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NOTAS DE AULA FILOSOFIA ANTIGA (1)


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FILOSOFIA ANTIGA 
 
Introdução 
 
 A filosofia foi uma invenção totalmente grega (assim como a democracia, o teatro, as ciências). 
Os povos orientais tinham um corpo de conhecimentos empíricos transmitidos de geração em geração 
ao longo de séculos (antigos egípcios tinham a engenharia, agrimensura, medicina; os babilônios, 
astrologia), ou seja, ainda não tinham a theoria, a episteme. De qualquer modo, todos esses povos tinham 
crenças religiosas, que surgiam em seus mitos poéticos cosmogônicos e teogônicos. 
 
I) CONTEXTO HISTÓRICO DA GRÉCIA ANTIGA: PERÍODOS ARCAICO E 
CLÁSSICO 
 
a) Poemas épicos homéricos – Ilíada e Odisseia e hesiódicos – Teogonia e Os Trabalhos e os 
Dias. Mythos (enredo fabular) e métrica. Pontos importantes: 
- Encadeamento de causas/razões/motivos para as ações dos deuses e heróis; 
- Relações entre os homens e entre homens e deuses; 
- Personagens revelam piedade, coragem, ira, sabedoria, eloquência, paixão sexual; 
- Eventual punição da hybris, o que antecipa a hamartía (erro trágico): Sabedoria gnômica 
(proverbial): “Nada em excesso”, “Conhece-te a ti mesmo”. 
- Questão da Moira (destino). 
 
b) Religião dos gregos (Jean-Pierre Vernant: Mito e Religião na Grécia Antiga) 
 
- Religião Pública e dos Mistérios (orfismo, pitagorismo, Mistérios de Elêusis) 
- Na religião pública, não havia nem livro sagrado, nem dogmas, nem casta sacerdotal (eram 
apenas cargos). O núcleo da religião pública dos gregos se encontrava no sacrifício aos deuses, 
que unia (e separava) mortais e imortais (mito hesiódico de Prometeu). 
- Não havia crença na vida pós-morte, mas sim na morada subterrânea do Hades, aonde iam todas 
as almas. 
- Havia a exigência religiosa-moral da hospitalidade (Zeus), da prestação de serviços fúnebres 
ao cadáver (ainda que do inimigo), da busca da justa medida (para evitar a hybris), do temor 
frente aos deuses. 
 
c) Discussão da tese do Milagre Grego. 
 
 
PRÉ-SOCRÁTICOS 
 
 Foram os primeiros pensadores da Filosofia Ocidental, por esse motivo, também são chamados 
de pensadores originários. Localizavam-se em várias cidades gregas espalhadas pelo Mediterrâneo, 
sobretudo na Magna Grécia e Ásia Menor. Didaticamente, são divididos em “escolas”, ou seja, grupos 
formados por mestre e discípulos que problematizavam certos temas de modo semelhante. 
I) Para esses pensadores, a problematização do mundo era uma ciência. A palavra filosofia só surge mais 
tarde e se consolida aos poucos. Nas palavras de hoje, não havia nem sequer a percepção de que filosofia 
e ciência fossem atividades distintas. Para os pré-socráticos, o mundo é ordenado (kosmós), logo, é 
inteligível. Podemos e devemos utilizar argumentos racionais encadeados de forma compreensível e 
coerente para buscar explicações para as coisas e os eventos. Tais explicações acenam para as causas de 
tudo o que acontece. Assim, os pré-socráticos buscam a simplicidade por trás daquilo que aparece como 
complexo e multifacetado. Há crença na existência dos deuses, mas eles não interferem no universo e 
nem nas ações humanas. Os deuses fazem parte do universo. Finalmente, esses pensadores também 
deram início à formação de uma linguagem conceitual que seria muito importante para os filósofos 
subsequentes. Os principais conceitos são: 
a) cosmo: universo ordenado e elegante, impregnado de racionalidade; 
b) physis (natureza): algo que surge, brota, acontece a partir de si mesmo, foi o principal tema a ser 
problematizado pela Escola Milésia; 
c) arché: Elemento ou princípio que inicia e mantém um processo. É um começo que perdura 
sustentando aquilo ao qual deu início. Pode ser entendida como causa (aitia). Posteriormente, passou a 
significar o governo de uma polis, entrando na composição de palavras tais como monarquia ou 
oligarquia; 
d) logos: Palavra polissêmica. Vem do verbo legein, que primitivamente significava recolher, reunir, 
colher. O verbo, no entanto, adquiriu o importante significado de falar, sendo, portanto, um atributo 
exclusivamente humano. Assim, logos está vinculado ao universo da linguagem e do pensamento. Seus 
significados: pensamento, argumento, história, discurso, palavra, frase. Finalmente, passou a significar 
as regras de ordenação racional do pensamento ou, simplesmente, razão. A ciência que estuda tais regras 
é a ciência do logos, ou seja, a lógica. 
 
II) Os pensamentos dos pré-socráticos só podem ser encontrados em textos de outros 
autores/comentadores, isso de duas formas: doxografia, ou seja, paráfrases nas quais tais 
autores apresentam de forma resumida e comentada as principais teses pré-socráticas e 
fragmentos, citações diretas dos filósofos. A grande parte dos pré-socráticos escreveu vários 
livros, mas quase tudo se perdeu já na Antiguidade. Os fragmentos são organizados de formas 
diferentes. Uma das formas de classificação mais aceitas universalmente é chamada Diels-
Kranz. Uma importante fonte de conhecimento das vidas e pensamentos dos pré-socráticos 
(e de outros filósofos também) é a obra do biógrafo Diógenes Laércio – Vidas dos Filósofos 
Ilustres. No entanto, a obra mais traz anedotas e dados soltos sobre as vidas dos pré-
socráticos do que uma investigação mais fundamentada, logo, deve ser lida com reservas. 
 
III) ESCOLA MILÉSIA 
 
 Começaremos pela primeira escola, a Escola Milésia (Mileto), a dos pensadores da physis 
(natureza), também chamados de fisiólogos. Esses pensadores acreditavam haver na physis uma arché 
que estruturasse todos os seres e eventos. Para cada pensador da escola milésia, haveria uma arché 
distinta. O primeiro fisiólogo é também o primeiro pensador da tradição ocidental de que temos notícia. 
 
1. Tales de Mileto. 
Temos apenas um fragmento de Tales: “Tudo está cheio de deuses”. O significado dessa sentença 
é obscuro. No entanto, sabemos pela doxografia que Tales acreditava que a arché, o princípio 
unificador da physis seria um elemento - a água (não necessariamente na forma líquida). 
Provavelmente Tales chegou a essa conclusão de modo empírico, observando que o elemento 
líquido está sempre presente nas principais transformações da physis e em várias coisas – 
nascimento e morte de animais, nos alimentos, no mar e fenômenos atmosféricos, no corpo dos 
animais, nos vegetais etc. 
2. Anaximandro de Mileto. 
A arché é o Apeiron, ou seja, o Ilimitado, indefinido em características. Os elementos clássicos 
surgem do Apeiron a partir do quente e do frio. 
3. Anaxímenes. 
Modificou a doutrina de Anaximandro. A arché é o ar infinito, do qual tudo surge por 
condensação e rarefação. 
 
IV) PITÁGORAS E OS PITAGÓRICOS 
 
1. A vida de Pitágoras desde a Antiguidade é envolta em uma mistura de realidade com fantasia. 
De qualquer modo, Pitágoras provavelmente foi o criador da psicologia. A alma seria imortal e 
passaria por uma série de reencarnações, em um processo infinito (metempsicose). A história do 
mundo e das civilizações seria cíclica. 
2. Os discípulos de Pitágoras, os pitagóricos, constituíram uma espécie de seita, uma sociedade 
secreta de mistérios, cujos ritos e revelações seriam expressamente vedados aos não-iniciados. 
3. A escola pitagórica acreditava haver harmonia no mundo, chamado cosmos, pois sua essência 
seria o número. 
 
V) XENÓFANES DE COLOFON 
 
1. Foi grande crítico das crenças teológicas tradicionais e populares dos poetas gregos. Segundo 
Xenófanes, existiria um único deus, moralmente justo e imóvel, onisciente e onipotente. O 
pensador rejeitava o antropomorfismo, pois Deus era força abstrata e impessoal. 
 
VI) HERÁCLITO DE ÉFESO 
 
 Analisaremos o Fragmento 53 Diels, um dos mais importantes de Heráclito. 
 
“Pólemos pánton men patér esti, pánton de basileús, kai tous mentheoús édeixe tous de 
anthrópous, tous men doulous, epoíese tous de eleuthérous”. 
 
a) Pólemos = guerra, luta, mas não agón, que é apenas uma competição entre adversários. Na 
Pólemos, temos luta séria contra o inimigo, que é quem ameaça a integridade do povo. O inimigo 
pode ser externo ou interno, o interno é o mais perigoso. Quanto mais invisível e aparentemente 
inexistente o inimigo, mais dura e difícil a luta: deve-se espreitá-lo, deixá-lo desenvolver-se, não 
permitir que ele desconfie de nada. Pantón: Tudo é abrangido na luta, o todo do ente (panta = 
todas as coisas), logo, a luta vai muito além do humano. 
b) Páter – basileús: Duplo poder: Perto do termo “senhor” (basileús), há dois sentidos: pater como 
o que origina, e basileús como o que domina, conserva, controla, faz persistir. Logo, a luta é que 
controla o sendo do todo. A luta domina a geração e a conservação do ser. Conclusão: sem luta 
reina apenas a paralisia, a fadiga, nivelamento, equivalência, mediania, capricho e futilidade: a 
desaparição. Os poderes de destruição moram no próprio ente, cabe à luta controlá-los e dominá-
los. A luta não é contingente, muito menos arbitrária, ela é necessária. Nietzsche: poderes 
contrários da luta: apolíneo e dionisíaco. 
c) Diz-se do pólemos que édeixe – epoíese: edeixe vem de dokein (aparece a mim porque brilha, 
phaino – phainomenon – dokei moi – aparência – doxa - fama – opinião). Logo, significa fazer 
aparecer, por para fora, ou seja, aparecer em determinada delimitação, CONFORMAÇÃO 
(lembrar do Caos, abismo sem fundo e da hylé, matéria sem forma, sem eidos), ex-posição à 
visibilidade, à percepção (noein – nous). O que se expõe? Tudo o que é. Epoíese faz, produz algo 
em termos de disponibilidade para ser visto, ser percebido. O ente é posto e mantido pela vigência 
da luta, e é a luta que lhe concede solidez e estabilidade, PERSISTÊNCIA no ser. 
d) E, seguida, fala-se de deuses (theous), homens (anthropous), escravos (doulous) e de homens 
livres (eleutherous). Por que não a chuva, o vento, as árvores, as gaivotas, os templos e as poleis? 
Por que deuses e homens, livres e escravos? Não se deve entender essas figuras como partes 
arbitrárias do ser, nem mesmo como partes mais importantes do ser, mas sim como modos 
fundamentais de ser: ser deus, ser homem, ser escravo e ser senhor. Mas como? Ora, em toda 
luta, há decisão, vitória e derrota (deuses e homens), ou então desistência, derrocada, fracasso, 
insuficiência, covardia. O caráter originário da luta é a Decisão do “ou – ou”, ou a luta ou a fuga, 
ou a vitória ou a derrota. Apenas os heróis e os grandes conhecem a angústia da decisão. 
e) A sentença de Heráclito, por sua vez, também fala da verdade (alétheia), embora não 
expressamente. Aletheia, entre os gregos, tinha o significado de des-encoberto, des-velado. Mas 
o que entendemos por verdade hoje? (Exemplos de verdade = 1+1=2, estamos no mês de 
fevereiro, Brasília é a atual capital do país, o núcleo da terra é feito de níquel e ferro, há mais de 
20 alunos nesta sala agora etc. São afirmações que contêm algo verdadeiro, mas onde está esse 
algo? Está na própria afirmação, mas o que lhes concedeu o caráter de verdade? Ora a frase DIZ 
O QUE É COMO É. As afirmações dão de volta o que já encontramos: o algoritmo de adição na 
matemática, a noção de geografia, o estado da sala, dizemos que as afirmações concordam com 
a conjuntura das coisas. Enfim, a afirmação é verdadeira porque COINCIDE com a “realidade”, 
deixa-se reger pelo real, ou seja, o caráter de verdade da afirmação verdadeira está em sua 
CORREÇÃO. Mas correção provém, por sua vez, de algo ser regido/dirigido/conduzido por 
outro algo. Em suma, correção significa ser medido por algo. 
Nada mais diferente, no entanto, do que “medir” e “des-velar”. 
f) Ora, dissemos que édeixe e epoíese põem para fora o que é. Mas de onde e para onde? Para a 
visibilidade e a percepção, logo para a abertura, para o dês-velar, para o dês-encobrir e, portanto, 
para a alétheia. Logo, o ente sai do encobrimento para o aberto, para a abertura, para SER, ou 
seja, estar na abertura do aparecimento significa SER. A luta põe o que é para a abertura, para a 
verdade, para o ser. Conclusão: A essência do ser do ente encontra-se em conexão intrínseca com 
a essência da verdade (enquanto dês-velamento). Mas como a verdade enquanto des-velar-se 
tornou-se verdade enquanto correção, medida? 
 
1. Heráclito foi chamado o Obscuro, devido à complexidade de suas sentenças. Ele defendia a ideia 
de que o fogo é a arché do cosmos. O fogo seria Logos, um deus que governaria tudo. A physis 
seria governada por leis. Em sua metafísica, o mundo sempre teria existido (não teria havido 
cosmogonia). 
2. Panta rei – é a própria expressão de que tudo é mudança, movimento, devir, vir-a-ser. Há a 
manutenção da tensão entre opostos que se digladiam um contra o outro, num conflito incessante 
(polemos). 
3. O universo é a eterna transformação do fogo (Logos), em virtude do qual tudo acontece. 
 
VII) ESCOLA ELEATA (ELEIA) 
 
 Os eleatas pertencem a uma segunda geração de pensadores gregos, que visavam a contestar a 
aparente “anarquia” dos pensadores primevos defendendo o monismo, ou seja, a concepção de que 
haveria apenas um único ser. Sua influência na história do pensamento é extraordinária – Platão chamou 
Parmênides de “pai” no diálogo O Sofista. 
 
1. PARMÊNIDES DE ELEIA 
 
a) Parmênides apresentou seu pensamento em um longo poema, que chegou até nós apenas 
parcialmente, e que é chamado Poema das Duas Vias ou Poema de Verdade. O poema descreve 
um condutor de carruagens guiadas por uma parelha de cavalos alados e que se encontra defronte 
a dois caminhos distintos – o caminho da aletheia, que é o caminho do Ser, e o caminho da doxa, 
que é o caminho do não-Ser/Nada. Esse segundo caminho deve ser evitado, pois é o caminho da 
falsidade e do engano. Afinal, nada podemos dizer/pensar sobre o Nada. Afinal, do nada, nada 
se faz. Assim, conhecer o falso é conhecer nada, ou seja, nada conhecer. 
b) O único caminho válido é o do Ser. O Ser é aquilo que é (o Nada simplesmente não é). O ser é 
não-gerado e incorruptível, portanto, é eterno (os deuses existem, são imortais; os homens, 
mortais). Além disso, o Ser é contínuo, não tem vazios, nem vácuo, nem gradações. Não é 
constituído de partes, mas é pleno, repleto de si mesmo. O ser é imutável, não se altera, não se 
transforma, não se degrada, não perece. È delimitado, ou seja, é finito (segundo Zenon, é uma 
esfera plena). 
c) É a razão que mostra a verdade com evidência incontornável, apodítica. No entanto, nossa 
percepção sensorial mostra outra coisa – há mudanças, diversidade, movimento, distinções, 
partes. É daí que surge o caminho enganoso da doxa, do dokei moi, ou seja, daquilo que nos 
aparece. A doxa seria a crença de que as coisas são tais como as presenciamos com os sentidos. 
Começa a veemente desconfiança da metafísica frente aos sentidos. A razão, infalível, sobrepuja 
os dados dos sentidos, que sempre nos atraiçoam. 
 
Leitura: Poema das Duas Vias (Fragmentos 1-8), Parmênides. 
 
 
POEMA DAS DUAS VIAS - PARMÊNIDES (FRAGMENTOS I-VIII)
 
Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo que impele, conduzem-me, depois de me terem 
dirigido pelo caminho famoso da divindade, que leva o homem sabedor por todas as cidades. 
Por aí me levaram, por aí mesmo me lavaram os habilíssimos corcéis, puxando o carro, enquanto as 
jovens mostravam o caminho. 
O eixo silvava nos cubos como uma siringe, incandescendo (ao ser movido pelas duas rodas que 
vertiginosamente o impeliam de um e de outro lado), quando se apressaram as jovens filhas do sol a 
levar-me, abandonando a região da noite para a luz, libertando com as mãos a cabeçados véus que a 
escondiam. 
Aí está o portal que separa os caminhos da Noite e do Dia, encimado por um umbral de pedra; o portal, 
etéreo, fechado por enormes batentes, dos quais a Justiça vingadora detém as chaves que os abrem e 
fecham. 
A ela se dirigiram as jovens, com doces palavras, persuadindo-a habilmente a erguer para elas por um 
instante a barra do portal. E ele abriu-se, revelando um abismo hiante, enquanto fazia girar, um atrás do 
outro, os estridentes gonzos de bronze, fixados com pregos a cavilhas. Por ali, atrás do portal, as jovens 
guiaram com celeridade o carro e os corcéis. 
E a deusa acolheu-me de bom grado, mão na mão direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu: 
“Ó jovem, acompanhante de aurigas imortais, tu, que chegas até nós transportado pelos corcéis, Salve! 
Não foi um mau destino que te induziu a viajar por este caminho – tão fora do trilho dos homens –, mas 
o Direito e a Justiça. Terás, pois, de tudo aprender: o coração inabalável da realidade [ou “da verdade”] 
fidedigna e as crenças dos mortais, em que não há confiança genuína. Mas também isso aprenderás: 
como as aparências têm de aparentemente ser, passando todas através de tudo”. 
 
Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o relato que ouviste – quais os únicos caminhos de investigação 
que há para pensar: um que é, que não é para não ser, é caminho de confiança (pois acompanha a 
realidade); o outro que não é, que tem de não ser, esse te indico ser caminho em tudo ignoto, pois não 
poderás conhecer o não-ser, não é possível, nem indicá-lo [...] 
[...] pois o mesmo é pensar e ser. 
 
Nota também como o que está longe pela mente se torna firmemente presente: pois não separarás o ser 
de sua continuidade com o ser, nem o dispersando por toda a parte segundo a ordem do mundo, nem o 
reunindo. 
[...] para mim é o mesmo por onde hei de começar: pois aí tornarei de novo. 
É necessário que o ser, o dizer e o pensar sejam: pois podem ser, enquanto o nada não é: nisto te indico 
que reflitas. 
Desta primeira via de investigação te [afasto], e logo também daquela em que os mortais, que nada 
sabem, vagueiam, com duas cabeças: pois a incapacidade lhes guia no peito a mente errante; e são 
levados, ao mesmo tempo surdos e cegos, aturdidos, multidão indecisa, que acredita que o ser e o não-
ser são o mesmo e o não-mesmo, para quem é regressivo o caminho de todas as coisas. 
Pois nunca isto será demonstrado: que são as coisas que não são; mas afasta desta via de investigação o 
pensamento, não te force por esse caminho o costume muito experimentado, deixando vaguear olhos 
que não veem, ouvidos soantes e língua, mas decide pela razão a prova muito disputada de que falei. 
Só falta agora falar do caminho que é. Sobre esse são muitos os sinais de que o ser é ingênito e 
indestrutível, pois é compacto, inabalável e sem fim; não foi nem será, pois é agora um todo homogêneo, 
uno, contínuo. Com efeito, que origem lhe investigarias? Como e onde se acrescentaria? Nem do não-
ser te deixarei falar, nem pensar: pois não é dizível, nem pensável, visto que não é. E que necessidade o 
impeliria a nascer, depois ou antes, começando do nada? 
E, assim, é necessário que seja de todo, ou não. 
Nem a força da confiança consentirá que do não-ser nasça algo ao pé do ser. Por isso nem nascer, nem 
perecer, permite a Justiça, afrouxando as cadeias, mas sustém-nas: esta é a decisão acerca disso – é ou 
não é –; decidido está, então, como necessidade, deixar uma das vias como impensável e inexprimível 
(pois não é via verdadeira), enquanto a outra é a autêntica. 
Como poderia o ser perecer? Como poderia gerar-se? Pois, se era, não é, nem poderia vir a ser. 
E assim a gênese se extingue e da destruição não se fala. 
Nem é divisível, visto ser todo homogêneo, nem num lado é mais, que o impeça de ser contínuo, nem 
noutro menos, mas é todo cheio de ser e por isso todo contínuo, pois o ser é com o ser. 
Além disso, é imóvel nas cadeias dos potentes laços, sem princípio nem fim, pois gênese e destruição 
foram afastadas para longe, repelidas pela confiança verdadeira. 
O mesmo em si mesmo permanece e por si mesmo repousa, e assim firme em si fica. Pois a potente 
Necessidade o tem nos limites dos laços, que de todo o lado o cercam. 
Pois não é justo que o ser seja incompleto: pois não é carente; ao [não-]ser, contudo, tudo lhe falta. O 
mesmo é o que há para pensar e aquilo por causa de que há pensamento. 
Pois, sem o ser – ao qual está prometido –, não acharás o pensar. Pois não é e não será outra coisa além 
do ser, visto o Destino o ter amarrado para ser inteiro e imóvel. Acerca dele são todos os nomes que os 
mortais instituíram, confiantes de que eram reais: “gerar-se” e “destruir-se”, “ser” e “não ser”, “mudar 
de lugar” e “mudar a cor brilhante”. 
Visto que tem um limite extremo, é completo por todos os lados, semelhante à massa de uma esfera bem 
rotunda, em equilíbrio do centro a toda a parte; pois, nem maior, nem menor, aqui ou ali, é forçoso que 
seja. 
Pois nem o não-ser é, que o impeça de chegar até o mesmo, nem é possível que o ser seja maior aqui, 
menor ali, visto ser todo inviolável: pois é igual por todo o lado, e fica igualmente nos limites. 
Nisso cesso o discurso fiável e o pensamento em torno da verdade; depois disso as humanas opiniões 
aprende, escutando a ordem enganadora das minhas palavras. E estabeleceram duas formas, que 
nomearam, das quais uma não deviam nomear – e nisso erraram –, e separaram os contrários como 
corpos e postaram sinais, separados uns dos outros: aqui a chama do fogo etéreo, branda, muito leve, em 
tudo a mesma consigo, mas não a mesma com a outra; e a outra também em si contrária, a noite sem luz, 
espessa e pesada. 
Esta ordem cósmica eu te declaro toda plausível, de modo algum que nenhum saber dos mortais te venha 
transviar. 
 
2. MELISSO 
 
 Melisso apenas reforçou o parmenidianismo, mas o alterou em dois pontos: afirmou que o mundo 
é infinito e que existe apenas uma coisa – o Ser. 
 
3. ZENON DE ELEIA 
 
 Elaborou 40 paradoxos e, polêmico, foi vigoroso defensor de Parmênides. Nesses paradoxos, 
Zenon tentou mostrar que a crença na existência da diversidade e do movimento necessariamente leva a 
contradições incontornáveis. Nesse sentido, parece ter sido o criador da demonstração “por absurdo”. 
Exemplo: Se existe mais de uma coisa, cada uma delas deve ser ao mesmo tempo grande e pequena, ou 
mesmo existir em número limitado e ilimitado – ao mesmo tempo. Outro conhecidíssimo paradoxo é o 
de Aquiles e a Tartaruga. 
 
VIII) EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO 
 
IX) ESCOLA ATOMISTA: LEUCIPO E DEMÓCRITO 
 
X) ANAXÁGORAS 
 
 
 
 
 
PLATÃO (427 – 347) 
 
 
Biografia 
 
 Ateniense de família aristocrática, o que ajudou a trazer a discussão política para o cerne de seu 
pensamento filosófico. Pertenceu aos círculos de Crátilo (da escola heraclitiana e título de um de seus 
diálogos) e de Sócrates, provavelmente para preparar-se melhor para a atividade política, fundamental 
em uma polis democrática. Dois de seus parentes, Cármides e Crítias (parentes de Platão e também 
títulos de diálogos) participaram do Governo dos Trinta Tiranos (404-403), no pós-Guerra do 
Peloponeso. A execução de Sócrates em 399 teve impacto extraordinário em sua visão da política. A 
partir de então Platão viajou para Mégara, onde ficou por três anos e se encontrava com outros discípulos 
de Sócrates, como Euclides. Em seguida, vai a Cirene, onde conheceu Teodoro (conferir diálogo 
Teeteto). Na Magna Grécia, conheceu os pitagóricos (afirma na Carta VII, autobiográfica), sobretudo 
Arquitas, governante de Tarento. 
 Volta e permanece em Atenas de 395 a 388, quando provavelmente escrever seus diálogos 
aporéticos. Nessemomento, Platão foi convidado a permanecer na corte de Siracusa pelo tirano Dionísio 
I, onde fez duradoura amizade com Díon, parente do tirano. No entanto, Platão logo se indispôs com o 
tirano e a corte. Vendido como escravo em Égina, foi resgatado por um amigo e voltou a Atenas. Ao 
voltar, fundou em 387 sua escola de filosofia, a Academia, no jardim dedicado ao herói mítico 
Academos. A partir de então, provavelmente, começou a divulgar sua doutrina nos diálogos, o que 
aumentou ainda mais o prestígio da escola. Em 367, Platão cedeu aos argumentos de Díon e volta para 
Siracusa para aconselhar o novo tirano Dionísio II, filho de Dionísio I. Mais uma vez, Platão se indispôs 
com o tirano, que expulsou Díon de Siracusa, e Platão foi feito prisioneiro, até que conseguiu permissão 
para voltar a Atenas. Finalmente, em 361, novamente instado por Díon, que se havia refugiado em 
Atenas, Platão volta pela última vez a Siracusa. Mais uma vez, a viagem se revela um fracasso, e Platão 
só foi poupado da morte devido aos amigos influentes na Sicília. Tendo voltado a Atenas, escreve seus 
diálogos tardios, e retoma a direção da Academia até sua morte em 347. 
 
Questão Platônica 
 
 Trata-se de discutir a autenticidade e a cronologia dos diálogos, tema de notável importância 
filosófica para que possamos entender as mudanças no pensamento de Platão ao longo do tempo. As 
pesquisas só se tornaram sistemáticas nos séculos XIX e XX, e os filólogos chegaram a algumas 
conclusões parciais a partir de estudos estilométricos. Atualmente, dividimos os diálogos de Platão em 
três grandes grupos: 1) diálogos socráticos, aporéticos ou de juventude, nos quais o filósofo desenvolve 
a pesquisa socrática a respeito das virtudes humanas – as aretai – tais como a piedade, a justiça, a 
amizade, a coragem. São diálogos mais curtos, que terminam em aporia (perplexidade) e nos quais o 
personagem Sócrates, provavelmente, tem características que pertenciam ao Sócrates histórico; 2) 
diálogos de maturidade (provavelmente a partir do Mênon), nesses Platão expõe sua Teoria das Formas 
ou das Ideias, que diz respeito às instâncias suprassensíveis, que só podem ser encontradas em uma 
“segunda navegação” (Fédon). Diálogos como República, Fedro, O Banquete e Fédon são os mais 
importantes dessa fase e constituem os principais textos do chamado platonismo clássico; 3) Finalmente, 
os diálogos de velhice, mais longos, nos quais Sócrates mal aparece e em que Platão faz uma vigorosa 
crítica de sua própria Teoria das Ideias. Têm um caráter mais “dialético” e místico. 
 
Doutrinas não-escritas de Platão 
 
 O tema das doutrinas não-escritas de Platão foi intensamente explorado a partir do século XX. 
Fontes antigas afirmam que Platão deu cursos chamados Sobre o Bem na Academia. No entanto, Platão 
sempre enfatizou que jamais colocaria o conteúdo desses cursos em seus textos escritos. Sabemos pelas 
fontes que tais cursos versavam sobre os primeiros princípios, para cuja compreensão Platão defendia o 
emprego oral da dialética, além de longa preparação e rigorosas observações. Na Carta VII, Platão 
afirma que o entendimento dessas realidades últimas ocorreria “de modo imprevisto, como luz que se 
acende de uma simples fagulha, [já que] esse conhecimento nasce na alma e de si mesmo se alimenta”. 
Em outro trecho da mesma carta, o filósofo assevera que “sobre essas coisas não há nenhum escrito meu 
e nunca haverá”. 
 No entanto, alguns discípulos que presenciaram as conferências escreveram sobre tais doutrinas. 
Sabemos que Platão teve acesso a esses escritos e, embora os condenasse, admitiu que as lições tinham 
sido bem compreendidas. 
 
Crise do Logos 
 
 Podemos dizer que Platão busca um logos que diz o ser, ou seja, um discurso que diz o que é. Na 
Atenas democrática, impregnada da influência sofística, os logoi tendem a ser desvinculados da 
realidade, podendo tornar-se instrumentos de mentira, engano, ilusão, manipulação e dissimulação. Em 
outras palavras, os logoi são muitas vezes usados como instrumento de poder persuasivo – estamos no 
campo das doxai. Platão, provavelmente seguindo seu mestre Sócrates, tenta fazer o logos novamente 
dizer o que é (cf. Crátilo 386d9-387c). 
 
Importância das technai 
 
 Desde os diálogos socráticos, Platão persegue a concepção de que é necessário ter o saber de uma 
techné, um saber-fazer, para ter acesso ao discurso legítimo – o único logos que deveria aparecer na 
polis. Na democracia, em princípio, qualquer cidadão tem a liberdade de discursar e de ser ouvido, de 
ver e de ser visto. É a capacidade persuasiva do discurso entre iguais que é levada em consideração na 
ação política. Para Platão, no entanto, apenas os peritos poderiam ter acesso ao logos, ou seja, é 
necessário competência. Além disso, existe uma hierarquia entre as technai. Logo, deve haver uma 
techné superior a todas as outras, que deve governá-las. Tal techné é a dialética – a arte do bem falar, 
prerrogativa exclusiva do sábio, do filósofo. A dialética promoverá a necessária reconciliação entre o 
logos e o ser. O logos, através da dialética, volta a dizer o que é, volta a ter dignidade. 
 
 
 
ALEGORIA DA CAVERNA – INTERPRETAÇÃO 
HEIDEGGERIANA 
 
1) Interpretação da Alegoria da Caverna pelo próprio Platão (517a – 518d) 
a) Caverna: o que se mostra à visão que olha em sua volta; 
b) Fogo na Caverna: Imagem do Sol; 
c) Abóbada da Caverna: Firmamento. 
Em a, b e c temos o ente. 
d) Objetos fora da Caverna são os aspectos através dos quais o ente se apresenta (não é aparência 
exterior). Só se pode lidar com o ente (ver, calcular, sentir, visar, perceber, entender, 
arrepender-se) através do “aspecto”, que em grego é idea ou eidos; 
e) O Sol na Alegoria é aquilo que faz com que todas as coisas sejam visíveis. 
 
2) O que importa na Alegoria da Caverna não são seus elementos mas sim as transições efetuadas 
na Caverna entre as sombras e a luz, entre o dentro da Caverna e o fora, nas quais surgem para 
os olhos dois modos de perturbação, cada um deles portando um sentido diferente. Na passagem 
das sombras para a luz, fora da Caverna o ente se mostra de maneira mais essencial, mas o homem 
não está amadurecido para vislumbrá-lo; na volta à escuridão, o homem decai de seu saber e não 
consegue adaptar-se à realidade escura de um mundo inessencial. 
 
3) Em cada transição, não é apenas o olho que deve readaptar-se mas também a alma, que deve 
readaptar-se ao novo mostrar-se do ente. Estamos falando aqui de uma mudança na essência do 
homem, portanto, estamos falando da transição da apaideusia para a Paideia, que, aliás, é o modo 
como Platão introduz a Alegoria. A base da formação (paideia) é uma mudança que Platão efetua 
na essência da verdade, como mostraremos. A Paideia implica que o modo através do qual o ente 
se revela é modificado. Des-velamento = a-letheia. 
 
4) Existiriam quatro níveis de dês-velamento do ente, ou de moradas, em gradação ascendente e 
descendente, na Alegoria. Em cada morada, o alethés dá uma medida diferente. Na primeira 
morada, o alethés são as sombras. Quando as correntes caem, temos a segunda morada, na qual 
o homem que consegue divisar o contorno sombrio dos objetos iluminados pelo fogo ainda não 
tem a medida necessária para a decisão sobre o “verdadeiro”: Ele apenas se libertou das correntes 
mas ainda não foi lançado na liberdade real. Ser apenas deixado solto ainda não é a liberdade. 
Na terceira morada, fora da Caverna, as coisas todas se mostram tais como são em seu aspecto 
próprio (em si mesmas e por si mesmas), o que Platão afirma ser o mais desvelado. Aqui surge 
a libertação verdadeira, que significa a perseverança e paciência em firmar o olhar para as coisas 
que se mantêm firmes emseu aparecer. É só nessa morada que se dá então a realização efetiva 
da “formação”, o que mostra sua co-pertença com a verdade. Ora, como a paideia parte da 
apaideusia, então o homem decide-se por voltar à Caverna e libertar os outros homens do que 
estes consideram o mais desvelado para o âmbito do mais desvelado de todos. Nessa quarta 
morada, o problema é que o liberto não consegue mais orientar-se. Isso significa que ele pode 
sucumbir à verdade que ali serve de medida, ou seja, a “verdade” que afirma ser aquela 
“realidade” a única. 
5) O que nos interessa é que o desvelado tem que surgir, tem quês er arrancado do velado: Verdade 
é aquilo que se arrancou do velamento (daí: a-letheia). Por isso essa conquista é luta de vida ou 
morte. No entanto, desde o primeiro âmbito da Alegoria, Platão lida também com outra essência 
da verdade. 
 
6) A essência da Ideia reside no caráter de luminosidade e visibilidade. Ou seja, o desvelar-se deve 
sempre referir-se àquilo que é acessível pela luminosidade da Ideia. Na Alegoria é o Sol, 
enquanto fonte de luz, que dá visibilidade ao que é visto. Em Platão, o olho é helioeides – 
“conforme ao sol”, pois o próprio olho “brilha” e se entrega ao luzir, podendo, assim, acolher e 
anotar aquilo que aparece. 
 
7) O Bem não significa o “bem moral”, nem Valor, nem perceptio (“representação subjetiva” na 
Modernidade). To Agathon significa “aquilo que se presta para alguma coisa ou que torna 
prestável para alguma coisa”. Logo, a ideia do Bem é o que faz com que uma ideia, enquanto 
ideia, se preste para algo, ou seja, possibilite o aparecer de tudo o que é em sua visibilidade. 
Assim, a ideia do Bem é a ideia suprema, em duplo sentido: 
a) É a ideia mais elevada em termos do que torna todos os entes possíveis; 
b) A visada para cima em sua direção é a mais difícil. Onde quer que um ente se mostre, o 
“bem” se encontra – mesmo nas sombras, que só são sombras porque há um lume na Caverna, 
ainda que esse lume seja ignorado.