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Na tragédia clássica, o Destino tem papel central, pois determina o fim dos personagens independente de suas vontades e de seus esforços em impedir tal sina — esforços que fatalmente só os conduzem ainda com mais firmeza para a sua destruição (um bom exemplo seria Édipo rei, de Sófocles). No caso de Castro, o Destino é encarnado pelas razões de Estado, suficientes para condenar alguém inocente e obliterar a consciência dos juízes. A bela Inês questiona o rei Afonso IV, no papel de juiz, sobre seu crime: CASTRO: Ouve minha razão, minha inocência. / Culpa é, senhor, guardar amor constante / A quem mo tem? se por amor me matas, / Que farás ao inimigo? amei teu filho, / Não o matei. Amor amor merece; / Estas são minhas culpas: estas queres / Com morte castigar? Em que a mereço? (Ato IV, cena I.) [...] CASTRO [ainda se dirigindo ao rei]: Dou tua consciência em minha prova. / Se os olhos de teu filho se enganaram / Com o que viram em mim, que culpa tenho? / Paguei-lhe aquele amor com outro amor, / Fraqueza costumada em todo estado. / Se contra Deus pequei, contra ti não. (Ib.) A infeliz mulher ainda acrescenta que a injustiça não seria apenas contra ela, mas atingiria também o filho do rei, que ama Inês, e seus netos, que cresceriam órfãos. O rei juiz nesse momento cede às súplicas e se retira de cena convencido da injustiça que seria a morte de Inês. Mas na cena seguinte, a sós com dois conselheiros, é confrontado com as razões de Estado: PACHECO: ... não te esqueças / Da tenção tão fundada, que te trouxe. REI: Não pôde o meu espírito consentir / Em crueza tamanha. PACHECO: Mor crueza. / Fazes agora ao Reino: agora fazes / [...] A que vieste? / A pôr em mor perigo teu estado? [...] REI: Não vejo culpa, que mereça pena. PACHECO: Inda hoje a viste, quem ta esconde agora? REI: Mais quero perdoar, que ser injusto. COELHO: Injusto é quem perdoa a pena justa. REI: Peque antes nesse extremo, que em crueza. COELHO: Não se consente o Rei pecar em nada. REI: Sou homem. COELHO: Porém Rei. REI: O Rei perdoa. PACHECO: Nem sempre perdoar é piedade. REI: Eu vejo üa inocente, mãe de uns filhos / De meu filho, que mato juntamente. 9