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Resistência a Antibióticos

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Detetámos 
bactérias 
resistentes a 
antibióticos em 
37 amostras de 
frango. O problema 
não é exclusivo 
da carne, pelo 
que urge tomar 
medidas para 
preservar as armas 
contra infeções
RESISTÊNCIA
A ANTIbIóTICoS
Superbactérias ao ataque
A maioria 
das bactérias 
detetadas 
no frango 
são 
resistentes 
a mais do 
que um 
antibiótico
As bactérias resistentes, que so-
brevivem à ação dos antibióticos, 
representam uma séria ameaça 
para a saúde humana e animal. 
Se não se travar o seu desenvol-
vimento, num futuro próximo, a 
medicina terá grande dificuldade 
em tratar as doenças bacterianas, 
por ineficácia dos medicamentos.
O nosso estudo revela bactérias re-
sistentes em 74% das amostras de 
frango analisadas. Mas o problema 
é mais alargado. A revista de con-
sumidores norte-americana Con-
sumer Reports denunciou a sua 
presença em peru. Outros estudos 
detetaram-nas em carne de vaca e 
de porco e em legumes.
A ingestão destes alimentos, quan-
do bem cozinhados (temperaturas 
superiores a 70ºC), não representa 
perigo imediato para a saúde do 
consumidor, uma vez que as bac-
térias são destruídas pelo calor. 
No entanto, pode haver contami-
nação de produtos que consumi-
mos crus, como fruta e vegetais, 
devido a más práticas de higiene 
na cozinha.
37 amostras
debaixo de fogo
■ Os resultados da nossa análise 
a peito de frango alertam para a 
elevada prevalência de microrga-
nismos resistentes aos antibióticos 
betalactâmicos e produtores de 
ESBL (beta-lactamases de espetro 
alargado): das 50 amostras testa-
das, 37 revelaram Escherichia coli.
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Teste de 
suscetibilidade 
a antibióticos
Crescimento 
de E.coli 
produtora de 
ESBL
250 amostras de peito de frango 
o NoSSo ESTUDo
• Com o objetivo de verificar a prevalência de bactérias 
resistentes aos antibióticos, analisámos 250 amostras 
de peito de frango (sem ossos nem pele), em conjunto 
com associações de consumidores da Bélgica, Espanha 
e Itália. Meia centena das amostras foi adquirida em ta-
lhos, super e hipermercados portugueses, em abril de 
2013.
• Seguindo os métodos laboratoriais fenotípicos e cri-
térios de interpretação recomendados pela Autoridade 
Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), pesquisámos 
a existência de bactérias produtoras de ESBL (beta- 
-lactamases de espetro alargado), enzimas que confe-
rem resistência a um dos grupos de antibióticos mais 
utilizados na prática clínica humana e veterinária: 
os betalactâmicos. Estes incluem as penicilinas, seus 
derivados sintéticos e semissintéticos, e as cefalosfori-
nas, como a cefotaxima e a ceftazidima, entre outros.
• Identificadas as bactérias, determinámos a sua 
suscetibilidade ao grupo de medicamentos referido. 
Em paralelo, quisemos também conhecer a resistência 
às fluoroquinolonas, outro grupo de antibióticos de uso 
frequente (no teste, usámos a ciproflaxina). Na prática, 
verificámos a capacidade dos antibióticos para inibirem 
o crescimento dos microrganismos. Os resultados ob-
tidos permitiram-nos determinar o nível de resistência 
clínica atual àqueles fármacos e estimar a resistência 
num futuro próximo (provavelmente, menos de uma dé-
cada), se as condições se mantiverem.
■ Estas bactérias podem causar 
infeções urinárias recorrentes, 
gastrenterites e outros problemas 
graves, sobretudo em indivíduos 
mais sensíveis, como idosos, pa-
cientes com as defesas do orga-
nismo diminuídas ou que usem 
dispositivos médicos invasivos, 
como algálias ou sondas.
■ No teste de sensibilidade aos 
antibióticos, todos os microrga-
nismos foram resistentes à am-
picilina, fármaco do grupo das 
penicilinas. Na prática, um do-
ente que contraísse uma infeção 
por aquele tipo de bactérias não 
ficaria curado se tratado apenas 
com ampicilina. Além disso, 96% 
dos microrganismos identificados 
revelaram-se resistentes à cefota-
xima, 49%, à ciprofloxacina e 44%, 
à ceftazidima. Estes antibióticos 
são essenciais para controlo de 
AmoSTrAS Com BACTériAS rESiSTEnTES
BACTériAS quE SoBrEvivEm AoS AnTiBióTiCoS
Itália
Portugal
Bélgica
Espanha
Ampicilina
Cefotaxima
Ciprofloxacina
Ceftazidima
Atualmente Estimativa para o futuro
84%
100%
100%
100%
49%
76%
44%
91%
96%
74%
73%
72%
Em 250 amostras de frango analisadas nos quatro países, 195 continham bactérias 
resistentes a antibióticos e produtoras de ESbL 
No prazo de uma década, se não forem tomadas medidas, estes antibióticos perderão 
eficácia. Por exemplo: atualmente, 44% das bactérias sobrevivem à Ceftazidima; no 
futuro, as resistências mais do que duplicam 
infeções urinárias, respiratórias e 
intestinais, entre outras.
■ Se as atuais condições de de-
senvolvimento e propagação das 
resistências se mantiverem, num 
futuro próximo, muitos medica-
mentos perderão eficácia contra 
grande número de bactérias. Nes-
te cenário, a doença prolongar-se-
-á, exigirá fármacos mais potentes 
e, possivelmente, a hospitalização. 
Assim, aumentará o risco de con-
trair infeções hospitalares e, em 
casos mais complicados, haverá 
maior probabilidade de morte.
■ Mais: dado que os microrganis-
mos têm uma grande capacidade 
de adaptação, começarão a de-
senvolver defesas contra os novos 
fármacos.
■ O problema não existe apenas 
em Portugal. O nosso estudo in-
cluiu amostras provenientes da 
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RESISTÊNCIA A ANTIbIóTICoS
O consumo 
desmedido de 
antibióticos 
é o principal 
responsável 
pelo 
aparecimento 
de bactérias 
resistentes
resistência bacteriana: um problema com várias frentes
Por estarem frequentemente expostas aos antibióticos, as bactérias criam mecanismos de defesa contra os medicamentos.
Bélgica, Espanha e Itália, que reve-
laram problemas idênticos. Além 
disso, investigações realizadas na 
Alemanha, Dinamarca e França, 
entre outros, mostram o aumen-
to da contaminação de carne de 
aves, de bovino e de suíno por 
E. coli resistente .
Antibióticos em excesso
■ A utilização indiscriminada e 
inapropriada de antibióticos no 
homem, na agricultura e na pro-
dução animal é a principal respon-
sável pelo aumento das resistên-
cias. A descoberta da penicilina, 
em 1929, abriu as portas a um 
maravilhoso mundo: infeções que 
até aí dizimavam populações in-
teiras passaram a ser tratadas com 
facilidade e rapidez. Nas décadas 
seguintes, surgiram novos com-
postos e o uso de antibióticos foi 
alargado à produção animal, não 
só para tratar infeções, mas tam-
bém para promover o crescimen-
to — prática entretanto proibida 
na União Europeia. São também 
um recurso para a agricultura e, 
mais recentemente, para criação 
de peixes (aquicultura). 
■ O problema é que as bactérias 
têm uma grande capacidade de 
adapatação e começaram a de-
senvolver mecanismos de resis-
tência aos fármacos de uso mais 
comum. Trata-se de uma espécie 
de escudo protetor que incorpo-
ram nos genes e transmitem às 
“bactérias filhas” e a algumas “vi-
zinhas”, criando assim uma legião 
de superbactérias ou superbugs.
■ Além dos genes de resistência 
desenvolvidos devido à toma fre-
quente de antibióticos e por ex-
posição a ambientes com elevada 
carga bacteriana, como os hospi-
tais, podemos ser contaminados 
por contacto direto com animais 
infetados ou por via alimentar. A 
água, o solo e os vegetais com ex-
creções, lamas e detritos de explo-
rações pecuárias são outra fonte.
■ A livre circulação de pessoas e 
bens, alimentos e matérias-primas 
de origem alimentar ao nível mun-
dial contribui igualmente para a 
propagação dos microrganismos. 
■ Atualmente, há já bactérias resis-
tentes a todos os fármacos desta 
categoria atualmente disponíveis. 
Se nada for feito para travar a seu 
desenvolvimento, no futuro, pode-
remos ter um cenário semelhante 
ao vivido na era “pré-antibióticos”. 
A descoberta de novos fármacos, 
associada a outras estratégias, tem 
igualmente sido abordada, mas 
não resolveo problema: além de 
Água e solo
80 a 90% do antibiótico 
ingerido não se degrada, 
sendo expelido para 
o meio ambiente através 
das fezes e da urina. 
Estas podem também 
incluir batérias com 
mecanismos de 
resistência
Superbactérias
Desenvolvem-se nos animais, 
no homem e no meio ambiente. 
Os produtos alimentares 
e os excrementos são veículos 
de transmissão entre estes reservatórios
Agropecuária e animais de companhia
O uso indiscriminado de antibióticos 
na agricultura, produção animal, aquicultura 
e nos animais de companhia tem contribuído 
para o aparecimento de bactérias resistentes
Hospitais
Estes 
estabelecimentos 
são um grande 
reservatório de 
microrganismos, 
muitos dos quais 
resistentes aos 
fármacos
Tratamento em ambulatório
Os antibióticos usados incorretamente 
são ineficazes e aumentam o risco de resistência 
Alimentos 
contaminados
As bactérias resistentes 
não são exclusivas 
do frango. Vários 
estudos revelaram a 
sua presença noutras 
carnes, como porco, 
peru e vaca, 
e em vegetais
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cOnsumiDOres exigem
Controlo de antibióticos
e monitorização de resistências
´ O aumento das resistências aos antibióticos é das maiores 
ameaças à saúde humana. restringir o uso de antibióticos às 
situações em que são indispensáveis, tanto no Homem como 
em animais, é um passo crucial para travar as superbactérias. 
exige-se um controlo apertado da prescrição e aplicação des-
tes fármacos nas explorações pecuárias, de forma a garantir 
que são utilizados para fins terapêuticos. 
´ A Direção-geral de Alimentação e Veterinária deverá alar-
gar os programas de monitorização de resistência aos antibi-
óticos. Atualmente, existente apenas a vigilância de salmonela 
em aves de capoeira e produtos alimentares de origem animal.
 
´ Aos ministérios da saúde e da Agricultura pedem-se cam-
panhas de sensibilização para o bom uso de antibióticos.
´ Pela nossa parte, promovemos a discussão entre enti-
dades com responsabilidades no controlo das resistências, 
na busca de um compromisso com medidas para travar as 
superbactérias. Acompanhe o progresso da iniciativa no nosso 
sítio e nas próximas edições da teste saúde. 
 
ArmAS ConTrA BACTériAS
MENoS INfEçõES
´ A maioria dos microrganismos morre a 70ºC. 
Se cozinhar bem os alimentos, elimina o risco. Em caso 
de reaproveitamento de sobras, certifique-se de que 
todas as partes ficam bem quentes.
´ Manipule os alimentos em separado para evitar a 
chamada contaminação cruzada: arranje, por exem-
plo, o frango, lave bem as mãos, os instrumentos e as 
superfícies utilizados antes manusear os legumes, o 
peixe ou outra carne.
´ Lave bem a fruta e os legumes, em particular os 
que vai consumir crus.
´ Tome antibióticos apenas quando o médico os 
receitar, siga as instruções à risca e, sobretudo, nunca 
interrompa o tratamento por achar que já está curado.
Lavar e cozinhar bem os alimentos eliminam 
grande parte dos microrganismos nocivos.
Lave as mãos com 
frequência
Não pressione o médico 
para que prescreva 
antibiótico 
Para elaborar 
planos 
eficazes de 
combate à 
resistência, 
é preciso 
investigar a 
situação em 
cada país
o processo de investigação ser 
demorado, há que contar com a 
grande capacidade de adaptação 
dos microrganismos.
vigilância apertada
■ A solução é difícil e exige um tra-
balho conjunto e sincronizado das 
várias entidades responsáveis ao 
nível mundial. Nos últimos anos, 
a União Europeia tem assumido a 
liderança na limitação da utiliza-
ção de antibióticos na produção 
animal e agrícola. Vários países 
europeus, incluindo Portugal, já 
criaram sistemas de vigilância de 
resistência aos antimicrobianos. 
É preciso alargar estes sistemas a 
outras nações e garantir que fun-
cionam, de modo a monitorizar o 
impacto das resistências. 
■ Por outro lado, é necessário asse-
gurar que apenas são usados anti-
bióticos receitados por médicos e 
médicos veterinários e só para fins 
terapêuticos. Deverá também ha-
ver garantias de que os fármacos 
“de última geração” para uso hu-
mano não se aplicam em animais 
destinados ao consumo. 
■ Na produção agropecuária, as 
vacinas e as boas práticas de hi-
giene ajudam a prevenir doenças, 
diminuindo a necessidade de tra-
tamentos com antibióticos e, con-
sequentemente, a população de 
bactérias resistentes.
■ A supervisão cuidada de todo o 
processo de produção, “do prado 
ao prato”, é indispensável. A ado-
ção de medidas de higiene ade-
quadas em toda a cadeia de abate 
reduz o perigo de contaminação 
das carcaças por fezes, veículo de 
bactérias resistentes. Os trabalha-
dores das produções, centros de 
abate, de desmancha e de trans-
formação devem ser sensibiliza-
dos para este aspeto e incentiva-
dos a manusear correctamente 
os produtos, para baixar o risco 
de contaminação. Há, ainda, um 
longo caminho a percorrer para 
vencer esta batalha.

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