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PROTEÇÃO RADIOLÓGICA Almy Anacleto Rodrigues Da Silva1 Walter Siqueira Paes2 1. História No final do século XIX o físico Alemão Wilhelm Conrad Röentgen descobriu os raios X, quando estudava as emissões de tubos de raios catódicos. Na mesma época, Marie e Pierre Curie, paralelamente ao pesquisador francês Henri Becquerel, descobriram as substâncias radioativas. Nesta época, a descoberta de que, através do uso dos “misteriosos” raios de Roentgen, era possível obter uma imagem fotográfica do interior do corpo humano, sem a necessidade de um procedimento cirúrgico invasivo, revolucionou a medicina. Como consequência desta notável descoberta, passou-se a fazer uso desenfreado da nova tecnologia. A imagem a seguir é a primeira radiografia da história. A primeira imagem não invasiva do interior do corpo humano. Em uma se suas experiências, Röentgen colocou a mão de sua esposa, Bertha, na frente do filme e obteve a primeira radiografia da história, mostrando os ossos de Dona Bertha e até seu anel de casamento. 1 Físico de Proteção Radiológica do SESMT da Universidade de São Paulo. Doutor em Física (Instituto de Física da USP), Mestre em Ciências (Instituto de Física da USP),, Especialista em Vigilância Sanitária – área Radiações Ionizantes (Faculdade de Saúde Pública da USP) 2 Físico de Proteção Radiológica do SESMT da Universidade de São Paulo. Especialista em Radiologia Diagnóstica e Medicina Nuclear(Associação Brasileira de Física Médica) Figura 1: Primeira radiografia da história1 Uma das aplicações à época era a utilização em sapatarias de luxo. Uma radiografia do cliente calçando o sapato revelava a necessidade de eventuais ajustes na confecção do calçado, tornando-o mais confortável. A imagem a seguir ilustra essa aplicação. Figura 2: Aplicações dos raios X do início do século XX Àquela época não se sabia que a radiação ionizante é capaz de levar à indução de efeitos biológicos indesejáveis. Ocorre que o ser humano não dispõe de sensores próprios para a detecção da radiação ionizante. A radiação ionizante é invisível, inaudível, inodora e não perceptível ao tato. Se somarmos a esses fatos o uso desenfreado desencadeado pela descoberta revolucionária, não será difícil imaginar que em pouco tempo diversos efeitos biológicos indesejáveis iriam se manifestar. De fato a esposa de Roentgen teve severas consequências em sua mão. Da mesma forma os primeiros médicos radiologistas sofreram consequências. Madame Curie morreu por consequência de efeitos biológicos devidos à radiação ionizante. A sucessão destes eventos gerou o surgimento de iniciativas para entender o fenômeno e, pouco menos de trinta anos após a descoberta de Roentgen, foi criada a Comissão Internacional de Proteção Radiológica (ICRP na sigla em língua inglesa). A esta altura já havia uma coleção de casos demonstrando os malefícios associados ao uso das radiações ionizantes e o desafio inicial que se colocava era o de eliminar ou minimizar esses malefícios. Uma das alternativas seria simplesmente abandonar o uso da radiação ionizante. Essa alternativa garantiria a eliminação dos malefícios, mas junto ela traria algo extremamente indesejável: eliminaria os benefícios. Assim, a proteção radiológica nasceu de um grande desafio: como fazer para não precisar abrir mão do uso da radiação ionizante? A alternativa seria estudar e pesquisar, para entender a natureza e os mecanismos de interação destas radiações. Desta forma, ao contrário do que muitas pessoas acreditam, a proteção radiológica é favorável ao uso da radiação ionizante. Não o uso indiscriminado, mas o uso racional, que parte dos conhecimentos adquiridos. Partindo então do objetivo de viabilizar os usos da radiação ionizante, a proteção radiológica empenhou-se em conhecer seus mecanismos de ação. Esses conhecimentos são dinâmicos a medida que os estudos se aprofundam mais e geram novos conceitos e entendimentos. Há uma grande quantidade de pesquisadores, das mais diversas áreas, dedicando-se a enriquecer os conhecimentos a cerca da radiação ionizante e é possível afirmar que a radiação ionizante é um dos agentes de risco mais bem conhecidos e estudados. 2. PRINCÍPIOS BÁSICOS Considerando que a filosofia da proteção radiológica toma como base estudar e pesquisar a natureza e os mecanismos de interação da radiação ionizante, com vistas a viabilizar o uso das técnicas que a empregam, foram definidos três conceitos que representam o tripé de sustentação filosófica da proteção radiológica. Estes conceitos foram denominados Princípios Básicos de Proteção Radiológica. Embora estes conceitos sejam distintos, sua eficácia como base filosófica está na sua utilização de forma associada. Não se pratica proteção radiológica com qualidade sem que se faça uso destes três princípios concomitantemente. Os princípios são conhecidos como Princípio da Justificação, Princípio da Otimização e Princípio da Limitação de Doses (Figura 3). Otimização Limitaçãode Doses Justificação ProteProteççãoão RadiolRadiolóógicagica Otimização Limitaçãode Doses Justificação ProteProteççãoão RadiolRadiolóógicagica Figura 3: Princípios Básicos de Proteção Radiológica 2.1. Princípio da Justificação O Princípio da Justificação é enunciado da seguinte maneira pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN): Nenhuma prática ou fonte associada a essa prática será aceita pela CNEN, a não ser que a prática produza benefícios, para os indivíduos expostos ou para a sociedade, suficientes para compensar o detrimento correspondente, tendo-se em conta fatores sociais e econômicos, assim como outros fatores pertinentes. Essencialmente o que está por trás deste princípio é que os usos devem ser justificados. Todo uso da radiação ionizante pressupõe que traga benefícios. Porém, há malefícios associados a todo uso. Assim, para que um determinado uso seja justificável, os benefícios devem superar os malefícios. É uma balança de prós e contras. Tomemos alguns exemplos para analisar: • Considere a utilização de materiais radioativos luminescentes aplicados em brinquedos. Neste caso fica evidente que os benefícios são muito poucos e seguramente menores que os malefícios associados. Esta é, portanto uma utilização não justificável. Fere o Princípio da Justificação e deve ser, portanto, considerada proibida. • Considere agora uma situação hipotética em que um determinado paciente seja encaminhado por um médico para a realização de um exame diagnóstico. Vamos supor que neste caso hipotético o médico possa solicitar um exame de ressonância magnética, que não faz uso de radiação ionizante, ou um exame de tomografia computadorizada que faz uso de raios X, para obter a mesma informação. Neste caso, qual dos dois exames ele deve indicar? Segundo o Princípio da Justificação ele deve indicar o exame de ressonância magnética, por não utilizar radiação ionizante. Imagine agora, neste mesmo cenário, que o plano de saúde do paciente não contemple o exame de ressonânciamagnética, apenas o exame de tomografia computadorizada. Neste caso a indicação do exame de tomografia computadorizada passa a ser justificável. O Princípio da Justificação é de natureza subjetiva, o que implica que o que é justificável para um pode não ser para outro. No entanto, o uso do bom senso tende a aproximar as escolhas. 2.2. Princípio da Otimização O Princípio da Otimização é enunciado da seguinte maneira pela Comissão Nacional de Energia Nuclear: Em relação às exposições causadas por uma determinada fonte associada a uma prática, salvo no caso das exposições médicas, a proteção radiológica deve ser otimizada de forma que a magnitude das doses individuais, o número de pessoas expostas e a probabilidade de ocorrência de exposições mantenham-se tão baixas quanto possa ser razoavelmente exequível, tendo em conta os fatores econômicos e sociais. Nesse processo de otimização, deve ser observado que as doses nos indivíduos decorrentes de exposição à fonte devem estar sujeitas às restrições de dose relacionadas a essa fonte. Este princípio também é conhecido internacionalmente como princípio ALARA, sigla em inglês da frase As Low As Reasonably Achievable, que significa tão baixo quanto razoavelmente exequível. O conceito por trás deste princípio é o de maximizar positivamente a relação benefício-malefício. Uma vez que uma determinada prática seja justificável, implica que já foi identificado que o benefício supera o malefício. O Princípio de Otimização atua no sentido de avaliar o que pode ser feito para minimizar o malefício e/ou maximizar o benefício, dentro dos limites do que seja razoável. Tomemos alguns exemplos para analisar: • Consideremos um projeto de blindagens para uma sala contendo um equipamento emissor de raios X. Suponha que, para atender aos limites de dose estabelecidos pela CNEN para uma determinada vizinhança, seja necessário acrescentar uma folha de 1 milímetro de chumbo na parede. Esta medida é suficiente para atender um requisito legal, tornando o uso justificável. Entretanto a adoção de uma espessura maior de chumbo proporcionará uma redução ainda maior nas doses. Desde que esse acréscimo seja razoável em termos de custo, a medida é desejável e recomendável. Essa análise e a escolha de “melhorar” o que já é justificável é a filosofia do processo de otimização. • Melhorias técnicas em equipamentos e sistemas de detecção que permitam reduzir a dose em pacientes submetidos a técnicas que utilizam radiação ionizante, são processos de otimização. O Princípio da Otimização é uma ferramenta muito poderosa e frequentemente subestimada. Embora também seja de caráter subjetivo, permite que os processos e procedimentos sejam continuamente revistos e melhorados. 2.3. Princípio da Limitação de Doses O Princípio da Limitação de Doses pode ser enunciado da seguinte maneira: Os limites de dose, tanto para indivíduos do público quanto para indivíduos ocupacionalmente expostos à radiação ionizante, devem ser respeitados. Este princípio complementa a adoção dos princípios anteriores e permite tirar o caráter subjetivo das escolhas. Ele atua como um vínculo e pode ser interpretado filosoficamente como o ponto a partir do qual se considera que uma determinada escolha é intolerável. A tabela a seguir apresenta os limites primários anuais de dose efetiva e dose equivalente no cristalino, pele, mãos e pés, estipulados pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) em sua norma CNEN-NN-3.01. Tendo em vista novos resultados sobre o limiar de dose para desenvolvimento de catarata, a Comissão Internacional de Proteção Radiológica recomendou em 2011 a redução do limite máximo admissível de dose equivalente no cristalino para 20 mSv por ano em média definida em período de cinco anos, sendo que em um único ano a dose equivalente não deve ultrapassar 50 mSv. Tabela 1: Limites máximos de dose para trabalhadores e indivíduos do público. Grandeza Órgão IOE Público Dose Efetiva Corpo Inteiro 20 mSv * 1 mSv Cristalino 20 mSv ** 15 mSv Pele 500 mSv 50 mSv Mãos e Pés 500 mSv -- Dose Equivalente * Limite de Dose Efetiva de 100 mSv em 5 anos consecutivos e 50 mSv em único ano. ** Limite de Dose Equivalente de 100 mSv em 5 anos consecutivos e 50 mSv em único ano. A combinação dos três princípios dá sólida sustentação às escolhas que se fazem em relação ao uso da radiação ionizante, permitindo viabilizar os usos e atender assim aos objetivos primordiais da proteção radiológica. GRANDEZAS E UNIDADES EM PROTEÇÃO RADIOLÓGICA Logo após a descoberta dos raios X e das substâncias radioativas, várias aplicações foram iniciadas com as radiações ionizantes. O uso era desenfreado e as exposições pouco controladas, muitas vezes injustificadas para o nível de conhecimento atual, mas aparentemente normais para a época. Havia grande diversidade de técnicas para um mesmo tipo de tratamento ou diagnóstico, também grande diversidade de produtores de equipamentos de raios X. Em pouco tempo alguns pesquisadores começaram a questionar a possibilidade de que as radiações ionizantes pudessem causar efeitos danosos à saúde, mas a comprovação era difícil com o conhecimento à época. Era preciso de certa forma padronizar as técnicas de tratamento, técnicas de obtenção de imagens, realizar comparações entre aplicações, em especial na medicina. Para estudar efetivamente a produção de efeitos biológicos indesejáveis era preciso quantificar de certa forma a radiação e conhecer o feixe produzido. Em 1925 foi criada a International Commission on Radiation Units and Measurements (ICRU), com objetivo de estabelecer grandezas e unidades específicas para a área de física das radiações e definir a metodologia de medidas. A comissão atua até hoje e sempre que novas metodologias ou tecnologias são introduzidas suas recomendações são atualizadas. 2.4. Grandezas e Unidades As grandezas em Física das Radiações são estabelecidas em três categorias: grandezas físicas, grandezas de proteção e grandezas operacionais. As grandezas físicas são utilizadas para caracterizar o feixe de radiação, as grandezas de proteção são grandezas dosimétricas estabelecidas para o corpo humano, portanto não podem ser efetivamente medidas. As grandezas operacionais são aplicadas para monitoração de área e individual e podem ser medidas com instrumentos e dosímetros através de algoritmos de cálculo e calibrações. As grandezas relacionam-se através de fatores de conversão estabelecidos pela ICRU. Apresentaremos aqui algumas das grandezas físicas e de proteção. A cada grandeza é associada uma unidade de medida que em física das radiações muitas vezes tem um nome especial em homenagem a pesquisadores pioneiros na área. 2.4.1. Grandezas Físicas 2.4.1.1. Exposição A exposição, simbolizada por X, foi a primeira grandeza a ser definida em física das radiações e é definida apenas para feixes de raios X e gama com até 3 MeV de energia. A medida da exposição caracteriza a capacidade de um feixe de fótons ionizar o ar, ou seja, colocar elétrons em movimento. A definição da exposição é: dm dQX = O dQ é a quantidade total de carga de mesmo sinal, produzida no ar, quando todos os elétrons liberados por fótons no elemento de massa de ar dm são completamente freados no ar. A unidade original da exposição é o Roentgen, símbolo R, em homenagem a Wilhen Conrad Roentgen. No Sistema Internacional a unidade é o C/kg (Coulomb por quilograma). As unidades são relacionadas pela seguinte expressão:kgCxR /1058,21 4−= Dessa relação temos que a exposição de 1R em um volume de ar com a massa de 1g produz 1,61 x 1015 pares de íons. A medida da taxa de exposição é comumente utilizada em monitorações rotineiras. Ela indica o nível de exposição por unidade de tempo, geralmente dado em horas. 2.4.1.2. Dose Absorvida A Dose Absorvida, simbolizada por D, diferentemente da exposição é válida para qualquer meio material e para qualquer tipo de radiação. É a grandeza fundamental em Proteção Radiológica, pois mensura a quantidade de energia recebida por um meio. Nos seres humanos a manifestação de efeitos biológicos depende principalmente da quantidade de energia recebida. A Dose Absorvida é a medida da quantidade de energia absorvida por um elemento de massa, devida à passagem da radiação: dm EabD = Eab é a quantidade média de energia absorvida pelo meio de massa dm. A unidade original da dose absorvida é o rad (do inglês, radiation absorbed dose). No Sistema Internacional a unidade é o J/kg (Joule por quilograma) que em Física das Radiações tem o nome especial Gray, com símbolo Gy, em homenagem a Louis Harold Gray. A dose absorvida relaciona-se com a exposição de acordo com a seguinte equação: XD .00876,0= Uma exposição de 1R em um determinado ponto no ar equivale então a uma deposição de energia de 8,76 mGy de dose absorvida. A partir da medida da exposição ou taxa de exposição podemos então estimar a dose absorvida ou taxa de dose absorvida no ar, e desta forma caracterizamos um determinado feixe de radiação. Se outro meio, diferente do ar, for colocado no mesmo ponto da medida, também podemos calcular a dose absorvida nesse outro meio, porque a deposição de energia depende da diferença de absorção de energia do meio em relação ao ar, o que depende basicamente das densidades de cada meio. Assim, uma vez medida a exposição no ar, obtemos a dose absorvida no ar e com o uso de fatores de correção estimamos a dose absorvida em outros materiais. 2.4.2. Grandezas de Proteção As grandezas de proteção são definidas para o corpo humano e através delas são estabelecidos os limites máximos admissíveis de dose para um órgão ou tecido ou para o corpo todo. Os valores de dose das grandezas de proteção dão de certa forma uma indicação do risco radiológico. Aqui veremos as definições para a Dose Equivalente (Ht) em um órgão ou tecido e Dose Efetiva (E) no corpo inteiro. As grandezas de proteção são obtidas a partir da dose absorvida através do uso de fatores de ponderação que consideram diferenças existentes na capacidade de produção de efeitos biológicos de diferentes tipos de radiação e nas diferenças de sensibilidade à radiação de diferentes órgãos ou tecidos do corpo humano. No Sistema Internacional a unidade das grandezas de proteção também é dada em J/kg (Joule por quilograma), assim como a dose absorvida, porém quando estamos medindo ou estimando a dose equivalente em um órgão ou tecido ou a dose efetiva usamos o nome especial da unidade - Sievert, em homenagem a Rolf Maximilian Sievert. 2.4.2.1. Dose Equivalente no Órgão ou Tecido A Dose Equivalente no órgão ou tecido, simbolizada por Ht, é válida para qualquer tipo de radiação e é obtida a partir da dose absorvida média no tecido t devido ao tipo de radiação r (Dt,r) : rrtt wDH .,= A dose equivalente - no órgão ou tecido t, é então a dose absorvida no meio corrigido pela eficiência do tipo de radiação t em produzir efeitos biológicos, caracterizadas pelo fator de ponderação wr. Para exemplificarmos o uso dessas grandezas considere uma exposição a um determinado órgão do corpo. Se a fonte de radiação é emissora de raios X ou gama, a dose equivalente é numericamente igual à dose absorvida (por exemplo: 1 mGy de dose absorvida resultaria em 1 mSv de dose equivalente), pois wr é igual a um para fótons e elétrons. Se a fonte for de radiação alfa a mesma dose absorvida resultaria uma dose equivalente 20 vezes maior (1 mGy resultaria em 20 mSv), pois para a radiação alfa wr = 20. Avaliando apenas a dose absorvida, poderíamos pensar que o risco radiológico é o mesmo, porém quando consideramos o tipo de radiação através da dose equivalente, vemos um risco 20 vezes maior para a exposição com radiação alfa. 2.4.2.2. Dose Efetiva A Dose Efetiva está relacionada com a absorção de energia considerando o corpo todo. É a grandeza utilizada para limitação de doses para indivíduos ocupacionalmente expostos e indivíduos do público. É definida como a somatória das doses equivalentes em cada tecido ou órgão do corpo, ponderada pela sensibilidade do órgão ou tecido à radiação: t t rrt t tt wwDwHE ... ,∑∑ == A sensibilidade do órgão ou tecido é também estimada por um fator de ponderação wt, estabelecido pela ICRP a partir de estudos epidemiológicos. A tabela a seguir mostra valores de wt para alguns órgãos e tecidos e sua variação ao longo dos anos. Tabela 2: Valores de wt para alguns órgão e tecidos e sua variação ao longo dos anos. ÓRGÃO 1977 1990 2007 Gônadas 0,25 0,20 0,08 Mama 0,15 0,05 0,12 Medula óssea 0,12 0,12 0,12 Pulmão 0,12 0,12 0,12 Tireóide 0,03 0,05 0,04 Osso (superfície) 0,03 0,01 0,01 Restante do corpo 0,30 0,05 0,12 Variação dos valores de Wt 3. FATORES DE PROTEÇÃO RADIOLÓGICA Os aspectos teóricos e filosóficos da Proteção Radiológica, regidos pelos princípios básicos, são essenciais para o planejamento e desenvolvimento seguro de práticas que envolvem o uso da radiação ionizante. Há, entretanto, alguns aspectos de ordem prática que, se corretamente aplicados, permitem direcionar as ações para diminuir as doses de radiação recebidas. Estes fatores de proteção radiológica são o tempo de exposição, a distância da fonte de radiação e o uso de blindagens adequadas. 3.1. Tempo de Exposição Quanto menor o tempo de exposição à radiação ionizante menor será a dose recebida. Embora este fator seja óbvio, há alguns detalhes importantes a respeito do tempo de exposição como ferramenta para a redução de doses. É importante lembrar que a radiação ionizante, quando interage com um organismo vivo, deposita energia em uma fração de tempo extremamente pequena, da ordem de trilhonésimos de segundo. Os eventuais efeitos biológicos resultantes destas exposições dependem desta absorção inicial de energia. Isso implica que, uma vez sob a ação de um feixe de radiação, não há tempo para tomar iniciativas no sentido de evitar a absorção de energia da radiação incidente. Essa característica da ação da radiação impõe que, quaisquer que sejam as medidas a se tomar para minimizar as doses recebidas, devem ser tomadas antes do início das atividades que envolvem a manipulação das fontes emissoras de radiação. Assim, o planejamento é condição necessária ao exercício adequado da proteção radiológica. Outro aspecto prático importante a se ressaltar é que, embora seja desejável diminuir as doses recebidas, não se pode tentar obter isso fazendo tudo com pressa. Aqui vale o ditado de que a pressa é inimiga da perfeição. Há casos conhecidos de indivíduos que transportavam frascos contendo material radioativo e que, na tentativa de reduzir o tempo de exposição, percorreram a distância correndo e tropeçaram, derramando o conteúdo do frasco no chão e nas roupas, aumentando assim as doses recebidas, sem mencionar o aumento na produção de rejeitos radioativos devidos ao processo de descontaminação. Novamente aqui o planejamento, aliado ao conhecimento dosriscos associados a cada etapa da manipulação, são essenciais para os objetivos da proteção radiológica. 3.2. Blindagem Há um “mito” de que chumbo é a blindagem universal para a radiação ionizante. Embora o chumbo seja um material comumente utilizado como blindagem, não é o material mais adequado como blindagem para todos os tipos de radiação e nem tampouco é o único material adequado. Inicialmente é importante lembrar que a radiação ionizante interage com qualquer meio material, provocando ionizações nos átomos do meio e depositando energia em seu percurso. Assim, qualquer material pode servir como blindagem. Como os diferentes tipos de radiação interagem de maneira diferente com a matéria, é de se esperar que os materiais adequados como blindagem também variem conforme o tipo de radiação. Assim, os diferentes materiais podem ter maior ou menor eficiência como blindagem, dependendo do tipo de radiação. Apresentamos a seguir alguns exemplos de materiais adequados como blindagem, conforme o tipo de radiação. • Para a radiação gama ou os raios X o chumbo é uma escolha adequada. Há outros materiais bastante utilizados como o concreto, em salas de radioterapia, e argamassas baritadas, utilizadas em salas de raios X- diagnóstico. Há algumas aplicações onde o tungstênio pode ser a escolha mais adequada; • Para a radiação beta é conveniente fazer uso de materiais de número atômico baixo, tais como acrílico, plásticos, madeira e até mesmo água; • Para a radiação alfa uma simples folha de papel é suficiente como blindagem, bem como alguns centímetros de ar; • Para nêutrons, conforme sua energia, materiais hidrogenados como parafina ou água são escolhas adequadas. Cádmio também pode ser um material adequado. Figura 4: Blindagens de tijolos de chumbo prismáticos. Figura 5: Blindagens de acrílico para manipulação de emissores de partículas beta. Figura 6: Blindagem com vidro plumbífero para manipulação de emissores gama. Figura 7: Armário Blindado de Aço Inox. Figura 8: Biombo de alvenaria com massa baritada e vidro plumbífero em sala de raios X diagnóstico. A escolha de um material como blindagem deve levar em consideração diversos fatores, tais como sua eficiência, custo, facilidade de instalação, capacidade estrutural e até mesmo aspectos estéticos. 3.3. Distância Aumentar a distância em relação a uma determinada fonte de radiação promove redução na dose. Há dois fatores que contribuem para que isso ocorra, um fator puramente geométrico e outro fator de blindagem. Quando aumentamos a distância em relação a uma fonte emissora de radiação ionizante, não estamos apenas nos distanciando da fonte. Estamos também aumentando a quantidade de ar entre nosso corpo e a fonte. Isso quer dizer que estamos aumentando a quantidade de blindagem. O ar pode ser extremamente pouco eficiente como material de blindagem para a radiação gama ou os raios X, mas é muito eficiente para blindar a radiação alfa e a radiação beta de baixa energia. Sendo assim, dependendo do tipo de radiação ionizante, aumentar a distância e, consequentemente, a quantidade de ar entre o corpo e a fonte de radiação pode reduzir significativamente a dose. Outro fator que leva à diminuição da dose pelo aumento da distância é um fator geométrico. Uma fonte de radiação emite radiação em todas as direções. Isso implica necessariamente que nem toda a radiação que uma fonte emite é capaz de atingir um indivíduo. A radiação emitida na direção oposta à do indivíduo, por exemplo, não o atinge. A uma dada distância de uma fonte, apenas uma determinada parcela das emissões, atinge um indivíduo. À medida que nos afastamos da fonte, como o feixe de radiação é divergente, uma parcela menor deste feixe atinge o indivíduo. Quando as dimensões da fonte são significativamente menores do que o indivíduo irradiado, esta relação geométrica é conhecida como “lei do inverso do quadrado da distância”. Neste caso, ao dobrar a distância, diminuímos a dose para um quarto do valor inicial. A figura a seguir ilustra esse fator geométrico de diminuição da dose. Verificamos claramente que parte do feixe que atingiria o indivíduo no ponto A, mais perto da fonte, não o atinge se ele se afastar para o ponto B, logo a essa distância a dose é menor que no ponto A. Figura 9: Demonstração da lei do inverso do quadrado da distância 4. EFEITOS BIOLÓGICOS Sabemos que a radiação ionizante é um “transportador” de energia. Sabemos também que a radiação ionizante perde energia quando atravessa um meio material, por intermédio de um fenômeno conhecido como ionização. Mas o que acontece quando o meio que a radiação ionizante está atravessando é um organismo vivo, como um ser humano, por exemplo? Quais as consequências desta deposição de energia no corpo? Para responder a estas perguntas é necessário entender os mecanismos de indução de efeitos biológicos devidos à interação da radiação ionizante com os seres vivos. Um efeito biológico induzido pela radiação ionizante, como o câncer, por exemplo, não aparece imediatamente após a irradiação. Inicialmente ocorre a ionização, onde se dá a absorção da energia incidente. A partir desta ionização podem ocorrer alterações moleculares e estas, por sua vez, podem levar a danos em órgãos ou tecidos. Tudo depende então da absorção inicial de energia. É razoável supor que, quanto maior a quantidade de energia depositada pela radiação, maior o dano biológico. Embora esta suposição não esteja incorreta, veremos a seguir que há vários fatores a ser considerados para uma correta interpretação do potencial de produção de efeitos biológicos da radiação ionizante. 4.1. Classificação dos Efeitos Biológicos No intuito de facilitar o entendimento das variáveis relacionadas à produção de efeitos biológicos induzidos pela radiação ionizante, apresentaremos a seguir a classificação destes danos e efeitos, conforme a variação de alguns aspectos e fatores. 4.1.1. Danos Diretos Um organismo vivo é formado por diferentes tipos de células. Isso implica que a radiação pode atingir diferentes tipos de células, com consequências diferentes. Imaginemos inicialmente que a radiação ionizante incide em um indivíduo e provoca uma ionização em um átomo de uma importante molécula do corpo deste indivíduo, danificando aquela estrutura molecular. Este é um tipo de dano causado diretamente pela ação da radiação naquela molécula e por isso é classificado como dano direto. Esta classificação, embora pareça óbvia demais, tem importância quando comparada com a ação dos danos indiretos, descritos a seguir. 4.1.2. Danos Indiretos Imaginemos novamente que a radiação ionizante incide em um indivíduo. Entretanto, vamos imaginar agora que a radiação provoca uma ionização em um átomo de uma molécula de água do corpo deste indivíduo, danificando esta molécula. Seguramente o dano numa molécula de água no organismo é potencialmente menos prejudicial do que o dano em uma estrutura importante do organismo, como o DNA. Entretanto, a ionização de uma molécula de água pode levar à formação de radicais livres, que são compostos quimicamente reativos. Este processo é conhecido como radiólise da água. Estes radicais livres formados podem se combinar, entre si, gerando novos produtos ainda mais reativos. Estes produtos reativos dentro do organismo, por sua vez, podem levar a danos em estruturas importantes, como o DNA. Neste caso, a radiaçãonão causou dano diretamente no DNA. O dano foi causado por “subprodutos” da ionização de moléculas de água. Este é um tipo de dano causado indiretamente pela ação da radiação naquela estrutura e por isso é classificado como dano indireto. Se considerarmos que o ser humano possui em sua composição mais de 70% de moléculas de água, este é naturalmente o tipo de molécula que possui maior probabilidade de ser atingida pela radiação ionizante incidente. Consequentemente, nos seres humanos, a probabilidade de ocorrência de dano indireto é maior do que a probabilidade de ocorrência do dano direto. 4.1.3. Efeitos Agudos Os efeitos biológicos devidos à interação da radiação ionizante com os seres vivos podem variar consideravelmente quanto ao tempo de manifestação. Os efeitos classificados como agudos são aqueles que se manifestam num intervalo de tempo relativamente curto após a irradiação. No caso dos seres humanos estes efeitos manifestam-se em no máximo dois meses após a irradiação. São efeitos característicos de exposições a doses elevadas de radiação. Os principais exemplos, no caso dos seres humanos, são as queimaduras (eritemas), queda na contagem de plaquetas, náuseas e vômitos. Figura 10: Radiodermite provocada por alta dose de radiação ionizante.2 4.1.4. Efeitos Tardios Os efeitos classificados como tardios são aqueles que se manifestam num intervalo de tempo longo após a irradiação. No caso dos seres humanos estes efeitos manifestam-se em anos ou dezenas de anos após a irradiação. São efeitos característicos de exposições a doses pequenas de radiação. O principal exemplo, no caso dos seres humanos, é o câncer. 4.1.5. Efeitos Genéticos ou Hereditários Os efeitos biológicos devidos à interação da radiação ionizante com os seres vivos também podem variar quanto ao tipo de célula atingida. Os efeitos classificados como genéticos ou hereditários são aqueles que ocorrem a partir de danos provocados pela irradiação de células germinativas (óvulos ou espermatozoides). Estes efeitos podem manifestar-se quando estas células reprodutivas forem utilizadas no processo de reprodução. Nestes casos o efeito biológico se manifestará nos descendentes dos indivíduos irradiados. Os principais exemplos são as mutações genéticas e as malformações. 4.1.6. Efeitos Somáticos Os efeitos classificados como somáticos são aqueles que ocorrem a partir de danos provocados pela irradiação de quaisquer células do organismo, exceto as células germinativas (óvulos ou espermatozoides). Nestes casos, o efeito biológico manifestar-se-á nos próprios indivíduos irradiados. Alguns exemplos são o câncer, as queimaduras (eritemas) e a catarata. 4.1.7. Efeitos Estocásticos Os efeitos biológicos devidos à interação da radiação ionizante com os seres vivos também podem variar quanto à quantidade de energia depositada pela radiação. Os efeitos classificados como estocásticos são característicos de exposições a pequenas doses de radiação. Sua principal característica é o fato de que não apresentam um limiar de dose para sua ocorrência. São efeitos de natureza essencialmente probabilística e a sua probabilidade de ocorrência aumenta com o aumento da dose. Essa característica tem uma implicação muito importante, que é o fato de que para qualquer dose de radiação, por menor que seja, está associada uma probabilidade maior do que zero para a ocorrência deste tipo de efeito. Sob o ponto de vista da proteção radiológica este aspecto é fundamental, pois é justamente o que dá base filosófica para o princípio da justificação (vide capítulo PR- 2). Não faz sentido receber uma dose de radiação, por menor que seja, sem que exista um benefício maior em troca! Este tipo de efeito apresenta ainda como característica o fato de que sua gravidade independe da dose de radiação. O principal exemplo, no caso dos seres humanos, é o câncer. 4.1.8. Efeitos Determinísticos (Reações Teciduais) Os efeitos classificados como determinísticos são característicos de exposições a doses elevadas de radiação. Sua principal característica é o fato de que apresentam um limiar de dose para sua ocorrência. Em outras palavras, implica que só ocorrem se um determinado valor de dose for superado. Para este tipo de efeito a gravidade aumenta com o aumento da dose. Alguns exemplos são as queimaduras (eritemas), a epilação (queda de pelos) e a catarata. Figura 11: Catarata em olho de médico intervencionista.2 4.2. Radiossensibilidade Outro fator a ser considerado quanto à indução de efeitos biológicos pela radiação ionizante é o fato de que diferentes estruturas celulares podem possuir diferente sensibilidade à radiação. Este fator é conhecido como radiossensibilidade e tem diversos aspectos importantes. De uma maneira geral podemos indicar em ordem decrescente de sensibilidade à radiação, os seguintes sistemas: SISTEMA HEMATOPOIÉTICO ò SISTEMA GASTROINTESTINAL ò SISTEMA NERVOSO Em proteção radiológica este fator pode ser determinante na escolha do tipo de proteção para uma determinada prática. No radiodiagnóstico odontológico, por exemplo, há recomendação para o fornecimento de protetor de tireoide aos pacientes, pois este órgão é reconhecidamente sensível à radiação ionizante. Em radioterapia, por exemplo, este aspecto é fundamental na determinação da viabilidade ou não do tratamento. Os tratamentos em radioterapia, de maneira geral, só são indicados nos casos em que o tipo de câncer a ser tratado é reconhecidamente sensível à radiação. Caso contrário, corre-se o risco de danificar mais os tecidos adjacentes sadios do que o tecido do tumor. 4.3. Mecanismos de Reparo Celular É conhecido que, sob pressão do meio ambiente, os organismos evoluem através de uma resposta adaptativa. Este é um processo conhecido como seleção natural, onde os mais aptos tendem a prosperar. Assim, o ser humano e os demais organismos que vivem no planeta evoluíram, adaptando-se continuamente ao meio em que vivem. A radiação ionizante está presente desde os primórdios da formação do planeta e, portanto, todos os organismos que habitam o planeta estão sujeitos à sua ação. Isto implica que, dentre os diferentes fatores de pressão ambiental que atuaram e atuam nos processos evolutivos no planeta, a radiação ionizante é um deles. O homem, assim como outros organismos, possui uma resposta adaptativa à ação danosa da radiação ionizante e de outros agentes, conhecida como mecanismo de reparo celular. Este mecanismo atua, dentro de certos limites, permitindo que certos danos induzidos pela radiação ionizante sejam reconhecidos e reparados, tais como alguns danos no DNA. 5. RECOMENDAÇÕES DE PROTEÇÃO RADIOLÓGICA O uso de técnicas que empregam fontes emissoras de radiação ionizante visa benefícios específicos. Entretanto, ao uso de qualquer fonte emissora de radiação ionizante há malefícios associados, que se traduzem principalmente na forma de riscos de incidência de efeitos biológicos. É razoável supor que quando os malefícios associados superam os benefícios, o uso se torna injustificável. A Proteção Radiológica pode ser entendida basicamente como o conjunto de ações que visa viabilizar o uso das técnicas que empregam fontes emissoras de radiação ionizante. Neste sentido, esforços são direcionados em maximizar positivamente a relação benefício versus malefício. É muito comum as pessoas envolvidas nas aplicações das radiações ionizantes associarem a Proteção Radiológica unicamente à verificação pormeio de monitoração individual do respeito aos limites de dose. De fato, nos primórdios das aplicações a regra principal era a limitação de doses, ou seja, enquanto os limites de doses são respeitados praticava-se adequadamente a Proteção Radiológica. No entanto, como vimos anteriormente, a filosofia envolvida na Proteção Radiológica foi se aprimorando e se consolidando nos princípios de justificação, otimização e limitação de doses. Com base nesses princípios e nos fatores básicos de proteção radiológica, regras e procedimentos simples e eficientes são elaborados para que o trabalho com fontes emissoras de radiação ionizante torne-se algo seguro, a despeito dos riscos e efeitos biológicos que a radiação ionizante pode provocar no corpo humano ou no meio ambiente. A seguir apresentaremos recomendações de proteção Radiológica específicas para cada área de aplicação na medicina: radiodiagnóstico, medicina nuclear e radioterapia. 5.1. Proteção Radiológica em Radiodiagnóstico As práticas de radiodiagnóstico que empregam equipamentos emissores de raios X requerem procedimentos específicos de Proteção Radiológica que, em geral, resumem-se em regras simples e de grande eficácia. Neste item veremos recomendações para as práticas envolvendo o uso de equipamentos emissores de raios X para produção de imagens que auxiliem no diagnóstico (Radiodiagnóstico) e em procedimentos cirúrgicos para diagnóstico e tratamento (Radiologia Intervencionista). Para tratarmos das recomendações de Proteção Radiológica é importante diferenciarmos os tipos de feixes que a fonte principal de radiação, o equipamento de raios X, pode produzir. A figura abaixo ilustra uma tomada radiográfica simulada em um paciente. Verificamos que com o acionamento do equipamento de raios X, temos a produção de três tipos diferentes de fontes de exposição: o feixe primário ou principal, a radiação de fuga e a radiação espalhada (os dois últimos também normalmente classificados como radiação secundária). Figura 12: Tipos de feixes produzidos em tomadas radiográficas O feixe primário ou principal é produzido dentro do tubo de raios X e liberado para o exterior pelo colimador do equipamento na direção do paciente. O feixe atinge o paciente e o sistema de formação de imagem para a realização do exame. A cada disparo uma quantidade imensa de fótons de raios X é produzida e liberada na direção do colimador. Desta, apenas uma pequena porção é absorvida no paciente e no sistema de formação de imagens, outra porção é espalhada e uma quantidade significativa simplesmente não interage, e deve ser absorvida para garantir proteção nas vizinhanças na direção do feixe primário. O disparo do equipamento produz raios X em todas as direções, a porção liberada na direção do colimador fará parte do feixe primário, o restante, dirigido para as demais direções, que não interage com a blindagem intrínseca do equipamento é denominado de radiação de fuga. O terceiro feixe importante e que tem forte influência nos métodos de proteção radiológica é a radiação espalhada. Esse feixe é produzido fora do tubo do equipamento devido à interação, por efeito Compton, do feixe primário com a matéria que encontra em seu percurso. Em cada tomada radiográfica há radiação espalhada para todas as direções. Dependendo do ângulo de incidência o feixe espalhado tem energia pouco menor que o feixe principal e, devido à sua existência, procedimentos de proteção radiológica devem ser adotados para segurança de trabalhadores, pacientes e indivíduos do público. 5.1.1. Procedimentos Gerais de Proteção Radiológica Toda filosofia da proteção radiológica pode ser colocada em prática quando os agentes envolvidos nas aplicações das radiações ionizantes, sejam trabalhadores, médicos, responsáveis ou aqueles que fazem parte dos órgãos reguladores e normatizadores, adotam postura adequada para o trabalho com um agente de risco. A proteção radiológica começa com a justificação das práticas e exposições. A prática do radiodiagnóstico já se mostrou justificável, mas atenção especial deve ser dada às novas modalidades médicas e a procedimentos adotados para solicitação de exames. A proteção radiológica deve ser otimizada de acordo com o princípio ALARA, ou seja, as doses devem ser tão baixas quanto racionalmente exequíveis. Perguntas que mais bem se aplicam para a adoção deste princípio seriam algo parecido com: Já fizemos tudo que poderíamos para melhorar a proteção radiológica considerando os recursos disponíveis? Ou, os níveis de doses dos trabalhadores e indivíduos do público já estão em níveis considerados aceitáveis ou precisamos de maiores investimentos na proteção radiológica? É importante também que todos os envolvidos, mas principalmente trabalhadores e pacientes, tenham conhecimento dos riscos e dos benefícios do uso das radiações e que haja treinamentos e reciclagem periódicos, para que o desenvolvimento das ações seja realizado com bom senso, sem medo ou displicência. 5.1.2. Fatores básicos de Proteção Radiológica Em qualquer aplicação é sempre importante considerar as regras básicas de proteção radiológica para redução de doses e exposições (no capítulo 4 mostramos como esses fatores podem contribuir significativamente com a redução de doses): • Menor tempo de exposição à fonte; • Maior distância à fonte; • Uso de blindagens entre operador e a fonte. 5.1.3. Aspectos legais Naturalmente a prática de proteção radiológica exige a observância das normas e da legislação relacionada com o uso de fontes de radiação. Para o radiodiagnóstico médico e odontológico a Portaria N. 453 do Ministério da Saúde, publicada em 01 de Junho de 1998, descreve o regulamento técnico que estabelece as diretrizes básicas de proteção radiológica e que dispõe sobre o uso dos raios X diagnósticos em todo território nacional (no capítulo 7 discorremos sobre essa portaria e os principais pontos do regulamento técnico). 5.1.4. Projeto Físico A estrutura física para a sala de exames deve ser planejada e a espessura das blindagens necessárias calculadas de acordo com o uso do equipamento e da ocupação nas vizinhanças no entorno da sala de exames. A espessura das blindagens deve ser calculada de acordo com modelos matemáticos disponibilizados em recomendações internacionais. A figura abaixo mostra uma estrutura típica para o planejamento de uma sala. Figura 13: Estrutura de uma sala de exames em radiodiagnóstico A barreira primária, destinada para contenção da porção do feixe principal que não interage com o paciente, em geral é mais espessa que as demais, denominadas de barreiras de proteção secundárias. As barreiras não absorvem completamente todos os fótons que as atingem, mas elas devem ter, no mínimo, espessuras adequadas para que os níveis de doses nas vizinhanças da sala respeitem os níveis máximos estipulados de dose para o tipo de indivíduo que ocupa o local (trabalhador ou público). Normalmente utiliza-se um revestimento adicional de massa baritada, entre 1 e 2 cm, para as paredes e espessuras entre 0,5 e 2,0 mm de chumbo para portas e batentes. Muitas salas de exames para radiografia geral contam com um biombo de alvenaria para proteção do operador do equipamento. Salas de mamografia contam com vidro plumbífero que garante proteção adequada da operadora, visto que em mamografia os raios X utilizados são de baixa energia e requerem espessuras menores que em outras aplicações. Salas de tomografia têm uma sala de comando anexa. Para aplicações em que os feixes são bem colimados e com menorescargas de trabalho, como em odontologia periapical, em geral, não é necessário blindagens adicionais e pode-se contar com o fator distância para garantia de proteção do operador. Depois de planejadas e construídas, a adequação das blindagens é verificada por meio de medidas de levantamentos radiométricos que devem ser realizados periodicamente. 5.1.5. Manutenção do equipamento Testes periódicos nos equipamentos podem detectar e também antecipar eventuais problemas técnicos, o que contribui para a manutenção preventiva e para uma maior vida útil do equipamento. Por outro lado a manutenção adequada das condições de uso dos equipamentos e os testes periódicos para a avaliação da qualidade da imagem, além de uma exigência legal, contribuem para redução de doses nos trabalhadores, indivíduos do público e pacientes. 5.1.6. Equipamentos de proteção Em várias situações não podemos utilizar ao mesmo tempo os três fatores básicos de proteção radiológica e alguma exposição torna-se necessária. Para essas situações foram desenvolvidos equipamentos de proteção individual como avental de chumbo, protetor de tireoide, luvas plumbíferas etc. Esses acessórios contêm material com chumbo e oferecem maior blindagem aos raios X e diminuem a magnitude das exposições. Os serviços de diagnóstico devem ter disponíveis em número adequado aventais de chumbo, protetores de tireoide, luvas plumbíferas, óculos plumbíferos etc, sempre que aplicável. Figura 14: Avental de chumbo. Figura 15: Protetor de tireóide. Figura 16: Luvas plumbíferas. 5.1.7. Sinalização e Controle de Acesso Todas as salas com equipamentos emissores de radiação ionizante devem ser adequadamente sinalizadas com o símbolo que indica a presença de radiação ionizante. Figura 17: Símbolo internacional que indica a presença de radiação ionizante. No ambiente de trabalho a sinalização tem o papel de alertar e conscientizar os trabalhadores sobre a presença de radiação ionizante. Esse alerta indica a necessidade de adotar uma postura de segurança e proteção frente ao agente de risco com o qual trabalha, além de servir como aviso aos indivíduos do público sobre a presença de fontes de radiação. O símbolo não deve ser utilizado inadvertidamente, em situações contrárias à de seu objetivo e jamais com intenção de assustar as pessoas, pois é uma indicação da necessidade de respeito frente ao agente de risco. Figura 18: Porta de entrada típica de uma sala de exames de radiodiagnóstico. De acordo com a legislação, outros tipos de sinalização são necessários; por exemplo, as salas de exames devem ter avisos para alertar as mulheres para que elas avisem ao operador se estão ou podem estar gestantes. É também necessária lâmpada de sinalização com luz vermelha para advertência durante as exposições. Esta lâmpada deve ser posicionada sobre a porta de entrada da sala de exames. Figura 19: Aviso às mulheres gestantes. Figura 20: Luz de advertência sobre a porta. O operador deve controlar o acesso às salas de exames e permitir que apenas os pacientes e acompanhantes, quando necessário, entrem na sala. Em certas situações há necessidade de confortar ou conter o paciente durante procedimentos radiológicos. Nesses casos é preferível que algum acompanhante, voluntariamente, o faça. A exposição do voluntário nessas situações configura-se como exposição médica, portanto o técnico de raios X deve evitar assumir esta tarefa. Figura 21: Avisos típicos em serviços de radiodiagnóstico. Figura 22: Avisos típicos em serviços de radiodiagnóstico. 5.1.8. Procedimentos de trabalho Além do projeto da sala e da disponibilização de equipamentos de proteção individual, um fator muito importante para a proteção e segurança adequada de trabalhadores e pacientes são os procedimentos de trabalho. Verifica-se na prática, que as situações que levam a maiores doses em trabalhadores e pacientes são, em geral, provocadas por falta de aplicação adequada dos procedimentos de proteção radiológica, o que reflete a necessidade de treinamentos e reciclagens periódicas a respeito desses procedimentos. Tanto na legislação atual do Ministério da Saúde quanto do Ministério do Trabalho e Emprego, treinamentos periódicos são previstos. O empregador deve fornecer aos trabalhadores instruções de segurança e distribuir os procedimentos de proteção radiológica. Tais documentos devem constar no Plano de Proteção Radiológica. Apresentamos a seguir alguns procedimentos simples e de grande eficácia para a proteção radiológica de trabalhadores em aplicações específicas. 5.1.8.1. Radiologia Convencional Na radiologia convencional normalmente há um único trabalhador envolvido nas tomadas radiográficas. Os disparos são efetuados em sala de comando ou, mais comumente, em biombos de proteção dentro da própria sala de exames. Os biombos normalmente contêm vidros plumbíferos, que permitem a visualização dos pacientes. Como medidas de proteção, podemos citar: • Efetuar os disparos dentro da área de proteção; • Colimar adequadamente a área de interesse do paciente para o exame; • Tomar medidas preventivas para evitar a repetição de tomadas radiográficas; • É fundamental o conhecimento a respeito do posicionamento adequado do paciente; • Manter a porta da sala fechada; • Oferecer vestimentas plumbíferas a eventuais acompanhantes; • Oferecer acessórios plumbíferos para proteção de regiões específicas do corpo do paciente, tais como protetores de gônadas ou protetores de tireoide, quando aplicável; • Controlar o acesso; 5.1.8.2. Radiologia com equipamentos móveis Em certas situações é necessário o uso de equipamentos portáteis de raios X para diagnósticos em quartos e enfermarias. Nessas situações normalmente não se conta com salas com blindagens estruturais específicas, a condição para formação de imagem é mais precária e é possível a presença de indivíduos do público. Como medidas de proteção, podemos citar: • Limitar sempre que possível o número de pessoas presentes; • Efetuar o alinhamento correto entre o feixe e o filme; • Colimar o feixe exclusivamente à região de interesse; • Usar vestimentas plumbíferas. 5.1.8.3. Radiologia Pediátrica Na radiologia pediátrica é necessário considerar que os pacientes são menos cooperativos, apresentam respiração mais acelerada e têm maior expectativa de vida, então, além dos procedimentos de proteção do profissional, cuidados adicionais são aplicáveis para maior proteção do paciente: • Utilizar elementos de imobilização; • Efetuar colimação mais exata e precisa; • Utilizar tempos de disparo mais curtos; • Proteger o paciente com protetores de gônadas e tireoide; • Tomar medidas preventivas para evitar a repetição de tomadas radiográficas; • Oferecer vestimentas plumbíferas a eventuais acompanhantes; • Manter a porta da sala fechada; 5.1.8.4. Mamografia Em mamografia a proteção radiológica da operadora é facilitada devido ao uso de raios X de baixa energia, assim basta à técnica manter-se atrás do vidro plumbífero durante os disparos. Para a paciente, entretanto, não é um exame simples. Deve ser considerado o estado emocional e psicológico da paciente, a possível exposição de pessoas assintomáticas e a necessidade de grande contraste na imagem. Como medidas de proteção à paciente, podemos citar: • Utilizar os dispositivos de compressão; • Tomar medidas preventivas para evitar a repetição de tomadas radiográficas; • Oferecer vestimentasplumbíferas a eventuais acompanhantes; • Efetuar verificações periódicas das condições de uso e de qualidade da imagem do equipamento. • Manter a porta da sala fechada; 5.1.8.5. Tomografia Computadorizada (CT) Em tomografia a exposição é realizada a partir de uma sala de comando anexa que conta com um vidro plumbífero para garantia de proteção aos operadores. Como medidas adicionais de segurança, podemos citar: • Os trabalhadores devem utilizar vestimentas plumbíferas caso seja necessário estar junto ao paciente durante o exame; • Manter a porta da sala fechada; • Oferecer vestimentas plumbíferas a eventuais acompanhantes; • Controlar o acesso; 5.1.8.6. Radiologia Intervencionista A radiologia intervencionista é caracterizada pelo uso de feixes contínuos de raios X, acionados pelo médico durante os procedimentos, de dentro da própria sala de exames. É uma técnica com grande número de pessoal envolvido, trabalhando próximo ao paciente e à fonte de exposição e espalhamento. Médicos de diferentes especialidades atualmente realizam procedimentos intervencionistas (cardiovasculares, endoscopistas, ortopedistas e médicos não radiologistas). Muitas dessas especialidades ainda não têm exigência de treinamento em Proteção Radiológica, o que pode contribuir para a magnitude das doses. Essas características fazem da radiologia intervencionista a prática que envolve as maiores doses, tanto na equipe de trabalho quanto nos pacientes. Como medidas de proteção, podemos citar (mais detalhes, veja o capítulo sobre Radiologia Intervencionista): • Maximar, na medida do possível, a distância entre o tubo de raios X e o paciente; • Minimizar a distância entre o paciente e o intensificador de imagem; • Evitar tempo de exposição desnecessário; • Colimar o feixe exclusivamente à região de interesse; • Otimizar a técnica levando em conta o compromisso entre menor dose e boa qualidade de imagem; • A equipe deve usar avental/saiotes plumbíferos; • Otimizar a quantidade de componentes da equipe; • Usar protetores de tireóide e óculos plumbíferos; • Garantir treinamento e capacitação à equipe de trabalho; • O posicionamento adequado da equipe pode contribuir para redução de doses; • Controle de acesso. • O controle efetivo de desempenho do equipamento permite menores doses no paciente e consequentemente na equipe de trabalho. 5.1.8.7. Radiologia odontológica Na odontologia são utilizadas duas técnicas principais: radiologia periapical e radiologia panorâmica. Na radiologia periapical a região de interesse é pequena e, portanto, o feixe é bem colimado, o que contribui para uma menor quantidade de radiação espalhada. O operador pode utilizar o cabo disparador, e manter-se, pelo menos, a dois metros de distância durante a exposição. Para pacientes e acompanhantes é necessário oferecer vestimentas plumbíferas. Na radiologia panorâmica é utilizado feixe de raios X contínuo durante o exame, porém o comando normalmente é externo à sala. Nesse caso medidas de segurança similares à radiologia convencional são adotadas. 5.1.9. Monitoração A detecção de radiação ou dosimetria tem objetivos diversos e é sempre necessária na grande maioria das aplicações que se faz com fontes de radiação. Em locais de trabalho onde as exposições caracterizam o trabalhador como Indivíduo Ocupacionalmente Exposto (IOEs) há necessidade de definir áreas (livres, supervisionadas ou controladas) e implementar algum monitoramento para determinar as doses ocupacionais. Em radiodiagnóstico há dois tipos principais de detecção dos níveis radiométricos com objetivos específicos: o levantamento radiométrico e a monitoração individual de trabalhadores. 5.1.9.1. Levantamento Radiométrico Os testes de levantamento radiométrico têm como objetivo verificar a adequação das blindagens estruturais e comprovar a proteção oferecida para os operadores e indivíduos do público. No levantamento radiométrico são efetuadas medidas dos níveis radiométricos em diversos pontos na vizinhança das salas de exames durante a simulação de exames. Os níveis medidos são corrigidos por estimativas das taxas de uso do equipamento e das taxas de ocupação em cada local. Os resultados são então comparados com os limites estabelecidos pela legislação. Os resultados destes levantamentos podem apontar falhas nas estruturas de blindagens, permitindo que se corrija o problema antes que gere doses inaceitáveis para os ocupantes daquela vizinhança. Figura 23: Câmara de Ionização utilizada no levantamento radiométrico. 5.1.9.2. Monitoração Individual A monitoração individual de trabalhadores é basicamente a medida de doses recebida pelos IOEs durante a jornada de trabalho. Além da estimativa das doses ocupacionais recebidas, dentre os objetivos da monitoração individual podemos destacar: a confirmação da aplicação do princípio de limitação de doses ou a indicação de níveis intoleráveis de doses ocupacionais; avaliação das condições de trabalho; detecção de alterações nas condições de trabalho e controle e verificação da Proteção Radiológica. A monitoração individual fornece ainda dados para fins médicos, finalidades legais e para estudos epidemiológicos. A monitoração deve ser provida pelos empregadores por meio de contratação de laboratórios credenciados pela Comissão Nacional de Energia Nuclear. Os laboratórios por sua vez, desenvolvem métodos de medidas que fornecem estimativas de doses ocupacionais que possibilitem a aplicação dos princípios de otimização e limitação de doses da proteção radiológica. Os métodos de medidas baseiam-se em fenômenos físicos, como a Termoluminescência (TL) e a Luminescência Opticamente Estimulada (OSL, na sigla em inglês), apresentados por cristais detectores naturais ou produzidos artificialmente (ex. CaF2, CaSO4:Dy, LiF, Al2O3:C etc - ver figura abaixo). Esses detectores têm, de certa forma, a capacidade de armazenar a energia transferida a eles quando da passagem de radiação ionizante. Para a realização das medidas, a energia armazenada pode ser liberada quando os detectores são aquecidos a temperaturas da ordem de centenas de graus (no caso da TL) ou quando recebem estímulos luminosos (no caso da OSL). Essa característica permite a medida de doses integradas em determinados períodos como, por exemplo, na monitoração individual, em que o tempo de integração é de, normalmente, um mês. Figura 24: Detectores termoluminescentes de CaSO4:Dy. A partir do fenômeno físico (Incluir link para filme demonstrando a TL) os laboratórios desenvolvem monitores (comumente chamados de dosímetro individual ou monitor pessoal – ver figura abaixo) que contém combinações de detectores e filtros. Após a tomada das medidas e a partir de um algorítmo de cálculo, as estimativas de doses são realizadas. Figura 25: Monitor Individual para monitoração de trabalhadores. 5.1.9.3. Aspectos Operacionais quanto à monitoração pessoal • Segundo a legislação, todo indivíduo que trabalha com raios X diagnósticos deve usar o dosímetro pessoal durante a jornada de trabalho e enquanto permanecer em área controlada; • A troca dos dosímetros e o fornecimento dos relatórios de doses devem ter periodicidade mensal; • Os dosímetros devem ser utilizados na região mais exposta do corpo, normalmente no tronco; • Os trabalhadores em radiodiagnóstico médico que, durante sua jornada de trabalho, têm que utilizar avental de chumbo, devem utilizá-lo sobre o avental. Essa condiçãodeve ser informada ao laboratório durante o cadastramento de usuários. O uso do dosímetro sobre o avental permite a estimativa da dose efetiva no corpo todo e a estimativa da dose equivalente em áreas não protegidas pelo avental, como o cristalino. Em situações em que o usuário utiliza muito pouco o avental de chumbo em sua jornada de trabalho, o dosímetro adequado é o denominado dosímetro de tórax. • Mensalmente também é enviado pelos laboratórios um dosímetro para avaliação do nível de radiação de fundo ou natural no local. Essa dose de radiação de fundo deve ser descontada na medida de doses dos dosímetros pessoais, já que a monitoração individual pretende unicamente estimar a dose ocupacional dos trabalhadores. Normalmente esse dosímetro é denominado “Padrão”, “Padrão de Referência”, “Padrão Ambiental” etc, dependendo do laboratório. Esse dosímetro padrão para medida da dose ambiental deve ser posicionado distante das fontes utilizadas na instalação para uma melhor avaliação da exposição natural. Não deve ser colocado na área de acionamento dos equipamentos. • Em casos de exposição acidental do dosímetro pessoal, o laboratório deve ser informado e o monitor trocado; • Não irradie propositalmente o dosímetro pessoal! Na maioria das situações, com uma investigação adequada, é possível identificar se a exposição foi proposital ou acidental. A irradiação proposital pode levar a implicações legais, inclusive com demissão por justa causa; • Não viole o dosímetro pessoal, o laboratório pode se negar a efetuar a avaliação nesse caso; • Em casos de extravio do dosímetro o laboratório deve ser informado imediatamente; • Em qualquer suspeita de maior exposição, os dosímetros podem ser encaminhados ao laboratório para leitura de emergência; • Sempre que forem avaliadas doses acima no nível de investigação indicado pela autoridade sanitária, atualmente 1,5 mSv em um mês, uma análise deve ser realizada e documentada para avaliação dos motivos que contribuíram para a magnitude da dose; • Sempre que forem avaliadas doses acima no nível considerado de “alta dose”, atualmente 4,0 mSv em um mês, uma análise deve ser realizada e documentada para avaliação dos motivos que contribuíram para a magnitude da dose. Nesse caso o laboratório informa tanto o empregador quanto à CNEN, imediatamente. 5.2. Proteção Radiológica em Medicina Nuclear A Medicina Nuclear faz uso de compostos químicos radioativos como ferramenta para os procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Estes compostos são administrados aos pacientes por injeção, ingestão ou inalação e permitem, portanto, o contato direto do material radioativo com quem os manipula, o que implica a possibilidade concreta e direta de ocorrência de contaminação. Este tipo de fonte de radiação é classificado como fonte não selada ou aberta. 5.2.1. Irradiação e Contaminação Um dos aspectos mais importantes de Proteção Radiológica relacionados ao uso de fontes emissoras de radiação ionizante não seladas é a diferenciação dos conceitos de irradiação e de contaminação. Esta diferenciação determina condutas de proteção radiológica distintas e determina, consequentemente, as diferenças de planejamento. As fontes não seladas tipicamente utilizadas em Medicina Nuclear levam, tanto à irradiação quanto à contaminação e, portanto, o entendimento das diferenças é essencial no planejamento em um serviço de Medicina Nuclear. Inicialmente é importante entender claramente a diferença que existe entre um material radioativo e a radiação que ele emite. O Césio-137, por exemplo, é um isótopo ou material radioativo. Este isótopo radioativo tem a propriedade física de emitir radiação ionizante na forma de radiação beta e de radiação gama. Analogamente o Tecnécio-99m é um isótopo radioativo que emite radiação gama. Quando a radiação emitida por um isótopo radioativo atinge um indivíduo ou um objeto, dizemos que este indivíduo ou objeto está sendo irradiado. Repare que neste processo não há necessidade de que haja contato físico com o isótopo radioativo. Isso implica que basta retirar o indivíduo ou objeto do raio de ação da radiação, para que cesse sua irradiação. Quando há contato direto do isótopo radioativo com um indivíduo ou objeto, dizemos que este está contaminado. Nesta situação não há como afastar o indivíduo ou objeto da fonte emissora e consequentemente não há interrupção da irradiação. Nestes casos, para que seja possível interromper a irradiação é necessário remover o isótopo radioativo da região contaminada, removendo a contaminação. Estes processos são conhecidos como descontaminação radioativa. A figura abaixo ilustra a diferença dos conceitos. Figura 26: Demonstração da diferença entre contaminação e irradiação 5.2.2. Procedimentos Gerais de Proteção Radiológica A Medicina Nuclear abrange procedimentos diagnósticos e terapêuticos e os primeiros representam a grande maioria. O planejamento adequado para a realização destes procedimentos envolve aspectos de proteção radiológica que visam principalmente a minimização da magnitude das irradiações e a minimização das probabilidades de ocorrência de contaminações. Apresentamos a seguir alguns dos principais procedimentos de proteção radiológica adotados em serviços de Medicina Nuclear e sua relação com os conceitos de irradiação e contaminação. • Utilização de blindagens estruturais – As dependências de um serviço de Medicina Nuclear requerem um estudo denominado cálculo de blindagens estruturais, que visa determinar quais ambientes necessitam de blindagens adicionais em paredes, portas, visores e lajes. O objetivo da utilização de blindagens adicionais é reduzir a magnitude das irradiações nas vizinhanças. Os materiais mais comumente utilizados como blindagens adicionais são o chumbo e o concreto para paredes e lajes, o chumbo para portas, e vidros plumbíferos para visores; Figura 27: Porta blindada em serviço de Medicina Nuclear. Figura 28: Biombo de chumbo. Figura 29: Visor de vidro plumbífero. • Utilização de luvas descartáveis, sapatos fechados e jalecos de algodão – O uso destes acessórios tem por objetivo evitar que mãos, pés e roupas sejam diretamente contaminados por materiais radioativos; • Utilização de aventais de chumbo e protetores de tireoide – O uso destes acessórios plumbíferos tem por objetivo minimizar a magnitude das irradiações em situações como o posicionamento e acompanhamento de pacientes na sala de exames, a preparação e a administração de radiofármacos, e a assistência a pacientes internados submetidos a procedimentos terapêuticos; Figura 30: Aventais de chumbo. Figura 31: Protetor de tiróide. Figura 32: Óculos plumbífero. • Utilização de superfícies impermeáveis – Superfícies das bancadas de manipulação de radioisótopos, pisos e paredes são confeccionadas ou revestidas com materiais impermeáveis, visando facilitar processos de descontaminação radioativa; Figura 33: Detalhe de piso liso e impermeável com canto arredondado. • Utilização de forrações impermeáveis em procedimentos terapêuticos – Nos procedimentos terapêuticos os pacientes ingerem quantidades significativamente maiores de materiais radioativos, comparadas aos procedimentos diagnósticos. Isso significa que estes pacientes se tornam “mais radioativos” e que suas secreções (fezes, urina, saliva e suor) podem gerar contaminações significativas. Para evitar que as superfícies do quarto de internação sejam contaminadas,além das impermeabilizações de pisos e paredes, utiliza-se forrações impermeáveis, tais como plásticos sobre interruptores, maçanetas, telefones, colchões, travesseiros, vasos sanitários, torneiras, etc.; • Utilização de acessórios de chumbo – Há inúmeros acessórios de chumbo utilizados em Medicina Nuclear, cuja finalidade é diminuir a magnitude das irradiações. Alguns exemplos: cofres de chumbo para armazenamento de rejeitos radioativos, blocos de chumbo e visores de chumbo para áreas de manipulação, carrinhos de transporte de fontes, porta seringas, etc.; Figura 34: Protetor de seringa. Figura 35: Armário blindado. Figura 36: Blindagens para fontes de calibração. Figura 37: Tijolos de chumbo de encaixe. 5.2.3. Monitoração Qualquer uso que se faça de fontes emissoras de radiação ionizante requer um sistema de detecção. A proteção radiológica, para atingir seus objetivos, não é exceção. Seja como ferramenta para avaliar a intensidade das irradiações, seja como ferramenta para investigar a ocorrência de contaminações, os sistemas de detecção são essenciais em proteção radiológica. 5.2.3.1. Avaliação da Intensidade de Irradiações Há diversas situações em que a avaliação das intensidades de irradiação é fundamental. Estas avaliações são representadas por grandezas como a taxa de exposição e a taxa de dose equivalente. Uma das situações que requer essa avaliação é a checagem da eficiência de blindagens, sejam estruturais, sejam de acessórios. Para a checagem da eficiência de blindagens estruturais faz-se um conjunto de medidas denominadas levantamento radiométrico. Esse levantamento pode ser efetuado utilizando-se um detector do tipo Geiger-Muller ou uma câmara de ionização. O objetivo é medir os níveis de radiação que atravessam as blindagens estruturais de uma sala (paredes, portas, lajes, visores) com o intuito de verificar se essas blindagens oferecem proteção considerada adequada. De maneira similar podem ser testadas as eficiências de acessórios utilizados como blindagens (aventais de chumbo, protetores de seringa, etc.), e verificar qual o grau de proteção que oferecem. Figura 38: Monitor Geiger-Muller. Outra situação que requer o conhecimento da intensidade das irradiações é a monitoração pessoal. Este tipo de monitoração objetiva conhecer as taxas de dose equivalente a que se submetem os indivíduos ocupacionalmente expostos de uma instalação. Este tipo de monitoração fornece um controle da qualidade do exercício das atividades com possibilidade de exposição. Um acréscimo não previsto no valor da taxa de dose equivalente em determinado período é indicativo da ocorrência de algum erro operacional ou de planejamento, que pode ser corrigido antes que os níveis de dose atinjam valores intoleráveis. Figura 39: Monitor pessoal para medida de doses ocupacionais. 5.2.3.2. Investigação da ocorrência de contaminações O trabalho com fontes radioativas não seladas gera, inevitavelmente, contaminações. Grande parte destas contaminações é prevista, como por exemplo, as contaminações das seringas utilizadas para a injeção de radiofármacos em pacientes. Há, entretanto, contaminações não previstas, que ocorrem com frequência em serviços de Medicina Nuclear. Podem ser pequenos respingos ou derramamentos de material radioativo - dificilmente perceptíveis a olho nu - mas que podem gerar múltiplas contaminações se não detectados e removidos. Uma maçaneta de porta, acidentalmente contaminada por algum indivíduo que estava com a luva contaminada, pode ser tocada por outros indivíduos, que passarão a ter suas mãos contaminadas e assim propagarão a contaminação em cada objeto que tocarem. Figura 40: Monitor Geiger-Muller com sonda para investigação de contaminação Para investigar a ocorrência destas contaminações recomenda-se que se façam frequentemente, monitorações em todas as áreas sujeitas a contaminações. O sistema de detecção mais comumente utilizado para estas investigações em serviços de Medicina Nuclear é o detector do tipo Geiger-Muller com sonda específica para investigação de contaminações, usualmente uma sonda do tipo panqueca. Nos serviços de Medicina Nuclear, toda e qualquer área pode ser considerada como sujeita a contaminações e, portanto, merece investigação. Há, entretanto, áreas mais sujeitas do que outras, o que permite que se estabeleçam frequências de monitoração diferentes. 5.2.4. Gerenciamento de Rejeitos Radioativos O trabalho com fontes radioativas não seladas gera inevitavelmente rejeitos radioativos. São considerados rejeitos radioativos todos aqueles materiais que contenham radioisótopos em quantidades superiores a valores especificados pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), denominados níveis de isenção, e para os quais a reutilização seja imprópria ou não prevista. Os rejeitos radioativos gerados em serviços de Medicina Nuclear compreendem seringas e acessórios utilizados na injeção de radiofármacos, papéis e plásticos contaminados, utilizados como forração de superfícies, roupas de cama utilizadas por pacientes, luvas descartáveis utilizadas pelos profissionais do setor, restos de comida de pacientes internados submetidos a tratamento terapêutico, e toda sorte de materiais contaminados. Estes rejeitos possuem, como característica comum, um tempo de meia vida curto. Isso implica que podem e devem aguardar o decaimento radioativo na própria instalação. Há inúmeras regras e recomendações para este gerenciamento e a seguir são apresentadas algumas delas: • Os rejeitos radioativos devem ser segregados por isótopo; • Os rejeitos radioativos devem ser segregados em sólidos e líquidos; • Os rejeitos radioativos que apresentarem algum outro risco associado, tal como risco biológico ou risco químico, devem ser segregados dos demais; • Rejeitos radioativos devem ser armazenados separadamente de quaisquer outros tipos de rejeitos; • Recipientes que contenham rejeitos radioativos devem ser identificados e sinalizados com o símbolo internacional da presença de radiação ionizante; • Recipientes que contenham rejeitos radioativos devem ser adequados às características físicas e químicas dos rejeitos; • Rejeitos radioativos podem ser eliminados no sistema de coleta de lixo urbano (rejeitos sólidos) ou na rede de esgotos (rejeitos líquidos) somente quando suas atividades específicas forem inferiores aos limites para descarte determinados em norma específica da Comissão Nacional de Energia Nuclear (norma CNEN-NE-6.05); Figura 41: Caixa blindada para depósito temporário de rejeitos em Medicina Nuclear Figura 42: Depósito de Rejeitos em Serviço de Medicina Nuclear Figura 43: Foto de um depósito para armazenamento de rejeitos radioativos Figura 44: Exemplos de recipientes para armazenamento de rejeitos radioativos 5.3. Proteção Radiológica em Radioterapia Embora a prática de radioterapia envolva doses muito maiores e fontes mais intensas que em medicina nuclear e no radiodiagnóstico, a proteção radiológica na radioterapia é bem mais simples. Por outro lado o planejamento das salas e o processo de licenciamento são muito mais exigentes que para as outras áreas. Como a maioria das fontes é fixa, a proteção é mais fácil. Em geral, as paredes da sala e os dispositivos que impedem a liberação de radiação com a equipe na sala são suficientes para garantir uma boa