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INSTRUMENTOS – PERCUSSÃO AULA 4 Prof. Aglaê Machado Frigeri 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, serão trabalhados e explorados alguns instrumentos de percussão presentes na música brasileira, por meio de suas técnicas de execução, ritmos, acentuações, tipos de golpes e sonoridades. Os ritmos brasileiros apresentam uma identidade comum: a síncope. Esta representa a valorização de partes do tempo tradicionalmente fracas, provocando uma sensação de desequilíbrio entre os tempos, ou, como é descrito habitualmente, provocando o “gingado”. TEMA 1 – XOTE, BAIÃO, FORRÓ E ARRASTA-PÉ Dentro da manifestação popular do forró, de origem nordestina, mas bastante disseminada por todo o Brasil, as músicas executadas durante o baile são compostas por ritmos que variam em característica e andamento. Conforme a localidade, esses ritmos podem variar de nome e acentuação, mas quatro deles são recorrentes em diversas regiões do país: xote, baião, forró e arrasta- pé, respectivamente do mais lento para o mais rápido. Em termos de instrumentação, tradicionalmente existe o chamado trio de forró, composto por sanfona, triângulo e zabumba, em que as melodias também podem ser cantadas por qualquer um dos três músicos. 1.1 Zabumba A zabumba é um tambor composto por duas peles: a superior é mais grossa, produzindo som grave, e a inferior é mais fina, de registro médio-agudo. A membrana de cima é percutida pela mão dominante do percussionista, com uma baqueta chamada manzape ou maçaneta, de cabo grosso e curto e cabeça arredondada, coberta com um tecido macio. A pele inferior é percutida por uma baqueta fina e comprida que leva o nome de bacalhau. Tradicionalmente, executa-se a zabumba em pé, sustentada por uma correia. O manzape é sustentado como a técnica básica, enquanto o bacalhau é segurado com a palma virada para cima e a baqueta passando por entre os dedos médio e anelar. O golpe com o bacalhau deve atingir quase toda a extensão da membrana, e não somente a cabeça, diferentemente de quase todas as outras baquetas. 3 A zabumba é um instrumento valioso para o estudo da independência das mãos. Por isso, aconselha-se organizar o processo de estudo em três partes: primeiramente, conhecer e praticar o ritmo de cada mão isoladamente; em seguida, executar lentamente as duas vozes em conjunto; por fim, repetir o padrão inúmeras vezes, até se tornar natural a ponto de que não seja preciso pensar forçosamente sobre os movimentos das mãos. Nos exercícios a seguir, a notação utilizada não foi estabelecida com base na relação entre grave e agudo, mas conforme as características do instrumento. Portanto, as figuras com cabeça redonda e posicionadas acima da linha se referem à pele superior (pelo manzape), e as figuras com a cabeça representada por um “x” e posicionadas abaixo da linha devem ser executadas na pele inferior (pelo bacalhau). Na membrana superior, o percussionista deve percutir exatamente no centro da pele, com a possibilidade de executar uma nota de som aberto (o), com toque normal, ou fechado (+), com toque tipo dead stroke (a baqueta permanece em contato com a pele por alguns instantes, sem fazê-la reverberar). Partitura 1 – Zabumba, exemplos de xote 70 Partitura 2 – Zabumba, exemplos de baião 86 Partitura 3 – Zabumba, exemplos de forró 106 4 Partitura 4 – Zabumba, arrasta-pé 154 1.2 Triângulo Nos ritmos do forró, o percussionista sustenta o triângulo dependurado sobre a falange central do dedo indicador. A mão dominante segura uma baqueta pequena de ferro, realizando golpes ascendentes e descendentes no canto direito do instrumento. O triângulo possui um padrão rítmico que pode ser utilizado tanto no xote quanto no baião e no forró, sendo que o andamento é o único elemento que sofrerá alteração de um ritmo para outro. Sua presença, de sonoridade aguda, completa o espectro sonoro médio-grave da zabumba. Nos exercícios que se seguem, a figura notada abaixo da linha representa o golpe na barra inferior do triângulo, e a figura acima da linha simboliza o golpe na barra diagonal direita. Nas partituras aparecem os símbolos para aberto (o) e fechado (+), controlados pela mão que segura o instrumento: para toques fechados, apertar a barra com todos os dedos da mão; para toques abertos, deixar o instrumento solto, apoiado somente no dedo indicador. Partitura 5 – Triângulo célula básica Partitura 6 – Triângulo arrasta-pé 1.3 Agogô Com duas campanas de alturas diferentes, o agogô é feito de metal, mas, recentemente, diversos percussionistas têm utilizado blocos de plástico, que contêm uma sonoridade similar. Seu registro fica logo abaixo do triângulo, preenchendo as frequências médias-agudas. Os padrões rítmicos do agogô são geralmente simples, com pouca atividade rítmica, para não sobrecarregar a malha percussiva. Uma opção 5 bastante utilizada consiste em marcar o tempo da música com uma nota aguda no primeiro tempo e uma grave no segundo tempo, ou invertido. Por seu andamento rápido, é a opção mais eficaz para o arrasta-pé. Outra possibilidade é passar estes toques para o contratempo, opção bastante empregadas no xote, no baião e no forró. A seguir, na Partitura 7, observe uma célula rítmica mais complexa, que se mescla mais adequadamente ao ritmo do baião e do xote. Partitura 7 – Agogô baião e xote 1.4 Chocalho Assim como o agogô, o chocalho não faz parte do trio de forró tradicional, mas acrescenta no colorido da música com seu timbre. Dependendo do tamanho e do peso do chocalho, ele é segurado por uma ou as duas mãos, movimentando-o para frente e para trás. No exemplo a seguir, uma pequena movimentação para a esquerda deve ser acrescentada logo após a nota acentuada, fazendo com que as sementes internas emitam um som mais alongado. Esse deslocamento lateral é determinante para o “sotaque brasileiro”. Partitura 8 – Chocalho célula básica TEMA 2 – MARACATU NAÇÃO Em Pernambuco existem duas manifestações populares que levam o nome de maracatu: o rural (ou de baque solto), bem agitado, formado por instrumentos de percussão, voz e sopros, e o nação (ou de baque virado), composto por instrumentos de percussão e voz, de andamento mais tranquilo. O maracatu nação, de origem africana, é também referido como baque virado porque seus tambores graves, chamados de alfaias ou tambores de 6 maracatu, realizam ornamentações conhecidas como viradas. Os instrumentos utilizados no folguedo variam de uma nação a outra, mas, de maneira geral, se referem à caixa (subdividida em caixa de guerra e tarol), gonguê, ganzá, xequerê e alfaias. 2.1 Caixa O grupo de tambores de pele dupla e esteira acoplada é composto pela caixa de guerra, que contém uma afinação mais grave, e pelo tarol, com sonoridade aguda. Ambos ficam dependurados no ombro do batuqueiro, que se utiliza da técnica tradicional de duas baquetas para a execução. Esses dois tambores realizam os ritmos de chamada, que são células que anunciam a entrada da música ao restante dos batuqueiros. Partitura 9 – Tarol Partitura 10 – Caixa de guerra 2.2 Gonguê Espécie de sino sustentado por uma mão e tocado pela outra, contém apenas uma campana, mas pode produzir dois timbres: um deles na região próxima à abertura, e o outro próximo ao cabo de sustentação, gerando duas alturas claramente distintas. Sem levada fixa, o gonguê é um elemento ritmicamente livre na música do maracatu nação, realizando constantes variações em seu toque. Partitura 11 – Gonguê 7 2.3 Ganzá Instrumento da família dos chocalhos, o ganzá utilizado no Maracatu é do tipo grande, com bastante volume sonoro, normalmente feito de metal, sendonecessário utilizar as duas mãos para sua execução. Partitura 12 – Ganzá 2.4 Xequeré O xequeré, cabaça entrelaçada por miçangas, completa os registros agudos do maracatu nação. Sua execução consiste em agitar o instrumento em um movimento diagonal, para cima e para baixo. Na Partitura 13 as alturas das notas se referem à direção do golpe. Partitura 13 – Xequeré 2.5 Alfaias A alfaia é um dos tambores mais característicos do Brasil, composta por duas peles presas por amarração de corda. Normalmente, são produzidas em quatro diferentes diâmetros, que quanto maior for, mais grave será o som. Em função da diferença de sonoridades, elas assumem diferentes papéis dentro do grupo. As alfaias maiores são chamadas de marcantes e mantêm a célula mais simples, sem variações; conhecidas como meiões, as alfaias medianas executam o ritmo completo com pequenas variações; por sua vez, os repiques são os tambores menores que executam os floreios rítmicos durante toda a música. Observe o padrão rítmico básico de cada tambor: 8 Partitura 14 – Alfaias: marcante, meião e repique Marcante: Meião: Repique: Para a execução dos golpes de volume fortíssimo, a baqueta precisa estar distante da pele, além de ser executada com bastante velocidade. Essas características acabaram desenvolvendo uma técnica de movimentação muito ampla, concedendo ao ato de executar a alfaia uma beleza plástica cativante. Os padrões rítmicos que as alfaias executam são chamados de baques, e variam conforme as nações ou as canções entoadas, como, por exemplo: Partitura 15 – Baque malê Partitura 16 – Baque martelo Partitura 17 – Baque trovão 9 TEMA 3 – CIRANDA E FREVO São ritmos característicos de manifestações populares do Nordeste do Brasil, principalmente de Pernambuco: a ciranda é uma dança mais lenta, cadenciada, e normalmente bailada em grupo, e o frevo é um ritmo muito rápido, cujos passos evidenciam virtuosismo e explosão nos corpos dos bailarinos. 3.1 Ciranda A ciranda é um folguedo que agrega dança, música e poesia. Dançada em roda pelos participantes, contém passos simples e coreografias que valorizam a movimentação do conjunto. No aspecto musical, três instrumentos de percussão são recorrentes: a caixa, a alfaia e o ganzá. A caixa da ciranda é um instrumento especificamente de acompanhamento, por isso o uso de ornamentação e variações deve ser empregado ao mínimo, sempre a serviço da canção. Partitura 18 – Caixa ciranda A alfaia, por sua vez, deve manter os tempos bem marcados para dar um claro suporte rítmico aos dançarinos, efetuando raras variações, somente em momentos importantes da música. Partitura 19 – Alfaia ciranda O ganzá é executado da mesma forma como no baião e no maracatu nação, acentuando os contratempos (Partitura 12). 3.2 Frevo O frevo é um gênero da música popular brasileira predominantemente instrumental. Essa arte, integrada com sua ágil e acrobática dança, foi declarada Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco em 2012. Na dança, por sinal, a movimentação dos passos tem uma característica explosiva, pois é baseada 10 em saltos e acrobacias que exigem força e resistência dos bailarinos, além de boa memória; são centenas de passos catalogados. Existem características que dividem o frevo em três categorias: o frevo de rua (essencialmente instrumental), o frevo canção (mais lento, para adequar a letra à canção) e o frevo de bloco (que conta com instrumentos de cordas). O frevo de rua por sua vez é dividido também em três outras possibilidades: o frevo- abafo, quando agremiações se cruzam na rua e a música serve para “abafar” o grupo rival; o frevo-coqueiro, que faz uso de notas extremamente agudas; e o frevo-ventania, caracterizado por conter uma sequência de notas muito rápidas. Atualmente, quase toda orquestra ou grupo de frevo tem a bateria como instrumento de suporte rítmico principal, mas também é comum a presença do surdo e pandeiro. Sem a presença da bateria, somente a caixa e o surdo são suficientes para a formação básica da percussão do ritmo. Partitura 20 – Surdo frevo Partitura 21 – Caixa frevo TEMA 4 – CABOCLINHO, CAVALO-MARINHO E MARACATU RURAL Mais três ritmos de manifestações populares de Pernambuco: o caboclinho, de origem indígena e presente em Recife e região metropolitana, o cavalo-marinho e o maracatu rural, folguedos que ocorrem no interior do estado. 4.1 Caboclinho No caboclinho, os dançarinos saem às ruas com fantasias de origem indígena e realizam intricados passos com as pernas, enquanto nas mãos carregam a “preaca” – arco e flecha para uso percussivo –, em que a flecha é conectada ao arco de forma a emitir um som estalado e agudo. A música do folguedo é exclusivamente instrumental, realizada por uma formação pequena, porém, com grande potência sonora, já que sempre atua ao ar livre. A melodia fica a cargo de um tipo de flauta chamada de gaita ou inúbia. Um tambor (bombo ou tarol) e um tipo de chocalho (caracaxá) dão o apoio rítmico ao bailado. O bombo possui cordas na pele principal, que funcionam como uma esteira; o caracaxá é feito por pequenos chocalhos de metal presos a um único cabo, e é 11 geralmente interpretado por dançarinos, que o executam em sincronia com o trançado único das pernas do caboclinho. Partitura 22 – Caracaxá Durante a brincadeira, três tipos de toques se alternam, indicando diferentes momentos da brincadeira, denominados perré, baião e guerra. Tais toques desempenham, respectivamente, os andamentos lento, médio e rápido, e são executados pelo bombo (tarol). Partitura 23 – Bombo perré (caboclinho) 80 As figuras com cabeça em “x” devem ser percutidas no aro do bombo, e as restantes, no centro da pele, em andamento de 80 bpm. É apropriado conduzir a célula em direção à última nota, sendo essa a de maior intensidade. Partitura 24 – Bombo baião (caboclinho) 120 Partitura 25 – Bombo guerra (caboclinho) 160 4.2 Cavalo-marinho Festa popular que ocorre no interior de Pernambuco, o cavalo-marinho reúne teatro, dança, música, circo, poesia e artes visuais. Trata-se de um ritmo 12 não tão acelerado quanto o frevo e o guerra do caboclinho. O padrão rítmico musical principal é exatamente a célula básica do baião, citada anteriormente, executada pelo pandeiro. O trinado é feito nas platinelas, ao agitar o pandeiro, enquanto a célula rítmica é executada na pele do instrumento. Partitura 26 – Pandeiro cavalo-marinho 140 O mineiro, ou ganzá, apresenta o mesmo padrão rítmico do baião, forró, maracatu nação e ciranda, porém bem mais rápido. A bage é um instrumento específico do cavalo-marinho, um tipo de reco- reco alongado, feito de bambu fino, com uma extremidade sustentada pela mão e a outra apoiada sobre o ombro do músico. No próximo exercício, a altura das figuras representa em qual direção a raspagem deve ser feita. Partitura 27 – Bage 140 4.3 Maracatu rural O ritmo do maracatu rural é, talvez, o mais acelerado das manifestações populares do Brasil, sendo executado normalmente a 180 bpm. Foi criado por cortadores de cana da Zona da Mata de Pernambuco, que em seus intervalos de duro serviço brincavam com versos de poesia, dança e música. O conjunto de instrumentos que acompanha a brincadeira é denominado terno e é composto por trompetes, trombones, mineiro, gonguê, tarol, bombo e poica. O mineiro é o instrumento comum que transita entre as diferentes manifestações, apresentando o mesmo padrão rítmico. A poica é um tipo de cuíca grave, que marca o tempo da música. Diferentemente do maracatu nação, o gonguê do maracatu rural contém duas campanas e apresenta um padrão rítmico fixo, sem variações. 13 Partitura 28 – Gonguê maracaturural 180 O tarol apresenta um padrão também sem variações, nem rulo. Partitura 29 – Tarol maracatu rural 180 O bombo é tocado com uma baqueta fina na membrana inferior, como uma zabumba. Partitura 30 – Bombo maracatu rural 180 TEMA 5 – SAMBA Os instrumentos escolhidos para essa seção compõem uma formação básica de percussão do ritmo. Contudo, há uma vasta quantidade de possibilidades para essa formação, a depender do estilo e da região do país. O pandeiro será trabalhado em detalhes no próximo capítulo. 5.1 Chocalho No samba, o chocalho é movimentado para frente e para trás; quando se deseja realizar um acento, o movimento deve ser mais abrupto. Partitura 31 – Chocalho samba 14 5.2 Tamborim Em sambas de andamento médio e lento, o tamborim pode ser executado tanto com uma baqueta de caixa quanto com os dedos. No exercício a seguir, as figuras acima da linha devem ser executadas na pele pela mão dominante; as figuras abaixo da linha, com cabeça em “x”, são toques do dedo médio da mão que segura o tamborim, produzindo um preenchimento rítmico que concede o balanço (ou suingue) característico do samba. Porém, é preciso esclarecer que, muitas vezes, o padrão mais adequado ao acompanhamento de uma canção começa no segundo compasso. Partitura 32 – Tamborim samba 5.3 Agogô Assim como no tamborim, o padrão rítmico do agogô precisa estar adequado à acentuação da canção que este acompanha. Partitura 33 – Agogô samba 5.4 Caixa Existem inúmeras levadas de samba que podem ser executadas na caixa. O padrão rítmico apresentado na sequência é eficaz em diversos andamentos, desde canções de média velocidade a sambas-enredos do carnaval. Partitura 34 – Caixa samba 15 5.5 Surdo O surdo faz a marcação do tempo. Porém, diferentemente de outros ritmos que se estruturam sobre dois tempos, ele acentua o segundo tempo, o que é uma característica fundamental do samba. A mão dominante do percussionista toca com uma baqueta grossa, de cabeça macia, enquanto a outra mão realiza os abafamentos da pele. No próximo exercício, o primeiro compasso apresenta o padrão rítmico básico, e o segundo, uma virada tradicional do instrumento. As figuras acima da linha representam os toques com a baqueta, podendo ser abertos (o) ou fechados (+), como na zabumba; as figuras em “x”, abaixo da linha, indicam os toques de abafamentos da membrana. Partitura 35 – Surdo samba NA PRÁTICA Quando apresentamos os instrumentos de percussão característicos de alguns ritmos característicos da música brasileira, é necessário primeiramente conhecer esses ritmos. Ao ouvir atentamente o universo que cada um deles nos remete, podemos então compreender a função musical dos instrumentos neles inseridos, começar a reconhecer cada um dos timbres envolvidos, assim como reconhecer padrões rítmicos e diferenciá-los das variações rítmicas. Muitos desses pequenos instrumentos não são, em princípio, muito exigentes tecnicamente, mas é justamente a compreensão das características musicais de cada ritmo que vai gerar qualidade na escolha dos instrumentos, dos padrões rítmicos e de suas inúmeras variações. FINALIZANDO Antes de começar a praticar os exercícios selecionados, direcione parte do seu tempo de estudo para montar uma playlist com os ritmos aqui apresentados. Escutar com atenção é parte essencial dos estudos!