alto rendimento. Esses indicadores servem, dentre outras coisas, para quantificar a intensidade do exercício físico, controlando possíveis efeitos adversos à saúde e maximizando o desempenho esportivo. Ao final desta aula, esperamos que você compreenda quais são os principais indicadores fisiológicos da aptidão física, quais são os mecanismos de ação de cada um deles durante o repouso e o exercício físico, e a relação desses marcadores com a intensidade do exercício. Os temas abordados nesta aula são: • consumo máximo de oxigênio e seus aspectos fisiológicos; • frequência cardíaca; • limiares: utilização e definições; • percepção subjetiva do esforço; • overtraining. TEMA 1 – CONSUMO MÁXIMO DE OXIGÊNIO O corpo humano possui basicamente dois tipos de metabolismo, aeróbio e anaeróbio. Durante qualquer momento da vida, seja no repouso, seja em atividade física, esses sistemas estão ativos em maior ou menor proporção para que seja produzida a energia necessária à tarefa proposta (Wells; Selvadurai; Tein, 2009). Na fisiologia do exercício, o consumo máximo de oxigênio é sinônimo de captação máxima de oxigênio, capacidade aeróbia máxima ou, o mais comumente utilizado, volume máximo de oxigênio (VO2max) (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 283). Pode ser definido como o nível de oxigênio captado e consumido, e aumentos adicionais na carga de trabalho não ocasionarão maior consumo de oxigênio pelo organismo (Hawkins et al., 2007), ou seja, é a maior taxa de trabalho produzida pelo metabolismo aeróbio. Podemos dizer que, em estado de repouso, necessitamos de menos energia e, consequentemente, menos oxigênio do que quando estamos caminhando, e menos ainda durante a corrida. Ao aumentarmos a intensidade 3 da tarefa, aumenta-se o consumo de oxigênio para que seja fornecida a energia necessária aos tecidos ativos. Assim, o consumo de oxigênio sobe a cada incremento. Isso ocorre até o ponto no qual mesmo que haja elevação de intensidade ou de velocidade da corrida, por exemplo, o consumo de oxigênio permanecerá constante. Esse seria o estágio de atingimento do VO2max (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 283). Embora o VO2max seja amplamente reportado como o resultante da capacidade aeróbia máxima, ele é geralmente extrapolado do VO2pico, que seria o pico máximo de captação de oxigênio, dentro da maior intensidade da tarefa. Afinal, para que o VO2max seja identificado é necessário que o consumo se mantenha em um platô dentro da intensidade máxima, e isso é menos comum do que o VO2pico (Fletcher et al., 2013) Uma boa aptidão cardiorrespiratória está associada à prevenção de doenças e à promoção da saúde, pois indica que o sistema cardiorrespiratório é efetivo e serve como fator protetivo de morbidades. Assim, pessoas com uma capacidade cardiorrespiratória maior são menos suscetíveis a adoecer. Por isso, o VO2max é o indicador fisiológico da aptidão cardiorrespiratória (ACSM, 2018, p. 74). O VO2max de um indivíduo é composto de fatores genéticos e ambientais. Mesmo que o treinamento seja efetivo para aumentar os valores de captação de oxigênio, a hereditariedade pode chegar até 50% do total (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 405). Em determinado momento, o VO2max não aumentará mais do que o nível atual, mesmo que o desempenho aeróbio continue a ser aperfeiçoado. Nesse caso, a melhora da performance será atribuída à maior eficiência do sistema, e não mais ao acréscimo do VO2max. O volume máximo de oxigênio é determinado pelo produto do débito cardíaco (L sangue.min) e a diferença arteriovenosa de oxigênio (mlO2.L sangue) (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 517). De maneira simplificada, é o quanto de sangue (litros/minuto) é ejetado do coração multiplicado pela quantidade de oxigênio que foi inspirado e consumido pelo organismo. O resultado pode ser expresso em valores absolutos (LO2.min) ou relativos (ml.kg.min). A medida absoluta é menos utilizada por não permitir comparações entre indivíduos, enquanto o VO2 relativo possibilita comparar os resultados entre pessoas com massas corporais distintas (ACSM, 2018, p. 74). Veja os exemplos de cálculo do VO2max relativo e absoluto a seguir. 4 Exemplo 1 Homem de 80 quilos • Relativo: VO2max de 40 ml.kg.min • Absoluto: VO2max de 3,2 L.min Exemplo 2 Homem de 100 quilos • Relativo: VO2max de 40 ml.kg.min • Absoluto: VO2max de 4 L.min TEMA 2 – FREQUÊNCIA CARDÍACA O sistema cardiovascular é composto de alguns componentes como a pressão arterial, a resistência vascular periférica e a frequência cardíaca (FC). A FC é caracterizada pelo número de sístoles que o coração realiza por minuto, sendo quantificada em batimentos por minuto (bpm). A frequência cárdica é regulada pelo sistema nervoso autônomo (SNA) em busca do equilíbrio realizado entre o sistema nervoso parassimpático (SNP) e o sistema nervoso simpático (SNS). O SNP é responsável por reduzir a FC quando os valores estão exacerbados em decorrência de alguma situação, seja patológica, seja fisiológica. Já o SNS libera neurotransmissores adrenérgicos (catecolaminas) para que a FC aumente e o fluxo sanguíneo possa ser redistribuído adequadamente ao organismo, fato que ocorre em situações de estresse ou durante o exercício, por exemplo (ACSM, 2018, p. 118; Michael; Graham; Oam, 2017). Em repouso, mantemos a FC entre 50 e 100 bpm, sendo que indivíduos com boa aptidão cardiorrespiratória podem ter esse valor reduzido em até 30 bpm, condição conhecida como bradicardia de atleta (Nanchen, 2018). A frequência cardíaca segue o mesmo padrão de consumo do oxigênio, ou seja, na transição do repouso para a atividade física há um aumento progressivo no número de batimentos por minuto, que é dependente da intensidade imposta à tarefa (Michael; Graham; Oam, 2017). Ao iniciarmos uma atividade física, o SNA precisa aumentar a FC para atender às demandas energéticas e de nutrientes do organismo. Inicialmente, por meio do mecanismo de feedback dos barorreceptores arteriais, dos mecanorreceptores musculares e dos quimiorreceptores, há uma redução da 5 atividade parassimpática, prevalecendo o SNS. Quando ocorre um incremento na intensidade do exercício, esses receptores, por meio de uma via aferente de estímulo, indicam ao comando central a necessidade de elevar a atividade simpática e, consequentemente, a descarga das catecolaminas, além da já observada minimização do SNP. Com isso, a FC se eleva durante o exercício incremental, tanto pela minimização da atividade parassimpática quanto pelo aumento da atividade simpática (Michael; Graham; Oam, 2017). Durante o repouso e as atividades físicas leves, esse controle é feito basicamente pela redução parassimpática, enquanto em intensidade moderada à vigorosa, além da assumida inatividade do SNP, há uma concomitante intensificação simpato-adrenal por meio do SNS (Michael; Graham; Oam, 2017). 2.1 Frequência cardíaca e prescrição do exercício físico A frequência cardíaca pode ser expressa no repouso (FCrep) durante o valor máximo individual (FCmax) e pela subtração de FCmax e FCrep, que remeterá ao valor da frequência cardíaca de reserva (FCres). As definições e as características de cada medida são apresentadas a seguir: • frequência cardíaca de repouso (FCrep): é o número de bpm que acontece com o indivíduo em repouso, podendo estar sentado ou deitado, sendo que deitado a FCrep tende a ser menor; • frequência cardíaca máxima (FCmax): é o máximo que o coração pode bater por minuto, sendo diretamente relacionado à idade, além de outrosfatores, como o nível de aptidão física e sexo. A frequência cardíaca máxima é comumente estimada pela fórmula FCmax = 220 – idade, embora existam outras fórmulas aceitas na literatura (ACSM, 2018, p. 140); • frequência cardíaca de reserva (FCres): é a subtração da FCmax pela FCrep, e apresenta um dado mais fidedigno como indicador de prescrição do exercício do que a FCmax, apenas. 6 Para elucidar esse tema, veja o exemplo a seguir de utilização dos indicadores da FC na prescrição do exercício. João tem 35 anos de idade e pratica atividade física esporadicamente. Ele pretende manter uma regularidade de três vezes por semana, seguindo as recomendações médicas e do profissional de educação física local. Sua frequência cardíaca de repouso é 70 bpm. Para calcular a FCmax estimada de João, utilizaremos a fórmula: FC= 220 – idade Então, FCmax = 220 – 35 = 185 bpm Ou seja, a FCmax estimada é 185 bpm. Agora, vamos calcular a FCres: FCres = 185 – 70= 115 bpm Ou seja, a frequência cardíaca “útil” entre o repouso e o máximo é FCres =115 bpm Considerando o nível de atividade física de João, prescreveremos apenas exercícios moderados, com base na zona de treino (%FCres) em que João deverá permanecer (Tabela 1). • idade: 35 anos • FCrep = 70 bpm • FCmax: 220 – 35 = 185 bpm • FCres: 185 – 70= 115 bpm • % FCres: (115 x 0,4) + 70= 127 bpm (zona de treino 1 = 40%) • % FCres: (115 x 0,59) + 70= 138 bpm (zona de treino 2 = 59%) Para que João se mantenha em uma zona de treinamento classificada como moderada, ele deverá manter a FC na faixa de 127 bpm a 138 bpm. Tabela 1 – Classificação da intensidade do exercício pelos valores percentuais da FCres e FCmax %FCres %FCmax Muito leve < 30 <57 Leve 30-39 57-63 7 Moderado 40-59 64-76 Vigoroso 60-89 77-95 Máximo ≥ 90 ≥ 96 Fonte: adaptada de ACSM, 2018. TEMA 3 – LIMIARES: UTILIZAÇÃO E DEFINIÇÕES Os limiares são bastante utilizados na fisiologia do exercício, principalmente no âmbito laboratorial ou de alto rendimento. São necessários testes específicos e conhecimento mais aguçado do avaliador, tornando mais difícil sua aplicação na prática diária. Neste tema, abordaremos o conceito e a classificação dos limiares mais comuns, além da utilidade destes como indicadores na prescrição do exercício físico. Antes de adentrarmos no assunto, façamos um breve resumo do comportamento bioenergético em repouso e em exercício. Possuímos como sistemas energéticos os sistemas fosfagênio (ATP/PCr), glicolítico e oxidativo. Como exposto nas aulas anteriores, esses sistemas trabalham em harmonia. Embora um sistema predomine em relação ao outro, conforme a duração e o tempo da atividade, ambos trabalham simultaneamente, em maior ou menor escala (Wells; Selvadurai; Tein, 2009). Em repouso, por exemplo, a energia é advinda basicamente do sistema oxidativo. Com a transição do repouso às atividades de maior intensidade, há maior contribuição dos sistemas glicolítico e fosfagênio, sendo que em intensidades máximas e tempo curto (10 segundos), 85% da energia é originada do metabolismo anaeróbio (Wells; Selvadurai; Tein, 2009). Podemos compreender que a bioenergética está relacionada com a intensidade e a duração da tarefa, assim como visto nos temas anteriores desta aula. São indicadores distintos que seguem um mesmo padrão de resposta a um determinado estímulo; nesse caso, o exercício físico. No repouso, como há pouca contribuição do sistema anaeróbio, o corpo mantém uma produção constante de lactato, em torno de ~1.3mmol/L. Quando a intensidade é aumentada levemente, esse valor é mantido ou aumenta muito pouco e se mantém constante. Se aumentarmos a intensidade ainda mais, o lactato terá a primeira subida acima dos níveis de repouso. Definimos esse ponto como o limiar aeróbio ou L1, e geralmente ocorre com um lactato sanguíneo de 8 ~2mmol/L (Faude; Kindermann; Meyer, 2009). Nesse ponto ainda há predomínio do sistema oxidativo, com um pouco mais de contribuição do sistema glicolítico. Se a intensidade for mantida, o metabolismo entrará em estado estável e a atividade poderá ser realizada por até ~4 horas (Faude; Kindermann; Meyer, 2009; Iannetta et al., 2020). Essa estabilidade metabólica ocorre com incrementos de carga até o ponto em que a intensidade imposta ocasione um aumento no lactato sanguíneo, e, a partir daquele ponto, qualquer carga adicional levará ao aumento exponencial do lactato. O ponto em que o metabolismo anaeróbio glicolítico passa a predominar seria o limiar anaeróbio (L2), ou limiar de lactato (LL), também conhecido pelo início do acúmulo de lactato sanguíneo (OBLA –onset blood lactate accumulation). Esse limiar ocorre com o valor de lactato em torno de 4mmol/L (Fletcher et al., 2013; McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 702). Embora exista divergência sobre as terminologias adequadas para se referir ao LL, os termos expostos anteriormente são aceitos na literatura como sinônimos (Fletcher et al., 2013; McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 702). Uma subdivisão proposta ao LL é denominada máximo lactato em estado estável (MLSS), que algumas vezes pode ser representado como o LL, mas é mais aceito como um limiar que ocorre depois do limiar de lactato (Ianetta et al., 2020). A obtenção do limiar aeróbio (L1) e do limiar de lactato (LL) se dá pela aplicação de um teste de esforço incremental em estágios de 2-3 minutos majoritariamente, o mesmo teste aplicado para identificar o VO2max (Fletcher et al., 2013). Já o teste do MLSS acontece de maneira contínua, com carga submáxima constante, definido como a maior taxa de trabalho em que o lactato sanguíneo é mantido ≤ 1mmol/L entre o 10º e o 30º minuto de teste. Exercícios realizados dentro do MLSS podem ser suportados por no máximo 45-60 minutos (Faude; Kindermann; Meyer, 2009; Iannetta et al., 2020). Trazendo esses conceitos para a prática, vamos a um exemplo de utilização dos limiares na prática: Maria foi submetida a um teste de esforço e o lactato sanguíneo será coletado ao término de cada estágio (2 em 2 minutos). Em repouso, Maria apresentou um lactato de 1.3mmol/L. A cada estágio será aumentada a velocidade e/ou a inclinação da esteira. Após terminar o segundo estágio do teste (4 minutos de exercício), verificou-se um valor de 2mmol, ou seja, o primeiro aumento acima dos níveis de repouso (limiar aeróbio 9 = L1). Seguindo com o teste, ao término do 4º estágio (8° minuto), obteve-se um lactato de 4mmol/L, que foi o início do acúmulo do lactato (OBLA) ou LL/L2, sendo que no estágio seguinte (10º minuto), o lactato havia subido de maneira sustentada, ou seja, desproporcional ao aumento da velocidade, caracterizando o predomínio anaeróbio. Na sequência, Maria chegou à fadiga e o teste foi encerrado. Em um outro dia, Maria retornou ao laboratório para identificar o MLSS. Após um aquecimento de 4 minutos houve um aumento abrupto na intensidade, em uma velocidade que os avaliadores calcularam ser a necessária para obter um lactato estável (≤ 1mmol/L entre os minutos 10º e 30º). Ao coletar o lactato no 10º minuto, Maria estava com um lactato de 5.1mmol/L, e no 30º minuto, de 5.8mmol/L, ou seja, foi possível identificar o MLSS de Maria. Com essas informações, podemos prever a que velocidade o avaliado deve estar para uma determinada prova. Considerando o nosso exemplo, o melhor desempenho de Maria em uma prova de corrida que dure entre 45 e 60 minutos ocorrerá com a permanência na velocidade que ela estava quando realizou o teste do MLSS. Caso corra em velocidades inferiores, terá um desempenho abaixo de sua capacidade. Por outro lado, se aumentar a velocidade, não suportará até o final da prova ou terá que reduzir substancialmente a velocidade. Sigamos com um resumo dos termos e conceitos aprendidos neste tema: • limiar aeróbio (L1): primeiraelevação significativa do lactato acima dos níveis de repouso; • limiar de lactato (LL): definido também como limiar anaeróbio ou início do acúmulo de lactato sanguíneo (OBLA – onset blood lactate accumulation). É o ponto de inflexão no qual o lactato começa a acumular de maneira sustentada, geralmente em ~4mmol/L, embora haja variabilidade individual; • máximo lactato em estado estável (MLSS): maior taxa de trabalho em que o lactato sanguíneo é mantido em um valor ≤ 1mmol/L entre o 10º e o 30º minutos de teste submáximo. 10 3.1 Limiar ventilatório Um outro marcador fisiológico do exercício que está dentro do conjunto de limiares é o limiar ventilatório. Esse indicador é ainda mais incomum na prática diária dos profissionais de educação física, pois assim como os limiares citados anteriormente ele depende de protocolos, equipamentos e avaliadores específicos, com o agravante de necessitar do analisador de gases, o que torna isso menos comum, embora mais preciso (ACSM, 2018, p. 72). Para que o corpo capte e consuma o oxigênio nos tecidos é necessário que determinado volume de ar seja ventilado, ou seja, é preciso que ocorram ciclos de inspirações e expirações. Em repouso, ventilamos 25 litros de ar para consumir 1 litro de oxigênio. O nome dado a essa relação é equivalente ventilatório (Ve/VO2), e pode ser expresso em repouso como Ve/VO2 = 25.L/1.L, podendo chegar até 35 L.Ve/1LO2 durante o exercício em esforço máximo (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 463) Durante atividades realizadas abaixo do LL, essa relação permanece praticamente constante, embora os valores relativos se alterem para atender a demanda de oxigênio. Ao atingir o LL, inicia-se um processo de maior ventilação para obter a mesma quantidade de oxigênio. Isso ocorre principalmente para expelir o dióxido de carbono (CO2) gerado. Da mesma forma que o lactato aumenta com a maior participação glicolítica na geração energética há uma elevação concomitante do dióxido de carbono (CO2) relacionado ao acúmulo de prótons de hidrogênio (H+), oriundos da glicólise anaeróbia. Esse mecanismo é o responsável pelo aumento desproporcional na ventilação pulmonar (Ve) em relação ao consumo de oxigênio (VO2), sendo caracterizado como limiar ventilatório (L1), que coincide com o LL (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 457). O equivalente ventilatório é utilizado também para analisar a razão de Ve pelo CO2 expelido. Essa relação se mantém constante até o ponto de compensação respiratória (PCR), em que é necessário ventilar mais, ou seja, aumentar a expiração para tentar eliminar o CO2 produzido demasiadamente. Esse limiar ocorre após o limiar ventilatório 1 (L1), por isso o PCR é reconhecido também como limiar ventilatório 2 (L2) (Herdy et al., 2016). 11 TEMA 4 – PERCEPÇÃO SUBJETIVA DE ESFORÇO Diferentemente dos indicadores fisiológicos vistos até o momento, a percepção subjetiva de esforço (PSE) é fácil de aplicar, simples de analisar e possui custo muito baixo. Por outro lado, pode sofrer influência de diversos fatores, como: • instabilidade psicológica; • estado de humor; • fatores ambientais. A PSE mede o esforço percebido para desempenhar determinada tarefa física, sendo atribuído um valor referente a cada sentimento, iniciando no nível mais baixo (nível 6 – sem esforço) até o nível que representa a sensação de intensidade máxima (nível 20 – esforço máximo) – escala de Borg de 6 a 20 (ACSM, 2018, p. 78) (Tabela 2). Além desta, existem outras escalas que são validadas e comumente aplicadas no escopo do treinamento. Podemos destacar a escala de razão, com valores de 0 a 10 e, ainda, a escala OMNI de treinamento resistido, que faz a mesma relação, porém com um visual específico do esforço durante o treinamento resistido (Robertson et al., 2003). Independentemente do instrumento utilizado, o objetivo é o mesmo: identificar a zona de trabalho para que o treinamento atinja o objetivo proposto. Além de ser de fácil interpretação, aplicação e acesso, esse método é muito relevante para avaliar a intensidade do exercício em idosos e/ou cardiopatas, que mais comumente fazem uso de β-bloqueadores, como hipertensos. O uso desse tipo de medicação afeta a resposta fisiológica da frequência cárdica, inibindo a elevação da atividade simpática esperada com o aumento da intensidade do exercício, como vimos no Tema 2 desta aula. Mesmo que a intensidade seja aumentada, a FC não subirá proporcionalmente, tornando inviável a utilização da FCres ou da FCmax como marcadores fisiológicos de intensidade. Dessa forma, é possível relacionar os níveis apontados na escala de PSE aos valores percentuais da FCmax, da FCres e da intensidade do exercício (Tabela 3; ver seção Na prática mais adiante), possibilitando o controle da carga nos indivíduos de maior risco (ACSM, 2018, p. 77). 12 Tabela 2 – Escala de percepção subjetiva de esforço PSE (Borg 6-20) Nível Percepção 6 Sem esforço 7 Extremamente leve 8 9 Muito leve 10 11 Leve 12 13 Razoável 14 15 Difícil 16 17 Muito difícil 18 19 Extremamente difícil 20 Esforço máximo Fonte: ACSM, 2018, p. 78. TEMA 5 – OVERTRAINING A evolução do condicionamento físico depende do gerenciamento dos fatores inerentes ao treinamento, sendo que o treinamento físico pautado em princípios e modelos de progressão é mais eficaz e seguro do que exercícios realizados sem esse rigor, que não seguem um cronograma de treinamento (periodização). O treinamento físico, independentemente do objetivo e do nível de aptidão, é composto por quatro princípios primários (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 670): • sobrecarga: a evolução do condicionamento físico é dependente da progressão da sobrecarga imposta; • especificidade: a evolução do condicionamento físico depende da especificidade do treinamento aplicado e da tarefa que se pretende desempenhar; 13 • diferenças individuais: cada indivíduo é único. Isso deve ser considerado durante a prescrição; • reversibilidade: a interrupção do treinamento físico pode reverter os benefícios adquiridos ao longo do tempo. A má gestão desses princípios, além de retirar os diversos benefícios adquiridos com a prática regular de atividade física, pode colocar o praticante, seja ele aluno, seja cliente, seja atleta, em risco de desenvolver fadiga crônica, com redução significativa de performance e malefícios à saúde. A condição na qual há redução de performance física, desequilíbrio psicológico e desregulação neuroendócrina por longos períodos é o que a literatura chama de overtraining (supratreinamento), ou, de maneira mais assertiva, de síndrome de overtraining (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 714; Meeusen et al., 2013). O desequilíbrio crônico na carga de treino aplicada em conjunção com recuperação inadequada, excesso de competições e agentes estressores externos levam cerca de 10% a 20% dos atletas a desenvolver essa síndrome (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 714). Conforme abordado no início dessa seção, para que haja adaptação e evolução do condicionamento físico é necessário um incremento da sobrecarga. No entanto, essa sobrecarga deve ser planejada, progressiva e sistemática (McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 715). Para compreendermos melhor as diferentes respostas de performance durante o overtaining, vejamos as definições a seguir (Meeusen et al., 2013): • overreaching funcional (ORF): ciclo comum de treinamento em que há fadiga e redução temporária de performance (dias). Com a adequada recuperação, o desempenho será superior aos treinos anteriores, seguindo o mecanismo de supercompensação. • overreaching não funcional (ORNF): gestão de sobrecarga e recuperação inapropriada; fadiga crônica e redução do desempenho (semanas a meses). Com regeneração adequada haverá recuperação do sistema; primeiro estágioda síndrome do overtraining. • síndrome do overtraining (OTS): manutenção do estado de ORNF, levando aos desequilíbrios físico, psicológico e neuroendócrino. O desempenho físico é cronicamente reduzido (meses a anos). 14 5.1 Diagnóstico e respostas fisiológicas O diagnóstico da OTS é complexo e multifatorial, sendo muitas vezes detectado quando há redução do desempenho físico e estado de humor por longos períodos (semanas a meses) sem causa secundária específica (Meeusen et al., 2013). O sistema endócrino exerce papel fundamental nesse estado, mas há pouca evidência de alterações nos parâmetros metabólicos e bioquímicos de repouso em indivíduos acometidos por OTS, dificultando ainda mais o diagnóstico clínico (Meeusen et al., 2013). No entanto, existem evidências de que há aumento na excreção dos hormônios adrenocorticotrófico (ACTH) e de crescimento (GH), e redução do cortisol e da insulina em resposta ao exercício durante a síndrome do overtraining (Cadegiani; Kater, 2017; McArdle; Katch; Katch, 2016, p. 715). O sistema hormonal se adapta para estimular um estado constante de regeneração física. NA PRÁTICA Diante dos conceitos expostos e dos exemplos oferecidos sobre os diferentes indicadores de intensidade do exercício físico, pensemos que estamos incumbidos de prescrever o treinamento para um idoso (65 anos) hipertenso medicado. Qual seria o melhor indicador fisiológico apresentado na Tabela 3 para controlar o nível de intensidade da atividade física desse idoso? Tabela 3 – Métodos para estimar a intensidade da capacidade cardiorrespiratória Intensidade %FCres %FCmax PSE Muito leve < 30 < 57 < 9 Leve 30-39 57-63 9-11 Moderado 40-59 64-76 12-13 Vigoroso 60-89 77-95 14-17 Máximo ≥ 90 ≥ 96 ≥ 18 Fonte: adaptado de ACSM, 2018. 15 FINALIZANDO Nesta aula foram abordados os principais indicadores fisiológicos utilizados na verificação da intensidade do exercício. Foi descrito como o VO2, o FC, o PSE e os limiares de lactato e ventilatório se relacionam entre si, e qual é a resposta fisiológica esperada para um exercício incremental ou contínuo. Foi verificado também como o controle das cargas de treinamento pode otimizar a performance individual ou levar à condição extrema de síndrome de overtraining (OTS). 16 REFERÊNCIAS AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE (ACSM). ACSM’s guidelines for exercise testing and prescription. 10. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health, 2018. CADEGIANI, F. A.; KATER, C. E. Hormonal aspects of overtraining syndrome: a systematic review. BMC Sports Science, Medicine and Rehabilitation, v. 9, n. 1, p. 1-15, 2017. FAUDE, O.; KINDERMANN, W.; MEYER, T. Lactate threshold concepts: how valid are they? Sports Medicine, v. 39, n. 6, p. 469-490, 2009. FLETCHER, G. F. et al. Exercise standards for testing and training: a scientific statement from the American heart association. Circulation, v. 128, n. 8, p. 873- 934, 2013. HAWKINS, M. N. et al. Maximal oxygen uptake as a parametric measure of cardiorespiratory capacity. Medicine and Science in Sports and Exercise, v. 39, n. 1, p. 103-107, 2007. HERDY, A. 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