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COLECISTITE O termo colecistite aguda define o desenvolvimento de um processo de inflamação da vesícula, que resulta, na imensa maioria das vezes, da obstrução do ducto cístico por um cálculo que, em 95% dos casos, ocorre em associação à colelitíase. As mulheres são mais acometidas, com relação de 3:1 quando são considerados os pacientes com até 50 anos. a dor biliar característica da colelitíase sintomática crônica, resulta da obstrução intermitente do ducto cístico por um cálculo. Se este cálculo se impacta determinando obstrução persistente, entretanto, a estase da bile pode resultar em dano à mucosa vesicular. Geralmente a colecistite aguda se inicia com a implantação de um cálculo no ducto cístico, que leva a um aumento da pressão intraluminal da vesícula, obstrução venosa e linfática, edema, isquemia, ulceração da sua parede e, finalmente, infecção bacteriana secundária. Todo esse processo pode evoluir para perfuração da vesícula, mais comumente em seu fundo, uma vez que esta é a porção fisiologicamente menos perfundida, portanto, mais sensível à isquemia. As perfurações podem seguir três cursos: (1) coleperitônio, com peritonite difusa, ou (2) bloqueio do processo inflamatório com formação de abscesso pericolecístico ou (3) extensão do processo inflamatório para uma víscera próxima, formando uma fístula (especialmente o duodeno). Nem sempre a obstrução do ducto cístico por cálculo resultará em colecistite! Aliás, na maioria das pessoas, ela não acontece Em muitos casos (65%), achados histopatológicos de colecistite crônica – fibrose da parede, infiltrado inflamatório crônico e seios de Rokitansky-Aschoff (que nada mais são do que invaginações do epitélio da mucosa para o interior da camada muscular) – coexistem com os sinais de colecistite aguda. Se o cálculo ultrapassar o ducto cístico ou retornar para a vesícula, a cadeia de eventos se interrompe, e não ocorre colecistite aguda... A bile nas vesículas normais é estéril, mas as bactérias são um achado comum quando os cálculos estão presentes. Na ausência de inflamação aguda, as culturas são positivas em: − 15% dos pacientes com colelitíase; − 60% dos pacientes com coledocolitíase; − 75% dos pacientes com icterícia associada. Quando há inflamação (colecistite aguda), podem ser encontradas bactérias em até 50% dos pacientes. A E.coli é a bactéria mais frequentemente isolada, seguida por Klebsiella, Enterococcus faecalis, Proteus e Clostridium – ou seja, a “flora” microbiana típica de uma colecistite aguda consiste de bastonetes Gram-negativos, enterococo e anaeróbios. Apesar da infecção ser um evento secundário, uma complicação, ela acaba sendo responsável pelas sequelas mais sérias da colecistite aguda: − Empiema; − Perfuração; − Abscesso pericolecístico; − Fístula bilioentérica. O termo empiema descreve uma vesícula biliar cheia de pus, caracterizada clinicamente por um quadro de colecistite aguda acompanhada de sepse/choque séptico. A colecistite acalculosa ocorre em 5% dos casos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: O paciente típico é uma mulher de meia-idade, sabidamente portadora de cálculos biliares e que já havia experimentado surtos de dor biliar. Uma crise de colecistite aguda começa com dor abdominal, que aumenta paulatinamente de intensidade, e se localiza, desde o início, debaixo do gradil costal direito. a dor da colecistite aguda pode iniciar no epigástrio, e, com o passar das horas, quando o processo se estende para a superfície peritoneal da vesícula, a dor torna-se localizada tipicamente no QSD. a dor da colecistite aguda persiste por mais de seis horas o atraso diagnóstico-terapêutico aumenta o risco de complicações, como gangrena e perfuração da vesícula. É comum a irradiação da dor para a região infraescapular. Anorexia, náuseas e vômitos são muito frequentes, mas o vômito raramente é grave como na pancreatite ou obstrução intestinal. É também comum a presença de febre baixa a moderada. Febre com calafrios sugere colecistite supurativa ou colangite associada (ver adiante). A região subcostal direita está hipersensível à palpação, com defesa muscular e, ocasionalmente, contratura involuntária local. O exame físico revela o sinal de Murphy em metade dos pacientes. O que é o sinal de Murphy? Pede-se ao paciente que inspire profundamente, e palpa-se a região subcostal direita – se o paciente interromper uma inspiração profunda quando da palpação, o sinal é positivo, sendo fortemente preditivo de colecistite aguda. Só existe massa palpável, correspondente à vesícula distendida e hipersensível, em 15% dos pacientes – entretanto, este achado é muito importante e confirma a suspeita diagnóstica. A vesícula biliar, no geral, é pouco percebida, em virtude de vários fatores: contração da parede abdominal, obesidade, localização sub-hepática profunda, ou mesmo por apresentar-se muito pequena e contraída em função de inflamação prévia. Deve-se ter em mente, entretanto, as outras condições que podem determinar massa hipersensível em QSD, como abscesso pericolecístico, carcinoma da vesícula biliar e distensão vesicular na colangite obstrutiva. EXAMES COMPLEMENTARES: Laboratório O laboratório da colecistite aguda costuma revelar: (1) 12.000-15.000 leucócitos/mm3 (se leucometria muito alta, suspeitar de perfuração); (2) Aumento discreto de bilirrubina (se mais que 4 mg/dl, suspeitar de coledocolitíase associada); (3) Aumento discreto de FA e AST (TGO); (4) Aumento da amilase sérica, que não necessariamente indica pancreatite aguda. Ultrassonografia A US é o primeiro exame a ser solicitado na suspeita de colecistite aguda, pois é de fácil realização, é excelente na detecção de cálculos biliares e ainda permite a avaliação de órgãos vizinhos. Possui sensibilidade e especificidade em torno de 95% para o diagnóstico de colecistite. Pacientes com clínica típica de colecistite aguda, que apresentem cálculos à US, sem, no entanto, outros sinais radiológicos de colecistite, devem receber o diagnóstico presuntivo de colecistite aguda, se outras justificativas para a dor não forem identificadas. Cintilografia das Vias Biliares A cintilografia é o exame mais acurado para se confirmar a suspeita clínica de uma colecistite aguda calculosa, possuindo sensibilidade e especificidade de 97% e 90%, respectivamente. Na maioria das vezes, não precisa ser realizada, pois a US, muito mais acessível, é um excelente exame. O tecnécio 99 é injetado EV, e 85% dele é captado pelo fígado e excretado na bile. Se houver o enchimento da vesícula, o diagnóstico de colecistite aguda torna-se bastante improvável. Em caso de enchimento dos ductos biliares, porém não da vesícula, passa a haver um poderoso apoio a favor do diagnóstico. Tomografia Computadorizada Muito comumente solicitada em casos de dor abdominal aguda, a TC também pode identificar cálculos, espessamento da parede vesicular e líquido pericolecístico, embora com precisão inferior à da US. TRATAMENTO: Os primeiros passos perante um caso de colecistite aguda se fundamentam em medidas de suporte clínico: (1) Internação hospitalar; (2) Hidratação venosa; (3) Analgesia; (4) Dieta zero; (5) Antibioticoterapia parenteral. Em relação à antibioticoterapia: sabemos que os agentes mais frequentemente envolvidos são E. coli, Enterococcus, Klebsiella e outros bastonetes Gram-negativos, além de anaeróbios (ex.: Bacteroides fragilis). Assim, o esquema antimicrobiano empírico inicial deve contemplar todos esses germes. Entre os mais utilizados temos a monoterapia com drogas de amplo espectro, como betalactâmicos + inibidores de betalactamase (ex.: amoxicilina-clavulanato, ampicilina-sulbactam) ou a combinação de uma cefalosporina de 3ª geração (ex.: ceftriaxone) ou uma quinolona (ex.: ciprofloxacina, levofloxacina) com metronidazol. A duração do tratamento é controversa, sendo classicamente recomendada por 7-10 dias.O tratamento definitivo é cirúrgico, através de colecistectomia. A via preferencial é a laparoscópica. As contraindicações absolutas à colecistectomia laparoscópica são: coagulopatia não controlada e cirrose hepática terminal. A morbimortalidade da colecistectomia para o tratamento da colecistite aguda é baixíssima, com mortalidade em torno de 0,1%, o que mostra a segurança do procedimento. Os pacientes que se apresentam com mais de 3-4 dias de evolução normalmente têm inúmeras aderências nas vias biliares, o que dificulta a ressecção. Em tais casos é preferível “esfriar” inicialmente o processo com antibioticoterapia parenteral (associada ou não a uma colecistostomia percutânea), e, 6-10 semanas após, proceder à colecistectomia semieletiva. Cerca de 20% dos doentes não respondem a esta abordagem conservadora e acabam necessitando de colecistectomia de urgência ainda na fase aguda. Uma opção de exceção é a colecistostomia, na qual a vesícula distendida é drenada com um cateter pigtail após punção percutânea guiada por imagem. COMPLICAÇÕES: 1 - Perfurações e Fístulas A perfuração normalmente se apresenta com um quadro geral mais exacerbado, principalmente com relação aos achados abdominais. 1- Perfuração livre para a cavidade peritoneal, com peritonite generalizada; 2- Perfuração localizada (contida por aderências), formando um abscesso pericolecístico; 3- Perfuração para dentro de uma víscera oca, através de uma fístula. A perfuração livre tem mortalidade de 25% e é o tipo menos comum – ocorre mais frequentemente no início do episódio agudo, em geral dentro dos três primeiros dias de evolução. Clinicamente, a perfuração livre se manifesta com febre alta, leucocitose importante, sinais de toxicidade proeminente e um quadro abdominal de peritonite difusa (defesa, irritação peritoneal etc.). O abdome é cirúrgico, e o tratamento para esta complicação consiste de antibioticoterapia venosa e colecistectomia de emergência. A perfuração localizada costuma aparecer na segunda semana e deve ser suspeitada por um aumento dos sinais locais, especialmente se aparecer uma massa que não existia quando do início do episódio agudo. 2 - Íleo Biliar É a obstrução do delgado por um cálculo biliar volumoso (mais de 2,5 cm) que foi parar no intestino através de uma fístula. Quando penetra no intestino, o cálculo desce até achar uma região suficientemente estreita para se impactar, e isso se dá mais comumente no íleo terminal. O cólon só será acometido caso esteja estenosado por alguma outra doença. O diagnóstico é dado na radiografia de abdome, pela associação de estigmas de obstrução intestinal (alças de delgado distendidas + níveis hidroaéreos) à presença de ar nas vias biliares (aerobilia) ou cálculo na luz intestinal. O tratamento inclui enterotomia proximal, com retirada do cálculo impactado. É recomendada a realização de uma colecistectomia no mesmo procedimento; Em pacientes muito idosos ou de risco cirúrgico elevado, pode ser recomendada enterotomia isolada e acompanhamento de eventuais sintomas biliares, em uma tentativa inicial de não realizar a colecistectomia. O íleo biliar é mais comum do que pode parecer, representando cerca de 25% dos casos de obstrução intestinal em pacientes com mais de 65 anos. 3 - Síndrome Álgica Pós-Colecistectomia Após uma colecistectomia, 10% dos pacientes continuam tendo sintomas significativos. Deve--se entender que, nestes pacientes, a doença calculosa não era a causa (ou pelo menos a causa única) de suas queixas pré-cirúrgicas. Ou seja, os pacientes tinham realmente colelitíase, mas tinham também outra condição associada que era a verdadeira responsável pelos sintomas. “Os pacientes com dor biliar típica são aliviados mais frequentemente por colecistectomia do que aqueles com dor atípica e sintomas vagos, como intolerância aos alimentos gordurosos, dispepsias ou flatulência”. Com demasiada frequência, as queixas pós- -colecistectomia podem ser atribuídas a uma doença que passara despercebida, como: coledocolitíase, pancreatite, úlcera péptica, síndrome do cólon irritável e doenças do esôfago. Aqueles que continuam com sintomas típicos de dor biliar, mesmo após a colecistectomia, podem estar apresentando uma patologia do esfíncter de Oddi, como discinesia e estenose. Entretanto, os clínicos devem continuar céticos quanto ao diagnóstico de estenose ampular, ou de discinesia, quando o principal achado consistir apenas de dor abdominal. O diagnóstico deve ser feito pela exclusão das causas mais comuns, e manometria do esfíncter de Oddi durante uma CPRE. Caso se comprove uma discinesia do esfíncter, o tratamento pode ser realizado com antiespasmódicos, anticolinérgicos, nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio. Se este esquema falha, pode--se pensar em esfincterotomia endoscópica. APENDICITE AGUDA É considerada a mais comum de abdome agudo não traumático. Mais encontrada entre os 10 e 30 anos de idade, com discreto predomínio no sexo masculino. ANATOMIA: O apêndice vermiforme é composto por uma estrutura tubular, alongada, de aproximadamente 2 a 20 cm de comprimento [média de 9 cm em adultos]. Tem origem na parede posteromedial do ceco, no local onde ocorre a confluência das tênias cólicas. Apresenta um mesoapêndice que lhe confere mobilidade e no qual encontramos a artéria e a veia apendiculares, ramos dos vasos ileocólicos Embora sua base, seja fixa, a ponta do apêndice pode ser encontrada em diversas localizações: Anterior: pélvico ou préileal Posterior: retrocecal ascendente e/ou subseroso; ou ainda Retroileal A localização mais comum é retrocecal, no interior da cavidade do peritônio. FISIOPATOLOGIA: A patogênese se correlaciona com a obstrução do lúmen apendicular, sendo a causa mais comum e a presença de um fecálito (pequeno agregado de fezes endurecidas). Hiperplasia dos folículos linfoides (de origem infecciosa) e outras condições como obstrução por áscaris, bário e corpos estranhos [ex: sementes e restos de vegetais], além de tumores [ex: carcinoide], são outras causas para a obstrução do lúmen apendicular e surgimento de apendicite. Devido a sua configuração anatômica, a obstrução apendicular evolui rapidamente para obstrução em alça fechada. A secreção luminal que se acumula leva à estase, fenômeno que tem como consequência supercrescimento bacteriano, com E. coli e B. fragilis os principais microrganismos identificados. O aumento da pressão intraluminal e a distensão do órgão comprometem não só o retorno venoso, mas também o suprimento arterial. Estes eventos resultam em um estado de isquemia que pode evoluir para necrose e perfuração. Na ausência de intervenção, a perfuração do apêndice gangrenado ocorre por volta de 48h do início dos sintomas. O intestino delgado e o omento podem bloquear a perfuração do órgão, formando um abcesso localizado [periapendicular]. Mas raramente, encontramos perfuração livre para a cavidade peritoneal e consequentemente peritonite difusa, com formação de múltiplos abcessos intraperitoneais [pelve, sub-hepático, subdiafragmático e entre alças], e choque séptico. Como explicar a dor da apendicite aguda? A distensão do órgão estimula fibras aferentes viscerais e produz dor periumbilical ou epigástrica mal definida (dor visceral), característica da fase inicial da apendicite. Algumas horas após, a dor torna-se referida no metâmero de origem embriológica comum (fossa ilíaca direita). Entretanto, somente quando o processo inflamatório ultrapassar a serosa e entrar em contato com o peritônio parietal ocorrerá estimulação da inervação aferente parietal, com a característica mudança do padrão da dor, agora bem localizada no quadrante inferior direito, intensa e acompanhada de descompressão dolorosa à palpação. QUADRO CLÍNICO: A apresentação característica da apendicite aguda inicia-se com um quadro de dor abdominalinespecífica, inicialmente em epigástrio ou mesogástrio, de moderada intensidade (às vezes com cólicas abdominais sobrepostas), que logo em seguida é tipicamente acompanhada por anorexia e náuseas. Aproximadamente 12 horas após o início dos sintomas, a dor passa a se localizar em fossa ilíaca direita, no ponto de McBurney. Este padrão clássico de migração da dor é o sintoma mais confiável para diagnosticarmos apendicite aguda. Acompanhando o quadro álgico, temos alteração do hábito intestinal (constipação mais frequente do que diarreia), vômitos e febre, que na ausência de complicações (como perfuração e formação de abscessos), raramente ultrapassa 38,3ºC. São descritas variações na apresentação clínica, “fugindo” dos sintomas clássicos já descritos. Alguns adultos não apresentam anorexia e podem até queixar-se de fome. Dependendo da posição da ponta do apêndice inflamado, sintomas atípicos podem ocorrer: quando próximo à bexiga ou ao ureter, por exemplo, podemos encontrar manifestações urinárias e hematúria microscópica. A apendicite pélvica, além dos sintomas urinários descritos, pode vir acompanhada de toque retal e exame ginecológico dolorosos. PERFURAÇÃO A perfuração do apêndice apresenta-se com dois quadros clínicos distintos: perfuração bloqueada, com formação de abscesso periapendicular, ou perfuração para o peritônio livre, com peritonite generalizada. No primeiro caso, o paciente pode se encontrar oligossintomático, queixando-se de algum desconforto em fossa ilíaca direita. Pode haver massa palpável (plastrão). No segundo caso, a dor abdominal é de grande intensidade e difusa, com presença de abdome em tábua (rigidez generalizada). Nestes casos a temperatura encontra-se muito elevada (39°C a 40°C), e o paciente pode evoluir para sepse. No exame físico, encontramos um paciente com doença aguda e geralmente imóvel no leito. Acha-se febril, com temperatura em torno de 38°C; no exame do abdome, notamos hipersensibilidade à palpação, sobretudo no ponto de McBurney, com defesa abdominal inicialmente voluntária e depois involuntária. Um dos achados mais precoces é a hipersensibilidade cutânea no quadrante inferior direito, percebida quando realizamos pinçamento da pele com o polegar e o indicador. 1. Blumberg – descompressão dolorosa indicando irritação peritoneal. 2. Rovsing – dor na fossa ilíaca direita quando se comprime a fossa ilíaca esquerda. 3. Lapinsky – dor à compressão da fossa ilíaca direita enquanto o paciente eleva o membro inferior esticado. 4. Lenander – diferencial das temperaturas axilar e retal maior do que um grau (isto é, a temperatura retal encontra-se mais elevada do que comumente é, quando comparada com a axilar). 5. Sinal do psoas – dor à extensão da coxa direita seguida de sua abdução, com o paciente deitado sobre o seu lado esquerdo. 6. Sinal do obturador – dor em região hipogástrica ao realizar a rotação interna e passiva da coxa direita flexionada com o paciente em decúbito dorsal. 7. Sinal de Dunphy – dor na fossa ilíaca direita que piora com a tosse. Apendicite em Situações Especiais A apendicite aguda tem uma apresentação clínica variável de acordo com a faixa etária acometida e condições subjacentes, como gravidez e imunossupressão. - Na criança, o quadro muitas vezes é atípico, sendo caracterizado por febre alta, letargia, vômitos mais intensos e episódios diarreicos mais frequentes. Por vezes, o diagnóstico é tardio, principalmente nas menores de dois anos, quando a apendicite é incomum. A progressão do processo inflamatório nessa faixa etária é mais rápida, ocorrendo uma taxa de perfuração maior do que nos jovens e nos adultos (entre 15 e 65%). O omento maior ainda é imaturo e incapaz de conter a perfuração, sendo a peritonite generalizada mais frequente. Estes fatores explicam a maior morbimortalidade neste grupo. - No idoso, assim como na criança, a doença é mais grave. A apresentação clínica é também atípica. A temperatura é menos elevada e a dor abdominal é mais insidiosa, ocasionando um diagnóstico tardio, com maior incidência de perfuração (maior ainda do que na criança) e, consequentemente, maior mortalidade. - Na gestante, é a emergência cirúrgica extrauterina mais comum, ocorrendo com maior frequência nos dois primeiros trimestres. O diagnóstico de apendicite, principalmente após o quinto mês de gravidez, apresenta dificuldades, decorrentes tanto do deslocamento do apêndice pelo útero gravídico (superior e lateralmente) como pelos próprios sintomas da gestação como náuseas, vômitos e dor abdominal. A avaliação do leucograma também não tem grande valor, já que é comum leucocitose em grávidas. O aumento da VHS também é considerado uma alteração fisiológica em gestantes. Sendo assim, uma grávida com apendicite aguda pode apresentar dor em hipocôndrio direito, por exemplo. As alterações laboratoriais da apendicite podem ser creditadas a modificações laboratoriais que ocorrem com a gravidez. Com isso, o diagnóstico se faz de forma tardia e o resultado é uma maior probabilidade do surgimento de complicações... A apendicectomia videolaparoscópica é mais bem indicada no segundo trimestre. Caso a apendicite ocorra em outros períodos da gestação, ainda se recomenda a abordagem aberta. - Nos pacientes com AIDS, hiperplasia linfoide e fecalito continuam sendo as condições mais frequentemente envolvidas com apendicite aguda. Apendicite Crônica ou Recorrente A apendicite crônica é representada por surtos de dor abdominal em fossa ilíaca direita, recorrentes, sem presença de irritação peritoneal. Os critérios diagnósticos incluem: a) História de mais de um mês com ataques recorrentes (três ou mais) de dor abdominal em quadrante inferior direito; b) Sensibilidade à palpação no quadrante inferior direito sem evidências de irritação peritoneal; c) Achados radiológicos no estudo baritado, que variam de preenchimento incompleto até a não visualização do apêndice após 24h do uso do contraste. O não esvaziamento de contraste do apêndice preenchido após 72h também é um importante sinal diagnóstico. Nesses casos, o aspecto tomográfico do apêndice é igual ao da apendicite aguda. O tratamento cirúrgico (apendicectomia) desta condição parece aliviar os sintomas da maioria dos pacientes. DIAGNÓSTICO: Tem como base história e exame físico somado ao uso eventual de alguns exames complementares, que não devem adiar de forma alguma intervenção cirúrgica oportuna. No exame clínico, em geral, observamos a seguinte cronologia no aparecimento dos sintomas: dor abdominal difusa – anorexia/náuseas/vômitos – migração da dor abdominal para a fossa ilíaca direita. Irritação peritoneal associada à dor em FID em paciente do sexo masculino traz forte suspeita clínica para o diagnóstico de apendicite, principalmente na presença de massa palpável (plastrão). Os exames laboratoriais demonstram leucocitose moderada (10.000 a 15.000 células/mm3) com neutrofilia e desvio à esquerda, presente em 75% dos casos. Contagens superiores a 20.000 células se relacionam a gangrena e perfuração. A sedimentoscopia eventualmente se encontra alterada, nos casos em que o apêndice se localiza próximo ao ureter ou à bexiga, ocorrendo hematúria e/ou piúria, mas sem bacteriúria. A radiografia simples pode ser útil na exclusão de algumas condições como litíase urinária por cálculo ureteral, obstrução intestinal de delgado e úlcera perfurada; todavia estas desordens raramente são confundidas com apendicite aguda. A Ultrassonografia (US) tem limitações se houver grande distensão abdominal ou o paciente for obeso. É um exame bastante útil em pacientes com diagnóstico duvidoso de apendicite aguda. Os critérios sonográficos incluem um apêndice não compressível (compressão exercida pelo transdutor) com 7 mm ou mais de diâmetro anteroposterior, presença de apendicolito, interrupçãoda ecogenicidade da submucosa e massa ou líquido periapendicular. Uma imagem ultrassonográfica que eventualmente é observada, conhecida como imagem em alvo, é altamente sugestiva de apendicite aguda. A Tomografia Computadorizada (TC) é o método de maior acurácia diagnóstica na apendicite aguda. Os achados sugestivos incluem inflamação periapendicular (abscesso, coleção líquida, edema, fleimão), espessamento do apêndice e distensão do órgão, com diâmetro anteroposterior maior do que 7 mm. O borramento da gordura mesentérica é achado tomográfico que traduz inflamação. Fecalitos podem ser identificados em até 50% dos casos. A TC possui sensibilidade de 90% e especificidade de 80% a 90% para o diagnóstico. Muitos autores recomendam a TC somente em casos duvidosos, sobretudo em idosos, onde o número de diagnósticos diferenciais é muito grande e uma apendicectomia não é isenta de complicações. Embora possuam sensibilidade e especificidade elevadas, os exames de imagem devem ser solicitados somente na presença de quadros clínicos duvidosos ou na suspeita de que outras condições possam justificar as manifestações apresentadas. Frente a um quadro clínico clássico, o diagnóstico de apendicite aguda continua sendo clínico. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: Diversas doenças podem mimetizar o quadro de abdome agudo por apendicite. As condições mais frequentes incluem: Linfadenite mesentérica Doença inflamatória pélvica (DIP) Ruptura de folículo ovariano Cisto ovariano torcido Gastroenterite aguda. A linfadenite mesentérica é a afecção mais frequentemente confundida com apendicite em crianças, sobretudo naquelas em idade escolar. Esta condição ocorre após episódio de infecção do trato respiratório superior ou seguindo-se a uma gastroenterite. O paciente geralmente apresenta dor abdominal em FID, com discreta defesa voluntária. Náuseas e vômitos são menos intensos do que na apendicite. Em aproximadamente 20% dos casos, a linfadenite mesentérica pode estar acompanhada de linfadenopatia generalizada. A US de abdome identifica linfonodos aumentados no mesentério do íleo, além de espessamento da parede ileal, com apêndice sem anormalidades. Em pré-escolares, doenças como a intussuscepção intestinal, a diverticulite de Meckel e as gastroenterites fazem diagnóstico diferencial com apendicite aguda. Na intussuscepção, a dor é em cólica, tem caráter intermitente e raramente encontramos sinais de peritonite. Muitas vezes eliminação de fezes sanguinolentas e oclusão intestinal se fazem presentes, o que facilita o diagnóstico. O divertículo de Meckel é a anomalia congênita mais comum do intestino delgado, estando localizado no íleo. Embora seja encontrado em poucas crianças, o sangramento ainda é sua complicação mais comum. Na inflamação aguda do divertículo, devido ao quadro clínico ser muito semelhante com a apendicite aguda, muitos cirurgiões dispensam exames complementares de imagem e realizam laparotomia acreditando se tratar de um quadro de inflamação apendicular aguda. Nas gastroenterites, náuseas e vômitos são mais precoces e intensos do que na apendicite aguda. A dor abdominal não costuma ser focal e não há sinais de irritação do peritônio. É importante lembrarmos que a presença de diarreia não afasta apendicite nesta faixa etária. Se uma criança com suspeita de gastroenterite evolui com piora de sua dor abdominal dentro de 12 a 24h do início do quadro, ela deve ser reavaliada por um cirurgião. Doenças ginecológicas e obstétricas em muitas situações impõem grandes dificuldades para o diagnóstico diferencial. A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é a mais frequente, sobretudo quando complicada por abscesso tubo-ovariano e salpingite. A diferenciação entre apendicite aguda e DIP pode ser bastante difícil, particularmente em mulheres sexualmente ativas, nas quais o diagnóstico correto é muitas vezes firmado somente após videolaparoscopia. Alguns dados clínicos podem sugerir a etiologia do quadro álgico. Na DIP, a dor é tipicamente bilateral e, geralmente, há história prévia de contato sexual recente ou uso de dispositivo intrauterino. Via de regra, a dor possui mais de dois dias de evolução e já se inicia difusamente no abdome inferior, sem a migração epigástrio – fossa ilíaca direita, típica da apendicite. Febre alta (> 38oC) é característica da DIP, enquanto os vômitos ocorrem com maior frequência na apendicite. Dor durante a mobilização do colo uterino é um dado que não nos auxilia, uma vez que pode ser encontrada em alguns casos de apendicite; todavia, a presença de leucorreia e o esfregaço revelando diplococos Gram-negativos selam praticamente o diagnóstico de DIP. Na rotura de folículo ovariano (de Graaf), a dor ocorre na metade do ciclo menstrual (mittelschmerz), em geral sem leucocitose e sem febre. A história clínica associada aos achados na US geralmente faz o diagnóstico. A torção de cisto ovariano provoca dor abdominal baixa intensa, apresentação que pode nos confundir com apendicite aguda. Todavia, a presença de massa anexial e as alterações observadas na US confirmam o diagnóstico. A prenhez tubária rota comprometendo a tuba direita se manifesta com dor intensa em FID, normalmente acompanhada de distensão abdominal. Um dado que nos fala a favor desta complicação é a apresentação clínica, que é subaguda na maioria dos casos. A paciente costuma estar descorada, devido à anemia, e eventualmente apresenta lipotímia. A dosagem de beta--HCG somada à US selam o diagnóstico. Em adolescentes e adultos, algumas desordens inflamatórias do aparelho digestivo fazem diagnóstico diferencial com apendicite aguda. A ileíte da doença de Crohn cursa com dor em FID, febre e raramente causa diarreia. Muitas vezes o caráter recorrente dos sintomas e a perda ponderal que alguns pacientes apresentam, nos ajudam a diferenciar esta condição da apendicite. A diverticulite aguda à direita (cólon direito) complicando a doença diverticular do cólon não é um achado comum, mas quando se encontra presente pode mimetizar a apendicite. O início insidioso, com piora da dor ao longo de dias, além do envolvimento de uma região mais extensa do quadrante inferior direito, nos fala a favor de diverticulite. Todavia é a TC de abdome que confirmará o diagnóstico. Úlcera péptica perfurada raramente faz diagnóstico diferencial com apendicite; contudo, alguns pacientes apresentam dor em FID pela drenagem postural de suco gástrico pela goteira parietocólica direita. O início súbito, em minutos, e a TC confirmando o pneumoperitônio facilmente nos orientam para o diagnóstico correto de úlcera perfurada. Pielonefrite aguda e litíase urinária entram também no rol dos diagnósticos diferenciais de apendicite aguda. No primeiro caso, febre alta e calafrios e percussão lombar dolorosa geralmente não nos deixam dúvidas. Os pacientes com infecção urinária alta usualmente não possuem a sequência de manifestações da apendicite. Em pacientes com cálculos urinários sintomáticos, não observamos também o caráter migratório da dor e, além disso, não há descompressão dolorosa à palpação do abdome. A TC é o padrão-ouro para o diagnóstico de litíase. TRATAMENTO: É sempre cirúrgico e deve ser o mais precoce possível, respeitando-se o tempo necessário para administração de líquidos parenterais. Em pacientes com quadros não complicados, uma pequena quantidade de solução cristaloide é suficiente para corrigirmos um déficit discreto de volume antes da anestesia geral. Nos casos de apendicite perfurada, uma grande quantidade de líquidos é infundida antes do ato anestésico. Em casos onde não houve perfuração do apêndice, antibióticos com cobertura para germes Gram-negativos e anaeróbios são administrados em apenas uma dose. Esta medida é suficiente para prevenção de infecção de sítio cirúrgico. Na presença de gangrena ou perfuração, a administração de antimicrobianos deve continuar no pós-operatório até o paciente ficar afebril. Podemos optar tanto pela cirurgia convencional, aberta, quanto pela videolaparoscopia. Contudo, alguns estudos têm demonstrado que a videolaparoscopia é um método mais aceitável em indivíduos obesos, reduzindo dor pós-operatória e tempo de internação, e também em casos de apendicite perfurada (com bloqueio), com menor probabilidade de infecção de sítio cirúrgico. Não podemos esquecer que este método é o de escolha quando existe dúvida diagnóstica. Embora ambos os métodos sejam aceitáveis, muitos serviços optam pela videolaparoscopia em casos de apendicite aguda acometendo mulheres jovens em idade fértil, obesos e em situações de dúvida diagnóstica. Em casos de perfuração não bloqueada do apêndice, com peritonite difusa, a laparotomia é a incisão recomendada. Esses pacientes graves requerem antes da cirurgia grande quantidade de solução cristaloide para ressuscitação volêmica. A conduta operatória inclui lavagem exaustiva da cavidade somada à antibioticoterapia sistêmica. Em aproximadamente 2% a 5% dos casos de apendicite, os pacientes se apresentam à sala de emergência tardiamente, com início dos sintomas há mais de cinco dias. Encontramos no exame físico massa abdominal palpável, o que sugere a formação de plastrão; este pode ser tanto fleimão (inflamação supurativa de tecido celular subcutâneo profundo) quanto abscesso. Os abscessos ocorrem quando a perfuração do apêndice é bloqueada pelo epíplon ou estruturas próximas; as coleções grandes costumam se manifestar também com febre alta e calafrios. A conduta inclui internação hospitalar e realização de TC ou US para confirmação de nossa suspeita. Após início de antibioticoterapia sistêmica, caso a lesão seja maior do que a 4 a 6 cm (abscessos grandes) ou o paciente apresente febre alta, a drenagem do abscesso guiada por método de imagem deve ser empreendida. Em abscessos menores e na presença de fleimão, a conduta pode ser inicialmente apenas a antibioticoterapia, com reavaliações frequentes. O tratamento clínico com antimicrobianos deve ser mantido por, pelo menos, uma a duas semanas. Apendicectomia Incidental A apendicectomia incidental representa a ressecção de um apêndice de aspecto saudável durante cirurgia aberta ou mediante videolaparoscopia. Existem determinadas situações, principalmente quando a laparotomia é realizada para esclarecimento de um abdome agudo, em que a ressecção de um apêndice não comprometido é aconselhável. Mulheres com dor pélvica crônica devem ter seu apêndice ressecado caso elas se submetam a um procedimento cirúrgico diagnóstico ou terapêutico para alguma outra condição. Com essa conduta, novos episódios álgicos não poderão ser atribuídos a uma apendicite aguda. A mesma conduta se aplica para casos de intussuscepção intestinal. A apendicectomia incidental é recomendada para pacientes com doença de Crohn que se submetem à laparotomia (geralmente por complicações da doença). Nesses pacientes, a ausência do apêndice afastará com segurança uma apendicite aguda como causa de dor em quadrante inferior direito do abdome que estes indivíduos possam vir a apresentar no futuro. COMPLICAÇÕES: Infecção de sítio cirúrgico manifesta como abscesso de parede, representa a complicação pós-operatória mais frequente da apendicectomia; sua incidência é elevada quando há gangrena ou perfuração apendicular. Na técnica videolaparoscópica, observamos uma menor incidência desta condição. Devemos suspeitar de abscesso intracavitário na presença de febre acompanhada de ferida operatória de aspecto normal. Nesta situação, TC de abdome deve ser solicitada. Outras complicações encontradas incluem deiscências de planos da parede abdominal, com evisceração ou eventração, hérnias incisionais, fístulas (enterocutâneas e enterovesi-cais) e pileflebite. A pileflebite é definida como uma tromboflebite séptica da veia porta (ou de uma de suas tributárias), geralmente secundária a uma supuração localizada em território de drenagem do sistema portal (mais comumente uma diverticulite ou uma apendicite). Os pacientes se apresentam com febre alta, calafrios e icterícia; evidências de hipertensão porta por trombose portal eventualmente são encontradas. DIVERTICULITE AGUDA Diverticulite é um termo utilizado para designar a macro ou microperfuração de um divertículo, que tanto pode ter repercussões clinicas limitadas, quanto potencialmente levar a abscesso, obstrução, formação de fistulas e peritonite. A causa provável da inflamação diverticular do cólon é, como já dito, mecânica: restos do conteúdo luminal se alojam em seu interior endurecem, formando fecalitos que acabam comprometendo o suprimento sanguíneo da frágil parede do divertículo [composta apenas de mucosa e serosa]. Surgem com isso as perfurações, que geram um processo inflamatório pericolônico, na maioria das vezes bloqueado por deflexões do peritônio (peridiverticulite). Apesar do curso normalmente benigno, a infecção e o processo inflamatório podem levar a: Extensão local do processo infeccioso e formação de abscessos mesentéricos e pericólicos; Adesão a órgãos adjacentes, gerando fístulas; Macro-perfuração livre para a cavidade peritoneal, determinando peritonite generalizada; Com a inflamação repetida a parede intestinal se espessa, gerando obstrução progressiva. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Nos casos graves, a diverticulite aguda se caracteriza por febre, leucocitose, dor abdominal baixa (sigmoide), que piora com defecação, e sinais de irritação peritoneal: defesa e dor à descompressão. A dor e a hipersensibilidade local ocorrem mais comumente no quadrante inferior esquerdo, pois os divertículos são mais numerosos neste local. Entretanto elas podem ocorrer à direita, simulando apendicite aguda. Dor em cólica com distensão abdominal sugere obstrução intestinal (por aderências). A dor associada à micção e à pneumatúria sugere fístula vesical. A fístula mais comumente encontrada na diverticulite se estabelece com a bexiga (colovesical). Ao exame, frequentemente pode ser palpada uma massa no quadrante inferior esquerdo. Se a diverticulite for próxima ao reto, o toque retal pode demonstrar uma massa dolorosa. Em resumo: A diverticulite deve ser suspeitada em todo paciente que desenvolva dor em QIE, que piora com defecação, e que eventualmente está associada com sinais de irritação peritoneal e alterações do trânsito intestinal. Ao exame, o paciente pode estar com febre, e pode haver massa palpável no local da dor. O laboratório mostra leucocitose neutrofílica e aumento de marcadores de fase aguda, como a proteína C reativa. DIAGNÓSTICO: A dor e a hipersensibilidade em baixo ventre, associadas a distúrbios da função intestinal, levam a três hipóteses diagnósticas: carcinoma de cólon, doença intestinal inflamatória e diverticulite. Nesta situação, é fundamental a realização de uma endoscopia baixa para exclusão dos diagnósticos diferenciais. Quando o quadro é mais pronunciado e se suspeita especificamente de diverticulite aguda, o procedimento diagnóstico ideal é a Tomografia Computadorizada de Abdome e Pelve com Contraste IV. Esta demonstra o sigmoide com paredes espessadas (> 4 mm) e revela a presença de abscessos peridiverticulares, fístulas e coleções líquidas intra- abdominais. O clister opaco e, principalmente, a endoscopia digestiva baixa podem levar à macroperfuração livre de um divertículo, com consequências catastróficas. Logo, tais métodos devem ser evitados na suspeita de diverticulite aguda! Eles deverão ser feitos, no entanto, 4-6 semanas após resolução do processo inflamatório, a fim de excluir, como vimos, os principaisdiagnósticos diferenciais (Ca de cólon, DII). A ultrassonografia tem eficácia reduzida pela frequente presença de distensão de alças de delgado e pequeno volume de alguns abscessos. Em muitos pacientes, a distorção causada pela inflamação impede a diferenciação correta entre o câncer e a diverticulite, podendo ser necessária a extração cirúrgica para o diagnóstico correto. Conduta na Diverticulite Não Complicada A severidade do processo inflamatório é que vai determinar o tratamento da diverticulite. Pacientes com sintomas mínimos e poucos sinais de inflamação podem ser tratados no domicílio. Uma dieta líquida sem resíduos e um esquema antibiótico oral, com espectro para bastonetes Gram-negativos e anaeróbios, é recomendado por sete a dez dias (ex.: amoxicilina + clavulanato; ciprofloxacina + metronidazol). Doentes que exibem sinais de inflamação exuberante, com febre, leucocitose com desvio, descompressão dolorosa em flanco e fossa ilíaca esquerda e região suprapúbica merecem ser internados. Nestes, o tratamento consiste em dieta zero com repouso intestinal, hidratação venosa e antibioticoterapia parenteral. O emprego de meperidina como analgesia pode ser útil devido a seu efeito em relaxar a musculatura lisa do cólon (a morfina é contraindicada por aumentar a pressão intracolônica). Em pacientes que não complicam, notamos uma melhora das manifestações em 48 a 72h. estes podem receber alta e completar o esquema antibiótico com fármacos orais em casa. Após 4-6 semanas do término de tratamento, torna-se necessária uma avaliação do intestino grosso, cujo objetivo é excluir neoplasia colorretal. Essa avaliação se faz, preferencialmente, através de uma colonoscopia. Após o primeiro episódio de diverticulite no qual não houve necessidade de tratamento cirúrgico, a grande maioria dos pacientes pode ser acompanhada clinicamente. Devemos prescrever uma dieta rica em fibras (pelo menos 30 g/dia), podendo associar suplementos (ex.: Psyllium, metilcelulose). Como a incidência de complicações da doença diverticular parece estar aumentada em tabagistas, recomenda-se abstenção do cigarro em todos os casos. Em geral, cerca de 1/3 dos pacientes que tiveram um episódio de diverticulite aguda não complicada apresentarão um segundo episódio no futuro e, destes, cerca de 1/3 terá um terceiro episódio. Até pouco tempo atrás se acreditava que tais indivíduos (que fazem diverticulite não complicada “de repetição”) estariam sob risco progressivamente maior de desenvolver complicações da doença a cada novo episódio, porém, estudos recentes mostraram que isso não é verdade. RESUMO DAS INDICAÇÕES DE TTO CIRÚRGICO São indicações de tratamento cirúrgico DE URGÊNCIA na diverticulite: 1 - Peritonite generalizada por ruptura de abscesso ou divertículo; 2 - Obstrução intestinal total refratária. Os demais pacientes com diverticulite irão receber algum tipo de tratamento clinico antes de uma colectomia. SÃO INDICAÇÕES DE TRATAMENTO CIRÚRGICO ELETIVO NA DIVERTICULITE: 1 - Falha da terapêutica clínica na diverticulite não complicada; 2 - Após um primeiro episódio de diverticulite complicada com abscesso; 3 - Doença diverticular complicada com fístula colovesical; 4 - Doença diverticular complicada com obstrução parcial persistente; 5 - Impossibilidade de excluir carcinoma de cólon; 6 - Após primeiro episódio de diverticulite em imunodeprimidos (ex.: DRC, câncer, doenças autoimunes em uso de drogas imunossupressoras). Conduta na Diverticulite Complicada Existem quatro complicações possíveis na evolução de uma diverticulite: abscesso, obstrução, formação de fístulas e perfuração livre com peritonite generalizada. Repare que não se espera a ocorrência de sangramento na vigência de diverticulite aguda. Todas deverão ser abordadas cirurgicamente, independentemente de ser o primeiro episódio ou não da doença. A classificação tomográfica de Hinchey estratifica o estágio evolutivo (e a gravidade) das diverticulites complicadas. Os abscessos pericólicos e intramesentéricos localizados são acompanhados de sinais clínicos de irritação peritoneal restrita. Taquicardia e leucocitose encontram-se presentes e possuem correlação direta com o grau de inflamação. A detecção da coleção purulenta pela tomografia computadorizada, seguida de sua drenagem percutânea guiada pelo próprio método, veio transformar esta situação de uma condição cirúrgica, antigamente emergencial, em semieletiva. Abscessos pequenos (< 2-3 cm) respondem à antibioticoterapia isolada, sem necessidade de drenagem. Após cerca de seis semanas da drenagem (abscessos grandes) ou resolução com tratamento clínico (abscessos pequenos), um procedimento cirúrgico definitivo é realizado. A peritonite purulenta (decorrente da ruptura de um abscesso pericólico) e a peritonite fecal (macroperfuração livre do divertículo), são as complicações mais graves, e demandam ressuscitação volêmica, antibioticoterapia e cirurgia de urgência. A conduta ideal consiste na ressecção cirúrgica do segmento doente associado à lavagem da cavidade abdominal, o que pode ser feito por meio de laparotomia ou (se possível) laparoscopia. As fístulas colovesicais (mais comuns) manifestam-se com infecção urinária associada à pneumatúria. O achado de espessamento colônico + divertículos + ar na bexiga à TC corroboram o diagnóstico. É importante termos em mente que, nesses casos, a intervenção cirúrgica, embora necessária, não é emergencial. Devemos primeiro controlar o quadro infeccioso e em seguida preparar adequadamente o sigmoide. A obstrução acomete mais comumente o intestino delgado, por aderências ao abscesso, e quando isso ocorre a melhor abordagem é drenagem nasogástrica descompressiva + antibioticoterapia. A indicação cirúrgica fica reservada às obstruções totais refratárias. Quais são as cirurgias empregadas no tratamento da diverticulite? Em situações que nos permitam indicar uma intervenção eletiva, o procedimento de escolha é a ressecção do sigmoide com anastomose primária terminoterminal por sutura manual ou com auxílio do grampeador cirúrgico. As ressecções em situações emergenciais são geralmente realizadas em dois tempos. Em caso de necessidade de ressecção em dois tempos dispomos de três modalidades: 1- Sigmoidectomia com colostomia terminal e fístula mucosa; 2- Sigmoidectomia com colostomia terminal e fechamento do coto retal (cirurgia de Hartmann); 3- Anastomose primária com proteção desta anastomose (derivação protetora) feita através de uma ileostomia ou transversostomia. A opção mais usada é a de Hartmann. Um tema que vem ganhando destaque é a lavagem laparoscópica do peritônio em pacientes que se apresentam com diverticulite Hinchey III (peritonite purulenta). Nesta situação o colo do divertículo perfurado encontra-se fechado, isto é, o que ocorre é a ruptura de um abscesso previamente formado, disseminando pus pela cavidade peritoneal sem que haja vazamento contínuo de material fecal. Assim, teoricamente, não é preciso ressecar o segmento colônico doente com urgência, podendo-se apenas “lavar a cavidade”, removendo o pus extravasado, seguido da colocação de dreno na loja do abscesso inicial (um procedimento mais rápido e de menor morbimortalidade perioperatória do que a cirurgia de Hartmann). A sigmoidectomia seria realizada num segundo momento, com o paciente clinicamente estabilizado! Na diverticulite Hinchey IV não tem jeito: como se trata de macroperfuração livre do divertículo (com vazamento ininterrupto de material fecal para o peritônio), o tratamento envolve ressecção emergencial do segmento acometido, aliado à lavagem exaustiva da cavidade. PANCREATITE AGUDA A pancreatite aguda é definida como uma condição inflamatória aguda do pâncreas, com acometimento variável das estruturas peripancreáticas e órgãos à distância, cuja gênesedepende da autodigestão tecidual pelas próprias enzimas pancreáticas. Nos casos mais graves, a pancreatite aguda se comporta como uma doença multissistêmica e leva à Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), com alta letalidade. A pancreatite aguda caracteristicamente não deixa sequelas pancreáticas – morfológicas ou funcionais – após a resolução do quadro. Cerca de 80-90% dos casos de pancreatite aguda cursam apenas com edema do pâncreas, sem áreas extensas de necrose, sem complicações locais ou sistêmicas e de curso autolimitado em 3-7 dias. Esta é a pancreatite aguda edematosa ou intersticial, ou ainda, pancreatite aguda “leve”. Os 10-20% restantes cursam com extensa necrose parenquimatosa, hemorragia retroperitoneal, um quadro sistêmico grave e uma evolução de 3-6 semanas. Esta é a pancreatite aguda necrosante ou necrohemorrágica, ou ainda, pancreatite aguda “grave”. Enquanto a letalidade da pancreatite aguda edematosa aproxima-se a 1%, na pancreatite aguda necrosante ela chega a 30-60%. ANATOLOGIA, PATOGÊNESE E ETIOLOGIA: Na pancreatite aguda, o patologista detecta uma reação inflamatória aguda difusa do pâncreas, associada a áreas de necrose gordurosa (marco da doença), tanto ao longo do parênquima do órgão quanto nos tecidos peripancreáticos, incluindo o mesentério e o omento. Nos casos mais graves, formam-se extensas áreas de necrose glandular, com ruptura vascular e focos de hemorragia. Os achados patológicos indicam um processo “autodigestivo” do pâncreas. O pâncreas funciona como uma grande glândula exócrina e endócrina: suas células acinares são responsáveis pela função exócrina, sintetizando e secretando as enzimas pancreáticas, fundamentais para a digestão dos alimentos no tubo digestivo. As células das Ilhotas de Langerhans têm função endócrina, sintetizando e secretando hormônios como a insulina, o glucagon e a somatostatina. Com exceção da amilase e da lipase, as demais enzimas pancreáticas são armazenadas e secretadas como pró- enzimas inativas – os zimogênios. Os principais exemplos são: tripsinogênio, quimotripsinogênio, pró-elastase, pró-fosfolipase A. Ao chegar ao duodeno, o tripsinogênio é convertido em tripsina pela enteroquinase, uma enzima proteolítica existente na “borda em escova” do epitélio intestinal. A tripsina é o “gatilho” para o restante do processo digestivo, pois é capaz de ativar todas as outras enzimas pancreáticas, incluindo o próprio tripsinogênio. Nesse momento, forma-se uma grande quantidade de tripsina, quimotripsina, elastase e fosfolipase A (entre outras enzimas). O que acontece na pancreatite aguda? Ainda não se tem certeza do mecanismo patogênico inicial da pancreatite aguda, embora existam algumas hipóteses aceitas – sabemos que o processo inflamatório se inicia pela lesão das células acinares, que passam a liberar enzimas pancreáticas ativas para o interstício. A teoria mais aceita atualmente, um estímulo lesivo à célula acinar provoca a fusão dos grânulos contendo zimogênio com as vesículas lisossomais, que contêm a enzima catepsina B. Esta hidrolase é capaz de converter o tripsinogênio em tripsina dentro da célula acinar, culminando na ativação de todos os zimogênios. As vesículas de fusão, em vez de migrarem para a borda luminal da célula, migram para a borda intersticial, sendo liberadas no estado ativo no interstício pancreático, dando início ao processo autodigestivo. Essa hipótese é denominada “teoria da colocalização lisossomal”. Tal mecanismo é reproduzível no laboratório, em animais. Um aumento na concentração intracelular de cálcio também parece capaz de promover a autoativação do tripsinogênio em tripsina, participando na gênese da pancreatite. As enzimas fosfolipase A e lipase são as responsáveis pela autodigestão da gordura pancreática e peripancreática. Os ácidos graxos liberados neste processo formam complexos com o cálcio (saponificação), contribuindo para a hipocalcemia da pancreatite. A enzima elastase é a responsável pela lesão do tecido intersticial e pela ruptura da parede vascular. Hoje em dia, sabe-se que a lesão enzima-induzida é apenas o evento inicial de uma cascata de fatores. A tripsina converte a pré-calicreína em calicraína, ativando o sistema de cininas, e o fator XII (fator de Hageman) em fator XIIa, ativando o sistema da coagulação pela via intrínseca (responsável pela formação de microtrombos nos vasos pancreáticos, que podem contribuir para a necrose). Por ser interligado ao sistema de cininas e o fator XII, o sistema complemento também é ativado, atraindo para o local neutrófilos e macrófagos, que, por sua vez, produzem novos mediadores inflamatórios, como o PAF (Fator Ativador Plaquetário) e diversas citocinas, como IL-1, TNF-alfa, IL-6 e IL-8. Um exagero neste processo leva à SIRS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica). DANO À MICROCIRCULAÇÃO – A liberação de enzimas ativadas no interstício do pâncreas acaba lesando o endotélio vascular assim como as células acinares. Alterações microcirculatórias, como microtrombose, vasoconstrição, estase capilar, redução da saturação de oxigênio e isquemia progressiva ocorrem. Tais fenômenos produzem um aumento na permeabilidade capilar e edema da glândula. A lesão vascular pode levar à insuficiência microcirculatória e amplificação do dano ao tecido pancreático. TRANSLOCAÇÃO BACTERIANA – A translocação bacteriana é fenômeno que ocorre na pancreatite aguda. A quebra da barreira intestinal é ocasionada pela hipovolemia (e isquemia) e por shunts arteriovenosos induzidos pela pancreatite. A principal via de translocação bacteriana é através do cólon transverso, uma vez que este segmento intestinal está próximo ao pâncreas e pode ser afetado pelo processo inflamatório peripancreático. As consequências da translocação bacteriana podem ser letais. A infecção de tecido pancreático e peripancreático ocorre em cerca de 30-40% dos casos de pancreatite aguda grave e traz uma letalidade altíssima, quando não tratada adequadamente. As causas mais comuns de pancreatite aguda são a litíase biliar e o álcool, responsáveis por cerca de 75% dos casos. Embora não se conheça exatamente o mecanismo pelo qual esses dois fatores desencadeiam pancreatite aguda, algumas hipóteses foram aventadas. PANCREATITE AGUDA BILIAR: A passagem de cálculos biliares através da ampola de Vater parece ser a causa mais comum de pancreatite aguda. Estes cálculos geralmente são pequenos (< 5 mm), sendo menores do que aqueles que causam coledocolitíase e colangite, embora estas complicações possam coexistir com a pancreatite. Cerca de 25-50% dos pacientes com pancreatite aguda biliar apresentam coledocolitíase associada, na maioria das vezes assintomática. A hipótese mais aceita atualmente é de que a obstrução transitória da ampola de Vater por um pequeno cálculo ou pelo edema gerado por sua passagem aumente subitamente a pressão intraductal e estimule a fusão lisossomal aos grânulos de zimogênio, ativando a tripsina. Isso provocaria a liberação de enzimas digestivas pancreáticas ativadas no parênquima. Outra hipótese aventada é que essa obstrução proporcionaria a ocorrência de refluxo biliar para o ducto pancreático, desencadeando o processo de ativação enzimática. Ao contrário da pancreatite alcoólica, a pancreatite biliar não se associa à pancreatite crônica. A colecistectomia previne as frequentes recidivas de pancreatite aguda nesses pacientes. A pancreatite biliar é mais comum: No sexo feminino (2:1); Obesos e na faixa etária entre 50-70 anos, dados próprios da doença litiásica biliar em geral. Entretanto, pode ocorrer em qualquer idade e em qualquer tipo físico. A pancreatite aguda complica 3-7% dos indivíduos com colelitíase. PANCREATITE AGUDA ALCOÓLICA: A pancreatite aguda é observada em 5-10% dos alcoólatras, competindo com a pancreatitebiliar pelo primeiro lugar entre as causas de pancreatite aguda. Em geral, o indivíduo já é etilista inveterado (> 25 g etanol/dia segundo estudos recentes e > 100 g/dia classicamente) há pelo menos uns cinco anos (média de 15 anos) e já existe um acometimento crônico do pâncreas, mesmo que subclínico. A pancreatite alcoólica crônica é marcada por vários episódios recorrentes de pancreatite aguda, em geral, desencadeados após libação alcoólica. A patogênese da pancreatite aguda alcoólica é desconhecida, mas diversos fatores são implicados: 1 - Estímulo direto à liberação de grandes quantidades de enzimas pancreáticas ativadas; 2 - Contração transitória do esfíncter de Oddi; 3 - Lesão tóxica acinar direta do etanol ou de um metabólito; 4 - Formação de cilindros proteináceos que obstruem os dúctulos (ver pancreatite crônica). Além da litíase biliar e do alcoolismo, existem diversas outras causas de pancreatite aguda, responsáveis pelos 25% restantes. Dentro desse grupo merece destaque a “pancreatite aguda idiopática” que, na realidade, em grande parte das vezes está relacionada à microlitíase biliar. HIPERTRIGLICERIDEMIA: A hipertrigliceridemia é responsável por < 4% das pancreatites agudas. A maioria dos casos ocorre em pacientes diabéticos mal controlados e/ou com hipertrigliceridemia familiar e em alcoolistas. Acredita-se que a lipase pancreática metabolize os triglicérides em ácidos graxos livres que, por sua vez, seriam diretamente nocivos ao tecido pancreático. Outras causas de hipertrigliceridemia são: Uso de estrogênio Nutrição parenteral Uso de propofol Hipotireoidismo Síndrome nefrótica Os níveis exatos de triglicérides necessários para induzir PA não são conhecidos. Geralmente níveis maiores que 1.000 mg/dl são necessários, mas há relatos de pancreatite com 500-1.000 mg/dl. OBS.: A hipertrigliceridemia acentuada pode falsear o resultado da amilase sérica, pois uma substância inibidora da atividade da amilase se eleva junto com os triglicerídeos. A diluição da amostra pode revelar a hiperamilasemia nesses casos. HIPERCALCEMIA O hiperparatireoidismo primário é causa rara de pancreatite (menos que 0,5%). Cerca de 2% dos pacientes com esta síndrome endócrina podem evoluir com tal complicação. Outras causas de hipercalcemia podem determinar pancreatite, até mesmo a infusão excessiva de gluconato de cálcio. O mecanismo é desconhecido. PÓS-OPERATÓRIO A pancreatite aguda pode ocorrer no pós-operatório de cirurgias abdominais e cirurgias cardíacas (pelo efeito da CEC). A incidência depende do tempo de cirurgia e do grau de proximidade entre o pâncreas e o local operado. Nas cirurgias abdominais, o mecanismo é o trauma direto, sendo o prognóstico muito ruim quando comparado com outras causas de pancreatite. O diagnóstico é difícil, pois a dor abdominal é comum no pós- operatório. INDUZIDA POR FÁRMACOS A pancreatite causada por medicamentos é um evento incomum. A patogenia pode estar relacionada à hipersensibilidade ou a um efeito tóxico direto. O diagnóstico depende de alto grau de suspeição e anamnese detalhada. A classe de drogas mais associada com a pancreatite aguda são os imunossupressores, incluindo a azatioprina, 6- mercaptopurina, ciclosporina e tacrolimus. Nos pacientes HIV positivos, a principal causa de pancreatite é a induzida por medicamentos, principalmente a didanosina (DDI) e a pentamidina. Outras drogas envolvidas são: antibióticos (metronidazol, SMZ-TMP, tetraciclina), diuréticos (tiazídicos, furosemida), drogas usadas nas doenças inflamatórias intestinais (sulfasalazina, 5-ASA), anticonvulsivantes (ácido valproico), anti-inflamatórios (sulindac), anti- -hipertensivos (metildopa, IECA, clonidina), cálcio, estrógenos e tamoxifeno. Litíase biliar e álcool são as principais causas de pancreatite aguda, respondendo por cerca de 75% dos casos. Contudo, enquanto o álcool também pode provocar pancreatite crônica, o mesmo não acontece com os cálculos biliares, que causam exclusivamente doença aguda! Outras Causas 1- Trauma Abdominal: principal causa de pancreatite aguda em pacientes pediátricos. 2- Pancreatite Aguda Hereditária. 3- Fibrose Cística. 4- Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada (CPER). 5- Viroses: caxumba, coxsackie, hepatite B, citomegalovírus, varicela-zóster, herpes simples. 6- Bacterianas (micoplasma, legionela, leptospira, salmonela, tuberculose, brucelose, etc.) e Fúngicas (Aspergillus sp., Candida sp.) 7- Infestações Parasitárias: o destaque em nosso meio é o Ascaris lumbricoides, que pode obstruir transitoriamente a ampola de Vater, causando pancreatite aguda. Outros parasitas implicados são: T. gondii, Cryptosporidium. 8- Obstrução Ductal Crônica (cisto de colédoco, divertículo, pancreatite crônica, Ca pâncreas, adenoma viloso, doença de Crohn e outros). 9- Vasculite (PAN, LES), outras causas de isquemia pancreática. 10- Pancreas Divisum, Pâncreas Anular. 11- Envenenamento por escorpião (Titius sp., o “escorpião brasileiro”). “PANCREATITE AGUDA IDIOPÁTICA” Cerca de 20% dos pacientes com pancreatite aguda encontram-se neste grupo. Hoje em dia, são descritas duas entidades que parecem ser responsáveis por grande parte das pancreatites agudas neste grupo: (1) Microlitíase Biliar – 2/3 dos casos; (2) Disfunção do Esfíncter de Oddi – 1/3 dos casos. MICROLITÍASE BILIAR (“LAMA BILIAR”): “lama biliar” é uma suspensão viscosa na vesícula biliar que pode conter cálculos microscópicos. Na USG, parece como um agrupamento de ecos de baixa amplitude, sem sombra acústica, “repousando” no fundo da vesícula e mudando de local conforme a posição do paciente. Alguns estudos sugeriram que até 75% dos casos de pancreatite aguda “idiopática” podem ser ocasionados, na realidade, pela lama biliar. O uso de ácido ursodesoxicólico reduz a recorrência desses episódios. Outras opções são a papilotomia endoscópica e a colecistectomia. DISFUNÇÃO DO ESFÍNCTER DE ODDI: pode ser diagnosticada pela mensuração da pressão intraesfincteriana, através da canulização da Papila de Vater (guiada pela endoscopia). A pressão do esfíncter, que normalmente fica em torno de 15 mmHg, costuma ser flagrada em níveis próximos a 40 mmHg. O tratamento preconizado é a papilotomia endoscópica ou a esfincteroplastia cirúrgica, com resultados razoáveis. Reveja mais uma vez as causas de pancreatite aguda, agora reunidas na Tabela 1. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Pancreatite aguda é uma importante causa de dor abdominal aguda associada a vômitos. Uma vez que a clínica da doença pode ser similar à de numerosas outras patologias agudas, é difícil o diagnóstico basear-se somente em sintomas e sinais clínicos. A doença varia em severidade e o diagnóstico é, muitas vezes, falho nos extremos da apresentação. Os principais sintomas da pancreatite aguda são a DOR ABDOMINAL, as NÁUSEAS e os VÔMITOS. Quase todos os pacientes experimentam dor abdominal aguda em andar superior de abdome. A dor é contínua e pode se localizar em mesogástrio, quadrante superior direito, ser difusa ou, raramente, à esquerda. Uma característica da dor, que está presente em metade dos pacientes e que sugere origem pancreática, é a disposição em barra e a irradiação para o dorso. Normalmente precisa de analgésicos opiáceos para o seu controle. Ao contrário da dor biliar que permanece, no máximo, de 6 a 8 horas, a dor pancreática se mantém por dias. A progressão da dor é rápida (mas não tão abrupta quanto aquela da perfuração visceral), atingindo intensidade máxima dentro de 10 a 20 minutos. Pancreatite aguda com ausência de dor não é comum (5- - 10%), mas pode ser complicada e fatal. Um aspecto interessante é o fato de os sintomas na pancreatite aguda relacionada ao álcool frequentemente aparecerem após um ou três dias de uma libação alcoólica intensa.A dor abdominal é tipicamente acompanhada (cerca de 90%) de náuseas e vômitos que podem persistir por várias horas. Os vômitos podem ser incoercíveis e, em geral, não aliviam a dor; podem estar relacionados à dor intensa ou a alterações inflamatórias envolvendo a parede posterior do estômago. Inquietação, agitação e alívio da dor em posição de flexão anterior do tórax (genupeitoral) são outros sintomas notados. Pacientes com ataque fulminante podem apresentar-se em estado de choque ou coma. O exame físico varia na dependência da gravidade da doença. Achados sistêmicos incluem febre, sinais de desidratação, taquicardia e, em casos mais graves, choque e coma. Na pancreatite necrosante, o paciente pode se apresentar em mau estado geral, toxêmico, pálido, hipotenso, taquicárdico (100-150 bpm), taquipneico (pela dor ou pelo acometimento pulmonar), febril (38,5-39ºC) e com o sensório deprimido (confusão mental, torpor ou coma). Existe um espectro de gravidade na pancreatite aguda, e os sinais acima podem estar presentes em maior ou menor grau. O derrame pleural à esquerda é comum (pela extensão da inflamação para a hemicúpulas diafragmática esquerda) e pode contribuir para a dispneia. O abdome na pancreatite aguda geralmente mostra achados inferiores aos esperados pelo quadro álgico do paciente. O exame físico revela desde dor leve à palpação até sinais de irritação peritoneal com descompressão dolorosa (Blumberg) nos casos mais graves. Distensão abdominal, devido ao “íleo paralítico” em consequência à inflamação intra-abdominal, é um achado comum, especialmente nos casos mais graves. Na radiografia, a distensão pode ser de delgado e/ou de cólon. Obstrução do ducto biliar principal em razão de coledocolitíase ou edema da cabeça do pâncreas pode ocasionar icterícia (geralmente leve). A icterícia ocorre em cerca de 10% dos casos e não necessariamente indica, como vimos, pancreatite aguda biliar. Alguns sinais cutâneos podem acontecer na pancreatite aguda, de forma incomum: (a) Equimose em flancos – Sinal de Grey--Turner (FIGURA 3); (b) Equimose periumbilical – Sinal de Cullen; (c) Necrose gordurosa subcutânea – Paniculite (FIGURA 4); (d) Equimose na base do pênis – Sinal de Fox. Os primeiros dois sinais ocorrem em 1% dos casos. São característicos, mas não patognomônicos. São causados pela extensão do exsudato hemorrágico pancreático retroperitonial através do tecido subcutâneo e estão associados com mau prognóstico. Já a necrose gordurosa subcutânea (paniculite) é um evento raro, se caracterizando pela presença de nódulos subcutâneos dolorosos de 0,5-2 cm e eritema na pele adjacente (semelhantes ao eritema nodoso). Geralmente, se localizam nas extremidades, podendo ser justarticulares, mas podem ocorrer em outros locais, como nádegas, tronco e escalpo. Podem preceder, ou não, os sintomas da pancreatite e tendem a melhorar junto com o quadro clínico. A retinopatia de Purtscher é uma rara complicação da pancreatite aguda. Manifesta-se como escotomas e perda súbita da visão. A fundoscopia demonstra exsudatos algodonosos e hemorragias confinadas à mácula e à papila óptica. O comprometimento respiratório pode piorar após os primeiros dias, se instalando derrame pleural (com preferência pelo lado esquerdo), atelectasia (pela dor ou obesidade) ou mesmo a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) – esta é uma das complicações sistêmicas mais temíveis da pancreatite aguda e se caracteriza pela hipoxemia refratária à administração de altos fluxos de O2, associado a infiltrado pulmonar bilateral, em geral assimétrico. O principal diagnóstico diferencial da SDRA é o edema pulmonar cardiogênico. O paciente pode chegar “chocado” ou evoluir para o choque após os primeiros dias – o choque na maioria dos casos tem dois componentes: (1) Hipovolêmico – estima-se a perda de 6-10 litros para o retroperitônio ou para o peritônio nos pacientes com pancreatite grave; (2) Vasodilatação sistêmica (choque distributivo) – exatamente a mesma fisiopatologia do choque séptico, porém, sem haver infecção. Podemos chamar de “choque sirético” (SIRS = Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica). Neste choque, temos uma queda acentuada da resistência vascular periférica (causando grave hipotensão arterial), venodilatação e um aumento do débito cardíaco (estimulado pela baixíssima pós-carga). A insuficiência renal é comum na pancreatite grave, manifestando-se como azotemia no exame laboratorial (aumento de ureia e creatinina). A causa na maioria das vezes é pré-renal, devido à hipovolemia (perda para o 3º espaço), portanto, é reversível com a reposição volêmica agressiva. No entanto, em alguns casos, os rins são lesados pela reação inflamatória sistêmica (enzimas ativadas e mediadores liberados por leucócitos) ou pela isquemia prolongada, evoluindo para um quadro de necrose tubular aguda – neste caso, a azotemia não reverte com a reposição volêmica e pode vir a ser grave a ponto de causar síndrome urêmica e distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos indicativos de diálise. LABORATÓRIO INESPECÍFICO A leucocitose é comum, principalmente nos casos graves, onde pode chegar até 30.000/mm3 refletindo o grau de inflamação sistêmica (por isso é um importante critério prognóstico). O aumento de proteína C reativa é outro marco laboratorial de gravidade, já que mede a intensidade da resposta inflamatória. A hiperglicemia é uma alteração comum, e no início do quadro é devida à SIRS mas, posteriormente, pode ser secundária a uma destruição maciça das ilhotas de Langerhans, na pancreatite necrosante extensa... Hipocalcemia também é achado frequente, e decorre da saponificação do cálcio circulante pela gordura peripancreática necrosada – por este motivo também possui relação direta com a gravidade do quadro (quanto mais necrose, mais hipocalcemia). Outros marcos que indicam gravidade são o aumento das escórias nitrogenadas e as alterações nas provas de coagulação (ex.: alargamento do TAP e PTTa). As provas hepáticas também podem estar alteradas, revelando aumento das aminotransferases, fosfatase alcalina e bilirrubina. O aumento das aminotransferases, além de ter valor prognóstico, pode sugerir o diagnóstico etiológico da pancreatite... Uma TGP (ALT) > 150 U/L tem especificidade de 96% para pancreatite biliar!!! Porém, a TGP (ALT) < 150 U/L não afasta pancreatite biliar, já que a sensibilidade é baixa (48%). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL As doenças que se manifestam com intensa dor abdominal aguda devem ser afastadas, entre elas: (1) Doença péptica / Úlcera perfurada; (2) Colelitíase, Coledocolitíase, Colecistite aguda; (3) Isquemia mesentérica; (4) Obstrução intestinal aguda; (5) IAM inferior / Dissecção aórtica abdominal; (6) Gravidez ectópica. Na colelitíase e na doença péptica a dor costuma ter menor duração. A dor da colecistite aguda pode ser muito semelhante a dor da pancreatite. A isquemia mesentérica aguda pode ser facilmente confundida com pancreatite aguda – um histórico de fibrilação atrial, pós-IAM, a ausência de vômitos incoercíveis, a presença de diarreia ou sangue no toque retal e uma acidose metabólica proeminente, são dados que sugerem o diagnóstico de isquemia mesentérica. Na úlcera perfurada, o exame abdominal em geral mostra irritação peritoneal proeminente (às vezes, “abdome em tábua”), achados não esperados na pancreatite aguda, que é uma causa de inflamação predominantemente retroperitonial. Há casos em que os critérios clínicos e laboratoriais não são capazes de diferenciar com certeza a pancreatite aguda de seus diagnósticos diferenciais; nestes, está indicada a laparotomia exploradora! CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA O diagnóstico de pancreatite aguda pode ser facilmente estabelecido diante de um caso clínico típico com o auxílio da dosagem sérica de amilase e lipase (que estarão > 3x o LSN). Métodosde imagem, como a Tomografia Computadorizada de Abdome, são úteis nos casos duvidosos, podendo confirmar o diagnóstico de pancreatite ao demonstrarem a presença de edema/necrose do parênquima pancreático. Cumpre ressaltar, no entanto, que os exames de imagem não são obrigatórios para o diagnóstico em todos os casos, existindo indicações específicas para sua realização (ver adiante). 1- AMILASE SÉRICA Esta enzima pancreática costuma se elevar já no primeiro dia do quadro clínico (2-12h após o início dos sintomas), mantendo-se alta por 3-5 dias. Sua sensibilidade é de 85-90% entre 2-5 dias. Sua especificidade é de 70-75%. O normal da amilase sérica geralmente é abaixo de 160 U/L. A especificidade aumenta muito quando considerados níveis acima de 500 U/L e principalmente 1.000 U/L! A amilase pode estar normal nos casos de pancreatite crônica avançada agudizada (como na pancreatite alcoólica), pois o parênquima pancreático já está destruído, exaurido de suas enzimas. Como já citado anteriormente, os níveis de amilase podem estar falsamente reduzidos na hipertrigliceridemia (quando os triglicerídeos aumentam, aumenta também um fator solúvel que inibe a amilase...). Uma amilase colhida após o quinto dia dos sintomas frequentemente é negativa. A especificidade da amilase é comprometida por 4 fatos: (1) Amilase Salivar: a maior parte da amilase existente no organismo não é pancreática, mas sim salivar (55-60% da amilase). (2) Absorção Intestinal: existe amilase pancreática na luz intestinal, podendo haver absorção luminal pelo intestino inflamado ou obstruído. (3) Macroamilasemia: uma entidade caracterizada pela ligação de uma proteína sérica à amilase plasmática, impedindo que ela seja normalmente filtrada pelos rins. (4) Insuficiência Renal: uma parte da amilase é eliminada pelos rins, logo, a insuficiência renal grave cursa com hiperamilasemia. Neste momento, reveja a tabela de “causas de hiperamilasemia” no capítulo inicial desta apostila. Doenças da glândula salivar e outras doenças intra- abdominais agudas podem cursar com aumento da amilase... Ex.: colecistite aguda, coledocolitíase, perfuração de qualquer víscera oca (ex.: úlcera perfurada), isquemia mesentérica, obstrução intestinal aguda, apendicite aguda, salpingite aguda, gravidez ectópica. Entretanto, apesar de existirem diversas causas de hiperamilasemia, raramente elas elevam a amilase acima de 3-5 vezes o limite da normalidade (> 500 UI/L). Elevações dessa magnitude possuem ESPECIFICIDADE para pancreatite!!! A determinação da isoforma pancreática da amilase não é específica da pancreatite, visto também estar aumentada nas lesões intestinais e na insuficiência renal. 2- LIPASE SÉRICA Esta outra enzima pancreática se eleva junto com a amilase na pancreatite aguda, porém, permanece alta por um período mais prolongado (7-10 dias). Possui sensibilidade igual à da amilase (85%), sendo mais específica (80%). A lipase também existe dentro do lúmen intestinal e as mesmas condições abdominais que fazem aumentar a amilase também podem fazer aumentar a lipase – Em geral, essas condições também não aumentam mais que 3 vezes o limite da normalidade (normal: até 140 U/L; 3x o normal: > 450 U/L, variando conforme o método laboratorial usado). 3- AMILASE + LIPASE SÉRICAS Tanto a amilase quanto a lipase, se acima de 3 vezes o limite superior da normalidade, são altamente específicas para pancreatite aguda – logo, na prática devemos dosá-las em conjunto para confirmar o diagnóstico de pancreatite! Se as duas estiverem aumentadas, a especificidade é de 95%. A sensibilidade das duas juntas é de 95%, ou seja, em apenas 5% dos casos de pancreatite aguda as duas enzimas são normais (provavelmente casos de “pancreatite crônica agudizada”). 4- OUTRAS DOSAGENS LABORATORIAIS Diversos fatores vêm sendo estudados como substitutos da amilase e lipase para o diagnóstico de pancreatite aguda, por exemplo: peptídeo ativador do tripsinogênio, tripsinogênio 2 e tripsinogênio urinário. Tais exames, no entanto, ainda precisam ser consagrados com grandes estudos para ganharem real aplicação prática. 5- TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA CONTRASTADA A Tomografia Computadorizada (TC) com contraste venoso é o melhor método de imagem para avaliar a presença de complicações locorregionais num quadro de pancreatite aguda, sendo indicada nos casos classificados como “graves” por critérios que serão explicados adiante... Como a TC pode ser normal em 15--30% dos casos de pancreatite “leve”, sua realização não se justifica nestes pacientes, até porque a probabilidade de complicações é baixa em tal contexto... A TC pode mostrar aumento focal ou difuso do pâncreas, borramento da gordura peripancreática e perirrenal, coleções líquidas peripancreáticas, pseudocistos (ver adiante) e áreas não captantes de contraste indicativas de necrose – FIGURA 5. Possui elevada sensibilidade e especificidade, e pode, como vimos, esclarecer os casos de dúvida diagnóstica (aqueles em que a clínica é sugestiva mas a dosagem de amilase e lipase não é confirmatória). Como já dissemos, nem todos os pacientes necessitam de TC... As indicações para sua realização na PA são mostradas na Tabela 2. Os critérios prognósticos de Ranson e APA-CHE-II serão comentados adiante, quando falarmos em prognóstico da pancreatite aguda... Vale relembrar: na pancreatite “leve” (edematosa), a TC não é necessária!!! O exame ideal é a TC helicoidal, que é capaz de revelar imagens com maior definição da captação do contraste endovenoso. O melhor momento para a realização de TC na pancreatite aguda grave é após o terceiro dia do início do quadro (isto é, após as primeiras 72h, que é quando as complicações como a necrose costumam estar bem estabelecidas, sendo mais fácil observá-las). Deve-se evitar a TC contrastada em pacientes que evoluem com injúria renal aguda pela pancreatite grave (evitar um componente de “nefropatia induzida por contraste”). Nestes casos, a RNM torna-se preferencial... Tab. 2 6- ULTRASSONOGRAFIA O pâncreas pode ser visualizado, mostrando sinais ecogênicos clássicos de pancreatite aguda. Contudo, a frequente interposição de alças intestinais repletas de gás torna a ultrassonografia de abdome um exame de baixa sensibilidade tanto para o diagnóstico de PA quanto para a detecção de necrose pancreática. Por outro lado, a USG abdominal é o método de escolha para o diagnóstico da litíase biliar, a causa mais comum de pancreatite aguda, podendo assim orientar a conduta posterior. Por isso, está sempre indicada. 7- RADIOGRAFIA SIMPLES É um importante exame a ser pedido nos pacientes com quadro de “abdome agudo”, principalmente na dúvida entre um abdome cirúrgico ou não. O RX de tórax pode revelar derrame pleural à esquerda ou atelectasia em bases pulmonares; em casos mais graves pode haver um infiltrado bilateral compatível com SDRA. A pancreatite aguda pode determinar várias alterações no RX de abdome, assim como outras causas de abdome agudo inflamatório – são elas: 1- Alça sentinela (íleo localizado). 2- Sinal do cólon amputado: paucidade de ar no cólon distal à flexura esplênica, devido a um espasmo do cólon descendente. 3- Dilatação das alças (íleo paralítico inflamatório). 4- Aumento da curvatura duodenal (aumento da cabeça do pâncreas). 5- Irregularidades nas haustrações do transverso, devido ao espasmo difuso. As alterações intestinais da pancreatite aguda são decorrentes da extensão do exsudato inflamatório pancreático para o mesentério, mesocólon transverso e peritônio. 8- RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA A RNM é provavelmente equivalente à TC em termos de acurácia para o diagnóstico de pancreatite aguda, porém, possui duas importantes vantagens: (1) na suspeita de pancreatite biliar, a colangiorressonância pode identificar mais de 90% dos cálculos na via biliar; (2) no paciente que evolui com IRA no contexto da PA