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GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 2 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, daremos início ao estudo da neuroanatomia, ramo da ciência responsável pela descrição das estruturas anatômicas complexas do sistema nervoso central e periférico. O sistema nervoso é o mais complexo e diferenciado sistema do organismo, logo, sua anatomia também é uma das mais complexas do corpo humano e, por isso, seu estudo merece uma atenção redobrada. Primeiramente, trabalharemos os principais conceitos referentes à anatomia microscópica do sistema nervoso e que envolvem o estudo das células que compõem o tecido nervoso, como os neurônios e as células da glia ou neuroglia. Com base no entendimento das características anatômicas e funcionais dessas células, será possível a compreensão dos mecanismos de transmissão dos impulsos nervosos por meio das sinapses, forma pela qual o sistema nervoso controla e coordena as funções corporais. Além disso, iniciaremos o entendimento sobre as consequências clínicas das lesões causadas por traumatismos, interferência no suporte sanguíneo e doenças infecciosas ou autoimunes no tecido nervoso. TEMA 1 – NEURÔNIOS Os neurônios são as unidades fundamentais do tecido nervoso e, por serem células excitáveis, são capazes de receber, interpretar e enviar impulsos nervosos, organizando e coordenando as funções do organismo por meio dos circuitos de condução formados por seus prolongamentos, no sistema nervoso central (SNC) e no sistema nervoso periférico (SNP). Todos os neurônios possuem como componentes básicos o corpo celular, dendritos e axônio, cada qual responsável por funções específicas (Figura 1). O corpo celular, também chamado de pericário, é o local onde se encontram o núcleo e o citoplasma com organelas normalmente também encontradas em outros tipos celulares. 3 Figura 1 – Componentes básicos de um neurônio Crédito: Logika600/Shutterstock. O núcleo é grande, granuloso e arredondado, normalmente ocupando a posição central do pericário. Nele, podem ser vistos um ou mais nucléolos, responsáveis pela alta taxa de síntese de proteínas nesse tipo de célula. No citiplasma destaca-se a presença de mitocôndrias, retículo endoplasmático granular e agranular, complexo golgiense e ribossomos, visto que essa estrutura é o centro metabólico do neurônio, além de microtúbulos e microfilamentos que fazem parte do esqueleto celular e participam dos processos de transporte de substâncias entre corpo celular e axônio. Os ribossomos podem se associar ao retículo endoplasmático rugoso e, em consequência, ao microscópio são identificados como grumos basófilos denominados corpúsculos de Nissl, responsáveis pela síntese de proteínas, que fluem ao longo dos dendritos e axônio e substituem as proteínas que foram degradadas durante a atividade celular. A observação dos corpúsculos de Nissl pode ser utilizada para a avaliação funcional dos neurônios, já que células lesadas ou exauridas costumam apresentar cromatólise, ou seja, diminuição ou desintegração dos corpúsculos de Nissl, juntamente com outros sinais de sofri- mento celular (Cosenza, 2013). Os dendritos são extensões, geralmente curtas e múltiplas, do corpo celular e têm como função receber estímulos, encaminhando-os para o corpo celular. Seu citoplasma é muito semelhante ao do corpo celular, seu diâmetro diminui à medida que se distanciam do corpo celular, e alguns dendritos emitem pequenas projeções chamadas espículas dendríticas, aumentando a superfície 4 de recepção do impulso nervoso vindo de outros neurônios. Dessa forma, as espinhas dendríticas estão relacionadas à plasticidade neural da memória e aprendizagem, ramificando-se ou diminuindo de acordo com estímulos ambientais (Figura 1). O axônio origina-se no cone de implantação do corpo celular e normalmente é único e de diâmetro uniforme. Pode ser curto ou longo e se ramifica na sua porção final, formando terminações nervosas que estabelecem conexões e encaminham a informação recebida do corpo celular para outros neurônios, células efetoras, músculos ou glândulas. O citoplasma se assemelha ao do corpo celular e a membrana plasmática pode ou não estar recoberta pela bainha de mielina, diferenciando os axônios em fibras mielínicas e fibras amielínicas (Figura 1). O transporte de substâncias entre o corpo celular e as terminações do axônio pode acontecer de forma anterógrada ou retrógrada. No transporte anterógrado, substâncias como proteínas e neurotransmissores são levadas do corpo celular para as terminações nervosas; no transporte retrógrado, algumas substâncias são levadas na direção oposta. O transporte retrógrado explica como os corpos celulares das células nervosas respondem a alterações na extremidade distal dos axônios. Por exemplo, receptores de fatores de crescimento ativados podem ser levados ao longo do axônio até seu local de ação no núcleo (Snell, 2019). Morfologicamente, os neurônios podem ser classificados em multipolares, quando apresentarem vários polos de comunicação por meio de um axônio e vários dendritos; pseudounipolares, quando tiverem um só prolongamento dividido em dendrito e axônio; e bipolares, quando possuírem dois prolongamentos, um axônio e um dendrito de tamanhos semelhantes (Schmidt; Prosdócimi, 2017). De acordo com os mesmos autores, os neurônios multipolares são o tipo mais comum no organismo, existem em maior quantidade e correspondem funcionalmente a neurônios eferentes (motores) ou a neurônios de associação (ou interneurônios). Os pseudounipolares correspondem a neurônios aferentes (sensitivos) e ficam, em geral, no sistema nervoso periférico. Já os bipolares são o tipo mais raro do organismo e existem, por exemplo, na mucosa olfatória e na retina. A Figura 2 representa os tipos morfológicos dos neurônios. 5 Figura 2 – Tipos básicos de neurônios Crédito: Designua/Shutterstock. Em relação ao comprimento do axônio, os neurônios podem ser classificados em: neurônios do tipo I de Golgi ou de projeção, quando possuírem um axônio longo, e neurônios do tipo II de Golgi, quando possuírem axônio curto. Funcionalmente, podem ser sensitivos ou aferentes, quando se dirigem ao SNC, e motores ou eferentes, quando inervam os músculos estriados esqueléticos. Podem, ainda, ser interneurônios, se estiverem interpostos entre dois neurônios (Figura 3). Por fim, dependendo dos neurotransmissores que expressam, levam também o nome dessas substâncias. Assim, expressam acetilcolina ou serotonina, por exemplo, sendo chamados de neurônios colinérgicos ou serotoninérgicos, respectivamente (Martinez; Allodi; Uziel, 2014). 6 Figura 3 – Neurônio sensitivo, neurônio motor e interneurônio Crédito: stihii/Shutterstock. TEMA 2 – NEUROGLIA As células da glia, ou simplesmente neuroglia, também estão presentes no tecido nervoso e dão suporte metabólico e estrutural aos neurônios, o que é vital para o desempenho adequado das funções neuronais. As células que formam a neuroglia, em geral, são menores e mais numerosas que os neurônios, compreendendo a metade do volume total do encéfalo e da medula espinal. Diferentemente dos neurônios, a neuroglia não produz impulso nervoso e não faz sinapse com outras células, mas é capaz de se multiplicar por mitose quando há danos no sistema nervoso, mesmo em adultos. Didaticamente, as células da glia são classificadas de acordo com sua localização no sistema nervoso. No SNC estão presentes astrócitos, oligodendrócitos, microgliócitos e células ependimárias. No SNP encontram-se as células satélites e as células de Schwann, que podem ser consideradas como um mesmo tipo celular, expressando dois fenótipos dependendo da parte do neurônio que se relacionam. A Figura4 apresenta as células que compõem a neuroglia. 7 Figura 4 – Neurônios e células da glia Crédito: LDarin/Shutterstock. Os astrócitos são as maiores e mais abundantes células da glia, possuindo vários prolongamentos citoplasmáticos que se ramificam em todas as direções. Morfologicamente são divididos em: astrócitos protoplasmáticos, presentes na substância cinzenta; e astrócitos fibrosos, encontrados na substância branca. Muitas funções estão relacionadas aos astrócitos, dentre as quais o suporte estrutural por meio do preenchimento de espaço entre neurônios e seus prolongamentos; síntese e degradação de compostos neuronais, além do armazenamento de glicogênio para reserva energética; reparo de lesões por meio do preenchimento do espaço no qual houve perda de neurônios; controle da composição iônica dos fluidos extracelulares por meio da captação de potássio e consequente tamponamento iônico; e degradação de neurotransmissores para nova síntese dessas moléculas. Os astrócitos também permitem a passagem de substâncias e matéria-prima dos capilares sanguíneos para os neurônios, bem como a liberação de resíduos dos neurônios para os capilares. Por fim, desempenham um papel importante na barreira hematoencefálica, impedindo que substâncias, toxinas e até medicamentos danifiquem os neurônios. Os oligodendrócitos, por sua vez, são menores e possuem poucos prolongamentos. Conforme sua localização, distinguem-se em: oligodendrócitos satélites, ao redor de corpos celulares de neurônios; e oligodendrócitos 8 fasciculares, junto às fibras nervosas. A função primordial dos oligodendrócitos é a produção de bainha de mielina nas fibras nervosas do SNC, conferindo aos axônios uma cobertura isolante que aumenta a velocidade de condução nervosa. Os microgliócitos são as menores células da glia e possuem poucos prolongamentos. Estão relacionados à fagocitose de detritos celulares, como resposta à lesão ou infecção no sistema nervoso, promovendo a reparação tecidual. Assemelham-se aos macrófagos do tecido conjuntivo, pois participam de respostas imunológicas que destroem microrganismos. Aumentam em número na presença de tecido nervoso lesionado por traumatismo e isquemia e em consequência de doenças como a doença de Alzheimer, doença de Parkinson, esclerose múltipla e Aids. Muitas dessas células novas são monócitos que migraram do sangue (Snell, 2019). As células ependimárias podem ter formato cuboide ou colunar e formam um epitélio simples de revestimento nas cavidades do encéfalo e no canal central da medula espinal, colocando essas cavidades em contato com o líquido cérebro-espinhal. Nos ventrículos cerebrais, um tipo de célula ependimária modificada recobre tufos de tecido conjuntivo, rico em capilares sanguíneos que se projetam da pia-máter, constituindo os plexos corioideos, responsáveis pela formação do líquido cérebro-espinhal (Machado; Raertel, 2014). As células de Schwann são responsáveis pela formação da bainha de mielina nos axônios do SNP e, por isso, são consideradas as principais células da glia presentes nessa divisão do sistema nervoso (Figura 5). Em caso de injúria de nervos, as células de Schwann desempenham importante papel na regeneração das fibras nervosas, fornecendo substrato que permite o apoio e o crescimento dos axônios em regeneração. Além disso, nessas condições apresentam capacidade fagocítica e podem secretar fatores tróficos que, captados pelo axônio e transportados ao corpo celular vão desencadear ou incrementar o processo de regeneração axônica (Machado; Raertel, 2014). 9 Figura 5 – Célula de Schwann Crédito: Designua/Shutterstock. TEMA 3 – FIBRAS NERVOSAS E NERVOS Grande parte dos axônios encontrados no sistema nervoso está envolta pela bainha de mielina, uma substância adiposa associada a proteínas, que funciona como um isolante elétrico, aumentando a velocidade de transmissão do impulso nervoso. No SNC a mielina é formada pelos oligodendrócitos e no SNP é formada pelas células de Schwann. Nesse processo, várias camadas da membrana celular dessas células se enrolam ao redor do axônio e, em alguns casos, formam duas bainhas, a de mielina e a de neurilema. Em intervalos regulares, existem interrupções nessas bainhas chamadas nódulos de Ranvier e cada segmento de fibra situado entre eles é denominado internódulo. Fibras nervosas mielínicas são aquelas formadas por axônios envoltos pela bainha de mielina que, em associação à neuroglia, formam a substância branca encontrada no sistema nervoso central. A substância cinzenta, por sua vez, é constituída pelos corpos celulares de neurônios, associados às fibras amielínicas e à neuroglia. No SNC, as fibras nervosas agrupam-se em feixes ou fascículos e no SNP as fibras nervosas formam os nervos. As fibras mielinizadas conduzem o impulso nervoso várias vezes mais rapidamente que uma fibra amielínica, pois os fenômenos elétricos responsáveis 10 pela propagação do impulso terão lugar, nas fibras mielinizadas, apenas nas regiões da membrana axônica que não estiverem envolvidas pela mielina, os nódulos de Ranvier. Essa condução em saltos possibilita uma multiplicação da velocidade de condução do impulso nervoso em até cem vezes (Cosenza, 2013). A Figura 6 representa a condução saltatória nas fibras mielinizadas. Figura 6 – Condução saltatória do impulso nervoso nas fibras mielinizadas Crédito: Pikiru/Shutterstock. Na formação dos nervos, fibras mielínicas e amielínicas são envolvidas por delicadas fibrilas de colágeno do tecido conjuntivo formando o endoneuro, camada que envolve cada fibra nervosa e as organiza em fascículos. Ao redor de cada fascículo está uma camada denominada perineuro, composta por tecido conjuntivo denso e células epiteliais. Por fim, o nervo como um todo é formado pelo conjunto de fascículos cobertos por uma camada externa chamada epineuro, da qual fazem parte tecido conjuntivo e vasos sanguíneos que trazem oxigênio e outros metabólitos importantes (Figura 7). 11 Figura 7 – Estrutura do nervo Crédito: VectorMine/Shutterstock. Em sua porção distal, os nervos irão entrar em contato com os órgãos periféricos por meio de terminações nervosas, que podem ser sensoriais ou motoras. As terminações nervosas sensoriais, também chamadas de receptores sensoriais, serão sensíveis a determinado tipo de estímulo, a partir do qual desencadearão o aparecimento de impulsos nervosos nas fibras aferentes ao SNC. Existem, assim, receptores táteis, térmicos, dolorosos etc. (Figura 8). As terminações nervosas motoras vão estabelecer contato entre as fibras nervosas e os efetuadores: músculos ou glândulas (figura 9). Elas podem ser chamadas de junções neuromusculares ou junções neuroglandulares (Cosenza, 2013). 12 Figura 8 – Receptores sensoriais da pele Crédito: Erebor Mountain/Shutterstock. Figura 9 – Junção neuromuscular Crédito: Designua/Shutterstock. TEMA 4 – CONDUÇÃO DO IMPULSO NERVOSO Os neurônios apresentam um potencial de membrana, à semelhança de outros tipos de células, cujo interior é eletricamente negativo em relação ao meio externo. As células nervosas têm a capacidade de utilizar esse potencial de membrana para a transmissão intercelular de sinais elétricos. No seu estado em 13 repouso, esse potencial é chamado potencial de repouso, e situa-se geralmente entre 70 e 90 milivolts. Os estímulos excitatórios despolarizam a membrana celular, enquanto os inibitórios hiperpolarizam-na. A despolarização, hiperpolarização, repolarização e restauração do potencial de membrana de repouso se fazem a expensas de trocas de íons (sódio, potássio, cloro, cálcio) através de canais iônicos voltagem-dependentes (Meneses, 2015). Nesse processo, estímulos elétricos, mecânicosou químicos alteram a permeabilidade da membrana plasmática dos neurônios aos íons Na+, os quais adentram o citoplasma celular, provocando a despolarização da membrana e a consequente produção de um potencial de ação de +40 mV. Ao cessar a permeabilidade aos íons Na+, a permeabilidade da membrana aos íons K+ aumenta e estes saem do citoplasma, retornando para a área localizada da célula em repouso. Esse mecanismo é chamado bomba de sódio e potássio e mantém as condições normais de repouso após o estímulo (Figura 10). Figura 10 – Bomba de sódio e potássio Crédito: Extender_01/Shutterstock. Uma vez gerado, o potencial de ação estende-se à membrana plasmática, afastando-se do ponto de início, e é conduzido ao longo do axônio como impulso nervoso. Esse impulso é autopropagado e seu tamanho e frequência não se modificam. Depois que o impulso nervoso se estendeu por dada região da membrana plasmática, outro potencial de ação não pode ser suscitado imediatamente. A duração desse estado não excitável denomina-se período 14 refratário e controla a frequência máxima que os potenciais de ação podem ser conduzidos ao longo da membrana plasmática (Snell, 2019). Quando o impulso nervoso chega até as terminações axonais, faz-se necessária uma sinapse nervosa para que a informação seja transferida para os próximos neurônios ou células efetoras. De acordo com Martin (2013), a sinapse consiste em três elementos distintos: (1) o terminal pré-ganglionar, a terminação axônica do neurônio pré-sináptico, (2) a fenda sináptica, o espaço intercelular estreito entre os neurônios e (3) a membrana receptora do neurônio pós- sináptico (Figura 11). Figura 11 – Sinapse química Crédito: Designua/Shutterstock. Para enviar uma mensagem a seus neurônios pós-ganglionares, um neurônio pré-ganglionar libera neurotransmissores, embalados em vesículas, na fenda sináptica (Figura 11). Os neurotransmissores são compostos de peso molecular pequeno; entre estes encontram-se os aminoácidos (por exemplo, glutamato; glicina; e ácido Ƴ-aminobutírico [GABA]), acetilcolina e compostos monoaminérgicos, como a noradrenalina e a serotonina. Moléculas maiores, como peptídeos (por exemplo, acefalina e substância P) também atuam como neurotransmissores. Após a liberação na fenda sináptica, as moléculas do 15 neurotransmissor difundem-se pela fenda e ligam-se aos receptores na membrana pós-sináptica. (Martin, 2013). A maioria das sinapses envolve a liberação de neurotransmissores e são, por isso, denominadas sinapses químicas, podendo ser classificadas de acordo com suas características fisiológicas, bioquímicas e morfológicas. As sinapses excitatórias despolarizam a membrana do neurônio pós-sináptico, propagando o sinal elétrico, enquanto as sinapses inibitórias hiperpolarizam a membrana do neurônio pós-sináptico, bloqueando o sinal elétrico. Bioquimicamente, existem as sinapses colinérgicas, adrenérgicas, dopaminérgicas, entre outras, dependendo do neurotransmissor liberado na fenda sináptica. Segundo critérios morfológicos, na maioria das vezes, as sinapses são axodendríticas (entre as terminações axonais do neurônio pré-ganglionar e os dendritos do neurônio pós- sináptico), axossomáticas (entre as terminações axonais do neurônio pré- ganglionar e o corpo celular do neurônio pós-sináptico) ou axoaxônicas (entre axônios dos neurônios pré e pós-ganglionares). Além das sinapses químicas, existem ainda as sinapses físicas. Esse tipo de sinapse nervosa não faz uso de neurotransmissores e possibilita a passagem do impulso elétrico por meio do acoplamento de canais iônicos em junções comunicantes, garantindo rapidez e sincronização de descarga em vários neurônios, por exemplo, no centro respiratório do bulbo, onde esse disparo sincronizado é responsável pelo ritmo respiratório. Segundo Machado e Raertel (2014), ao contrário das sinapses químicas, as sinapses elétricas não são polarizadas, ou seja, a comunicação entre os neurônios envolvidos se faz nos dois sentidos (Figura 12) 16 Figura 12 – Sinapse física Crédito: Designua/Shutterstock. TEMA 5 – CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS Lesões nos neurônios devido a traumatismos, interferência no suprimento sanguíneo, doenças infecciosas ou autoimunes podem causar comprometimento total dos neurônios e nem sempre é possível sua regeneração. Como exemplo, podemos citar a herpes-zóster, um distúrbio relativamente comum causado pela reativação do vírus varicela-zóster latente em paciente que previamente teve varicela. A infecção é detectada no primeiro neurônio sensitivo de um nervo craniano ou espinal. A lesão se apresenta como inflamação e degeneração do neurônio sensitivo, com a formação de vesículas e inflamação da pele (Figura 13). O primeiro sintoma é dor na distribuição do neurônio sensitivo, seguida alguns dias depois por erupção cutânea (Snell, 2019). 17 Figura 13 – Erupção cutânea por herpes-zóster Crédito: Anukool Manoton/Shutterstock. A desmielinização de fibras nervosas também pode acarretar patologias, como a esclerose múltipla (EM). Nesse caso, a doença tem origem autoimune, e a inflamação crônica é causada porque o sistema imune ataca, erroneamente, mielina, axônios mielinizados e oligodendrócitos no encéfalo, na medula e no nervo óptico. Dessa forma, a condução saltatória nos axônios é prejudicada, diminuindo a velocidade de condução nervosa até sua total parada. Essa doença é progressiva e os principais sintomas incluem perda de coordenação motora, fraqueza, dificuldades na visão e disfunção cognitiva. Ao longo dos anos ocorrem períodos sintomáticos cada vez mais graves seguidos por períodos de remissão (Figura 14). 18 Figura 14 – Esclerose múltipla Crédito: Designua/Shutterstock. Na Síndrome de Guillain-Barré (figura 15), a desmielinização, também de origem autoimune, acomete os nervos periféricos e a sintomatologia decorre diretamente da redução ou ausência de condução do impulso nervoso que leva à contração da musculatura estriada esquelética, resultando em fraqueza muscular progressiva seguida de paralisia. No quadro típico, a paralisia evolui de forma ascendente, iniciando-se em membros inferiores e podendo levar à perda da marcha. Em casos mais graves, atinge a musculatura respiratória, com necessidade de ventilação mecânica (Machado; Raertel, 2014). 19 Figura 15 – Síndrome de Guillain-Barré Crédito: Vector Mine/Shutterstock. Epilepsias são disfunções temporárias e normalmente reversíveis, resultantes de fatores hereditários, malformações cerebrais, erros inatos do metabolismo e até mesmo de fatores etiológicos desconhecidos, em que alterações na excitabilidade de um grupo de neurônios provocam atividade elétrica anormal e consequente perda da consciência e contração rítmica de toda a musculatura. A consciência se recupera progressivamente após cessarem as contrações musculares, mas, a longo prazo, podem ocorrer lesões cerebrais definitivas se os episódios não forem controlados (Figura 16). 20 Figura 16 – Epilepsia Crédito: Vector Mine/Shutterstock. Raiva e hanseníase são exemplos de doenças infecciosas cujos microrganismos causadores penetram nas terminações nervosas e chegam ao corpo celular de neurônios da medula por meio do fluxo axoplasmático retrógrado. Isso é possível porque terminações nervosas sensoriais livres das placas motoras e autonômicas não possuem envoltórios e, portanto, não são protegidas por barreiras como ocorre nos nervos. Na raiva, o paciente apresenta comprometimento do cérebro, confusão mental, desorientação, agressividade, alucinações e hidrofobia. Na hanseníase, as fibras nervosas são degeneradas, o que causa formigamento, reduçãona sensação de tato ou perda da sensação de temperatura (Figura 17). 21 Figura 17 – Hanseníase Crédito: Vector Mine/Shutterstock. NA PRÁTICA Anestesia é o estado de total ausência de dor e outras sensações durante uma operação, exame diagnóstico ou curativo. Ela pode ser geral, isto é, para o corpo todo, ou parcial, também chamada regional, quando apenas uma região do corpo é anestesiada. Sob o efeito de uma anestesia geral, o paciente dorme. Com anestesia regional, o paciente pode ficar dormindo ou acordado, conforme a conveniência, embora parte de seu corpo fique anestesiada. Existem diversos tipos de anestésicos gerais e locais. Os locais são depositados perto dos nervos, enquanto anestésicos gerais são administrados pela veia ou através da respiração. Todos proporcionam anestesias adequadas. A escolha do anestésico varia com o tempo e o tipo de operação, e com as condições físicas e emocionais do paciente. Depois de conhecê-lo, avaliar seus exames pré-operatórios e saber a cirurgia proposta, o anestesiologista indicará a melhor opção. 22 Com base nessas informações, procure explicar quais são os anestésicos locais mais utilizados em procedimentos médicos e cirurgias. Descreva o mecanismo de ação dessas substâncias e sua interferência na condução do impulso nervoso, bem como a relação entre o tamanho das fibras nervosas e sua sensibilidade aos anestésicos. FINALIZANDO Ao final dessa aula é possível consolidar o conhecimento a respeito das estruturas que compõem o tecido nervoso e como o funcionamento dessas estruturas permite a transmissão dos impulsos nervosos que controlam e coordenam as funções corporais pelo sistema nervoso. O neurônio é a unidade fundamental do tecido nervoso e é responsável pela transmissão dos impulsos elétricos por meio das sinapses nervosas. Entretanto, essa célula tem apoio estrutural e metabólico das células presentes na neuroglia que permitem, por exemplo, a formação da bainha de mielina nos axônios dos neurônios e o reparo dessas estruturas depois de lesões e injúrias. Os axônios dos neurônios formam as fibras nervosas e os nervos presentes no sistema nervoso central e periférico. Sua porção final forma ramificações chamadas de terminações nervosas sensoriais ou motoras, que recebem ou encaminham os impulsos nervosos para órgãos efetores como músculos e glândulas, por meio da libração de neurotransmissores nas sinapses químicas ou junções comunicantes nas sinapses físicas. Por fim, lesões no tecido nervoso permitem o desenvolvimento de algumas patologias como a esclerose múltipla, a síndrome de Guillain-Barré, epilepsias, além de infecções. 23 REFERÊNCIAS COSENZA, R. M. Fundamentos de neuroanatomia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. FALAVIGNA, A.; VALENTIN NETO, J. G. Neuroanatomia. Caxias do Sul: Educs, 2012. Tomo III. MACHADO, A.; RAERTEL, L. M. Neuroanatomia funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MARTIN. J. H. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH Editora LTDA, 2013. MARTINEZ. A.; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. MENESES, M. S. Neuroanatomia aplicada. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. NOURELDINI, M. H. A. Fundamentos de neuroanatomia: um guia clínico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. PEDROSO, J. L. et. al. Neurogenética na prática clínica. Rio de Janeiro: Atheneu, 2019. SCHIMIDT, A. G.; PROSDOCIMI, F. C. Manual de neuroanatomia humana: um guia prático. São Paulo: Roca, 2017. SNELL, R. S. Neuroanatomia clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.