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MATERIAIS DA CONSTRUÇÃO Hudson Goto Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar as principais jazidas brasileiras e o processo de fabricação da cal. � Descrever as principais aplicações do produto e comparar seu uso aos incorporadores de ar. � Comparar a cal virgem à hidratada, falhas nos seus usos e possíveis patologias. Introdução Neste capítulo, você estudará os conceitos referentes à cal — desde o conhecimento sobre os locais de maior extração da matéria-prima (calcário) até o processo de fabricação e obtenção do produto final (cal). Também conhecerá as principais formas de aplicação desse material na construção civil, efetuando, ainda, um comparativo com o emprego de incorporadores de ar. E, de maneira prática, verificará as diferenças entre a cal virgem e hidratada, bem como eventuais falhas de produção e as principais manifestações patológicas resultantes. Pode-se dizer que um dos ligantes artificiais mais antigos, até 1824, são aqueles resultantes das atividades de cozimento dos calcários, especial- mente dos carbonatos de cálcio (CaCO3), mais abundantes na natureza (COUTINHO, 2006). Isso facilita sua utilização na produção, por exemplo, de argamassas. Do mesmo modo, a sua abundância facilita a obtenção de matéria-prima para a produção de outros materiais para a construção civil, como blocos, agregados, etc. Assim, entender o processo de fabricação da cal e as principais aplica- ções e características específicas de cada produto final, dentro da cadeia produtiva da construção civil, evitando falhas e manifestações patológicas posteriores, resultará no melhor aproveitamento desse recurso e na evolução dos processos produtivos. Processo de fabricação da cal A cal virgem ou óxido de cálcio (CaO) é um produto derivado da calcinação do calcário ou do dolomito. Mais amplamente utilizado, o calcário, com elevado teor de cálcio, apresenta menos de 5% de MgO (óxido de magnésio). Caso contrário, se a cal tiver origem a partir de um calcário com elevado teor de magnésio, o produto é conhecido como cal dolomítica (SAMPAIO; ALMEIDA, 2008). Segundo o Ministério das Minas e Energia (BRASIL, 2017), a composição da cal virgem ou viva (cálcica) tem um teor entre 100 e 90% de óxido de cálcio. Yazigi (2009) ainda ressalta que o controle da quali- dade se inicia na própria jazida, com a escolha apropriada da matéria-prima. A produção brasileira atual é estimada em 8,3 milhões de toneladas, re- presentada por produtores integrados (79%), mercado cativo (15%), mercado cativo de produtores não integrados (3%) e transformadores (3%). As regiões Sudeste e Sul do país são responsáveis por 85% da produção de cal virgem e hidratada. Em Minas Gerais, localizam-se as principais indústrias de cal brasileiras, com produção anual acima de 5 Mt. O Arranjo Produtivo Local (APL) de Cal e Calcário do Paraná registra uma capacidade instalada de 2 Mt/ano de cal, referentes a 2014 (BRASIL, 2017). Para produzir a cal, é necessário converter o carbonato de cálcio (CaCO3), ou também denominado calcário, em óxido de cálcio (CaO), comumente chamado de cal, cal virgem ou cal viva. As propriedades químicas do calcário e da qualidade da queima são de- terminantes para definir a qualidade comercial da cal. Necessita-se de cerca de 1,7 a 1,8 t de rocha calcária para a fabricação de 1 t tonelada de cal virgem. Com 1 t de cal virgem, obtém-se cerca de 1,3 t de cal hidratada, quando esta integrar o processo produtivo (BRASIL, 2017). Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar2 De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Cal (ABPC), em 2014, o perfil do consumo da cal ficou assim distribuído (BRASIL, 2017): 2%2%5% 5%6% 7% 8% 29% 36% indústria siderúrgica construção civil indústria química papel e celulose pelotização e mineração de ferro indústria alimentícia meio ambiente metalurgia não ferrosos agricultura e outros De modo geral, pode-se descrever a produção da cal pode ser descrita em cinco etapas (CARPIO et al., 2013): � extração de calcário; � britagem de calcário e peneiramento; � calcinação de calcário; � hidratação da cal e classificação da cal hidratada; � acondicionamento (embalagem e expedição). A primeira etapa, a extração da rocha, utiliza explosivos e equipamentos especiais, como as perfuratrizes, para fazer a perfuração e o desmonte de rochas das minas. A lavra, ou extração, nas minas de calcário ocorre em sua maioria a céu aberto, local também denominado pedreiras (SAMPAIO; ALMEIDA, 2008). Na sequência, carregadeiras e caminhões de alta capacidade fazem o transporte do calcário da mina até o britador. A escolha desses equipamentos pode variar conforme o tipo de operação, a capacidade de produção, o tamanho e a forma do depósito, a distância do transporte, a estimativa da vida útil da mina, a localização em relação aos centros urbanos e os fatores socioeconô- micos. Outros critérios também contribuem, como o valor dos produtos e as questões ambientais e de segurança relacionadas às jazidas. Posteriormente, há o beneficiamento por meio da britagem (SAMPAIO; ALMEIDA, 2008; CARPIO et al., 2013) (Figura 1). 3Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar Figura 1. Jazidas de cal e extração com explosivos. Fonte: Coelho, Torgal e Jalali (2009, p. 25). A segunda etapa consiste no processo de britagem do calcário, no qual a pedra calcária extraída nas pedreiras se fragmenta. Seus objetivos referem-se a retirar as impurezas do processo e classificar o calcário em diferentes especificações granulométricas, de modo a obter bitolas adequadas para o tipo de processo de calcinação escolhido. A britagem pode ser dividida em várias etapas, diferenciadas por sua capacidade de redução das rochas para a classificação em peneiras dimensionadas para cada produto-fim, conforme o uso e as especificações do produto final (SAMPAIO; ALMEIDA, 2008; CARPIO et al., 2013). Segundo Sampaio e Almeida (2008), a lavra seletiva, a catação manual, a britagem em estágio unitário e o peneiramento são os métodos mais usuais para obtenção de produtos cuja utilização final não requer rígidos controles de especificações (Figura 2). Yazigi (2009) ainda cita que atenção especial deve ser dada à qualidade da granulometria da matéria-prima saída da etapa de britagem antes de sua entrada no forno. Somente grãos em uma faixa uniforme resultam em cales de boa qualidade. Grãos muito finos podem ser supercalcinados, enquanto pedras maiores não ser completamente calcinadas. A calcinação do calcário, após a etapa de britagem, tem como objetivo a decomposição do carbonato de cálcio (CaCO3) em óxido de cálcio (CaO), com poder calorífico alcançado por meio da queima de determinado combustível, que aquece o calcário a temperaturas entre 900 e 1.350ºC. As reações químicas transformam o calcário em cal virgem. Após essa etapa, o produto na sua forma bruta e virgem segue em direção ao ponto de estocagem para beneficiamento (redução granulométrica) (CARPIO et al., 2013). Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar4 Figura 2. Britagem e peneiramento do calcário. Fonte: Coelho, Torgal e Jalali (2009, p. 25) Esse processo é realizado em altos-fornos, o mais convencional deles os fornos tipo vertical, por sua alta eficiência quando comparados a outros tipos, como os horizontais (Figura 3). Assim, para que haja a conversão do carbonato de cálcio em óxido de cálcio, a temperatura do calcário deve manter-se no intervalo anteriormente citado, liberando o dióxido de carbono (CO2) contido no carbonato de cálcio (CaCO3) (CARPIO et al., 2013). A Figura 3a apresenta o esquema de um forno contínuo vertical, que utiliza combustível de chama curta (carvão),enquanto a Figura 3b um forno rotativo, constituído por um cilindro metálico internamente revestido de material refratário (BAUER, 2008). Figura 3. Fornos a) vertical e b) horizontal para calcinação do calcário. Fonte: Adaptada de Coutinho (2006, p. 21-22). calcário calcário carvão refratário combustível cal cal a) b) 5Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar Segundo Sampaio e Almeida (2008), na etapa de calcinação, o CaCO3 atinge uma redução de cerca de 44% em relação à sua massa original, pela liberação do CO2. Quando utilizados calcários magnesianos, menos puros que os CaCO3, essa perda pode chegar ao valor de 48%. Em ambos os casos, tal perda é denominada perda ao fogo (PF). Essa fase pode ser responsável por cerca de 50% dos custos de produção (CARPIO et al., 2013). Bauer (2008) ainda cita que a proporção residual de CO2 deverá ser inferior a 3% quando a amostra for retirada do forno de calcinação e inferior a 10% quando retirada de outro local. Em geral, a calcinação se dá em temperaturas próximas às da fusão do calcário, em uma faixa aproximada de 900 a 1.000°C, processo explicado pela seguinte reação química (SAMPAIO; ALMEIDA, 2008): CaCO3 + calor → 56 CaO + 44CO2 As reações de calcinação têm início de fora para dentro dos grãos de calcário, com liberação simultânea do CO2 na interface, e o produto dessa calcinação exibe estrutura porosa e formatos idênticos aos grãos de rocha original (BAUER, 2008). A calcinação depende de alguns fatores, como (SAMPAIO; ALMEIDA, 2008): � impurezas naturais presentes na rocha; � diferenças na cristalinidade e nas ligações entre grãos; � variações na densidade e imperfeições na rede cristalina; � formas de difusão de gás para a superfície calcinada da rocha. Os fatores citados influenciam significativamente na velocidade de calcinação. Em casos de fornecimento de cal hidratada, a próxima etapa consiste na hidratação, na qual se adiciona água à cal virgem. O produto deve seguir as especificações controladas e estar de acordo com a NBR 7175:2003, que estabelece critérios para a cal hidratada para argamassas, evitando qualquer tipo de reação ao usuário final (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2003). As últimas etapas de produção da cal são a embalagem e a expedição ao mercado consumidor. Normalmente, os produtos são embalados em sacos de 20 kg (cal hidratada CH III) e 8 kg (cal de pintura), tendo como principal fina- lidade o controle da qualidade conforme cada embalagem. Posteriormente, os sacos são dispostos em pallets e expedidos ao mercado (CARPIO et al., 2013). Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar6 As normas referentes aos processos de fabricação da cal são: � NBR 9289:2000: Cal hidratada para argamassas — determinação da finura; � NBR 9205:2001: Cal hidratada para argamassas — determinação da estabilidade; � NBR 9290:1996: Cal hidratada para argamassas — determinação de retenção de água; método de ensaio; � NBR 9205:2001: Cal hidratada para argamassas — determinação da estabilidade; � NBR 9206:2016: Cal hidratada para argamassas — determinação da plasticidade; � NBR 14399:1999: Cal hidratada para argamassas — determinação da água da pasta de consistência normal; � NBR 9207:2000: Cal hidratada para argamassas — determinação da capacidade de incorporação de areia no plastômetro de Voss. Principais aplicações e comparativo com incorporadores de ar Na construção civil, a cal tem emprego bastante variado: pode ser utilizada como argamassas de assentamento e revestimento (emboço e reboco), pin- tura, misturas asfálticas, materiais isolantes, misturas solo-cal, produtos de silicato cálcico, bloco silicocalcário, estuques, tintas alcalinas de alta lavura com propriedades fungicidas e bactericidas, na adição ao concreto com a finalidade de manter o pH da água do poro e aumentar o teor de hidróxido de cálcio, etc. (BAUER, 2008). Especificamente na construção predial, que representa a maior parte das construções, seu principal uso se dá na forma de aglomerante em argamassas mistas de cimento, cal e areia. Pode-se citar as principais propriedades da cal nas argamassas como (YAZIGI, 2009): � proporciona economia, pois se trata de aglomerantes mais baratos que o cimento. Cabe ressaltar que as dosagens das argamassas geralmente são feitas em volume, enquanto a compra por peso. Assim, se um saco de cimento pesa 50 kg e tem volume aproximado de 42 litros, o mesmo peso de cal, além de ter custo reduzido, apresenta o volume de cerca de 62 litros (cal hidratada tipo III) ou 90 litros (cal hidratada tipo I). O Quadro 1 ilustra alguns valores comparativos aproximados; 7Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar � possibilita maior incorporação de areia; � apresenta maior plasticidade na mistura; � tem maior capacidade de reter água. � possibilita certo grau de isolação térmica em virtude da maior refletibilidade; � desenvolve capacidade razoável de resistência à tração e compressão quando usados como aglomerante; � melhora as condições de resistência ao aparecimento de fissuras e trincas; � tem pequena capacidade de reconstituição autógena das fissuras; � apresenta maior resistência à penetração de água; � proporciona durabilidade. Fonte: Adaptado de Yazigi (2009, p. 456). Traço de argamassa Custo percentual em relação à argamassa 1:3 (cimento:areia) Resistência à compressão aproximada (MPa) Resistência à tração aproximada (MPa) 1:3 (cimento:areia) 100% 32 — 1:1:6 73% 9 0,8 1:2:9 65% 4 0,3 a 0,4 1:3 (cal:areia) 47% — — Quadro 1. Valores comparativos entre traços de argamassa Quando utilizada em traços de cal, areia e água, a cal extinta ou hidratada proporciona consistências mais ou menos plásticas, endurecendo por recom- binação do hidróxido com o gás carbônico da atmosfera, reconstituindo o carbonato original, cujos cristais ligam permanentemente os grãos de agre- gado utilizado. Esse endurecimento se dá lentamente, de fora para dentro da argamassa, demandando, portanto, certa porosidade que permita a evaporação da água em excesso e a penetração do gás carbônico do ar atmosférico. Dessa forma, o mecanismo de endurecimento explica o nome dado a esse aglomerante: cal aérea. A reação de carbonatação pode ser assim descrita (BAUER, 2008): Ca(OH)2 + CO2 → CaCO3 + H2O Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar8 Bauer (2008) ainda comenta que essa reação ocorre na temperatura ambiente e necessita de água, verificando-se que o gás carbônico seco não combina satisfatoriamente com o hidróxido de cálcio. Os incorporadores de ar, também utilizados em concretos, diminuem o nível de tensões geradas pela variação térmica do revestimento. Em revesti- mentos argamassados, esse aditivo torna a mistura mais resistente às variações de temperatura, como sol e chuva, dificultando o seu desprendimento da parede. Alteram ainda a consistência da mistura, facilitando a aplicação da argamassa, inclusive com a utilização de equipamentos de projeção, o que agiliza o trabalho (Figura 4). Figura 4. Projeção mecânica de arga- massa com incorporadores de ar. Fonte: Martins (2012, documento on-line). Sobre os efeitos dos aditivos incorporadores de ar, Coelho, Torgal e Jalali (2009) constataram que a sua influência depende da quantidade adicionada, sendo que somente a utilização de uma quantidade entre 0,1 e 0,15% contribui comprovadamente para um aumento da trabalhabilidade das argamassas de cal aérea. Segundo estudos de Calhau e Tristão (1999), a incorporação de ar como aditivo em argamassas promoveu os seguintes resultados: 9Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar � o aumento do teor de ar incorporado provocou a diminuição da absorção por imersão, concluindo-seque o ar incorporado como aditivo bloqueou a passagem de água para o interior da argamassa, impedindo a água de ocupar o vazio das pequenas bolhas de ar; � verificou-se uma melhora significativa da trabalhabilidade, tornando as argamassas mais leves, com boa plasticidade e mais coesas; � a incorporação de ar resultou em um aumento da resistência mecânica, o que pode ser explicado pelo efeito plastificante do ar que, ao ser incorporado à argamassa em forma de pequenas bolhas, ocupa espaços de parte da água de amassamento necessária para dar trabalhabilidade às argamassas, reduzindo o fator água/cimento. De modo geral, há melhorias nas principais características das argamassas no estado fresco e endurecido, com reflexo no custo final ao produzir-se maior volume de argamassa com os mesmos materiais, conforme apresentado por Monte, Uemoto e Selmo (2003) no Quadro 2. Fonte: Adaptado de Monte, Uemoto e Selmo (2003, p. 186). Propriedades indicadas Efeito do aditivo incorporador de ar Estado fresco Índice de consistência Aumenta para mesmo a/c Densidade de massa aparente Diminui Teor de ar Aumenta Retenção de água Aumenta (reduz a exsudação) Estado endurecido Resistência mecânica Diminui para mesmo a/c Resistência de aderência Diminui para mesmo a/c Absorção capilar Diminui Retração por secagem Igual ou aumenta Densidade de massa específica Diminui Módulo de elasticidade Diminui Durabilidade Aumenta (ciclos de gelo/degelo) Quadro 2. Alteração das propriedades das argamassas com aditivos incorporadores de ar Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar10 Os blocos sílico-calcários são blocos de alvenaria estrutural fabricados com água, cal e agregados finos de areia, de natureza predominantemente quartzosa. Misturam- -se as matérias-primas e as moldam em peças, pressurizadas e compactadas com endurecimento sob ação de calor e pressão de vapor. Em todo o processo, não há o manuseio por parte de operadores, com o controle de qualidade feito na produção. Inicialmente, os blocos, por terem baixa resistência, eram utilizados somente para vedação sem função estrutural. Após a década de 1940, desenvolveram-se novos métodos de fabricação de blocos, com alta resistência, possibilitando o uso em alve- narias estruturais (ANTUNES, 2009). Cal virgem e cal hidratada, falhas nos seus usos e possíveis patologias Em linhas gerais, a cal virgem compreende o material resultante dos processos de calcinação, cujo constituinte principal é o óxido de cálcio ou o óxido de cálcio associado naturalmente ao óxido de magnésio, capaz de reagir com a água, conforme visto anteriormente. Já a cal hidratada é o material sob a forma de pó seco, obtido pela hidratação adequada da cal virgem, constituída essencialmente de hidróxido de cálcio ou de uma mistura de hidróxido de cálcio e hidróxido de magnésio, ou, ainda, de uma mistura de hidróxido de cálcio, hidróxido de magnésio e óxido de magnésio (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2003; YAZIGI, 2009). Como aglomerante para a construção civil, a cal virgem (ou viva) não é um material utilizável. Esse óxido de cálcio deve ser hidratado, transformando-se em hidróxido, o constituinte básico do aglomerante cal. Caso as operações de hidratação sejam desenvolvidas no local do emprego do material, normalmente no próprio canteiro de obras, denomina-se esse processo extinção da cal virgem, resultando na cal extinta ou apagada. Se as operações de hidratação forem realizadas em fábrica, logo após a calcinação, o processo é chamado hidratação, resultando na cal hidratada (BAUER, 2008). Logo, a única diferença entre cal extinta e cal hidratada refere-se ao seu local de hidratação e à qualidade nos processos, pois ambas formam hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) no final. Essa reação pode ser assim expressa (COUTINHO, 2006): 11Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar CaO (cal virgem/viva) + H2O → + 15,5 caloriasCa(OH)2 (cal hidratada ou extinta) Terminada a operação de extinção, a pasta deve ser “envelhecida”, para que a hidratação ocorra em todos os grãos. A pasta de cal obtida pela extinção de cal em pedra deve “envelhecer” de 7 a 10 dias. A pasta de cal em pó pode ser utilizada depois de 24 horas (BAUER, 2008). A forma de extinção da cal virgem denominada imersão, feita com excesso de água e mergulhando os blocos de cal virgem em água, apresenta endurecimento bastante lento. Por se tratar de um produto muito pouco poroso e permeável, com difícil e lenta recarbonatação, esse processo pode durar mais de 6 semanas em algumas situações. Existem argamassas romanas cujo interior ainda é mole, pelo fato de a camada exterior de carbonato de cálcio não deixar penetrar o CO2 atmosférico, impedindo, assim, a recarbonatação em zonas mais profundas (COUTINHO, 2006). A cal extinta não apresenta reações exotérmicas quando em contato com a água. Compreende produtos sob a forma de pó seco ou mistura aquosa que, em geral, não endurecem na água, pois não dispõem de propriedades hidráulicas (COUTINHO, 2006). De modo complementar, a NBR 7175:2003 classifica a cal hidratada con- forme critérios químicos e físicos em três tipos (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2003; YAZIGI, 2009): � cal hidratada CH-I — cal hidratada especial; � cal hidratada CH-II — cal hidratada comum; � cal hidratada CH-III — cal hidratada comum com carbonatos. Em relação às falhas na utilização da cal hidratada, devem-se tomar alguns cuidados quando de seu emprego como material da construção civil. As pastas de cal, após o processo de secagem, retraem e provocam fissuras. Para evitar essa retração por secagem, emprega-se areia nas argamassas de cal, com a função de “dividir” o material em “frações” menores localizadas, Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar12 melhorando a intercomunicação da argamassa com o ar atmosférico, possi- bilitando a sua carbonatação ao mesmo tempo em que ocorre a secagem. A areia utilizada deve ser do tipo silicosa ou calcária, limpa e isenta de matéria orgânica ou argila (COUTINHO, 2006). Coutinho (2006) ainda cita que o hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) é solúvel em água, ainda mais em água salgada. Logo, além de não adquirir pega nem endurecer em água, a pasta de cal é mais solúvel em água salgada, não devendo ser, portanto, usada em obras hidráulicas nem marítimas. Na execução dos revestimentos argamassados, deve-se ter cuidado com a mistura e a aplicação das argamassas. Além da especificação e da compra correta da cal, utilizar somente areia lavada para a mistura, processo no qual o traço deve ser definido de modo a aproveitar ao máximo a potencialidade dos produtos. Na aplicação, atentar-se especialmente à espessura máxima definida pelas normas técnicas, de aproximadamente 2 cm, pois espessuras maiores dificultam a recarbonatação da cal hidratada (YAZIGI, 2009). A velocidade dessa fase de recarbonatação depende da temperatura, da estrutura porosa e da umidade da pasta (COUTINHO, 2006). Outra falha possível refere-se à não observação dos períodos de cura: recomenda-se aguardar um período de pelo menos 15 dias para argamassas de assentamento, 12 dias para emboço e 30 dias para reboco. O tempo de cura de 30 dias para o reboco pode ser dispensado em caso de pintura à base de cal (YAZIGI, 2009). Para evitar muitas falhas na utilização da cal em obras civis, Yazigi (2009) cita algumas recomendações: � durante o recebimento do material, não aceitar cal com sinais de aglu- tinação (pedras) em sua composição; � na entrega do material, os sacos de cal deverão estar dispostos em pilhas não entrelaçadas (sem amarração); � a cal é um aglomerante que confere propriedades especiais às argamas- sas no estado fresco (plasticidade, retenção de água, etc.), auxiliando, ainda, no estado endurecido, conferindo, por exemplo, resistência, impermeabilidadee durabilidade. Assim, produtos ditos substitutos da cal devem ser cuidadosamente estudados, para que todas as propriedades citadas sejam plenamente satisfeitas. Atenção a esses aspectos pode evitar prejuízos à obra; � a cal deve ser armazenada em pilhas de no máximo 20 sacos, no almo- xarifado do canteiro de obras. Esse local deve ser coberto, fechado e ter 13Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar piso revestido de tábuas, estrado de madeira ou chapas de compensado. O prazo de estocagem não deve ser superior a 6 meses, e o estoque feito de maneira a garantir que os sacos mais velhos sejam consumidos antes dos recém-entregues. Sobre as possíveis manifestações patológicas quando se utiliza a cal como material de construção, citam-se aquelas relacionadas à qualidade do material empregado, à forma de preparo (composição de traço da argamassa) e à exe- cução das atividades. A NBR 13749:1996 apresenta algumas manifestações patológicas relacionadas ao emprego da cal (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1996): � fissuras mapeadas — formadas por retração da argamassa, por ex- cesso, por exemplo, de aglomerantes como a cal, apresentando-se em forma de mapa; � fissuras geométricas — quando acompanham o contorno de componen- tes da base, podendo resultar da retração da argamassa de assentamento; � vesículas — podem ser causadas pela hidratação retardada do óxido de cálcio não hidratado, que consta na cal hidratada (o interior da vesícula é branco); � pulverulência — pode ser causada por carbonatação insuficiente da cal, em argamassas de cal, dificultada por clima seco e temperatura elevada ou por ação do vento. Já um possível problema relacionado à qualidade do material diz respeito à reação incompleta de extinção ou hidratação da cal virgem, em obra ou na fábrica, respectivamente. Caso esse processo não seja efetuado adequadamente, após a aplicação do revestimento, será verificado um aumento de volume em razão das reações retardadas de hidratação, provocando fissuras, trincas e vesículas (Figura 5). Quanto à forma de preparo e execução das atividades, pode-se citar proble- mas decorrentes de traços de argamassa de cal mal dimensionados, o que pode levar à baixa resistência da argamassa em virtude da inadequada proporção entre areia e cal, resultando em uma argamassa magra e pouco aderente ao substrato. Do mesmo modo, revestimentos executados em camadas espessas, acima das recomendações normativas, dificultam a carbonatação da cal, resultando em fissuras e desplacamentos (Figura 6). Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar14 Figura 5. a) Fissuras e b) vesículas em revestimento com cal sem hidratação completa. Fonte: Adaptada de Thomaz (1989, p. 43). Figura 6. Desplacamento da argamassa de revestimento de baixa resistência. Fonte: Thomaz (1989, p. 26). 15Cal: fabricação, uso na construção, patologias, principal diferença com os incorporadores de ar ANTUNES, J. S. Estudo da construção de edifício em alvenaria estrutural com blocos sílico- -calcário numa construtora São Carlense. 2009. 49 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Engenharia Civil) – Departamento de Engenharia Civil do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009. Disponível em: <http://www.deciv.ufscar.br/tcc/wa_files/TCC2009-Juliana_Antunes. pdf>. Acesso em: 14 nov. 2018. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7175: cal hidratada para arga- massas: requisitos. Rio de Janeiro, 2003. 4 p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13749: revestimento de paredes e tetos de argamassas inorgânicas: especificação. Rio de Janeiro, 1996. 1 p. BAUER, L. A. F. Materiais de construção. 5. ed. 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