Prévia do material em texto
32 te st e sa úd e 10 5 ou tu br o/ no ve m br o 20 13 Detetámos bactérias resistentes a antibióticos em 37 amostras de frango. O problema não é exclusivo da carne, pelo que urge tomar medidas para preservar as armas contra infeções RESISTÊNCIA A ANTIbIóTICoS Superbactérias ao ataque A maioria das bactérias detetadas no frango são resistentes a mais do que um antibiótico As bactérias resistentes, que so- brevivem à ação dos antibióticos, representam uma séria ameaça para a saúde humana e animal. Se não se travar o seu desenvol- vimento, num futuro próximo, a medicina terá grande dificuldade em tratar as doenças bacterianas, por ineficácia dos medicamentos. O nosso estudo revela bactérias re- sistentes em 74% das amostras de frango analisadas. Mas o problema é mais alargado. A revista de con- sumidores norte-americana Con- sumer Reports denunciou a sua presença em peru. Outros estudos detetaram-nas em carne de vaca e de porco e em legumes. A ingestão destes alimentos, quan- do bem cozinhados (temperaturas superiores a 70ºC), não representa perigo imediato para a saúde do consumidor, uma vez que as bac- térias são destruídas pelo calor. No entanto, pode haver contami- nação de produtos que consumi- mos crus, como fruta e vegetais, devido a más práticas de higiene na cozinha. 37 amostras debaixo de fogo ■ Os resultados da nossa análise a peito de frango alertam para a elevada prevalência de microrga- nismos resistentes aos antibióticos betalactâmicos e produtores de ESBL (beta-lactamases de espetro alargado): das 50 amostras testa- das, 37 revelaram Escherichia coli. > 3333 te st e sa úd e 10 5 ou tu br o/ no ve m br o 20 13 Teste de suscetibilidade a antibióticos Crescimento de E.coli produtora de ESBL 250 amostras de peito de frango o NoSSo ESTUDo • Com o objetivo de verificar a prevalência de bactérias resistentes aos antibióticos, analisámos 250 amostras de peito de frango (sem ossos nem pele), em conjunto com associações de consumidores da Bélgica, Espanha e Itália. Meia centena das amostras foi adquirida em ta- lhos, super e hipermercados portugueses, em abril de 2013. • Seguindo os métodos laboratoriais fenotípicos e cri- térios de interpretação recomendados pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), pesquisámos a existência de bactérias produtoras de ESBL (beta- -lactamases de espetro alargado), enzimas que confe- rem resistência a um dos grupos de antibióticos mais utilizados na prática clínica humana e veterinária: os betalactâmicos. Estes incluem as penicilinas, seus derivados sintéticos e semissintéticos, e as cefalosfori- nas, como a cefotaxima e a ceftazidima, entre outros. • Identificadas as bactérias, determinámos a sua suscetibilidade ao grupo de medicamentos referido. Em paralelo, quisemos também conhecer a resistência às fluoroquinolonas, outro grupo de antibióticos de uso frequente (no teste, usámos a ciproflaxina). Na prática, verificámos a capacidade dos antibióticos para inibirem o crescimento dos microrganismos. Os resultados ob- tidos permitiram-nos determinar o nível de resistência clínica atual àqueles fármacos e estimar a resistência num futuro próximo (provavelmente, menos de uma dé- cada), se as condições se mantiverem. ■ Estas bactérias podem causar infeções urinárias recorrentes, gastrenterites e outros problemas graves, sobretudo em indivíduos mais sensíveis, como idosos, pa- cientes com as defesas do orga- nismo diminuídas ou que usem dispositivos médicos invasivos, como algálias ou sondas. ■ No teste de sensibilidade aos antibióticos, todos os microrga- nismos foram resistentes à am- picilina, fármaco do grupo das penicilinas. Na prática, um do- ente que contraísse uma infeção por aquele tipo de bactérias não ficaria curado se tratado apenas com ampicilina. Além disso, 96% dos microrganismos identificados revelaram-se resistentes à cefota- xima, 49%, à ciprofloxacina e 44%, à ceftazidima. Estes antibióticos são essenciais para controlo de AmoSTrAS Com BACTériAS rESiSTEnTES BACTériAS quE SoBrEvivEm AoS AnTiBióTiCoS Itália Portugal Bélgica Espanha Ampicilina Cefotaxima Ciprofloxacina Ceftazidima Atualmente Estimativa para o futuro 84% 100% 100% 100% 49% 76% 44% 91% 96% 74% 73% 72% Em 250 amostras de frango analisadas nos quatro países, 195 continham bactérias resistentes a antibióticos e produtoras de ESbL No prazo de uma década, se não forem tomadas medidas, estes antibióticos perderão eficácia. Por exemplo: atualmente, 44% das bactérias sobrevivem à Ceftazidima; no futuro, as resistências mais do que duplicam infeções urinárias, respiratórias e intestinais, entre outras. ■ Se as atuais condições de de- senvolvimento e propagação das resistências se mantiverem, num futuro próximo, muitos medica- mentos perderão eficácia contra grande número de bactérias. Nes- te cenário, a doença prolongar-se- -á, exigirá fármacos mais potentes e, possivelmente, a hospitalização. Assim, aumentará o risco de con- trair infeções hospitalares e, em casos mais complicados, haverá maior probabilidade de morte. ■ Mais: dado que os microrganis- mos têm uma grande capacidade de adaptação, começarão a de- senvolver defesas contra os novos fármacos. ■ O problema não existe apenas em Portugal. O nosso estudo in- cluiu amostras provenientes da 34 te st e sa úd e 10 5 ou tu br o/ no ve m br o 20 13 > RESISTÊNCIA A ANTIbIóTICoS O consumo desmedido de antibióticos é o principal responsável pelo aparecimento de bactérias resistentes resistência bacteriana: um problema com várias frentes Por estarem frequentemente expostas aos antibióticos, as bactérias criam mecanismos de defesa contra os medicamentos. Bélgica, Espanha e Itália, que reve- laram problemas idênticos. Além disso, investigações realizadas na Alemanha, Dinamarca e França, entre outros, mostram o aumen- to da contaminação de carne de aves, de bovino e de suíno por E. coli resistente . Antibióticos em excesso ■ A utilização indiscriminada e inapropriada de antibióticos no homem, na agricultura e na pro- dução animal é a principal respon- sável pelo aumento das resistên- cias. A descoberta da penicilina, em 1929, abriu as portas a um maravilhoso mundo: infeções que até aí dizimavam populações in- teiras passaram a ser tratadas com facilidade e rapidez. Nas décadas seguintes, surgiram novos com- postos e o uso de antibióticos foi alargado à produção animal, não só para tratar infeções, mas tam- bém para promover o crescimen- to — prática entretanto proibida na União Europeia. São também um recurso para a agricultura e, mais recentemente, para criação de peixes (aquicultura). ■ O problema é que as bactérias têm uma grande capacidade de adapatação e começaram a de- senvolver mecanismos de resis- tência aos fármacos de uso mais comum. Trata-se de uma espécie de escudo protetor que incorpo- ram nos genes e transmitem às “bactérias filhas” e a algumas “vi- zinhas”, criando assim uma legião de superbactérias ou superbugs. ■ Além dos genes de resistência desenvolvidos devido à toma fre- quente de antibióticos e por ex- posição a ambientes com elevada carga bacteriana, como os hospi- tais, podemos ser contaminados por contacto direto com animais infetados ou por via alimentar. A água, o solo e os vegetais com ex- creções, lamas e detritos de explo- rações pecuárias são outra fonte. ■ A livre circulação de pessoas e bens, alimentos e matérias-primas de origem alimentar ao nível mun- dial contribui igualmente para a propagação dos microrganismos. ■ Atualmente, há já bactérias resis- tentes a todos os fármacos desta categoria atualmente disponíveis. Se nada for feito para travar a seu desenvolvimento, no futuro, pode- remos ter um cenário semelhante ao vivido na era “pré-antibióticos”. A descoberta de novos fármacos, associada a outras estratégias, tem igualmente sido abordada, mas não resolveo problema: além de Água e solo 80 a 90% do antibiótico ingerido não se degrada, sendo expelido para o meio ambiente através das fezes e da urina. Estas podem também incluir batérias com mecanismos de resistência Superbactérias Desenvolvem-se nos animais, no homem e no meio ambiente. Os produtos alimentares e os excrementos são veículos de transmissão entre estes reservatórios Agropecuária e animais de companhia O uso indiscriminado de antibióticos na agricultura, produção animal, aquicultura e nos animais de companhia tem contribuído para o aparecimento de bactérias resistentes Hospitais Estes estabelecimentos são um grande reservatório de microrganismos, muitos dos quais resistentes aos fármacos Tratamento em ambulatório Os antibióticos usados incorretamente são ineficazes e aumentam o risco de resistência Alimentos contaminados As bactérias resistentes não são exclusivas do frango. Vários estudos revelaram a sua presença noutras carnes, como porco, peru e vaca, e em vegetais 3535 te st e sa úd e 10 5 ou tu br o/ no ve m br o 20 13 cOnsumiDOres exigem Controlo de antibióticos e monitorização de resistências ´ O aumento das resistências aos antibióticos é das maiores ameaças à saúde humana. restringir o uso de antibióticos às situações em que são indispensáveis, tanto no Homem como em animais, é um passo crucial para travar as superbactérias. exige-se um controlo apertado da prescrição e aplicação des- tes fármacos nas explorações pecuárias, de forma a garantir que são utilizados para fins terapêuticos. ´ A Direção-geral de Alimentação e Veterinária deverá alar- gar os programas de monitorização de resistência aos antibi- óticos. Atualmente, existente apenas a vigilância de salmonela em aves de capoeira e produtos alimentares de origem animal. ´ Aos ministérios da saúde e da Agricultura pedem-se cam- panhas de sensibilização para o bom uso de antibióticos. ´ Pela nossa parte, promovemos a discussão entre enti- dades com responsabilidades no controlo das resistências, na busca de um compromisso com medidas para travar as superbactérias. Acompanhe o progresso da iniciativa no nosso sítio e nas próximas edições da teste saúde. ArmAS ConTrA BACTériAS MENoS INfEçõES ´ A maioria dos microrganismos morre a 70ºC. Se cozinhar bem os alimentos, elimina o risco. Em caso de reaproveitamento de sobras, certifique-se de que todas as partes ficam bem quentes. ´ Manipule os alimentos em separado para evitar a chamada contaminação cruzada: arranje, por exem- plo, o frango, lave bem as mãos, os instrumentos e as superfícies utilizados antes manusear os legumes, o peixe ou outra carne. ´ Lave bem a fruta e os legumes, em particular os que vai consumir crus. ´ Tome antibióticos apenas quando o médico os receitar, siga as instruções à risca e, sobretudo, nunca interrompa o tratamento por achar que já está curado. Lavar e cozinhar bem os alimentos eliminam grande parte dos microrganismos nocivos. Lave as mãos com frequência Não pressione o médico para que prescreva antibiótico Para elaborar planos eficazes de combate à resistência, é preciso investigar a situação em cada país o processo de investigação ser demorado, há que contar com a grande capacidade de adaptação dos microrganismos. vigilância apertada ■ A solução é difícil e exige um tra- balho conjunto e sincronizado das várias entidades responsáveis ao nível mundial. Nos últimos anos, a União Europeia tem assumido a liderança na limitação da utiliza- ção de antibióticos na produção animal e agrícola. Vários países europeus, incluindo Portugal, já criaram sistemas de vigilância de resistência aos antimicrobianos. É preciso alargar estes sistemas a outras nações e garantir que fun- cionam, de modo a monitorizar o impacto das resistências. ■ Por outro lado, é necessário asse- gurar que apenas são usados anti- bióticos receitados por médicos e médicos veterinários e só para fins terapêuticos. Deverá também ha- ver garantias de que os fármacos “de última geração” para uso hu- mano não se aplicam em animais destinados ao consumo. ■ Na produção agropecuária, as vacinas e as boas práticas de hi- giene ajudam a prevenir doenças, diminuindo a necessidade de tra- tamentos com antibióticos e, con- sequentemente, a população de bactérias resistentes. ■ A supervisão cuidada de todo o processo de produção, “do prado ao prato”, é indispensável. A ado- ção de medidas de higiene ade- quadas em toda a cadeia de abate reduz o perigo de contaminação das carcaças por fezes, veículo de bactérias resistentes. Os trabalha- dores das produções, centros de abate, de desmancha e de trans- formação devem ser sensibiliza- dos para este aspeto e incentiva- dos a manusear correctamente os produtos, para baixar o risco de contaminação. Há, ainda, um longo caminho a percorrer para vencer esta batalha.