Prévia do material em texto
cristandade. Por causa desse desejo, a figura do jovem rei-guerreiro foi investida de uma alta carga simbólica e religiosa. Mapa do Marrocos [1] A esfera religiosa teve uma função determinante na formação do sebastianismo. O século XVI foi pródigo em levar as paixões religiosas ao extremo, suscitadas em grande parte devido ao conflito entre Reforma e Contrarreforma. Em virtude ainda do crescimento do Império Otomano (os turcos), a Europa assistiu ao ressurgimento do espírito das Cruzadas. Mas, em Portugal, se atribui às trovas proféticas de um sapateiro da cidade de Trancoso a base profético-religiosa do sebastianismo. Estamos falando de Bandarra (1500-1556), um poeta popular, cujo pendor místico e as leituras bíblicas favorecidas pela comunidade de cristãos-novos de sua cidade o levaram a escrever profecias em forma de versos que prediziam a vinda de um messias para Portugal. Suas trovas foram escritas entre 1530-40 e passaram a circular através de manuscritos, sendo impressas pela primeira vez apenas em 1603. Como se vê, tais profecias foram, portanto compostas antes de Alcácer- Quibir, antes mesmo de D. Sebastião nascer. Por isso, caíram como uma luva para as esperanças portuguesas depois do desastre no Marrocos, e passaram a ser interpretadas como se referindo ao rei desaparecido e à sua futura volta para revigorar os destinos da nação. As trovas de Bandarra passaram a ser cultuadas tanto pelas camadas mais humildes como por patriotas e nacionalistas de todas as classes, configurando assim as “escrituras” dessa nova seita messiânica. Segundo o historiador Joel Serrão, o sebastianismo se tornou um fenômeno cíclico dentro de Portugal, avultando-se e radicalizando nos momentos de crise nacional. Essa crença ou fenômeno religioso congregava principalmente as massas, mas era ainda instrumentalizado por eclesiásticos e intelectuais para fins ideológicos e políticos, podendo ser citados, nesse sentido, figuras importantes como D. João de Castro (primeiro editor das trovas), Pe. António Vieira (1608-97) e ainda outros jesuítas (ver Serrão 2002:509-515). As condições políticas, sociais e econômicas que contribuíram para a manutenção do sebastianismo como movimento popular até o final do século XVIII parecem arrefecer com a revolução liberal em Portugal (1820) e a decorrente ascensão da burguesia ao comando do país (ibid., p. 514), ainda que um significativo número de textos de verve sebastianista tenha sido 38