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Abd agudo

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COLECISTITE 
O termo colecistite aguda define o desenvolvimento de um 
processo de inflamação da vesícula, que resulta, na imensa 
maioria das vezes, da obstrução do ducto cístico por um 
cálculo que, em 95% dos casos, ocorre em associação à 
colelitíase. 
As mulheres são mais acometidas, com relação de 3:1 quando 
são considerados os pacientes com até 50 anos. 
a dor biliar característica da colelitíase sintomática crônica, 
resulta da obstrução intermitente do ducto cístico por um 
cálculo. Se este cálculo se impacta determinando obstrução 
persistente, entretanto, a estase da bile pode resultar em 
dano à mucosa vesicular. Geralmente a colecistite aguda se 
inicia com a implantação de um cálculo no ducto cístico, que 
leva a um aumento da pressão intraluminal da vesícula, 
obstrução venosa e linfática, edema, isquemia, ulceração da 
sua parede e, finalmente, infecção bacteriana secundária. 
Todo esse processo pode evoluir para perfuração da vesícula, 
mais comumente em seu fundo, uma vez que esta é a porção 
fisiologicamente menos perfundida, portanto, mais sensível à 
isquemia. As perfurações podem seguir três cursos: (1) 
coleperitônio, com peritonite difusa, ou (2) bloqueio do 
processo inflamatório com formação de abscesso 
pericolecístico ou (3) extensão do processo inflamatório para 
uma víscera próxima, formando uma fístula (especialmente o 
duodeno). 
Nem sempre a obstrução do ducto cístico por cálculo resultará 
em colecistite! Aliás, na maioria das pessoas, ela não acontece 
Em muitos casos (65%), achados histopatológicos de colecistite 
crônica – fibrose da parede, infiltrado inflamatório crônico e 
seios de Rokitansky-Aschoff (que nada mais são do que 
invaginações do epitélio da mucosa para o interior da 
camada muscular) – coexistem com os sinais de colecistite 
aguda. 
Se o cálculo ultrapassar o ducto cístico ou retornar para a 
vesícula, a cadeia de eventos se interrompe, e não ocorre 
colecistite aguda... 
A bile nas vesículas normais é estéril, mas as bactérias são um 
achado comum quando os cálculos estão presentes. Na 
ausência de inflamação aguda, as culturas são positivas em: 
− 15% dos pacientes com colelitíase; 
− 60% dos pacientes com coledocolitíase; 
− 75% dos pacientes com icterícia associada. 
Quando há inflamação (colecistite aguda), podem ser 
encontradas bactérias em até 50% dos pacientes. A E.coli é 
a bactéria mais frequentemente isolada, seguida por 
Klebsiella, Enterococcus faecalis, Proteus e Clostridium – ou 
seja, a “flora” microbiana típica de uma colecistite aguda 
consiste de bastonetes Gram-negativos, enterococo e 
anaeróbios. 
Apesar da infecção ser um evento secundário, uma 
complicação, ela acaba sendo responsável pelas sequelas 
mais sérias da colecistite aguda: 
− Empiema; 
− Perfuração; 
− Abscesso pericolecístico; 
− Fístula bilioentérica. 
O termo empiema descreve uma vesícula biliar cheia de pus, 
caracterizada clinicamente por um quadro de colecistite 
aguda acompanhada de sepse/choque séptico. 
A colecistite acalculosa ocorre em 5% dos casos. 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: 
O paciente típico é uma mulher de meia-idade, sabidamente 
portadora de cálculos biliares e que já havia experimentado 
surtos de dor biliar. 
Uma crise de colecistite aguda começa com dor abdominal, 
que aumenta paulatinamente de intensidade, e se localiza, 
desde o início, debaixo do gradil costal direito. 
a dor da colecistite aguda pode iniciar no epigástrio, e, com 
o passar das horas, quando o processo se estende para a 
superfície peritoneal da vesícula, a dor torna-se localizada 
tipicamente no QSD. 
a dor da colecistite aguda persiste por mais de seis horas 
o atraso diagnóstico-terapêutico aumenta o risco de 
complicações, como gangrena e perfuração da vesícula. 
É comum a irradiação da dor para a região infraescapular. 
Anorexia, náuseas e vômitos são muito frequentes, mas o 
vômito raramente é grave como na pancreatite ou obstrução 
intestinal. É também comum a presença de febre baixa a 
moderada. Febre com calafrios sugere colecistite supurativa 
ou colangite associada (ver adiante). 
A região subcostal direita está hipersensível à palpação, com 
defesa muscular e, ocasionalmente, contratura involuntária 
local. O exame físico revela o sinal de Murphy em metade 
dos pacientes. 
O que é o sinal de Murphy? Pede-se ao paciente que inspire 
profundamente, e palpa-se a região subcostal direita – se o 
paciente interromper uma inspiração profunda quando da 
palpação, o sinal é positivo, sendo fortemente preditivo de 
colecistite aguda. 
Só existe massa palpável, correspondente à vesícula 
distendida e hipersensível, em 15% dos pacientes – 
entretanto, este achado é muito importante e confirma a 
suspeita diagnóstica. A vesícula biliar, no geral, é pouco 
percebida, em virtude de vários fatores: contração da 
parede abdominal, obesidade, localização sub-hepática 
profunda, ou mesmo por apresentar-se muito pequena e 
contraída em função de inflamação prévia. 
Deve-se ter em mente, entretanto, as outras condições que 
podem determinar massa hipersensível em QSD, como 
abscesso pericolecístico, carcinoma da vesícula biliar e 
distensão vesicular na colangite obstrutiva. 
EXAMES COMPLEMENTARES: 
Laboratório 
O laboratório da colecistite aguda costuma revelar: 
(1) 12.000-15.000 leucócitos/mm3 (se leucometria 
muito alta, suspeitar de perfuração); 
(2) Aumento discreto de bilirrubina (se mais que 4 
mg/dl, suspeitar de coledocolitíase associada); 
(3) Aumento discreto de FA e AST (TGO); 
(4) Aumento da amilase sérica, que não necessariamente 
indica pancreatite aguda. 
Ultrassonografia 
A US é o primeiro exame a ser solicitado na suspeita de 
colecistite aguda, pois é de fácil realização, é excelente na 
detecção de cálculos biliares e ainda permite a avaliação de 
órgãos vizinhos. Possui sensibilidade e especificidade em 
torno de 95% para o diagnóstico de colecistite. 
 
Pacientes com clínica típica de colecistite aguda, que 
apresentem cálculos à US, sem, no entanto, outros sinais 
radiológicos de colecistite, devem receber o diagnóstico 
presuntivo de colecistite aguda, se outras justificativas para a 
dor não forem identificadas. 
Cintilografia das Vias Biliares 
A cintilografia é o exame mais acurado para se confirmar a 
suspeita clínica de uma colecistite aguda calculosa, possuindo 
sensibilidade e especificidade de 97% e 90%, 
respectivamente. Na maioria das vezes, não precisa ser 
realizada, pois a US, muito mais acessível, é um excelente 
exame. 
O tecnécio 99 é injetado EV, e 85% dele é captado pelo 
fígado e excretado na bile. 
Se houver o enchimento da vesícula, o diagnóstico de 
colecistite aguda torna-se bastante improvável. Em caso de 
enchimento dos ductos biliares, porém não da vesícula, passa 
a haver um poderoso apoio a favor do diagnóstico. 
Tomografia Computadorizada 
Muito comumente solicitada em casos de dor abdominal 
aguda, a TC também pode identificar cálculos, espessamento 
da parede vesicular e líquido pericolecístico, embora com 
precisão inferior à da US. 
TRATAMENTO: 
Os primeiros passos perante um caso de colecistite aguda se 
fundamentam em medidas de suporte clínico: 
(1) Internação hospitalar; 
(2) Hidratação venosa; 
(3) Analgesia; 
(4) Dieta zero; 
(5) Antibioticoterapia parenteral. 
Em relação à antibioticoterapia: sabemos que os agentes mais 
frequentemente envolvidos são E. coli, Enterococcus, Klebsiella 
e outros bastonetes Gram-negativos, além de anaeróbios 
(ex.: Bacteroides fragilis). Assim, o esquema antimicrobiano 
empírico inicial deve contemplar todos esses germes. Entre os 
mais utilizados temos a monoterapia com drogas de amplo 
espectro, como betalactâmicos + inibidores de betalactamase 
(ex.: amoxicilina-clavulanato, ampicilina-sulbactam) ou a 
combinação de uma cefalosporina de 3ª geração (ex.: 
ceftriaxone) ou uma quinolona (ex.: ciprofloxacina, 
levofloxacina) com metronidazol. A duração do tratamento é 
controversa, sendo classicamente recomendada por 7-10 
dias.O tratamento definitivo é cirúrgico, através de 
colecistectomia. 
A via preferencial é a laparoscópica. 
As contraindicações absolutas à colecistectomia laparoscópica 
são: coagulopatia não controlada e cirrose hepática terminal. 
A morbimortalidade da colecistectomia para o tratamento da 
colecistite aguda é baixíssima, com mortalidade em torno de 
0,1%, o que mostra a segurança do procedimento. 
Os pacientes que se apresentam com mais de 3-4 dias de 
evolução normalmente têm inúmeras aderências nas vias 
biliares, o que dificulta a ressecção. Em tais casos é preferível 
“esfriar” inicialmente o processo com antibioticoterapia 
parenteral (associada ou não a uma colecistostomia 
percutânea), e, 6-10 semanas após, proceder à 
colecistectomia semieletiva. Cerca de 20% dos doentes não 
respondem a esta abordagem conservadora e acabam 
necessitando de colecistectomia de urgência ainda na fase 
aguda. 
Uma opção de exceção é a colecistostomia, na qual a vesícula 
distendida é drenada com um cateter pigtail após punção 
percutânea guiada por imagem. 
COMPLICAÇÕES: 
1 - Perfurações e Fístulas 
A perfuração normalmente se apresenta com um quadro 
geral mais exacerbado, principalmente com relação aos 
achados abdominais. 
1- Perfuração livre para a cavidade peritoneal, com 
peritonite generalizada; 
2- Perfuração localizada (contida por aderências), 
formando um abscesso pericolecístico; 
3- Perfuração para dentro de uma víscera oca, através 
de uma fístula. 
A perfuração livre tem mortalidade de 25% e é o tipo menos 
comum – ocorre mais frequentemente no início do episódio 
agudo, em geral dentro dos três primeiros dias de evolução. 
Clinicamente, a perfuração livre se manifesta com febre alta, 
leucocitose importante, sinais de toxicidade proeminente e um 
quadro abdominal de peritonite difusa (defesa, irritação 
peritoneal etc.). 
O abdome é cirúrgico, e o tratamento para esta complicação 
consiste de antibioticoterapia venosa e colecistectomia de 
emergência. 
A perfuração localizada costuma aparecer na segunda 
semana e deve ser suspeitada por um aumento dos sinais 
locais, especialmente se aparecer uma massa que não existia 
quando do início do episódio agudo. 
2 - Íleo Biliar 
É a obstrução do delgado por um cálculo biliar volumoso (mais 
de 2,5 cm) que foi parar no intestino através de uma fístula. 
Quando penetra no intestino, o cálculo desce até achar uma 
região suficientemente estreita para se impactar, e isso se dá 
mais comumente no íleo terminal. O cólon só será acometido 
caso esteja estenosado por alguma outra doença. 
O diagnóstico é dado na radiografia de abdome, pela 
associação de estigmas de obstrução intestinal (alças de 
delgado distendidas + níveis hidroaéreos) à presença de ar 
nas vias biliares (aerobilia) ou cálculo na luz intestinal. 
O tratamento inclui enterotomia proximal, com retirada do 
cálculo impactado. É recomendada a realização de uma 
colecistectomia no mesmo procedimento; 
Em pacientes muito idosos ou de risco cirúrgico elevado, pode 
ser recomendada enterotomia isolada e acompanhamento de 
eventuais sintomas biliares, em uma tentativa inicial de não 
realizar a colecistectomia. 
O íleo biliar é mais comum do que pode parecer, 
representando cerca de 25% dos casos de obstrução 
intestinal em pacientes com mais de 65 anos. 
3 - Síndrome Álgica Pós-Colecistectomia 
Após uma colecistectomia, 10% dos pacientes continuam 
tendo sintomas significativos. Deve--se entender que, nestes 
pacientes, a doença calculosa não era a causa (ou pelo menos 
a causa única) de suas queixas pré-cirúrgicas. Ou seja, os 
pacientes tinham realmente colelitíase, mas tinham também 
outra condição associada que era a verdadeira responsável 
pelos sintomas. 
“Os pacientes com dor biliar típica são aliviados mais 
frequentemente por colecistectomia do que aqueles com dor 
atípica e sintomas vagos, como intolerância aos alimentos 
gordurosos, dispepsias ou flatulência”. 
Com demasiada frequência, as queixas pós- -colecistectomia 
podem ser atribuídas a uma doença que passara 
despercebida, como: coledocolitíase, pancreatite, úlcera 
péptica, síndrome do cólon irritável e doenças do esôfago. 
Aqueles que continuam com sintomas típicos de dor biliar, 
mesmo após a colecistectomia, podem estar apresentando 
uma patologia do esfíncter de Oddi, como discinesia e 
estenose. Entretanto, os clínicos devem continuar céticos quanto 
ao diagnóstico de estenose ampular, ou de discinesia, quando 
o principal achado consistir apenas de dor abdominal. 
O diagnóstico deve ser feito pela exclusão das causas mais 
comuns, e manometria do esfíncter de Oddi durante uma 
CPRE. Caso se comprove uma discinesia do esfíncter, o 
tratamento pode ser realizado com antiespasmódicos, 
anticolinérgicos, nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio. 
Se este esquema falha, pode--se pensar em esfincterotomia 
endoscópica. 
 
APENDICITE AGUDA 
É considerada a mais comum de abdome agudo não 
traumático. 
Mais encontrada entre os 10 e 30 anos de idade, com discreto 
predomínio no sexo masculino. 
ANATOMIA: 
O apêndice vermiforme é composto por uma estrutura tubular, 
alongada, de aproximadamente 2 a 20 cm de comprimento 
[média de 9 cm em adultos]. 
Tem origem na parede posteromedial do ceco, no local onde 
ocorre a confluência das tênias cólicas. 
Apresenta um mesoapêndice que lhe confere mobilidade e no 
qual encontramos a artéria e a veia apendiculares, ramos dos 
vasos ileocólicos 
Embora sua base, seja fixa, a ponta do apêndice pode ser 
encontrada em diversas localizações: 
 Anterior: pélvico ou préileal 
 Posterior: retrocecal ascendente e/ou subseroso; ou 
ainda Retroileal 
A localização mais comum é retrocecal, no interior da 
cavidade do peritônio. 
FISIOPATOLOGIA: 
A patogênese se correlaciona com a obstrução do lúmen 
apendicular, sendo a causa mais comum e a presença de um 
fecálito (pequeno agregado de fezes endurecidas). 
Hiperplasia dos folículos linfoides (de origem infecciosa) e 
outras condições como obstrução por áscaris, bário e corpos 
estranhos [ex: sementes e restos de vegetais], além de tumores 
[ex: carcinoide], são outras causas para a obstrução do lúmen 
apendicular e surgimento de apendicite. 
Devido a sua configuração anatômica, a obstrução 
apendicular evolui rapidamente para obstrução em alça 
fechada. 
A secreção luminal que se acumula leva à estase, fenômeno 
que tem como consequência supercrescimento bacteriano, com 
E. coli e B. fragilis os principais microrganismos identificados. 
O aumento da pressão intraluminal e a distensão do órgão 
comprometem não só o retorno venoso, mas também o 
suprimento arterial. 
Estes eventos resultam em um estado de isquemia que pode 
evoluir para necrose e perfuração. 
Na ausência de intervenção, a perfuração do apêndice 
gangrenado ocorre por volta de 48h do início dos sintomas. 
O intestino delgado e o omento podem bloquear a 
perfuração do órgão, formando um abcesso localizado 
[periapendicular]. 
Mas raramente, encontramos perfuração livre para a 
cavidade peritoneal e consequentemente peritonite difusa, 
com formação de múltiplos abcessos intraperitoneais [pelve, 
sub-hepático, subdiafragmático e entre alças], e choque 
séptico. 
Como explicar a dor da apendicite aguda? 
A distensão do órgão estimula fibras aferentes viscerais e 
produz dor periumbilical ou epigástrica mal definida (dor 
visceral), característica da fase inicial da apendicite. 
Algumas horas após, a dor torna-se referida no metâmero de 
origem embriológica comum (fossa ilíaca direita). Entretanto, 
somente quando o processo inflamatório ultrapassar a serosa 
e entrar em contato com o peritônio parietal ocorrerá 
estimulação da inervação aferente parietal, com a 
característica mudança do padrão da dor, agora bem 
localizada no quadrante inferior direito, intensa e 
acompanhada de descompressão dolorosa à palpação. 
QUADRO CLÍNICO: 
A apresentação característica da apendicite aguda inicia-se 
com um quadro de dor abdominalinespecífica, inicialmente 
em epigástrio ou mesogástrio, de moderada intensidade (às 
vezes com cólicas abdominais sobrepostas), que logo em 
seguida é tipicamente acompanhada por anorexia e náuseas. 
Aproximadamente 12 horas após o início dos sintomas, a dor 
passa a se localizar em fossa ilíaca direita, no ponto de 
McBurney. 
Este padrão clássico de migração da dor é o sintoma mais 
confiável para diagnosticarmos apendicite aguda. 
Acompanhando o quadro álgico, temos alteração do hábito 
intestinal (constipação mais frequente do que diarreia), 
vômitos e febre, que na ausência de complicações (como 
perfuração e formação de abscessos), raramente ultrapassa 
38,3ºC. 
São descritas variações na apresentação clínica, “fugindo” 
dos sintomas clássicos já descritos. 
 Alguns adultos não apresentam anorexia e podem 
até queixar-se de fome. 
 Dependendo da posição da ponta do apêndice 
inflamado, sintomas atípicos podem ocorrer: quando 
próximo à bexiga ou ao ureter, por exemplo, 
podemos encontrar manifestações urinárias e 
hematúria microscópica. 
 A apendicite pélvica, além dos sintomas urinários 
descritos, pode vir acompanhada de toque retal e 
exame ginecológico dolorosos. 
PERFURAÇÃO 
A perfuração do apêndice apresenta-se com dois quadros 
clínicos distintos: perfuração bloqueada, com formação de 
abscesso periapendicular, ou perfuração para o peritônio 
livre, com peritonite generalizada. No primeiro caso, o 
paciente pode se encontrar oligossintomático, queixando-se 
de algum desconforto em fossa ilíaca direita. Pode haver 
massa palpável (plastrão). 
No segundo caso, a dor abdominal é de grande intensidade 
e difusa, com presença de abdome em tábua (rigidez 
generalizada). Nestes casos a temperatura encontra-se muito 
elevada (39°C a 40°C), e o paciente pode evoluir para 
sepse. 
No exame físico, encontramos um paciente com doença aguda 
e geralmente imóvel no leito. Acha-se febril, com temperatura 
em torno de 38°C; no exame do abdome, notamos 
hipersensibilidade à palpação, sobretudo no ponto de 
McBurney, com defesa abdominal inicialmente voluntária e 
depois involuntária. Um dos achados mais precoces é a 
hipersensibilidade cutânea no quadrante inferior direito, 
percebida quando realizamos pinçamento da pele com o 
polegar e o indicador. 
1. Blumberg – descompressão dolorosa indicando 
irritação peritoneal. 
2. Rovsing – dor na fossa ilíaca direita quando se 
comprime a fossa ilíaca esquerda. 
3. Lapinsky – dor à compressão da fossa ilíaca direita 
enquanto o paciente eleva o membro inferior esticado. 
4. Lenander – diferencial das temperaturas axilar e 
retal maior do que um grau (isto é, a temperatura retal 
encontra-se mais elevada do que comumente é, quando 
comparada com a axilar). 
5. Sinal do psoas – dor à extensão da coxa direita 
seguida de sua abdução, com o paciente deitado sobre 
o seu lado esquerdo. 
6. Sinal do obturador – dor em região hipogástrica ao 
realizar a rotação interna e passiva da coxa direita 
flexionada com o paciente em decúbito dorsal. 
7. Sinal de Dunphy – dor na fossa ilíaca direita que 
piora com a tosse. 
 
 Apendicite em Situações Especiais 
A apendicite aguda tem uma apresentação clínica variável 
de acordo com a faixa etária acometida e condições 
subjacentes, como gravidez e imunossupressão. 
- Na criança, o quadro muitas vezes é atípico, sendo 
caracterizado por febre alta, letargia, vômitos mais intensos 
e episódios diarreicos mais frequentes. Por vezes, o 
diagnóstico é tardio, principalmente nas menores de dois 
anos, quando a apendicite é incomum. A progressão do 
processo inflamatório nessa faixa etária é mais rápida, 
ocorrendo uma taxa de perfuração maior do que nos jovens 
e nos adultos (entre 15 e 65%). 
O omento maior ainda é imaturo e incapaz de conter a 
perfuração, sendo a peritonite generalizada mais frequente. 
Estes fatores explicam a maior morbimortalidade neste grupo. 
- No idoso, assim como na criança, a doença é mais 
grave. A apresentação clínica é também atípica. 
A temperatura é menos elevada e a dor abdominal é mais 
insidiosa, ocasionando um diagnóstico tardio, com maior 
incidência de perfuração (maior ainda do que na criança) e, 
consequentemente, maior mortalidade. 
- Na gestante, é a emergência cirúrgica extrauterina 
mais comum, ocorrendo com maior frequência nos dois 
primeiros trimestres. 
O diagnóstico de apendicite, principalmente após o quinto 
mês de gravidez, apresenta dificuldades, decorrentes tanto 
do deslocamento do apêndice pelo útero gravídico (superior 
e lateralmente) como pelos próprios sintomas da gestação 
como náuseas, vômitos e dor abdominal. 
A avaliação do leucograma também não tem grande valor, 
já que é comum leucocitose em grávidas. O aumento da VHS 
também é considerado uma alteração fisiológica em 
gestantes. 
Sendo assim, uma grávida com apendicite aguda pode 
apresentar dor em hipocôndrio direito, por exemplo. As 
alterações laboratoriais da apendicite podem ser creditadas 
a modificações laboratoriais que ocorrem com a gravidez. 
Com isso, o diagnóstico se faz de forma tardia e o resultado 
é uma maior probabilidade do surgimento de complicações... 
A apendicectomia videolaparoscópica é mais bem indicada 
no segundo trimestre. Caso a apendicite ocorra em outros 
períodos da gestação, ainda se recomenda a abordagem 
aberta. 
- Nos pacientes com AIDS, hiperplasia linfoide e fecalito 
continuam sendo as condições mais frequentemente envolvidas 
com apendicite aguda. 
 Apendicite Crônica ou Recorrente 
A apendicite crônica é representada por surtos de dor 
abdominal em fossa ilíaca direita, recorrentes, sem presença 
de irritação peritoneal. 
Os critérios diagnósticos incluem: 
a) História de mais de um mês com ataques recorrentes 
(três ou mais) de dor abdominal em quadrante 
inferior direito; 
b) Sensibilidade à palpação no quadrante inferior 
direito sem evidências de irritação peritoneal; 
c) Achados radiológicos no estudo baritado, que 
variam de preenchimento incompleto até a não 
visualização do apêndice após 24h do uso do 
contraste. 
O não esvaziamento de contraste do apêndice preenchido 
após 72h também é um importante sinal diagnóstico. 
Nesses casos, o aspecto tomográfico do apêndice é igual ao 
da apendicite aguda. 
O tratamento cirúrgico (apendicectomia) desta condição 
parece aliviar os sintomas da maioria dos pacientes. 
DIAGNÓSTICO: 
Tem como base história e exame físico somado ao uso 
eventual de alguns exames complementares, que não devem 
adiar de forma alguma intervenção cirúrgica oportuna. 
No exame clínico, em geral, observamos a seguinte cronologia 
no aparecimento dos sintomas: dor abdominal difusa – 
anorexia/náuseas/vômitos – migração da dor abdominal 
para a fossa ilíaca direita. 
Irritação peritoneal associada à dor em FID em paciente do 
sexo masculino traz forte suspeita clínica para o diagnóstico 
de apendicite, principalmente na presença de massa 
palpável (plastrão). 
Os exames laboratoriais demonstram leucocitose moderada 
(10.000 a 15.000 células/mm3) com neutrofilia e desvio à 
esquerda, presente em 75% dos casos. Contagens superiores 
a 20.000 células se relacionam a gangrena e perfuração. 
A sedimentoscopia eventualmente se encontra alterada, nos 
casos em que o apêndice se localiza próximo ao ureter ou à 
bexiga, ocorrendo hematúria e/ou piúria, mas sem 
bacteriúria. 
A radiografia simples pode ser útil na exclusão de algumas 
condições como litíase urinária por cálculo ureteral, obstrução 
intestinal de delgado e úlcera perfurada; todavia estas 
desordens raramente são confundidas com apendicite aguda. 
A Ultrassonografia (US) tem limitações se houver grande 
distensão abdominal ou o paciente for obeso. É um exame 
bastante útil em pacientes com diagnóstico duvidoso de 
apendicite aguda. 
 Os critérios sonográficos incluem um apêndice não 
compressível (compressão exercida pelo transdutor) 
com 7 mm ou mais de diâmetro anteroposterior, 
presença de apendicolito, interrupçãoda 
ecogenicidade da submucosa e massa ou líquido 
periapendicular. 
 Uma imagem ultrassonográfica que eventualmente é 
observada, conhecida como imagem em alvo, é 
altamente sugestiva de apendicite aguda. 
 
 
A Tomografia Computadorizada (TC) é o método de maior 
acurácia diagnóstica na apendicite aguda. 
 Os achados sugestivos incluem inflamação 
periapendicular (abscesso, coleção líquida, edema, 
fleimão), espessamento do apêndice e distensão do 
órgão, com diâmetro anteroposterior maior do que 
7 mm. 
 O borramento da gordura mesentérica é achado 
tomográfico que traduz inflamação. Fecalitos podem 
ser identificados em até 50% dos casos. 
 A TC possui sensibilidade de 90% e especificidade 
de 80% a 90% para o diagnóstico. 
Muitos autores recomendam a TC somente em casos duvidosos, 
sobretudo em idosos, onde o número de diagnósticos 
diferenciais é muito grande e uma apendicectomia não é 
isenta de complicações. 
Embora possuam sensibilidade e especificidade elevadas, os 
exames de imagem devem ser solicitados somente na 
presença de quadros clínicos duvidosos ou na suspeita de que 
outras condições possam justificar as manifestações 
apresentadas. Frente a um quadro clínico clássico, o 
diagnóstico de apendicite aguda continua sendo clínico. 
 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: 
Diversas doenças podem mimetizar o quadro de abdome 
agudo por apendicite. 
As condições mais frequentes incluem: 
­ Linfadenite mesentérica 
­ Doença inflamatória pélvica (DIP) 
­ Ruptura de folículo ovariano 
­ Cisto ovariano torcido 
­ Gastroenterite aguda. 
A linfadenite mesentérica é a afecção mais frequentemente 
confundida com apendicite em crianças, sobretudo naquelas 
em idade escolar. 
 Esta condição ocorre após episódio de infecção do 
trato respiratório superior ou seguindo-se a uma 
gastroenterite. 
 O paciente geralmente apresenta dor abdominal em 
FID, com discreta defesa voluntária. 
 Náuseas e vômitos são menos intensos do que na 
apendicite. 
 Em aproximadamente 20% dos casos, a linfadenite 
mesentérica pode estar acompanhada de 
linfadenopatia generalizada. 
 A US de abdome identifica linfonodos aumentados 
no mesentério do íleo, além de espessamento da 
parede ileal, com apêndice sem anormalidades. 
Em pré-escolares, doenças como a intussuscepção intestinal, a 
diverticulite de Meckel e as gastroenterites fazem diagnóstico 
diferencial com apendicite aguda. 
 Na intussuscepção, a dor é em cólica, tem caráter 
intermitente e raramente encontramos sinais de 
peritonite. 
 Muitas vezes eliminação de fezes sanguinolentas e 
oclusão intestinal se fazem presentes, o que facilita 
o diagnóstico. 
O divertículo de Meckel é a anomalia congênita mais comum 
do intestino delgado, estando localizado no íleo. Embora seja 
encontrado em poucas crianças, o sangramento ainda é sua 
complicação mais comum. 
 Na inflamação aguda do divertículo, devido ao 
quadro clínico ser muito semelhante com a apendicite 
aguda, muitos cirurgiões dispensam exames 
complementares de imagem e realizam laparotomia 
acreditando se tratar de um quadro de inflamação 
apendicular aguda. 
Nas gastroenterites, náuseas e vômitos são mais precoces e 
intensos do que na apendicite aguda. 
 A dor abdominal não costuma ser focal e não há 
sinais de irritação do peritônio. 
 É importante lembrarmos que a presença de diarreia 
não afasta apendicite nesta faixa etária. 
 Se uma criança com suspeita de gastroenterite evolui 
com piora de sua dor abdominal dentro de 12 a 24h 
do início do quadro, ela deve ser reavaliada por um 
cirurgião. 
Doenças ginecológicas e obstétricas em muitas situações 
impõem grandes dificuldades para o diagnóstico diferencial. 
A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é a mais frequente, 
sobretudo quando complicada por abscesso tubo-ovariano e 
salpingite. 
 A diferenciação entre apendicite aguda e DIP pode 
ser bastante difícil, particularmente em mulheres 
sexualmente ativas, nas quais o diagnóstico correto 
é muitas vezes firmado somente após 
videolaparoscopia. 
 Alguns dados clínicos podem sugerir a etiologia do 
quadro álgico. Na DIP, a dor é tipicamente bilateral 
e, geralmente, há história prévia de contato sexual 
recente ou uso de dispositivo intrauterino. 
 Via de regra, a dor possui mais de dois dias de 
evolução e já se inicia difusamente no abdome 
inferior, sem a migração epigástrio – fossa ilíaca 
direita, típica da apendicite. Febre alta (> 38oC) é 
característica da DIP, enquanto os vômitos ocorrem 
com maior frequência na apendicite. 
 Dor durante a mobilização do colo uterino é um 
dado que não nos auxilia, uma vez que pode ser 
encontrada em alguns casos de apendicite; todavia, 
a presença de leucorreia e o esfregaço revelando 
diplococos Gram-negativos selam praticamente o 
diagnóstico de DIP. 
Na rotura de folículo ovariano (de Graaf), a dor ocorre na 
metade do ciclo menstrual (mittelschmerz), em geral sem 
leucocitose e sem febre. 
 A história clínica associada aos achados na US 
geralmente faz o diagnóstico. 
A torção de cisto ovariano provoca dor abdominal baixa 
intensa, apresentação que pode nos confundir com apendicite 
aguda. 
 Todavia, a presença de massa anexial e as 
alterações observadas na US confirmam o 
diagnóstico. 
A prenhez tubária rota comprometendo a tuba direita se 
manifesta com dor intensa em FID, normalmente 
acompanhada de distensão abdominal. 
 Um dado que nos fala a favor desta complicação é 
a apresentação clínica, que é subaguda na maioria 
dos casos. 
 A paciente costuma estar descorada, devido à 
anemia, e eventualmente apresenta lipotímia. 
 A dosagem de beta--HCG somada à US selam o 
diagnóstico. 
Em adolescentes e adultos, algumas desordens inflamatórias 
do aparelho digestivo fazem diagnóstico diferencial com 
apendicite aguda. 
 A ileíte da doença de Crohn cursa com dor em FID, 
febre e raramente causa diarreia. 
Muitas vezes o caráter recorrente dos sintomas e a 
perda ponderal que alguns pacientes apresentam, 
nos ajudam a diferenciar esta condição da 
apendicite. 
A diverticulite aguda à direita (cólon direito) complicando a 
doença diverticular do cólon não é um achado comum, mas 
quando se encontra presente pode mimetizar a apendicite. 
 O início insidioso, com piora da dor ao longo de dias, 
além do envolvimento de uma região mais extensa 
do quadrante inferior direito, nos fala a favor de 
diverticulite. 
 Todavia é a TC de abdome que confirmará o 
diagnóstico. 
Úlcera péptica perfurada raramente faz diagnóstico 
diferencial com apendicite; contudo, alguns pacientes 
apresentam dor em FID pela drenagem postural de suco 
gástrico pela goteira parietocólica direita. 
 O início súbito, em minutos, e a TC confirmando o 
pneumoperitônio facilmente nos orientam para o 
diagnóstico correto de úlcera perfurada. 
Pielonefrite aguda e litíase urinária entram também no rol dos 
diagnósticos diferenciais de apendicite aguda. 
 No primeiro caso, febre alta e calafrios e percussão 
lombar dolorosa geralmente não nos deixam 
dúvidas. 
 Os pacientes com infecção urinária alta usualmente 
não possuem a sequência de manifestações da 
apendicite. 
 Em pacientes com cálculos urinários sintomáticos, não 
observamos também o caráter migratório da dor e, 
além disso, não há descompressão dolorosa à 
palpação do abdome. A TC é o padrão-ouro para 
o diagnóstico de litíase. 
TRATAMENTO: 
É sempre cirúrgico e deve ser o mais precoce possível, 
respeitando-se o tempo necessário para administração de 
líquidos parenterais. 
Em pacientes com quadros não complicados, uma pequena 
quantidade de solução cristaloide é suficiente para 
corrigirmos um déficit discreto de volume antes da anestesia 
geral. 
Nos casos de apendicite perfurada, uma grande quantidade 
de líquidos é infundida antes do ato anestésico. 
Em casos onde não houve perfuração do apêndice, 
antibióticos com cobertura para germes Gram-negativos e 
anaeróbios são administrados em apenas uma dose. 
Esta medida é suficiente para prevenção de infecção 
de sítio cirúrgico. 
Na presença de gangrena ou perfuração, a administração de 
antimicrobianos deve continuar no pós-operatório até o 
paciente ficar afebril. 
Podemos optar tanto pela cirurgia convencional, aberta, 
quanto pela videolaparoscopia. 
Contudo, alguns estudos têm demonstrado que a 
videolaparoscopia é um método mais aceitável em indivíduos 
obesos, reduzindo dor pós-operatória e tempo de internação, 
e também em casos de apendicite perfurada (com bloqueio), 
com menor probabilidade de infecção de sítio cirúrgico. 
Não podemos esquecer que este método é o de escolha 
quando existe dúvida diagnóstica. 
Embora ambos os métodos sejam aceitáveis, muitos serviços 
optam pela videolaparoscopia em casos de apendicite 
aguda acometendo mulheres jovens em idade fértil, obesos e 
em situações de dúvida diagnóstica. 
Em casos de perfuração não bloqueada do apêndice, com 
peritonite difusa, a laparotomia é a incisão recomendada. 
 Esses pacientes graves requerem antes da cirurgia 
grande quantidade de solução cristaloide para 
ressuscitação volêmica. 
 A conduta operatória inclui lavagem exaustiva da 
cavidade somada à antibioticoterapia sistêmica. 
Em aproximadamente 2% a 5% dos casos de apendicite, os 
pacientes se apresentam à sala de emergência tardiamente, 
com início dos sintomas há mais de cinco dias. 
 Encontramos no exame físico massa abdominal 
palpável, o que sugere a formação de plastrão; este 
pode ser tanto fleimão (inflamação supurativa de 
tecido celular subcutâneo profundo) quanto 
abscesso. 
 Os abscessos ocorrem quando a perfuração do 
apêndice é bloqueada pelo epíplon ou estruturas 
próximas; as coleções grandes costumam se 
manifestar também com febre alta e calafrios. 
 A conduta inclui internação hospitalar e realização 
de TC ou US para confirmação de nossa suspeita. 
Após início de antibioticoterapia sistêmica, caso a lesão seja 
maior do que a 4 a 6 cm (abscessos grandes) ou o paciente 
apresente febre alta, a drenagem do abscesso guiada por 
método de imagem deve ser empreendida. 
Em abscessos menores e na presença de fleimão, a conduta 
pode ser inicialmente apenas a antibioticoterapia, com 
reavaliações frequentes. O tratamento clínico com 
antimicrobianos deve ser mantido por, pelo menos, uma a 
duas semanas. 
 
 Apendicectomia Incidental 
A apendicectomia incidental representa a ressecção de um 
apêndice de aspecto saudável durante cirurgia aberta ou 
mediante videolaparoscopia. 
Existem determinadas situações, principalmente quando a 
laparotomia é realizada para esclarecimento de um abdome 
agudo, em que a ressecção de um apêndice não 
comprometido é aconselhável. 
 Mulheres com dor pélvica crônica devem ter seu 
apêndice ressecado caso elas se submetam a um 
procedimento cirúrgico diagnóstico ou terapêutico 
para alguma outra condição. Com essa conduta, 
novos episódios álgicos não poderão ser atribuídos 
a uma apendicite aguda. 
 A mesma conduta se aplica para casos de 
intussuscepção intestinal. 
A apendicectomia incidental é recomendada para pacientes 
com doença de Crohn que se submetem à laparotomia 
(geralmente por complicações da doença). 
 Nesses pacientes, a ausência do apêndice afastará 
com segurança uma apendicite aguda como causa 
de dor em quadrante inferior direito do abdome que 
estes indivíduos possam vir a apresentar no futuro. 
COMPLICAÇÕES: 
Infecção de sítio cirúrgico manifesta como abscesso de 
parede, representa a complicação pós-operatória mais 
frequente da apendicectomia; sua incidência é elevada 
quando há gangrena ou perfuração apendicular. 
Na técnica videolaparoscópica, observamos uma menor 
incidência desta condição. 
Devemos suspeitar de abscesso intracavitário na presença de 
febre acompanhada de ferida operatória de aspecto normal. 
Nesta situação, TC de abdome deve ser solicitada. 
Outras complicações encontradas incluem deiscências de 
planos da parede abdominal, com evisceração ou 
eventração, hérnias incisionais, fístulas (enterocutâneas e 
enterovesi-cais) e pileflebite. 
A pileflebite é definida como uma tromboflebite séptica da 
veia porta (ou de uma de suas tributárias), geralmente 
secundária a uma supuração localizada em território de 
drenagem do sistema portal (mais comumente uma 
diverticulite ou uma apendicite). 
 Os pacientes se apresentam com febre alta, 
calafrios e icterícia; evidências de hipertensão porta 
por trombose portal eventualmente são encontradas. 
 
DIVERTICULITE AGUDA 
Diverticulite é um termo utilizado para designar a macro ou 
microperfuração de um divertículo, que tanto pode ter 
repercussões clinicas limitadas, quanto potencialmente levar a 
abscesso, obstrução, formação de fistulas e peritonite. 
A causa provável da inflamação diverticular do cólon é, como 
já dito, mecânica: restos do conteúdo luminal se alojam em seu 
interior endurecem, formando fecalitos que acabam 
comprometendo o suprimento sanguíneo da frágil parede do 
divertículo [composta apenas de mucosa e serosa]. 
Surgem com isso as perfurações, que geram um processo 
inflamatório pericolônico, na maioria das vezes bloqueado 
por deflexões do peritônio (peridiverticulite). 
Apesar do curso normalmente benigno, a infecção e o 
processo inflamatório podem levar a: 
­ Extensão local do processo infeccioso e formação de 
abscessos mesentéricos e pericólicos; 
­ Adesão a órgãos adjacentes, gerando fístulas; 
­ Macro-perfuração livre para a cavidade peritoneal, 
determinando peritonite generalizada; 
­ Com a inflamação repetida a parede intestinal se 
espessa, gerando obstrução progressiva. 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: 
Nos casos graves, a diverticulite aguda se caracteriza por 
febre, leucocitose, dor abdominal baixa (sigmoide), que piora 
com defecação, e sinais de irritação peritoneal: defesa e dor 
à descompressão. 
A dor e a hipersensibilidade local ocorrem mais comumente 
no quadrante inferior esquerdo, pois os divertículos são mais 
numerosos neste local. Entretanto elas podem ocorrer à 
direita, simulando apendicite aguda. 
Dor em cólica com distensão abdominal sugere obstrução 
intestinal (por aderências). A dor associada à micção e à 
pneumatúria sugere fístula vesical. 
A fístula mais comumente encontrada na diverticulite se 
estabelece com a bexiga (colovesical). 
Ao exame, frequentemente pode ser palpada uma massa no 
quadrante inferior esquerdo. Se a diverticulite for próxima ao 
reto, o toque retal pode demonstrar uma massa dolorosa. 
Em resumo: A diverticulite deve ser suspeitada em todo 
paciente que desenvolva dor em QIE, que piora com 
defecação, e que eventualmente está associada com sinais de 
irritação peritoneal e alterações do trânsito intestinal. Ao 
exame, o paciente pode estar com febre, e pode haver massa 
palpável no local da dor. O laboratório mostra leucocitose 
neutrofílica e aumento de marcadores de fase aguda, como 
a proteína C reativa. 
DIAGNÓSTICO: 
A dor e a hipersensibilidade em baixo ventre, associadas a 
distúrbios da função intestinal, levam a três hipóteses 
diagnósticas: carcinoma de cólon, doença intestinal 
inflamatória e diverticulite. Nesta situação, é fundamental a 
realização de uma endoscopia baixa para exclusão dos 
diagnósticos diferenciais. 
Quando o quadro é mais pronunciado e se suspeita 
especificamente de diverticulite aguda, o procedimento 
diagnóstico ideal é a Tomografia Computadorizada de 
Abdome e Pelve com Contraste IV. 
 Esta demonstra o sigmoide com paredes espessadas (> 
4 mm) e revela a presença de abscessos 
peridiverticulares, fístulas e coleções líquidas intra-
abdominais. 
O clister opaco e, principalmente, a endoscopia digestiva 
baixa podem levar à macroperfuração livre de um 
divertículo, com consequências catastróficas. Logo, tais 
métodos devem ser evitados na suspeita de diverticulite 
aguda! 
 Eles deverão ser feitos, no entanto, 4-6 semanas após 
resolução do processo inflamatório, a fim de excluir, 
como vimos, os principaisdiagnósticos diferenciais (Ca 
de cólon, DII). 
A ultrassonografia tem eficácia reduzida pela frequente 
presença de distensão de alças de delgado e pequeno 
volume de alguns abscessos. 
Em muitos pacientes, a distorção causada pela inflamação 
impede a diferenciação correta entre o câncer e a 
diverticulite, podendo ser necessária a extração cirúrgica 
para o diagnóstico correto. 
 Conduta na Diverticulite Não Complicada 
A severidade do processo inflamatório é que vai determinar 
o tratamento da diverticulite. 
Pacientes com sintomas mínimos e poucos sinais de inflamação 
podem ser tratados no domicílio. 
Uma dieta líquida sem resíduos e um esquema antibiótico oral, 
com espectro para bastonetes Gram-negativos e anaeróbios, 
é recomendado por sete a dez dias (ex.: amoxicilina + 
clavulanato; ciprofloxacina + metronidazol). 
Doentes que exibem sinais de inflamação exuberante, com 
febre, leucocitose com desvio, descompressão dolorosa em 
flanco e fossa ilíaca esquerda e região suprapúbica merecem 
ser internados. 
 Nestes, o tratamento consiste em dieta zero com 
repouso intestinal, hidratação venosa e 
antibioticoterapia parenteral. 
 O emprego de meperidina como analgesia pode ser 
útil devido a seu efeito em relaxar a musculatura lisa 
do cólon (a morfina é contraindicada por aumentar 
a pressão intracolônica). 
Em pacientes que não complicam, notamos uma melhora das 
manifestações em 48 a 72h. estes podem receber alta e 
completar o esquema antibiótico com fármacos orais em casa. 
Após 4-6 semanas do término de tratamento, torna-se 
necessária uma avaliação do intestino grosso, cujo objetivo é 
excluir neoplasia colorretal. Essa avaliação se faz, 
preferencialmente, através de uma colonoscopia. 
Após o primeiro episódio de diverticulite no qual não houve 
necessidade de tratamento cirúrgico, a grande maioria dos 
pacientes pode ser acompanhada clinicamente. 
 Devemos prescrever uma dieta rica em fibras (pelo 
menos 30 g/dia), podendo associar suplementos 
(ex.: Psyllium, metilcelulose). 
Como a incidência de complicações da doença diverticular 
parece estar aumentada em tabagistas, recomenda-se 
abstenção do cigarro em todos os casos. 
Em geral, cerca de 1/3 dos pacientes que tiveram um 
episódio de diverticulite aguda não complicada apresentarão 
um segundo episódio no futuro e, destes, cerca de 1/3 terá 
um terceiro episódio. Até pouco tempo atrás se acreditava 
que tais indivíduos (que fazem diverticulite não complicada 
“de repetição”) estariam sob risco progressivamente maior de 
desenvolver complicações da doença a cada novo episódio, 
porém, estudos recentes mostraram que isso não é verdade. 
RESUMO DAS INDICAÇÕES DE TTO CIRÚRGICO 
São indicações de tratamento cirúrgico DE URGÊNCIA na 
diverticulite: 
1 - Peritonite generalizada por ruptura de abscesso 
ou divertículo; 
2 - Obstrução intestinal total refratária. 
 
Os demais pacientes com diverticulite irão receber algum 
tipo de tratamento clinico antes de uma colectomia. 
SÃO INDICAÇÕES DE TRATAMENTO CIRÚRGICO 
ELETIVO NA DIVERTICULITE: 
1 - Falha da terapêutica clínica na diverticulite não 
complicada; 
2 - Após um primeiro episódio de diverticulite 
complicada com abscesso; 
3 - Doença diverticular complicada com fístula 
colovesical; 
4 - Doença diverticular complicada com obstrução 
parcial persistente; 
5 - Impossibilidade de excluir carcinoma de cólon; 
6 - Após primeiro episódio de diverticulite em 
imunodeprimidos (ex.: DRC, câncer, doenças 
autoimunes em uso de drogas imunossupressoras). 
 
 Conduta na Diverticulite Complicada 
Existem quatro complicações possíveis na evolução de uma 
diverticulite: abscesso, obstrução, formação de fístulas e 
perfuração livre com peritonite generalizada. 
Repare que não se espera a ocorrência de sangramento na 
vigência de diverticulite aguda. 
Todas deverão ser abordadas cirurgicamente, 
independentemente de ser o primeiro episódio ou não da 
doença. 
A classificação tomográfica de Hinchey estratifica o estágio 
evolutivo (e a gravidade) das diverticulites complicadas. 
 
Os abscessos pericólicos e intramesentéricos localizados são 
acompanhados de sinais clínicos de irritação peritoneal 
restrita. 
Taquicardia e leucocitose encontram-se presentes e possuem 
correlação direta com o grau de inflamação. 
A detecção da coleção purulenta pela tomografia 
computadorizada, seguida de sua drenagem percutânea 
guiada pelo próprio método, veio transformar esta situação 
de uma condição cirúrgica, antigamente emergencial, em 
semieletiva. 
Abscessos pequenos (< 2-3 cm) respondem à 
antibioticoterapia isolada, sem necessidade de drenagem. 
Após cerca de seis semanas da drenagem (abscessos 
grandes) ou resolução com tratamento clínico (abscessos 
pequenos), um procedimento cirúrgico definitivo é realizado. 
A peritonite purulenta (decorrente da ruptura de um abscesso 
pericólico) e a peritonite fecal (macroperfuração livre do 
divertículo), são as complicações mais graves, e demandam 
ressuscitação volêmica, antibioticoterapia e cirurgia de 
urgência. 
 A conduta ideal consiste na ressecção cirúrgica do 
segmento doente associado à lavagem da cavidade 
abdominal, o que pode ser feito por meio de 
laparotomia ou (se possível) laparoscopia. 
As fístulas colovesicais (mais comuns) manifestam-se com 
infecção urinária associada à pneumatúria. O achado de 
espessamento colônico + divertículos + ar na bexiga à TC 
corroboram o diagnóstico. É importante termos em mente que, 
nesses casos, a intervenção cirúrgica, embora necessária, não 
é emergencial. Devemos primeiro controlar o quadro 
infeccioso e em seguida preparar adequadamente o 
sigmoide. 
A obstrução acomete mais comumente o intestino delgado, por 
aderências ao abscesso, e quando isso ocorre a melhor 
abordagem é drenagem nasogástrica descompressiva + 
antibioticoterapia. A indicação cirúrgica fica reservada às 
obstruções totais refratárias. 
 
Quais são as cirurgias empregadas no tratamento da 
diverticulite? 
Em situações que nos permitam indicar uma intervenção 
eletiva, o procedimento de escolha é a ressecção do sigmoide 
com anastomose primária terminoterminal por sutura manual 
ou com auxílio do grampeador cirúrgico. 
As ressecções em situações emergenciais são geralmente 
realizadas em dois tempos. 
Em caso de necessidade de ressecção em dois tempos 
dispomos de três modalidades: 
1- Sigmoidectomia com colostomia terminal e fístula 
mucosa; 
2- Sigmoidectomia com colostomia terminal e 
fechamento do coto retal (cirurgia de Hartmann); 
3- Anastomose primária com proteção desta 
anastomose (derivação protetora) feita através de uma 
ileostomia ou transversostomia. 
A opção mais usada é a de Hartmann. 
Um tema que vem ganhando destaque é a lavagem 
laparoscópica do peritônio em pacientes que se apresentam 
com diverticulite Hinchey III (peritonite purulenta). 
Nesta situação o colo do divertículo perfurado encontra-se 
fechado, isto é, o que ocorre é a ruptura de um abscesso 
previamente formado, disseminando pus pela cavidade 
peritoneal sem que haja vazamento contínuo de material 
fecal. 
Assim, teoricamente, não é preciso ressecar o segmento 
colônico doente com urgência, podendo-se apenas “lavar a 
cavidade”, removendo o pus extravasado, seguido da 
colocação de dreno na loja do abscesso inicial (um 
procedimento mais rápido e de menor morbimortalidade 
perioperatória do que a cirurgia de Hartmann). A 
sigmoidectomia seria realizada num segundo momento, com o 
paciente clinicamente estabilizado! 
Na diverticulite Hinchey IV não tem jeito: como se trata de 
macroperfuração livre do divertículo (com vazamento 
ininterrupto de material fecal para o peritônio), o tratamento 
envolve ressecção emergencial do segmento acometido, 
aliado à lavagem exaustiva da cavidade. 
 
PANCREATITE AGUDA 
A pancreatite aguda é definida como uma condição 
inflamatória aguda do pâncreas, com acometimento variável 
das estruturas peripancreáticas e órgãos à distância, cuja 
gênesedepende da autodigestão tecidual pelas próprias 
enzimas pancreáticas. 
Nos casos mais graves, a pancreatite aguda se comporta 
como uma doença multissistêmica e leva à Síndrome da 
Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), com alta letalidade. 
A pancreatite aguda caracteristicamente não deixa sequelas 
pancreáticas – morfológicas ou funcionais – após a resolução 
do quadro. 
Cerca de 80-90% dos casos de pancreatite aguda cursam 
apenas com edema do pâncreas, sem áreas extensas de 
necrose, sem complicações locais ou sistêmicas e de curso 
autolimitado em 3-7 dias. Esta é a pancreatite aguda 
edematosa ou intersticial, ou ainda, pancreatite aguda “leve”. 
Os 10-20% restantes cursam com extensa necrose 
parenquimatosa, hemorragia retroperitoneal, um quadro 
sistêmico grave e uma evolução de 3-6 semanas. Esta é a 
pancreatite aguda necrosante ou necrohemorrágica, ou 
ainda, pancreatite aguda “grave”. 
Enquanto a letalidade da pancreatite aguda edematosa 
aproxima-se a 1%, na pancreatite aguda necrosante ela 
chega a 30-60%. 
ANATOLOGIA, PATOGÊNESE E ETIOLOGIA: 
Na pancreatite aguda, o patologista detecta uma reação 
inflamatória aguda difusa do pâncreas, associada a áreas 
de necrose gordurosa (marco da doença), tanto ao longo do 
parênquima do órgão quanto nos tecidos peripancreáticos, 
incluindo o mesentério e o omento. 
Nos casos mais graves, formam-se extensas áreas de necrose 
glandular, com ruptura vascular e focos de hemorragia. Os 
achados patológicos indicam um processo “autodigestivo” do 
pâncreas. 
O pâncreas funciona como uma grande glândula exócrina e 
endócrina: suas células acinares são responsáveis pela função 
exócrina, sintetizando e secretando as enzimas pancreáticas, 
fundamentais para a digestão dos alimentos no tubo 
digestivo. 
As células das Ilhotas de Langerhans têm função endócrina, 
sintetizando e secretando hormônios como a insulina, o 
glucagon e a somatostatina. 
Com exceção da amilase e da lipase, as demais enzimas 
pancreáticas são armazenadas e secretadas como pró-
enzimas inativas – os zimogênios. 
Os principais exemplos são: tripsinogênio, quimotripsinogênio, 
pró-elastase, pró-fosfolipase A. 
Ao chegar ao duodeno, o tripsinogênio é convertido em 
tripsina pela enteroquinase, uma enzima proteolítica existente 
na “borda em escova” do epitélio intestinal. 
A tripsina é o “gatilho” para o restante do processo digestivo, 
pois é capaz de ativar todas as outras enzimas pancreáticas, 
incluindo o próprio tripsinogênio. 
Nesse momento, forma-se uma grande quantidade de 
tripsina, quimotripsina, elastase e fosfolipase A (entre outras 
enzimas). 
O que acontece na pancreatite aguda? 
Ainda não se tem certeza do mecanismo patogênico inicial da 
pancreatite aguda, embora existam algumas hipóteses 
aceitas – sabemos que o processo inflamatório se inicia pela 
lesão das células acinares, que passam a liberar enzimas 
pancreáticas ativas para o interstício. 
A teoria mais aceita atualmente, um estímulo lesivo à célula 
acinar provoca a fusão dos grânulos contendo zimogênio com 
as vesículas lisossomais, que contêm a enzima catepsina B. 
Esta hidrolase é capaz de converter o tripsinogênio em 
tripsina dentro da célula acinar, culminando na ativação de 
todos os zimogênios. 
As vesículas de fusão, em vez de migrarem para a borda 
luminal da célula, migram para a borda intersticial, sendo 
liberadas no estado ativo no interstício pancreático, dando 
início ao processo autodigestivo. Essa hipótese é denominada 
“teoria da colocalização lisossomal”. 
Tal mecanismo é reproduzível no laboratório, em animais. Um 
aumento na concentração intracelular de cálcio também 
parece capaz de promover a autoativação do tripsinogênio 
em tripsina, participando na gênese da pancreatite. 
As enzimas fosfolipase A e lipase são as responsáveis pela 
autodigestão da gordura pancreática e peripancreática. 
Os ácidos graxos liberados neste processo formam complexos 
com o cálcio (saponificação), contribuindo para a 
hipocalcemia da pancreatite. A enzima elastase é a 
responsável pela lesão do tecido intersticial e pela ruptura da 
parede vascular. 
Hoje em dia, sabe-se que a lesão enzima-induzida é apenas 
o evento inicial de uma cascata de fatores. 
A tripsina converte a pré-calicreína em calicraína, ativando o 
sistema de cininas, e o fator XII (fator de Hageman) em fator 
XIIa, ativando o sistema da coagulação pela via intrínseca 
(responsável pela formação de microtrombos nos vasos 
pancreáticos, que podem contribuir para a necrose). 
Por ser interligado ao sistema de cininas e o fator XII, o 
sistema complemento também é ativado, atraindo para o 
local neutrófilos e macrófagos, que, por sua vez, produzem 
novos mediadores inflamatórios, como o PAF (Fator Ativador 
Plaquetário) e diversas citocinas, como IL-1, TNF-alfa, IL-6 e 
IL-8. Um exagero neste processo leva à SIRS (Síndrome da 
Resposta Inflamatória Sistêmica). 
DANO À MICROCIRCULAÇÃO – A liberação de enzimas 
ativadas no interstício do pâncreas acaba lesando o endotélio 
vascular assim como as células acinares. 
Alterações microcirculatórias, como microtrombose, 
vasoconstrição, estase capilar, redução da saturação de 
oxigênio e isquemia progressiva ocorrem. 
Tais fenômenos produzem um aumento na permeabilidade 
capilar e edema da glândula. 
A lesão vascular pode levar à insuficiência microcirculatória e 
amplificação do dano ao tecido pancreático. 
TRANSLOCAÇÃO BACTERIANA – A translocação bacteriana 
é fenômeno que ocorre na pancreatite aguda. 
A quebra da barreira intestinal é ocasionada pela 
hipovolemia (e isquemia) e por shunts arteriovenosos induzidos 
pela pancreatite. 
A principal via de translocação bacteriana é através do cólon 
transverso, uma vez que este segmento intestinal está próximo 
ao pâncreas e pode ser afetado pelo processo inflamatório 
peripancreático. 
As consequências da translocação bacteriana podem ser 
letais. 
A infecção de tecido pancreático e peripancreático ocorre em 
cerca de 30-40% dos casos de pancreatite aguda grave e 
traz uma letalidade altíssima, quando não tratada 
adequadamente. 
As causas mais comuns de pancreatite aguda são a litíase 
biliar e o álcool, responsáveis por cerca de 75% dos casos. 
Embora não se conheça exatamente o mecanismo pelo qual 
esses dois fatores desencadeiam pancreatite aguda, algumas 
hipóteses foram aventadas. 
PANCREATITE AGUDA BILIAR: 
A passagem de cálculos biliares através da ampola de Vater 
parece ser a causa mais comum de pancreatite aguda. 
Estes cálculos geralmente são pequenos (< 5 mm), sendo 
menores do que aqueles que causam coledocolitíase e 
colangite, embora estas complicações possam coexistir com a 
pancreatite. 
Cerca de 25-50% dos pacientes com pancreatite aguda 
biliar apresentam coledocolitíase associada, na maioria das 
vezes assintomática. 
A hipótese mais aceita atualmente é de que a obstrução 
transitória da ampola de Vater por um pequeno cálculo ou 
pelo edema gerado por sua passagem aumente subitamente 
a pressão intraductal e estimule a fusão lisossomal aos 
grânulos de zimogênio, ativando a tripsina. Isso provocaria a 
liberação de enzimas digestivas pancreáticas ativadas no 
parênquima. 
Outra hipótese aventada é que essa obstrução 
proporcionaria a ocorrência de refluxo biliar para o ducto 
pancreático, desencadeando o processo de ativação 
enzimática. 
Ao contrário da pancreatite alcoólica, a pancreatite biliar 
não se associa à pancreatite crônica. A colecistectomia 
previne as frequentes recidivas de pancreatite aguda nesses 
pacientes. 
 
A pancreatite biliar é mais comum: 
­ No sexo feminino (2:1); 
­ Obesos e na faixa etária entre 50-70 anos, dados 
próprios da doença litiásica biliar em geral. 
­ Entretanto, pode ocorrer em qualquer idade e em 
qualquer tipo físico. 
­ A pancreatite aguda complica 3-7% dos indivíduos 
com colelitíase. 
PANCREATITE AGUDA ALCOÓLICA: 
A pancreatite aguda é observada em 5-10% dos alcoólatras, 
competindo com a pancreatitebiliar pelo primeiro lugar entre 
as causas de pancreatite aguda. 
Em geral, o indivíduo já é etilista inveterado (> 25 g 
etanol/dia segundo estudos recentes e > 100 g/dia 
classicamente) há pelo menos uns cinco anos (média de 15 
anos) e já existe um acometimento crônico do pâncreas, 
mesmo que subclínico. 
A pancreatite alcoólica crônica é marcada por vários 
episódios recorrentes de pancreatite aguda, em geral, 
desencadeados após libação alcoólica. 
A patogênese da pancreatite aguda alcoólica é 
desconhecida, mas diversos fatores são implicados: 
1 - Estímulo direto à liberação de grandes quantidades 
de enzimas pancreáticas ativadas; 
2 - Contração transitória do esfíncter de Oddi; 
3 - Lesão tóxica acinar direta do etanol ou de um 
metabólito; 
4 - Formação de cilindros proteináceos que obstruem os 
dúctulos (ver pancreatite crônica). 
Além da litíase biliar e do alcoolismo, existem diversas outras 
causas de pancreatite aguda, responsáveis pelos 25% 
restantes. Dentro desse grupo merece destaque a 
“pancreatite aguda idiopática” que, na realidade, em 
grande parte das vezes está relacionada à microlitíase biliar. 
HIPERTRIGLICERIDEMIA: 
A hipertrigliceridemia é responsável por < 4% das 
pancreatites agudas. 
A maioria dos casos ocorre em pacientes diabéticos mal 
controlados e/ou com hipertrigliceridemia familiar e em 
alcoolistas. 
Acredita-se que a lipase pancreática metabolize os 
triglicérides em ácidos graxos livres que, por sua vez, seriam 
diretamente nocivos ao tecido pancreático. 
Outras causas de hipertrigliceridemia são: 
­ Uso de estrogênio 
­ Nutrição parenteral 
­ Uso de propofol 
­ Hipotireoidismo 
­ Síndrome nefrótica 
Os níveis exatos de triglicérides necessários para induzir PA 
não são conhecidos. 
Geralmente níveis maiores que 1.000 mg/dl são necessários, 
mas há relatos de pancreatite com 500-1.000 mg/dl. 
OBS.: A hipertrigliceridemia acentuada pode falsear o 
resultado da amilase sérica, pois uma substância inibidora da 
atividade da amilase se eleva junto com os triglicerídeos. A 
diluição da amostra pode revelar a hiperamilasemia nesses 
casos. 
HIPERCALCEMIA 
O hiperparatireoidismo primário é causa rara de pancreatite 
(menos que 0,5%). 
Cerca de 2% dos pacientes com esta síndrome endócrina 
podem evoluir com tal complicação. 
Outras causas de hipercalcemia podem determinar 
pancreatite, até mesmo a infusão excessiva de gluconato de 
cálcio. 
O mecanismo é desconhecido. 
PÓS-OPERATÓRIO 
A pancreatite aguda pode ocorrer no pós-operatório de 
cirurgias abdominais e cirurgias cardíacas (pelo efeito da 
CEC). 
A incidência depende do tempo de cirurgia e do grau de 
proximidade entre o pâncreas e o local operado. 
Nas cirurgias abdominais, o mecanismo é o trauma direto, 
sendo o prognóstico muito ruim quando comparado com 
outras causas de pancreatite. 
O diagnóstico é difícil, pois a dor abdominal é comum no pós-
operatório. 
INDUZIDA POR FÁRMACOS 
A pancreatite causada por medicamentos é um evento 
incomum. 
A patogenia pode estar relacionada à hipersensibilidade ou 
a um efeito tóxico direto. 
O diagnóstico depende de alto grau de suspeição e 
anamnese detalhada. 
A classe de drogas mais associada com a pancreatite aguda 
são os imunossupressores, incluindo a azatioprina, 6-
mercaptopurina, ciclosporina e tacrolimus. 
Nos pacientes HIV positivos, a principal causa de pancreatite 
é a induzida por medicamentos, principalmente a didanosina 
(DDI) e a pentamidina. 
Outras drogas envolvidas são: antibióticos (metronidazol, 
SMZ-TMP, tetraciclina), diuréticos (tiazídicos, furosemida), 
drogas usadas nas doenças inflamatórias intestinais 
(sulfasalazina, 5-ASA), anticonvulsivantes (ácido valproico), 
anti-inflamatórios (sulindac), anti- -hipertensivos (metildopa, 
IECA, clonidina), cálcio, estrógenos e tamoxifeno. 
Litíase biliar e álcool são as principais causas de pancreatite 
aguda, respondendo por cerca de 75% dos casos. Contudo, 
enquanto o álcool também pode provocar pancreatite 
crônica, o mesmo não acontece com os cálculos biliares, que 
causam exclusivamente doença aguda! 
 
 
Outras Causas 
1- Trauma Abdominal: principal causa de pancreatite 
aguda em pacientes pediátricos. 
2- Pancreatite Aguda Hereditária. 
3- Fibrose Cística. 
4- Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada 
(CPER). 
5- Viroses: caxumba, coxsackie, hepatite B, 
citomegalovírus, varicela-zóster, herpes simples. 
6- Bacterianas (micoplasma, legionela, leptospira, 
salmonela, tuberculose, brucelose, etc.) e Fúngicas 
(Aspergillus sp., Candida sp.) 
7- Infestações Parasitárias: o destaque em nosso meio é o 
Ascaris lumbricoides, que pode obstruir transitoriamente 
a ampola de Vater, causando pancreatite aguda. 
Outros parasitas implicados são: T. gondii, 
Cryptosporidium. 
8- Obstrução Ductal Crônica (cisto de colédoco, divertículo, 
pancreatite crônica, Ca pâncreas, adenoma viloso, 
doença de Crohn e outros). 
9- Vasculite (PAN, LES), outras causas de isquemia 
pancreática. 
10- Pancreas Divisum, Pâncreas Anular. 
11- Envenenamento por escorpião (Titius sp., o “escorpião 
brasileiro”). 
 
“PANCREATITE AGUDA IDIOPÁTICA” 
Cerca de 20% dos pacientes com pancreatite aguda 
encontram-se neste grupo. 
Hoje em dia, são descritas duas entidades que parecem ser 
responsáveis por grande parte das pancreatites agudas neste 
grupo: 
(1) Microlitíase Biliar – 2/3 dos casos; 
(2) Disfunção do Esfíncter de Oddi – 1/3 dos casos. 
 
MICROLITÍASE BILIAR (“LAMA BILIAR”): “lama biliar” é uma 
suspensão viscosa na vesícula biliar que pode conter cálculos 
microscópicos. 
Na USG, parece como um agrupamento de ecos de baixa 
amplitude, sem sombra acústica, “repousando” no fundo da 
vesícula e mudando de local conforme a posição do paciente. 
Alguns estudos sugeriram que até 75% dos casos de 
pancreatite aguda “idiopática” podem ser ocasionados, na 
realidade, pela lama biliar. 
O uso de ácido ursodesoxicólico reduz a recorrência desses 
episódios. 
Outras opções são a papilotomia endoscópica e a 
colecistectomia. 
DISFUNÇÃO DO ESFÍNCTER DE ODDI: pode ser 
diagnosticada pela mensuração da pressão 
intraesfincteriana, através da canulização da Papila de Vater 
(guiada pela endoscopia). 
A pressão do esfíncter, que normalmente fica em torno de 15 
mmHg, costuma ser flagrada em níveis próximos a 40 mmHg. 
O tratamento preconizado é a papilotomia endoscópica ou a 
esfincteroplastia cirúrgica, com resultados razoáveis. 
Reveja mais uma vez as causas de pancreatite aguda, agora 
reunidas na Tabela 1. 
 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: 
Pancreatite aguda é uma importante causa de dor abdominal 
aguda associada a vômitos. 
Uma vez que a clínica da doença pode ser similar à de 
numerosas outras patologias agudas, é difícil o diagnóstico 
basear-se somente em sintomas e sinais clínicos. 
A doença varia em severidade e o diagnóstico é, muitas 
vezes, falho nos extremos da apresentação. 
Os principais sintomas da pancreatite aguda são a DOR 
ABDOMINAL, as NÁUSEAS e os VÔMITOS. 
Quase todos os pacientes experimentam dor abdominal 
aguda em andar superior de abdome. 
A dor é contínua e pode se localizar em mesogástrio, 
quadrante superior direito, ser difusa ou, raramente, à 
esquerda. 
Uma característica da dor, que está presente em metade dos 
pacientes e que sugere origem pancreática, é a disposição 
em barra e a irradiação para o dorso. Normalmente precisa 
de analgésicos opiáceos para o seu controle. 
Ao contrário da dor biliar que permanece, no máximo, de 6 
a 8 horas, a dor pancreática se mantém por dias. A 
progressão da dor é rápida (mas não tão abrupta quanto 
aquela da perfuração visceral), atingindo intensidade 
máxima dentro de 10 a 20 minutos. 
Pancreatite aguda com ausência de dor não é comum (5- -
10%), mas pode ser complicada e fatal. 
Um aspecto interessante é o fato de os sintomas na 
pancreatite aguda relacionada ao álcool frequentemente 
aparecerem após um ou três dias de uma libação alcoólica 
intensa.A dor abdominal é tipicamente acompanhada (cerca de 90%) 
de náuseas e vômitos que podem persistir por várias horas. 
Os vômitos podem ser incoercíveis e, em geral, não aliviam a 
dor; podem estar relacionados à dor intensa ou a alterações 
inflamatórias envolvendo a parede posterior do estômago. 
Inquietação, agitação e alívio da dor em posição de flexão 
anterior do tórax (genupeitoral) são outros sintomas notados. 
Pacientes com ataque fulminante podem apresentar-se em 
estado de choque ou coma. 
O exame físico varia na dependência da gravidade da 
doença. 
Achados sistêmicos incluem febre, sinais de desidratação, 
taquicardia e, em casos mais graves, choque e coma. 
Na pancreatite necrosante, o paciente pode se apresentar em 
mau estado geral, toxêmico, pálido, hipotenso, taquicárdico 
(100-150 bpm), taquipneico (pela dor ou pelo acometimento 
pulmonar), febril (38,5-39ºC) e com o sensório deprimido 
(confusão mental, torpor ou coma). Existe um espectro de 
gravidade na pancreatite aguda, e os sinais acima podem 
estar presentes em maior ou menor grau. 
O derrame pleural à esquerda é comum (pela extensão da 
inflamação para a hemicúpulas diafragmática esquerda) e 
pode contribuir para a dispneia. 
O abdome na pancreatite aguda geralmente mostra achados 
inferiores aos esperados pelo quadro álgico do paciente. 
O exame físico revela desde dor leve à palpação até sinais 
de irritação peritoneal com descompressão dolorosa 
(Blumberg) nos casos mais graves. Distensão abdominal, 
devido ao “íleo paralítico” em consequência à inflamação 
intra-abdominal, é um achado comum, especialmente nos 
casos mais graves. 
Na radiografia, a distensão pode ser de delgado e/ou de 
cólon. 
Obstrução do ducto biliar principal em razão de 
coledocolitíase ou edema da cabeça do pâncreas pode 
ocasionar icterícia (geralmente leve). 
A icterícia ocorre em cerca de 10% dos casos e não 
necessariamente indica, como vimos, pancreatite aguda biliar. 
Alguns sinais cutâneos podem acontecer na pancreatite 
aguda, de forma incomum: 
(a) Equimose em flancos – Sinal de Grey--Turner 
(FIGURA 3); 
(b) Equimose periumbilical – Sinal de Cullen; 
(c) Necrose gordurosa subcutânea – Paniculite (FIGURA 
4); 
(d) Equimose na base do pênis – Sinal de Fox. 
 
Os primeiros dois sinais ocorrem em 1% dos casos. São 
característicos, mas não patognomônicos. São causados pela 
extensão do exsudato hemorrágico pancreático 
retroperitonial através do tecido subcutâneo e estão 
associados com mau prognóstico. 
Já a necrose gordurosa subcutânea (paniculite) é um evento 
raro, se caracterizando pela presença de nódulos 
subcutâneos dolorosos de 0,5-2 cm e eritema na pele 
adjacente (semelhantes ao eritema nodoso). 
Geralmente, se localizam nas extremidades, podendo ser 
justarticulares, mas podem ocorrer em outros locais, como 
nádegas, tronco e escalpo. Podem preceder, ou não, os 
sintomas da pancreatite e tendem a melhorar junto com o 
quadro clínico. 
A retinopatia de Purtscher é uma rara complicação da 
pancreatite aguda. Manifesta-se como escotomas e perda 
súbita da visão. A fundoscopia demonstra exsudatos 
algodonosos e hemorragias confinadas à mácula e à papila 
óptica. 
O comprometimento respiratório pode piorar após os 
primeiros dias, se instalando derrame pleural (com 
preferência pelo lado esquerdo), atelectasia (pela dor ou 
obesidade) ou mesmo a Síndrome do Desconforto 
Respiratório Agudo (SDRA) – esta é uma das complicações 
sistêmicas mais temíveis da pancreatite aguda e se 
caracteriza pela hipoxemia refratária à administração de 
altos fluxos de O2, associado a infiltrado pulmonar bilateral, 
em geral assimétrico. O principal diagnóstico diferencial da 
SDRA é o edema pulmonar cardiogênico. 
O paciente pode chegar “chocado” ou evoluir para o choque 
após os primeiros dias – o choque na maioria dos casos tem 
dois componentes: 
(1) Hipovolêmico – estima-se a perda de 6-10 litros 
para o retroperitônio ou para o peritônio nos pacientes 
com pancreatite grave; 
(2) Vasodilatação sistêmica (choque distributivo) – 
exatamente a mesma fisiopatologia do choque séptico, 
porém, sem haver infecção. Podemos chamar de “choque 
sirético” (SIRS = Síndrome da Resposta Inflamatória 
Sistêmica). Neste choque, temos uma queda acentuada da 
resistência vascular periférica (causando grave 
hipotensão arterial), venodilatação e um aumento do 
débito cardíaco (estimulado pela baixíssima pós-carga). 
A insuficiência renal é comum na pancreatite grave, 
manifestando-se como azotemia no exame laboratorial 
(aumento de ureia e creatinina). 
A causa na maioria das vezes é pré-renal, devido à 
hipovolemia (perda para o 3º espaço), portanto, é reversível 
com a reposição volêmica agressiva. 
No entanto, em alguns casos, os rins são lesados pela reação 
inflamatória sistêmica (enzimas ativadas e mediadores 
liberados por leucócitos) ou pela isquemia prolongada, 
evoluindo para um quadro de necrose tubular aguda – neste 
caso, a azotemia não reverte com a reposição volêmica e 
pode vir a ser grave a ponto de causar síndrome urêmica e 
distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos indicativos de 
diálise. 
 
LABORATÓRIO INESPECÍFICO 
A leucocitose é comum, principalmente nos casos graves, onde 
pode chegar até 30.000/mm3 refletindo o grau de 
inflamação sistêmica (por isso é um importante critério 
prognóstico). 
O aumento de proteína C reativa é outro marco laboratorial 
de gravidade, já que mede a intensidade da resposta 
inflamatória. 
A hiperglicemia é uma alteração comum, e no início do quadro 
é devida à SIRS mas, posteriormente, pode ser secundária a 
uma destruição maciça das ilhotas de Langerhans, na 
pancreatite necrosante extensa... 
Hipocalcemia também é achado frequente, e decorre da 
saponificação do cálcio circulante pela gordura 
peripancreática necrosada – por este motivo também possui 
relação direta com a gravidade do quadro (quanto mais 
necrose, mais hipocalcemia). 
Outros marcos que indicam gravidade são o aumento das 
escórias nitrogenadas e as alterações nas provas de 
coagulação (ex.: alargamento do TAP e PTTa). 
As provas hepáticas também podem estar alteradas, 
revelando aumento das aminotransferases, fosfatase alcalina 
e bilirrubina. O aumento das aminotransferases, além de ter 
valor prognóstico, pode sugerir o diagnóstico etiológico da 
pancreatite... Uma TGP (ALT) > 150 U/L tem especificidade 
de 96% para pancreatite biliar!!! Porém, a TGP (ALT) < 150 
U/L não afasta pancreatite biliar, já que a sensibilidade é 
baixa (48%). 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
As doenças que se manifestam com intensa dor abdominal 
aguda devem ser afastadas, entre elas: 
(1) Doença péptica / Úlcera perfurada; 
(2) Colelitíase, Coledocolitíase, Colecistite aguda; 
(3) Isquemia mesentérica; 
(4) Obstrução intestinal aguda; 
(5) IAM inferior / Dissecção aórtica abdominal; 
(6) Gravidez ectópica. 
Na colelitíase e na doença péptica a dor costuma ter menor 
duração. 
A dor da colecistite aguda pode ser muito semelhante a dor 
da pancreatite. 
A isquemia mesentérica aguda pode ser facilmente 
confundida com pancreatite aguda – um histórico de 
fibrilação atrial, pós-IAM, a ausência de vômitos incoercíveis, 
a presença de diarreia ou sangue no toque retal e uma 
acidose metabólica proeminente, são dados que sugerem o 
diagnóstico de isquemia mesentérica. 
Na úlcera perfurada, o exame abdominal em geral mostra 
irritação peritoneal proeminente (às vezes, “abdome em 
tábua”), achados não esperados na pancreatite aguda, que 
é uma causa de inflamação predominantemente 
retroperitonial. 
Há casos em que os critérios clínicos e laboratoriais não são 
capazes de diferenciar com certeza a pancreatite aguda de 
seus diagnósticos diferenciais; nestes, está indicada a 
laparotomia exploradora! 
CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA 
O diagnóstico de pancreatite aguda pode ser facilmente 
estabelecido diante de um caso clínico típico com o auxílio da 
dosagem sérica de amilase e lipase (que estarão > 3x o LSN). 
Métodosde imagem, como a Tomografia Computadorizada 
de Abdome, são úteis nos casos duvidosos, podendo confirmar 
o diagnóstico de pancreatite ao demonstrarem a presença de 
edema/necrose do parênquima pancreático. 
Cumpre ressaltar, no entanto, que os exames de imagem não 
são obrigatórios para o diagnóstico em todos os casos, 
existindo indicações específicas para sua realização (ver 
adiante). 
1- AMILASE SÉRICA 
Esta enzima pancreática costuma se elevar já no primeiro dia 
do quadro clínico (2-12h após o início dos sintomas), 
mantendo-se alta por 3-5 dias. 
Sua sensibilidade é de 85-90% entre 2-5 dias. Sua 
especificidade é de 70-75%. O normal da amilase sérica 
geralmente é abaixo de 160 U/L. A especificidade aumenta 
muito quando considerados níveis acima de 500 U/L e 
principalmente 1.000 U/L! A amilase pode estar normal nos 
casos de pancreatite crônica avançada agudizada (como na 
pancreatite alcoólica), pois o parênquima pancreático já está 
destruído, exaurido de suas enzimas. Como já citado 
anteriormente, os níveis de amilase podem estar falsamente 
reduzidos na hipertrigliceridemia (quando os triglicerídeos 
aumentam, aumenta também um fator solúvel que inibe a 
amilase...). Uma amilase colhida após o quinto dia dos 
sintomas frequentemente é negativa. 
A especificidade da amilase é comprometida por 4 fatos: 
(1) Amilase Salivar: a maior parte da amilase existente 
no organismo não é pancreática, mas sim salivar (55-60% da 
amilase). 
(2) Absorção Intestinal: existe amilase pancreática na 
luz intestinal, podendo haver absorção luminal pelo intestino 
inflamado ou obstruído. 
(3) Macroamilasemia: uma entidade caracterizada pela 
ligação de uma proteína sérica à amilase plasmática, 
impedindo que ela seja normalmente filtrada pelos rins. 
(4) Insuficiência Renal: uma parte da amilase é 
eliminada pelos rins, logo, a insuficiência renal grave cursa 
com hiperamilasemia. 
Neste momento, reveja a tabela de “causas de 
hiperamilasemia” no capítulo inicial desta apostila. 
Doenças da glândula salivar e outras doenças intra-
abdominais agudas podem cursar com aumento da amilase... 
Ex.: colecistite aguda, coledocolitíase, perfuração de 
qualquer víscera oca (ex.: úlcera perfurada), isquemia 
mesentérica, obstrução intestinal aguda, apendicite aguda, 
salpingite aguda, gravidez ectópica. Entretanto, apesar de 
existirem diversas causas de hiperamilasemia, raramente elas 
elevam a amilase acima de 3-5 vezes o limite da normalidade 
(> 500 UI/L). Elevações dessa magnitude possuem 
ESPECIFICIDADE para pancreatite!!! A determinação da 
isoforma pancreática da amilase não é específica da 
pancreatite, visto também estar aumentada nas lesões 
intestinais e na insuficiência renal. 
2- LIPASE SÉRICA 
Esta outra enzima pancreática se eleva junto com a amilase 
na pancreatite aguda, porém, permanece alta por um 
período mais prolongado (7-10 dias). Possui sensibilidade 
igual à da amilase (85%), sendo mais específica (80%). A 
lipase também existe dentro do lúmen intestinal e as mesmas 
condições abdominais que fazem aumentar a amilase também 
podem fazer aumentar a lipase – Em geral, essas condições 
também não aumentam mais que 3 vezes o limite da 
normalidade (normal: até 140 U/L; 3x o normal: > 450 U/L, 
variando conforme o método laboratorial usado). 
3- AMILASE + LIPASE SÉRICAS 
Tanto a amilase quanto a lipase, se acima de 3 vezes o limite 
superior da normalidade, são altamente específicas para 
pancreatite aguda – logo, na prática devemos dosá-las em 
conjunto para confirmar o diagnóstico de pancreatite! Se as 
duas estiverem aumentadas, a especificidade é de 95%. A 
sensibilidade das duas juntas é de 95%, ou seja, em apenas 
5% dos casos de pancreatite aguda as duas enzimas são 
normais (provavelmente casos de “pancreatite crônica 
agudizada”). 
4- OUTRAS DOSAGENS LABORATORIAIS 
Diversos fatores vêm sendo estudados como substitutos da 
amilase e lipase para o diagnóstico de pancreatite aguda, 
por exemplo: peptídeo ativador do tripsinogênio, 
tripsinogênio 2 e tripsinogênio urinário. Tais exames, no 
entanto, ainda precisam ser consagrados com grandes 
estudos para ganharem real aplicação prática. 
5- TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA CONTRASTADA 
A Tomografia Computadorizada (TC) com contraste venoso é 
o melhor método de imagem para avaliar a presença de 
complicações locorregionais num quadro de pancreatite 
aguda, sendo indicada nos casos classificados como “graves” 
por critérios que serão explicados adiante... Como a TC pode 
ser normal em 15--30% dos casos de pancreatite “leve”, sua 
realização não se justifica nestes pacientes, até porque a 
probabilidade de complicações é baixa em tal contexto... A 
TC pode mostrar aumento focal ou difuso do pâncreas, 
borramento da gordura peripancreática e perirrenal, 
coleções líquidas peripancreáticas, pseudocistos (ver adiante) 
e áreas não captantes de contraste indicativas de necrose – 
FIGURA 5. 
Possui elevada sensibilidade e especificidade, e pode, como 
vimos, esclarecer os casos de dúvida diagnóstica (aqueles em 
que a clínica é sugestiva mas a dosagem de amilase e lipase 
não é confirmatória). 
Como já dissemos, nem todos os pacientes necessitam de TC... 
As indicações para sua realização na PA são mostradas na 
Tabela 2. Os critérios prognósticos de Ranson e APA-CHE-II 
serão comentados adiante, quando falarmos em prognóstico 
da pancreatite aguda... Vale relembrar: na pancreatite 
“leve” (edematosa), a TC não é necessária!!! 
O exame ideal é a TC helicoidal, que é capaz de revelar 
imagens com maior definição da captação do contraste 
endovenoso. O melhor momento para a realização de TC na 
pancreatite aguda grave é após o terceiro dia do início do 
quadro (isto é, após as primeiras 72h, que é quando as 
complicações como a necrose costumam estar bem 
estabelecidas, sendo mais fácil observá-las). Deve-se evitar a 
TC contrastada em pacientes que evoluem com injúria renal 
aguda pela pancreatite grave (evitar um componente de 
“nefropatia induzida por contraste”). Nestes casos, a RNM 
torna-se preferencial... 
Tab. 2 
 
 
6- ULTRASSONOGRAFIA 
O pâncreas pode ser visualizado, mostrando sinais ecogênicos 
clássicos de pancreatite aguda. Contudo, a frequente 
interposição de alças intestinais repletas de gás torna a 
ultrassonografia de abdome um exame de baixa 
sensibilidade tanto para o diagnóstico de PA quanto para a 
detecção de necrose pancreática. 
Por outro lado, a USG abdominal é o método de escolha para 
o diagnóstico da litíase biliar, a causa mais comum de 
pancreatite aguda, podendo assim orientar a conduta 
posterior. Por isso, está sempre indicada. 
7- RADIOGRAFIA SIMPLES 
É um importante exame a ser pedido nos pacientes com 
quadro de “abdome agudo”, principalmente na dúvida entre 
um abdome cirúrgico ou não. O RX de tórax pode revelar 
derrame pleural à esquerda ou atelectasia em bases 
pulmonares; em casos mais graves pode haver um infiltrado 
bilateral compatível com SDRA. 
A pancreatite aguda pode determinar várias alterações no 
RX de abdome, assim como outras causas de abdome agudo 
inflamatório – são elas: 
1- Alça sentinela (íleo localizado). 
2- Sinal do cólon amputado: paucidade de ar no cólon 
distal à flexura esplênica, devido a um espasmo do cólon 
descendente. 
3- Dilatação das alças (íleo paralítico inflamatório). 
4- Aumento da curvatura duodenal (aumento da 
cabeça do pâncreas). 
5- Irregularidades nas haustrações do transverso, 
devido ao espasmo difuso. 
As alterações intestinais da pancreatite aguda são 
decorrentes da extensão do exsudato inflamatório 
pancreático para o mesentério, mesocólon transverso e 
peritônio. 
 
8- RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA 
A RNM é provavelmente equivalente à TC em termos de 
acurácia para o diagnóstico de pancreatite aguda, porém, 
possui duas importantes vantagens: (1) na suspeita de 
pancreatite biliar, a colangiorressonância pode identificar 
mais de 90% dos cálculos na via biliar; (2) no paciente que 
evolui com IRA no contexto da PA

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