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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA - PCQ - PROCESSAMENTO E CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL CONSERVAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTOS CÁRNEOS EDUARDO MENDES RAMOS ALCINÉIA DE LEMOS SOUZA RAMOS MARIA CRISTINA BRESSAN PAULO ROGÉRIO FONTES Universidade Federal de Lavras - UFLA Lavras – MG 2014 Ficha Catalográfica preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA Inserir palavras-chave Governo Federal Presidente da República: Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação: José Henrique Paim Fernandes Universidade Federal de Lavras Reitor: José Roberto Soares Scolforo Vice-Reitora: Édila Vilela Resende von Pinho Pró-Reitora de Pós-Graduação: Alcides Moino Júnior Pró-Reitor Adjunto Lato Sensu: Daniel Carvalho de Rezende Centro de Educação a Distância Coordenador Geral: Ronei Ximenes Martins Coordenador Pedagógico: Warlley Ferreira Sahb Coordenador de Projetos: Daniel Carvalho de Rezende Coordenadora de Apoio Técnico: Fernanda Barbosa Ferrari Coordenador de Tecnologia da Informação: André Pimenta Freire Coordenador(a) de Curso: Processamento e Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal (PCQ): Eduardo Valério de Barros Vilas Boas SUMÁRIO 1 - INDUSTRIALIZAÇÃO: VANTAGENS E PRINCÍPIOS BÁSICOS DE TRANSFORMAÇÃO .......................................................................................................................... 1 1.1 OBJETIVOS E VANTAGENS DA INDUSTRIALIZAÇÃO DE CARNES ................................. 2 1.2 CLASSIFICAÇÃO DOS PRODUTOS CÁRNEOS ..................................................................... 3 1.2.1 Embutidos crus (produtos crus ou frescais) ................................................................................ 5 1.2.2 Embutidos cozidos (produtos escaldados) .................................................................................. 5 1.2.3 Embutidos fermentados (produtos salgados e desidratados) .................................................... 5 1.2.4 Produtos curados ........................................................................................................................ 5 1.2.5 Produtos reestruturados (produtos crus ou pré-cozidos) ............................................................ 5 1.2.6 Produtos enlatados (produtos cozidos enlatados) ...................................................................... 5 1.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO PROCESSAMENTO ..................................................................... 6 1.3.1 Preparo da matéria-prima .......................................................................................................... 6 1.3.2 Características da matéria-prima ............................................................................................... 7 1.3.3 Formulação do produto .............................................................................................................. 9 1.3.4 Ingredientes e aditivos em produtos cárneos ............................................................................. 9 1.3.5 Mistura dos ingredientes na matéria-prima ............................................................................. 20 1.3.6 Embutimento ............................................................................................................................ 23 1.3.7 Tratamento térmico .................................................................................................................. 24 1.3.8 Defumação ................................................................................................................................ 25 1.3.9 Maturação/Secagem ................................................................................................................ 25 2 – EMBUTIDOS MARINADOS E REESTRUTURADOS ............................................................. 28 2.1.1 Definição ................................................................................................................................... 29 2.1.2 Processamento .......................................................................................................................... 31 2.2 PRODUTOS MARINADOS ........................................................................................................ 33 2.2.1 Definição ................................................................................................................................... 33 2.2.2 Processamento .......................................................................................................................... 33 2.3. HAMBÚRGUER ......................................................................................................................... 35 2.3.1 Definição ................................................................................................................................... 35 2.3.2 Processamento .......................................................................................................................... 36 2.4 EMPANADOS ............................................................................................................................. 39 2.4.1 Definição ................................................................................................................................... 39 2.4.2 Processamento .......................................................................................................................... 40 2.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................... 47 3 – PRODUTOS SALGADOS E CURADOS CRUS ...................................................................... 50 3.1 CHARQUE ................................................................................................................................... 52 3.1.1 Definição ................................................................................................................................... 52 3.1.2 Processamento .......................................................................................................................... 53 3.1.3 Aspectos de qualidade do charque ........................................................................................... 59 3.2 JERKED BEEF ........................................................................................................................... 60 3.2.1 Definição ................................................................................................................................... 60 3.2.2 Processamento .......................................................................................................................... 61 3.3 CARNE DE SOL ......................................................................................................................... 62 3.3.1 Definição ................................................................................................................................... 62 3.3.2 Processamento .......................................................................................................................... 63 3.4 PRESUNTOS CURADOS CRUS .............................................................................................. 65 3.4.1 Definição ...................................................................................................................................65 3.4.2 Processamento .......................................................................................................................... 67 3.5 COPPA E CULATELLO ............................................................................................................. 70 3.5.1 Definição ................................................................................................................................... 70 3.5.2 Processamento .......................................................................................................................... 70 3.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................... 73 4 – PRODUTOS CURADOS ............................................................................................................ 75 COZIDOS ........................................................................................................................................... 75 4.1 PRESUNTO COZIDO ................................................................................................................. 76 4.1.1 Definição ................................................................................................................................... 76 4.1.2 Processamento .......................................................................................................................... 77 4.2 APRESUNTADO ......................................................................................................................... 81 4.2.1 Definição ................................................................................................................................... 81 4.2.2 Processamento .......................................................................................................................... 81 4.3 FIAMBRE ..................................................................................................................................... 83 4.3.1 Definição ................................................................................................................................... 83 4.3.2 Processamento .......................................................................................................................... 84 4.4 BACON E BARRIGA DEFUMADA ........................................................................................... 85 4.4.1 Definição ................................................................................................................................... 85 4.4.2 Processamento .......................................................................................................................... 85 4.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................... 87 5–PRODUTOS ................................................................................................................................... 89 MULSIONADOS ................................................................................................................................ 89 5.1 FORMAÇÃO DA EMULSÃO ..................................................................................................... 90 5.2 MORTADELA .............................................................................................................................. 92 5.2.1 Definição ................................................................................................................................... 92 5.2.2 Processamento .......................................................................................................................... 94 5.3 SALSICHA ................................................................................................................................... 96 5.3.1 Definição ................................................................................................................................... 96 5.3.2 Processamento .......................................................................................................................... 97 5.4 PATÊS ....................................................................................................................................... 100 5.4.1 Definição ................................................................................................................................. 100 5.4.2 Processamento ........................................................................................................................ 101 5.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 103 6 – PRODUTO ................................................................................................................................. 105 FERMENTADOS ............................................................................................................................. 105 6.1 METODOS COMBINADOS DE CONSERVAÇÃO ................................................................ 106 6.2 SALAMES ................................................................................................................................. 107 6.2.1 Definição ................................................................................................................................. 107 6.2.2 Considerações sobre a maturação .......................................................................................... 110 6.2.3 Processamento ........................................................................................................................ 113 6.3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 119 7 – PRODUTOS CÁRNEOS ENLATADOS .................................................................................. 122 7.1 CORNED BEEF ........................................................................................................................ 124 7.1.1 Definição ................................................................................................................................. 124 7.1.2 Processamento ........................................................................................................................ 125 7.2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 132 Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 1 1 - INDUSTRIALIZAÇÃO: VANTAGENS E PRINCÍPIOS BÁSICOS DE TRANSFORMAÇÃO Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 2 O produto cárneo é denominado transformado quando as propriedades da carne fresca são modificadas, mediante o uso de uma ou mais técnicas como a trituração, adição de condimentos, modificação da cor ou tratamento de calor. 1.1 OBJETIVOS E VANTAGENS DA INDUSTRIALIZAÇÃO DE CARNES O processamento de produtos de origem animal remonta à pré-história, onde circunstâncias climáticas e de sobrevivência do homem levaram a constatações acidentais de que as carnes se conservavam comestíveis por períodos mais longos quando submetidas a determinadas condições. O objetivo básico do processamento de carnes era a sua preservação pela inibição ou retardamento da decomposição microbiana. Com o uso das novas tecnologias de conservação, o processamento de carnes passou a valorizar dois aspectos adicionais, produzir conveniência e variabilidade. Podemos dizer, então, que atualmente o processamento de carnes visa basicamente quatro objetivos: 1) conferir conservabilidade,embora nem sempre seja o principal objetivo; 2) permitir um maior aproveitamento da matéria-prima; 3) desenvolver novos produtos, permitindo uma maior variedade, atendendo as exigências de consumidores de diferentes segmentos e conferindo conveniências, como produtos: dietéticos, infantis, para idosos e enfermos, pré-preparados, entre outros; e 4) adicionar valor agregado à matéria-prima original. A tendência atual da indústria de carnes está voltada para a obtenção de produtos destinados a uma parcela representativa do mercado consumidor que se apresenta mais exigente a cada dia. Produtos ditos naturais ou dietéticos são cada vez mais procurados por uma parcela crescente de consumidores que associam a necessidade de se consumir alimentos com menor quantidade de produtos químicos e gorduras como um hábito saudável. Sem discutir o mérito da questão, o fato é que a indústria de alimentos tem que ficar atenta às mudanças nas opções de consumo para ser capaz de modificar ou produzir produtos que atendam às exigências do mercado. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 3 Nos produtos cárneos o uso de conservantes, algumas especiarias e o emprego do calor associado a temperaturas de resfriamento ou congelamento podem aumentar a vida útil e, com isso, o mesmo pode permanecer no mercado varejista por mais tempo e ser distribuído em regiões distantes da indústria processadora. No processamento, como matéria-prima são utilizadas aparas, retalhos que sobram do processo da desossa, vísceras, gorduras e peles, que possuem baixa aceitação no mercado consumidor, entretanto, quando submetidas a técnicas de processamento podem originar um produto com características de sabor, suculência e textura desejável. A aparência se torna atrativa e a embalagem é projetada para proteger, informar, sugerir e vender o produto. Os produtos cárneos antes do seu lançamento e registro passam por uma etapa de desenvolvimento, na qual são estudadas, nas formulações, as quantidades de ingredientes e o tipo de matéria-prima a fim de obter características que se enquadram na faixa de mercado pretendida e/ou na proposta do produto. Ainda na tentativa de criar novas opções para o mercado e aumentar a facilidade de consumo (conveniência), alguns processos podem ser realizados para realçar cortes. Como exemplo podem ser citados: a) peito de frango temperado e previamente amaciado; b) lombo de suíno temperado e pré-cozido (lombo canadense, lombo com páprica, lombo com ervas etc.); e, c) cortes bovinos maturados e embalados a vácuo (maminha e picanha maturada). Esses métodos buscam melhorar as características sensoriais e aumentar a aceitação por parte do consumidor. O processamento e industrialização de carne são responsáveis por manter viáveis economicamente algumas indústrias de abate. Por exemplo, no caso dos abatedouros de aves, a margem de lucro sobre a venda de frango resfriado é baixa, mas a utilização de técnicas de industrialização permite aumentar o valor agregado aos produtos. 1.2 CLASSIFICAÇÃO DOS PRODUTOS CÁRNEOS De uma maneira geral, os produtos cárneos processados podem ser classificados de acordo com o tipo de processamento a que é submetido e a sua forma de armazenamento. Para efeito de avaliação do emprego de aditivos, a Portaria nº 1.002, de 11 de dezembro de 1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS), classificou os produtos cárneos comercializados no Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 4 país em subcategorias, enquadradas na “Categoria 8 - Carnes e Produtos Cárneos”, conforme a Tabela1. Tabela 1 - Subcategorias que fazem parte da Categoria 8 - Carnes e Produtos Cárneos (Portaria no 1.002, de 11 de dezembro de 1998) Subcategoria Produtos Carnes Frescas Todas as carnes frescas Congeladas Todas as carnes congeladas Produtos Cárneos Industrializados Produtos frescais*, embutidos ou não Almôndegas; quibes (kibes); linguiças; empanados; carne bovina, suína, ovina e de aves temperada; carne e miúdos temperados e/ou recheados; hambúrgueres; dentre outros. Produtos secos, curados e/ou maturados, embutidos ou não Linguiças; carnes e peles desidratadas; presunto cru; presunto Tipo Parma; salames; copas; Speck; Brezaola; cortes maturados/curados; Jerked Beef; charque; Pepperoni; paio Tipo Português; dentre outros. Produtos cozidos, embutidos ou não Mortadela; salsicha; pastas; salsichões; morcelas; chouriços; presunto cozido; pão de carne; fiambres; galantinas; lanches de carne; linguiças; cortes de carne; lombo Tipo Canadense; lombo de suínos; paios; linguiça defumada; almôndegas; pratos prontos; Zampone; barriga defumada (bacon); Codeguino; empanados; apresuntados; queijo de porco; dentre outros. Produtos Cárneos Salgados Produtos salgados crus cortes de carne, miúdos, carne de sol, dentre outros. Produtos salgados cozidos Mortadela; salsicha; pastas; salsichões; morcelas; chouriços; presunto cozido; pão de carne; fiambres; galantinas; lanches de carne; linguiças; cortes de carne; lombo Tipo Canadense; lombo de suínos; paios; linguiça defumada; almôndegas; pratos prontos; Zampone; barriga defumada (bacon); Codeguino; empanados; apresuntados; dentre outros. Conservas e Semiconservas de Origem Animal Conservas cárneas, mistas e semiconservas cárneas Salsicha; mortadela; apresuntado; carne em conserva; picadinho de carne; pastas; almôndegas; feijoada; dobradinha; molhos de carne; carnes com vegetais; língua de bovino enlatada; paio em banha; extratos de carnes; fiambres; dentre outros. * Entende-se por “frescais“ os produtos que não sofrem tratamento térmico e, deste modo, exigem um maior controle da qualidade da matéria-prima e das condições de processamento e comercialização. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 5 1.2.1 Embutidos crus (produtos crus ou frescais) Nessa classe, a matéria-prima, adicionada de condimentos e especiarias, é embutida em envoltórios naturais ou artificiais e conservada até o consumo final em temperaturas entre -1 a 8oC. São exemplos desses produtos os vários tipos de linguiças frescais (linguiça de porco, de frango, linguiça calabresa) e os produtos marinados. 1.2.2 Embutidos cozidos (produtos escaldados) Após o preparo do produto, o mesmo é submetido a tratamento térmico de pasteurização. Em relação à estrutura da matéria-prima os embutidos cozidos podem ser divididos em: a) emulsionados (salsichas, mortadelas, patês); e, b) moldados (presunto, apresuntado). 1.2.3 Embutidos fermentados (produtos salgados e desidratados) Nessa categoria de produtos, a matéria-prima é adicionada de culturas iniciadoras (“starters”) e embutida. A seguir, o produto passa por períodos de maturação em condições controladas de umidade e temperatura. Um exemplo é o salame. 1.2.4 Produtos curados A matéria-prima é adicionada de condimentos e sais de cura (nitrito e nitrato) e passa por processos de maturação. São exemplos dessa categoria o Presunto Parma, a Copa, o Culatello, o Lombo Canadense, a Carne de Sol, o Charque e o Jerked Beef. 1.2.5 Produtos reestruturados (produtos crus ou pré-cozidos) Nessa classificação, a matéria-prima é picada, adicionada de substâncias ligantes, empanada ou não, pré-cozida ou não, submetida a congelamento rápido (-30 a -35oC) e embalada. São representantes dessa categoria os hambúrgueres, almôndegas e os empanados tipo “nuggets”. 1.2.6 Produtos enlatados (produtos cozidos enlatados) O produto preparado e envasado é submetido a tratamentos de esterilização. Exemplo desses produtos são as salsichas enlatadas, patê, bolinho de carne (almôndegas)e o Corned Beef. A matéria-prima é picada, moldada e resfriada rapidamente. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 6 1.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO PROCESSAMENTO 1.3.1 Preparo da matéria-prima Como matéria-prima para processados são utilizados, além da carne magra (normalmente dianteiro de bovino), retalhos de carne suína ou bovina (resultado da desossa ou aproveitamento de cortes desfigurados), gorduras de suíno (oriundas da barriga, papada e lombo), carne mecanicamente separada (proveniente de dorso, pescoço ou cortes desfigurados) e vísceras (fígado, estômago, coração, língua e pulmão). A escolha e a quantidade dessa matéria- prima depende do produto, das técnicas de processamento e da fórmula. Outra questão importante é a qualidade higiênico-sanitária do lote de animais, das operações de abate e ausência de estruturas estranhas à carne como pelos, tecido conjuntivo ou pedaços de ossos. Inicialmente, no processo da industrialização, a matéria-prima é preparada para receber os condimentos de acordo com o produto, conforme descrito a seguir: em produtos curados como charque, carne de sol e Jerked Beef as massas musculares devem ser reduzidas à espessuras uniformes na forma de mantas de carne; em produtos cozidos moldados, como o presunto e o apresuntado, os músculos são desossados, separados individualmente e retiradas as aparas, aponevroses e gorduras não desejáveis; nas linguiças e produtos fermentados, a massa cárnea e a gordura são trituradas em partículas menores utilizando um moedor (Figura 1a). O tamanho dessas partículas de carne e gordura é um fator de qualidade que determina a textura do produto. O tamanho uniforme das partículas pode ser obtido se a trituração é realizada com a matéria-prima à baixas temperaturas antes da moagem. Esse procedimento evita a fusão das gorduras (temperatura de -1 a -2°C para carnes magras e temperatura de -2 e -3°C para carne gorda); no preparo de produtos emulsionados, a carne é moída finamente em equipamento específico (cutter; Figura 1b) juntamente com as gorduras, formando uma massa viscosa com características de uma emulsão. Essa textura inicial de pasta é mantida pelas propriedades funcionais das proteínas da carne que foram expostas durante a moagem no cutter. No cozimento, essas proteínas coagulam e originam outras texturas. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 7 Figura 1 - Equipamentos utilizados na fragmentação da carne: (a) moedor (picador) de carne, com detalhes dos discos de moagem com diferentes gramaturas; e (b) cutter (ou bow cutter), com detalhe das facas de corte que giram em alta velocidade. 1.3.2 Características da matéria-prima As matérias-primas, conforme a origem e localização, apresentam diferentes composições químicas e diferentes características em relação à capacidade de emulsificação e de formação de cor, conforme apresentado na Tabela 2. (a) (b) Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 8 Tabela 2 - Características das carnes para o processo de embutimento* Características nutricionais Características industriais Carnes Gordura (%) Proteína (%) Capacidade de cor** Capacidade de emulsionar** Carne de suínos Paleta 8,0 19,2 0,80 0,95 Fígado 8,0 20,6 0,80 0,00 Queixada 8,0 20,9 0,80 0,80 Orelhas 10,0 22,5 0,10 0,20 Retalhos 1 10,0 18,9 0,70 0,90 Retalhos 2 25,0 15,8 0,50 0,80 Retalhos 3 55,0 9,7 0,35 0,75 Estômago 13,0 16,7 0,20 0,05 Baço 15,0 15,9 0,60 0,00 C. de Bochecha 15,0 17,8 0,65 0,75 Coração 17,0 15,3 0,85 0,30 Pernil 19,0 16,9 0,60 0,80 Língua 19,0 16,3 0,15 0,20 C. de nuca 25,0 15,9 0,60 0,70 Couro 32,0 28,3 0,05 0,20 Focinho 35,0 14,6 0,05 0,10 Carne de bovinos Carne de vitela 5,0 16,8 0,90 0,80 Dianteiro 8,0 – 10,0 19,0 – 20,8 0,95 –1,0 1,00 Fígado 9,0 20,7 0,80 0,00 Bucho 11,0 12,8 0,05 0,10 Retalhos 15,0 18,9 0,90 0,85 Retalhos 25,0 16,9 0,85 0,80 Bochecha 15,0 18,3 0,90 0,85 Língua 20,0 15,5 0,25 0,20 Aparas de língua 40,0 12,6 0,15 0,15 Focinho 20,0 15,9 0,05 0,20 Coração 21,0 14,9 0,90 0,30 Ponta de agulha 23,0 15,8 0,80 0,75 Pulmão 12,0 17,5 0,75 0,05 *Valores médios (podendo variar com a época de abate e a idade e composição do animal), ** Os números que expressam a capacidade de cor e de emulsionar são valores relativos que variam de zero a um, Fonte: CANHOS & DIAS (1983) Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 9 1.3.3 Formulação do produto A formulação do produto, durante a sua fase de desenvolvimento deve prever uma qualidade elevada associada a um custo baixo. Geralmente, para reduzir custos é observado o tipo da carne e ingredientes que podem ser adicionados com o objetivo de aumentar o rendimento e melhorar as características sensoriais. Para os aditivos e ingredientes utilizados, bem como o teor mínimo de proteína e máximo de gordura e umidade, entre outros, nos produtos, existem normas que devem ser atendidas. 1.3.4 Ingredientes e aditivos em produtos cárneos Em linhas gerais, ingredientes são todas substâncias, incluindo os aditivos, que se agregam aos produtos, independentemente da finalidade tecnológica. As indústrias de carnes utilizam ingredientes e aditivos para conservar e melhorar as características de qualidade, tais como: cor, sabor, odor e consistência do produto. Aditivo para alimento é a substância intencionalmente adicionada ao mesmo, com a finalidade de conservar, intensificar ou modificar suas propriedades, desde que não prejudique seu valor nutritivo (BRASIL, 1989). A principal discussão sobre o emprego de aditivos na produção de alimentos resulta da controvérsia entre a necessidade e a segurança de seu uso. Embora sob o ponto de vista tecnológico haja benefícios alcançados com a utilização de aditivos alimentares, existe a preocupação constante quanto aos riscos toxicológicos potenciais decorrentes da ingestão diária dessas substâncias químicas (ANVISA, 2014). Um aditivo não tem propósito de nutrir e somente pode ser utilizado quando constar da legislação específica para a categoria de alimento, em suas respectivas funções e limites máximos. No Brasil, os aditivos são legislados por duas Portarias da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA) do Ministério da Saúde (MS): Portaria no. 1002, de 11 de dezembro de 1998, que “subdivide a Categoria 8 – Carnes e produtos cárneos”; e Portaria no. 1004, de 11 de dezembro de 1998 que define a “Atribuição da função e de limites de aditivos da Categoria 8”. Mais recentemente, em 2006, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) criou uma Portaria (no. 51, de dezembro de 2006) similar à Portaria no. 1004 da ANVISA, que também descreve a “Atribuição da função e de limites de aditivos da Categoria 8”. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 10 Os aditivos devem ser listados com as funções que exercem e com o número do Sistema Internacional de Numeração (INS), definidos nas portarias da ANVISA e, ou, MAPA (Ex. “conservante nitrito de sódio - INS 249”). Já os ingredientes, alguns são legislados pelas Instruções Normativas de Identidade e Qualidade, também chamados de PIQs (Padrões de Identidade e Qualidade), de cada produto específico definido pelo MAPA. Por exemplo, amido é um ingrediente que pode ser adicionado (até 2%) em apresuntados, mas não pode ser adicionado em presuntos cozidos. Assim, a diferença básica entre aditivos e ingredientes reside no fato de que, na sua maioria, aditivos são compostos químicos legislados devido a questões relacionadas ao risco do seu consumo em grande quantidade ou por questões tecnológicas. Por exemplo nitritoé um aditivo que é tóxico se consumido em quantidades elevadas, muito acima do que é permitido na maioria dos países. Já o controle dos ingredientes tem a ver com uma questão nutricional ou de mercado. Por exemplo, amidos são ingredientes - não aditivos - controlados pelo Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ) dos produtos. Esse controle é feito para evitar que as indústrias os utilizem em grandes quantidades, em substituição à carne, o que iria favorecer o rendimento e reduzir os custos. No entanto, o amido não contribui nutricionalmente ao produto e a substituição da carne por ele implica em severa redução nos valores nutricionais do produto. Além disso, a adição deste tipo de ingrediente permite diferenciar produtos de alta qualidade, em que sua adição não é permitida, de outros de qualidade inferior, porém aceitável. Estas diferenças refletem, obviamente, no preço do produto. Para que um aditivo alimentar seja aprovado no Brasil são consideradas referências internacionalmente reconhecidas, como o Codex Alimentarius - Comitê de Especialidades da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e Organização Mundial da Saúde (OMS) -, a União Europeia e, de forma complementar, a U.S. Food and Drug Administration (FDA). Esse critério é estabelecido na legislação brasileira pela Portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS/MS) no. 540, de 27 de outubro de 1997. A FAO e OMS definiram como objetivos do uso de aditivos alimentares: produzir alimentos mais atrativos; aumentar o tempo de vida de prateleira do alimento e dar a possibilidade, entre outras, de produção em grande escala; facilitar o processamento; melhorar a qualidade nutricional; atender à necessidade de alguns grupos de pessoas com alimentos especiais como, por exemplo, diabéticos. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 11 É importante ressaltar que em nenhum caso deve o aditivo servir para dissimular um tratamento anti-higiênico dos alimentos ou encobrir a existência de matérias-primas de baixa qualidade. Os aditivos são agrupados por categorias, de acordo com sua aplicação. Existem 350 substâncias aprovadas, distribuídas em 23 categorias de aditivos, sendo as principais, de relevância para produtos cárneos, descritas a seguir. 1.3.4.1 CONSERVANTES Conservantes são substâncias com função de manter a aparência e a palatabilidade dos alimentos, ou seja, mantê-los em condições de consumo dentro de um determinado tempo, prevenindo ou impedindo a deterioração causada por microorganismos ou pela ação enzimática. Nitratos e nitritos Na tecnologia de produtos cárneos, o termo “curado” é usado justamente para definir produtos adicionados de sais (de sódio ou potássio) de nitrito (NO2) e, ou, nitrato (NO3), sendo estes aditivos conhecidos como “agentes de cura”. As principais funções desses conservantes são: a) fixação da cor curada; b) ação bacteriostática; e, c) desenvolvimento do sabor e aroma relacionados a produtos curados. Os nitratos e nitritos são efetivos contra o crescimento de espécies proteolíticas como o Clostridium botulinum. No entanto, essa ação de preservação contra o C. botulinum em produtos cárneos deve ser consequência da associação e combinação de diversos fatores, tais como: concentração de salmoura, pH do meio, nitrito adicionado ou residual, tratamento de calor, contagem inicial na matéria-prima, natureza da flora competitiva, temperatura de estocagem, disponibilidade de ferro e a presença de outros aditivos. O desenvolvimento da cor e sabor característicos de produtos curados ocorre com concentrações de nitrito entre 10 a 50 ppm. Entretanto, para inibir o crescimento de microrganismos Clostridium botulinum são necessárias concentrações de 150 a 200ppm, valores esses que são permitidos pela legislação, que tolera até 200 ppm de nitrito. Importantes considerações sobre a ação bacteriana do nitrito e nitrato são mencionadas a seguir: a) a produção de toxina botulínica em carnes pode ser prevenida desde que utilizados métodos combinados de conservação associados às concentrações de nitrito e temperaturas de refrigeração; b) o Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 12 efeito antimicrobiano do nitrito é, também, observado em temperaturas superiores à temperatura de refrigeração; c) o tratamento térmico reduz o teor de nitrito residual; d) o teor de nitrito residual é reduzido gradualmente durante o período de armazenagem do produto; e, e) o efeito antimicrobiano depende da concentração inicial de nitrito e não dos níveis residuais (PEREZ, 1977; citado por PARDI et al., 1996). Em relação ao uso do nitrito e nitrato, a indústria tem mostrado preferência para o uso de nitrito, pois a transformação do nitrato em nitrito, resultado da ação microbiana, é de difícil controle bem como o controle do teor residual do nitrato no produto final. Existe um consenso geral de que as taxas de nitrito adicionado são mais efetivas na atividade antibotulínica do que as taxas de nitrito residual. Como efeito negativo, o emprego do nitrato e nitrito acarreta o risco da formação de N-nitrosaminas que são potencialmente carcinogênicas em determinadas condições. As alternativas para evitar esse risco são: a) substituição por outros aditivos como: conservadores e fixadores de cor, que resultem em ação antibotulínica; b) associação a outros aditivos que permitem a redução do teor de nitrito, como os ascorbatos e eritorbatos; c) adoção de meios capazes de impedir ou reduzir a formação de nitrosaminas como o ácido ascórbico e GDL (glutona delta lactona); d) busca de meios que venham a suprimir o processo de ativação, inibindo a ação carcinogênica; e) redução do limite máximo residual; e, f) redobrada vigilância para evitar a superdosagem. Ácido sórbico O ácido hexanodioico, conhecido como ácido sórbico, existe no comércio na forma pura ou como sal sódico, potássico ou cálcico, sob forma de pó, granulado, em soluções e suspensões. Existe, atualmente, uma tendência para o uso do ácido sórbico, devido à sua inocuidade em substituição a outros conservadores (PARDI et al., 1996), e ácido sórbico é inibidor do crescimento de bolores e leveduras (CALIL e AGUIAR, 1999). Considerando-se que alguns microrganismos podem incluir o ácido sórbico em seu metabolismo, que sua concentração é pequena e a densidade dos germes é grande, o ácido sórbico não se presta para a conservação desses substratos (PARDI et al, 1996). Por outro lado, a presença de sal comum e açúcares aumentam a atividade do ácido sórbico. No entanto, o emprego do ácido sórbico e seus sais em embutidos cárneos é limitado ao revestimento externo, não sendo permitida a sua presença na massa cárnea. A conservação das carnes por envoltórios impregnadas em ácido sórbico é considerada eficaz, sendo muito comum o seu uso na elaboração de produtos fermentados como o salame. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 13 1.3.4.2 ANTIOXIDANTES As substâncias adicionadas aos alimentos que reduzem o aparecimento de alterações oxidativas são definidas como antioxidantes. As gorduras, presentes nos tecidos cárneos, quando expostas ao ar e à luz tendem à oxidação e à rancificação, reações que são acompanhadas do desenvolvimento de sabor e odor desagradáveis. Vários fatores estão envolvidos com o início e processo de rancificação, tais como: a) composição química dos ácidos graxos, b) processamento utilizado; c) condições de armazenamento; e, d) presença de antioxidantes naturais na gordura (PARDI et al., 1996). A rancificação é provocada por reações químicas. Dentre essas existem algumas causadas pela ação do oxigênio atmosférico nas duplas ligações dos ácidos graxos insaturados. Essa oxidaçãoé ativada pela luz, pelo calor e pela presença do cobre e do ferro que catalisam a oxidação. Os resíduos desse processo de oxidação são os peróxidos que rompem-se e dão origem às cetonas, aldeídos e outros compostos de peso molecular baixo, responsáveis pelo odor e gosto desagradáveis que caracterizam as gorduras rançosas (PARDI et al., 1996). A fim de melhorar o efeito dos antioxidantes são aplicados nos alimentos os “compostos sinergistas”, cujo efeito da combinação é maior que o efeito relativo à ação de cada um dos componentes isoladamente. As substâncias sinergistas são adicionadas aos produtos cárneos conjuntamente com os antioxidantes. Os atuais sinergistas utilizados são o ácido ascórbico (vitamina C), o ácido cítrico e o ácido fosfórico. Dentre os antioxidantes de eleição encontram-se os sintéticos: butil-hidroxitolueno (BHT), butil-hidroxianisol (BHA) e galato de propila com o sinergista ácido cítrico (PARDI et al., 1996; CALIL e AGUIAR, 1999). Em alimentos, os antioxidantes sintéticos de uso permitido devem seguir o limite máximo para cada antioxidante, mas quando mais de um tipo é utilizado o total não pode exceder a 0,02% (200 ppm) com base no teor de gordura do produto. Os sais do ácido ascórbico (ascorbatos de sódio ou potássio) e seu isômero ácido isoascórbico (eritorbato de sódio ou potássio) – Figura 2 – são comumente empregados em produtos cárneos. Ambos funcionam como agentes redutores, como antioxidantes e agentes sequestrantes. São aceleradores do processo de cura e também são estabilizadores da cor curada formada. O ascorbato é considerado mais eficiente nessa ação, porém é de custo mais elevado, portanto o uso do eritorbato em produtos cárneos é maior. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 14 Figura 2 - Estrutura química dos ácidos ascórbico e isoascórbico. 1.3.4.3 ESTABILIZANTES Estabilizantes são substâncias que favorecem e mantêm as características físicas de emulsões e suspensões, não dispõem de ação emulsionante, mas consolidam as emulsões. Caracterizam-se por seu peso molecular elevado. Sua ação consiste em formar películas na superfície de separação, além de funcionar como coloides protetores que desenvolvem viscosidade elevada e, com isso, evitam a migração das partículas menores existentes na solução. Por isso, os estabilizantes são frequentemente adicionados aos alimentos junto com os emulsionantes (PARDI et al., 1996). Entre os estabilizantes minerais encontram-se os polifosfatos que, por modificarem as funcionalidades das proteínas no alimento, reagem como estabilizantes de forma indireta. Os polifosfatos atuam elevando o pH do meio, acentuando a capacidade de retenção de água e consequente embebeção da massa e a diminuição da retração do produto no cozimento, devido a menor perda de umidade. Tecnologicamente isso proporciona no produto um aspecto mais homogêneo e brilhante ao corte e aumenta a sua suculência e maciez (PARDI et al., 1996). Outras vantagens tecnológicas associadas ao uso de polifosfatos são: retardo na oxidação, redução da perda de suco nos enlatados e redução na perda de água no descongelamento (PEREZ, 1987, citado por PARDI et al, 1996). A legislação brasileira restringe sua aplicação a 0,5% em produtos cárneos. 1.3.4.4 ACIDULANTES Os acidulantes são substâncias capazes de comunicar e intensificar o gosto ácido dos alimentos e podem exercer outras ações, como: mascarar a doçura do açúcar e conservar (PARDI et al., 1996). Os acidulantes previstos pela legislação brasileira são: ácido adípico, ácido cítrico, ácido fosfórico, ácido fumárico, ácido glicônico, ácido glicólico, ácido lático, ácido málico, ácido tartárico e glucona-delta-lactona. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 15 Ácido lático O ácido lático, em condições de anaerobiose, é formado no músculo após o sacrifício do animal, que age contribuindo na queda do pH da carne e aumentando a vida útil da carne in natura. Nos produtos elaborados a acidez originada do acúmulo de ácido lático na carne atua aumentando a estabilidade de produtos maturados. Nesses produtos, a presença desse ácido pode ser originada da adição de açúcares fermentáveis. O uso tecnológico do ácido lático apresenta algumas vantagens, como: a) ser estável ao calor, resistindo a temperaturas elevadas; b) possui sabor ácido suave; c) não sofre limitações quanto ao seu uso em alimentos. Por outro lado, não mascara outros componentes odoríferos. O ácido lático pode ser empregado em salmoura ou sal destinado à elaboração de charque e outras carnes curadas ou defumadas (Jerked Beef), em doses de até 2% sobre o peso do sal empregado (PARDI et al., 1996). Ácido acético A ação conservadora do ácido acético é atribuída à queda do pH provocada no meio, por essa razão é necessária uma concentração mais elevada do que os demais ácidos orgânicos. Nesse caso, a atividade antimicrobiana é observada quando utilizadas concentrações superiores a 0,5%. O ácido acético, além de conservador, também é considerado um ingrediente rápido que industrialmente pode ser usado como corretivo de pH, principalmente em conservas de pescado e conservas de carne (PARDI et al., 1996). Ácido cítrico De sabor ácido mais forte, o ácido cítrico também pode ser utilizado em produtos cárneos curados via categoria de antioxidante (sinergista – sequestrante de metais, inibindo seu efeito catalizador sobre a reação de oxidação) em níveis de até 0,2%. Em presuntos e apresuntados, embora seja permitida, sua utilização não é adequada, pois diminui a capacidade de retenção de água da carne, prejudicando a liga do produto. Glucona-delta-lactona A glucona-delta-lactona (GDL) é um éster do ácido glucômico e se Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 16 apresenta sob a forma de um pó branco, sem odor particular e sabor agradável, parecido com os outros açúcares, muito solúvel em água e pouco em álcool. Em meio aquoso, a GDL se transforma lentamente em ácido glucômico, que adicionado até os níveis permitidos pela legislação (0,5%), diminui o pH em alguns décimos (0,2 - 0,3 unidades). Este decréscimo, embora pequeno, é importante, pois permite que muitas massas cárneas cheguem a valores de pH próximos de 5,3, nos quais a velocidade de cura é máxima. Esta redução do pH contribui ainda para a inibição de microrganismos indesejáveis (proteolíticos, por exemplo) no embutido. É um dos principais acidulantes utilizados em produtos cárneos fermentados. 1.3.4.5 AROMATIZANTES OU FLAVORIZANTES Aromatizantes ou flavorizantes representam os aditivos constituídos por substâncias ou compostos usados com o objetivo de intensificar o paladar e o aroma dos alimentos ou conferir-lhes um sabor que não possuem (PARDI et al., 1996). Os principais aromatizantes utilizados na indústria de carnes atual são os aromas de fumaça (fumaça em pó, fumaça líquida, etc.). Os aditivos flavorizantes podem ser divididos em: a) naturais, obtidos a partir de folhas, raízes, resinas, óleos essenciais etc., através de processos físicos e químicos; b) artificiais, divididos em dois grupos: i) obtidos por processo de síntese através de processos físicos e químicos, cuja estrutura química é idêntica a uma substância ou composto natural; ii) obtidos por síntese laboratorial, cuja estrutura química não é encontrada na natureza. 1.3.4.6 CORANTES Os corantes são usados para dar cor ou realçar o pigmento e, dessa forma, atrair a atenção do consumidor criando uma cor-imitação ou realçando a cor natural, sem que possuam qualquer princípio nutritivo. Os corantes podem ser divididos em naturais e artificiais. Entre os naturais temos os de origem puramente vegetal, tais como: açafrão, antocianinas, beterraba,cacau, carotenoides, carvão vegetal, cochonilha, cúrcuma, índigo, páprica, pau-brasil, pau campelchi, riboflavina, urucum, urzela, xantofila e alguns outros menos conhecidos como a hemoglobina, pigmento de origem animal. Estes pigmentos naturais são pouco utilizados, pois existem os artificiais, disponíveis e economicamente viáveis tais como: amarelo crepúsculo; amarelo ácido; amarelo tartrazina; azul idigotina; azul indatreno; azul brilhante; amaranto ou bordeaux S; vermelho 40; ponceau 4 R; e, eritrosina (PARDI et al., 1996). Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 17 1.3.4.7 UMECTANTES As substâncias umectantes são aquelas capazes de evitar a perda da umidade dos alimentos, previnindo a solidificação e agindo na cura de embutidos (CALIL e AGUIAR, 1999). Em carnes é permitido o uso de propileno glicol, no limite máximo de 0,004%. Lactato de sódio Apesar de a legislação brasileira enquadrar o lactato de sódio como umectante, além desta função, este possui ainda ação de preservação, aumentando a estabilidade microbiológica e, consequentemente, a vida útil; melhora o sabor e a cor do produto; e é de fácil aplicação por se apresentar na forma líquida (cerca de 60% de concentração). 1.3.4.8 ESPESSANTES Espessantes são substâncias que aumentam a viscosidade de um alimento. Em produtos cárneos seu uso é mais restrito. Carragena As carragenas, também chamadas de carrageninas ou musgo irlandês, são carboidratos naturais que estão presentes na estrutura de algumas algas vermelhas (Rhodophycea), que possuem a particularidade de formar coloides altamente viscosos ou géis em meio aquoso. Esta capacidade de formar géis permite melhorar rendimentos (diminuir custos), textura (mais elástica em presuntos), suculência (maior capacidade de reter água - CRA), fatiamento e liga dos produtos cárneos, permitindo ainda diminuir a perda de líquidos, o teor de gordura (principalmente em produtos de baixo teor de gordura por permitir a redução de gordura sem comprometer a palatabilidade) e as quebras no momento de fatiar ou cortar o produto, consequentemente, melhorando a aparência final e o sabor dos derivados de carne. 1.3.4.9 CONDIMENTOS E ESPECIARIAS Condimento é o produto contendo substâncias aromáticas, sápidas, com ou sem valor alimentício, empregado com o fim de temperar alimentos, dando- lhes melhor aroma e sabor (artigo 785 do RIISPOA, BRASIL, 1952). Os Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 18 condimentos e temperos são importantes, pois conferem ao alimento odor agradável e ajudam a melhorar o sabor ao degustar, o que repercute no seu próprio aproveitamento. O uso de condimentos aumenta a palatabilidade do alimento, permitindo a variedade da dieta, sobretudo devido ao odor e sabor mais ativos, excitam as mucosas e aumentam a atividade glandular, com consequente produção de mais saliva e mais suco gástrico, em favorecimento à digestão Os condimentos podem ser agrupados em duas classes: potencializadores de sabor, que são substâncias que não conferem sabor, mas favorecem a percepção destes; entre eles citam-se: glutamato monossódico, hidrolisado de proteínas, aminoácidos, dipeptídeos, maltol, etimaltol e produtos de combinação; e saporizantes: substâncias que conferem sabor, como os aromatizantes, ácidos naturais presentes nos alimentos, açúcar, sal de cozinha e especiarias. O artigo 367 do RIISPOA lista as substâncias aromáticas (e seus princípios ativos), empregadas com a finalidade de temperar o produto, aprovadas para o uso em produtos cárneos. Especiarias são partes de algumas plantas (raízes, rizomas, bulbos, cascas, folhas, talos, flores, frutos, sementes) em seu estado natural, dessecadas e/ou resultantes de trabalho mecânico, que por seu sabor ou aroma característico dão sabor aos alimentos para consumo humano. O uso das especiarias em conservas e produtos industriais, além de imprimir sabores característicos, atuam também como antioxidantes em relação às gorduras. Esse efeito é observado, principalmente, na pimenta do reino, cravo, gengibre, noz-moscada, alecrim e cebola. Nos produtos cárneos, essa ação antioxidante é mais efetiva mediante o aquecimento. Nesses casos, as especiarias atuam retirando da gordura o oxigênio necessário à formação de radicais e/ou as especiarias opõem-se aos processos antioxidativos das gorduras, fixando traços de metais, que são agentes catalizadores. Alguns autores atribuem ainda o efeito antimicrobiano a algumas especiarias, tais como a canela, cravo, mostarda, macis, noz-moscada e o gengibre (PARDI et al., 1996). Os condimentos podem ser utilizados nos produtos cárneos em quantidades suficientes para dar o efeito desejado, seguindo as boas práticas de manufatura. Produtos curados, como presuntos e apresuntados, devem ser condimentados de forma suave, de modo a permitir que predomine o sabor Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 19 característico da carne curada, enquanto outros produtos como mortadelas e salames são fortemente condimentados. 1.3.4.10 INGREDIENTES Diversos ingredientes podem ser utilizados no processamento de carnes, sendo que alguns possuem propriedades similares a alguns aditivos. Por exemplo, substâncias com propriedades estabilizantes podem ser obtidas a partir de plantas terrestres e marinhas e substâncias proteicas encontradas em produtos animais e vegetais. Os estabilizantes vegetais não proteicos podem ser: exsudato de plantas terrestres (goma arábica, tragacanto, goma karaya), extrato de plantas terrestres (pectina), farinha de sementes (farinha de alfarroba, goma guar), extrato de algas marinhas (ágar, alginatas, musgo irlandês), derivados da celulose (metilcelulose, carboxicelulose sódica e celulose microcristalina) e derivados de hidroxicoloides naturais (propilenoglicol-alginato). Entre os hidroxicoloides vegetais específicos, importantes em produtos cárneos, destacam-se o amido e as féculas. Amido e Fécula Amido é o produto amiláceo extraído das partes aéreas comestíveis dos vegetais (ex. amido de milho), e fécula é o produto amiláceo extraído das partes subterrâneas comestíveis dos vegetais (ex. fécula de batata; fécula de mandioca). Os amidos e féculas são ligadores utilizados em um grande número de indústrias por sua capacidade de formar géis com o calor, mantendo unida a massa, a umidade e gordura da carne durante o seu processamento, além de conferir firmeza e modificar as características de textura. Os grânulos que formam o amido incham-se, rompem-se e, em presença de água, gelatinizam- se. O amido utilizado nos embutidos cárneos cozidos ou escaldados barateia o produto e ajuda a reter água liberada pela desnaturação das proteínas durante o processo de cozimento (que será englobada entre as porções gelatinizadas), mas diminui a quantidade de matéria-prima nobre, por isso, amidos são chamados de “substâncias de enchimento”, sendo sua adição legislada pelos PIQs dos produtos. Ligadores proteicos Outra substância ligadora é a proteína de soja, utilizada em grande número de produtos cárneos, como salsichas, mortadelas, presuntos, apresuntados, linguiças e hambúrgueres. As proteínas de soja, que têm como característica fundamental a capacidade de reter água (sem comprometer a relação umidade/proteína) e emulsionar gordura, assegurando a estabilidade dos produtos, substituem parcialmente a carne e aumentam consideravelmente Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 20 a capacidade de emulsão e liga, o que melhora as características do corte e fatiamento. A maioria das proteínas terá este papel. Entre os ligadores de origem animal, que têm capacidade de emulsionar a gordura e de reter água, citam-se:albumina do ovo, leite desnatado em pó, proteínas do soro de leite, caseína solúvel, plasma sanguíneo, entre outros. Cloreto de sódio - Sal O cloreto de sódio (sal de cozinha) tem participação muito importante no processo da solubilização das proteínas da carne. As proteínas sarcoplasmáticas e as miofibrilares são solúveis em soluções salinas, portanto, o sal tem uma importância fundamental na extração das proteínas do interior do músculo para a superfície. Além disso, o sal aumenta a força iônica e favorece a manifestação das propriedades tecnológicas das proteínas da carne, tais como o poder emulsionante e ligante que é responsável por manter a estabilidade e conferir a textura dos produtos. Como seu emprego não é regulamentado, e uma vez que o sabor salgado é suficiente para limitar o consumo dos produtos, sua dosagem não tem caráter de controle. Geralmente não é utilizado em níveis superiores a 2%, mas níveis maiores podem ser aplicados quando se deseja maximizar a funcionalidade das proteínas miofibrilares, sendo necessária a adição de açúcar para “abrandar” o excesso de sal. Quando utilizado em altas concentrações inibe o crescimento dos microorganismos que causam a deterioração da carne, pois aumenta a pressão osmótica do meio com a consequente redução da atividade da água (PRICE e SCHWEIGERT, 1976, CANHOS e DIAS, 1983). Com a redução na capacidade de retenção de água, e devido à alta concentração salina, as proteínas são desnaturadas (GRAU, 1976, citado por PARDI et al., 1996). Em relação à ação do sal contra os microorganismos, ele possui ação bacteriostática quando usado na concentração de 10% do produto e tem ação preventiva contra os microrganismos anaeróbicos, quando empregado na concentração de 5% (PARDI et al, 1996). 1.3.5 Mistura dos ingredientes na matéria-prima Os ingredientes podem ser adicionados e misturados à massa cárnea triturada através misturadores dotados de pá (Figura 3) ou, mesmo, no cutter durante a moagem quando o produto é finamente triturado (ex. em emulsionados). A mistura uniforme permite o desenvolvimento homogêneo da cor do produto, adequada preservação e parâmetros estáveis de sabor, Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 21 suculência e textura no mesmo lote ou entre lotes de produtos com a mesma formulação. Figura 3 – Ilustração de uma misturadeira de massa cárnea dotada de pás. Entretanto, no caso de produtos não cominuídos, os ingredientes podem ser introduzidos nas peças cárneas através da injeção, seguida do massageamento. A injeção direta da mistura de cura (salmoura) no interior da carne provoca uma distribuição mais rápida e uniforme. O processo é feito sob pressão através de agulhas múltiplas que penetram na carne em certos pontos à distância uniforme (Figura 4). Trata-se do processo mais utilizado industrialmente na elaboração de presunto cozido e similares. Figura 4 – Injetora automática de agulhas múltiplas, cujos cabeçotes com blocos de agulhas permitem a injeção em peças de carne com ou sem osso. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 22 Após injeção das peças, estas podem ser encaminhadas aos massageadores ou tombadores (tumblers), que são equipamentos que causam danos mecânicos do tecido muscular, com perda da estrutura normal da fibra e destruição da barreira celular, o que permite uma melhor difusão e distribuição dos ingredientes de cura na peça de carne, reduzindo o tempo necessário para a completa cura e equalização. O tombador é constituído de um cilindro fechado, com hélices ou pás internas, que em movimentos giratórios eleva os pedaços de carne para o topo e deixa-os cair (Figura 5). A ação física é severa e envolve além do atrito uma energia de impacto relativo, devido à queda das peças de carne dentro do tambor rotativo. Durante o processo, também ocorre o extravasamento das proteínas miofibrilares para a superfície, formando um exsudado cremoso e pegajoso. Este exsudado, composto principalmente por proteínas miofibrilares, aumenta a CRA e permite uma melhor coesão dos pedaços de carne, com consequente redução da perda de peso durante o aquecimento e rendimento mais uniforme do produto. Além disso, favorecem a tenrura, cor, fatiabilidade e palatabilidade do produto final. Figura 4 – Foto e esquema de um tombador (tumbler) a vácuo, utilizado para ativação mecânica das proteínas da carne. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 23 1.3.6 Embutimento Produtos cárneos fragmentados, emulsionados ou não, são estruturados geralmente numa forma simétrica. A maioria destes produtos, também chamados de produtos de salsicharia (em outros países, denominado sausage), é embutida, podendo ser, ainda, curados, defumados, secos, tratados termicamente ou não. O embutimento consiste na extrusão da massa cárnea triturada ou peças menores de carne em envoltórios, naturais ou artificiais, ou mesmo formas, flexíveis ou não. Os envoltórios flexíveis, comumente chamados de tripas, são usados no embutimento dos produtos de salsicharia, bem como de outros tipos de produtos cárneos processados. As tripas podem ser divididas em dois grandes grupos: naturais e artificiais. As tripas naturais são provenientes dos intestinos, bexiga, esôfago e estômago de animais de abate, sobretudo bovinos, suínos e ovinos, embora possam ser utilizadas tripas de equídeos e caprinos. Após o abate, as tripas são limpas (remoção do sebo e da mucosa), imersas em água e gelo para extrair o sangue, salgadas e, ou, dessecadas. Antes de usadas no embutimento, as tripas naturais precisam ser dessalgadas e, ou, reidratadas. As tripas artificiais são obtidas a partir de matérias-primas naturais regeneradas e materiais sintéticos. Os envoltórios artificiais de uso mais corrente em embutidos cárneos são os constituídos de hidrato de celulose (tripas fibrosas, de origem vegetal) ou colágeno reconstituído (tripas membranosas, de origem animal) e os constituídos por polímeros minerais (plásticas), denominados envoltórios sintéticos. As tripas naturais são os envoltórios tradicionais e apresentam algumas vantagens em relação aos artificiais, como melhor aparência e proteção ao sabor do embutido, pois mantêm a suculência e permite o sabor característico da defumação nas porções internas desse produto. No entanto, esse tipo de envoltório apresenta algumas características indesejáveis quando comparadas com as tripas artificiais, como maior índice de contaminação microbiana e consequente perda na vida útil, e não apresentam calibres médios e finos, como as artificiais (SOARES et al., 2004). Em geral, as fibras artificiais apresentam melhores características do que as tripas naturais, como aspecto atrativo, maior uniformidade do produto final e são mais firmes ao embutimento. A permeabilidade ao vapor e à fumaça das tripas de colágeno e celulose pode ser escolhida, apresentando boas condições higiênicas e inocuidade toxicológica. Associado a tudo isso, as tripas artificiais são fáceis de manipular, transportar e armazenar. A grande desvantagem deste tipo de envoltório é o fato de que alguns tipos, como o de Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 24 celulose e os sintéticos, não serem comestíveis, devendo ser removidas antes do consumo. Seja por tripa natural ou artificial, as partículas de carne ou emulsão cárnea são embutidas nos envoltórios com o uso de embutideiras (Figura 5). Figura 5 – Ilustração de embutideira tipo pistão (esquerda) e tipo rotor (direita). A utilização de formas reaproveitáveis também tem um papel importante na fabricação de embutidos. De material rígido, as formas de metal ou plásticos são especialmente úteispara produtos que não são comercializados com a tripa, como, por exemplo, presuntos, apresuntados e fiambres. 1.3.7 Tratamento térmico Tecnologicamente, o tratamento térmico tem duas importantes funções no processamento de carnes: É responsável pela coagulação das proteínas e a manutenção do formato do produto. Exemplos desse processo é a pasteurização das salsichas que, após o cozimento, o envoltório é retirado e, mesmo assim, o formato é mantido; e o presunto cozido, no qual os músculos suínos inteiros após cozimento em formas metálicas mantém o formato e coesos no fatiamento, durante o prazo de validade. Reduz a contaminação bacteriana e, associado a temperaturas de resfriamento, mantém o produto qualitativamente viável por mais tempo. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 25 1.3.8 Defumação A defumação é, por definição, a operação que consiste principalmente em submeter a carne à ação da fumaça da queima de madeiras, aparas, serragens e outros vegetais durante algum momento do seu processamento. A defumação de produtos cárneos confere aroma e sabor característicos, além de maior prazo de vida comercial devido a ação dos componentes da fumaça e por desidratação parcial. Junto com a salga e a dessecação, é um dos três procedimentos mais antigos de conservação de alimentos. Antigamente os produtos eram fortemente defumados, pois se visava a totalidade do efeito de preservação dado pela fumaça (conservação do produto). Progressivamente reduziu-se o teor de fumaça aplicada aos produtos, chegando os mesmos a terem apenas traços, decorrentes de uma defumação “suave”. Atualmente a defumação das carnes visa conferir características de sabor e cor especiais, o desenvolvimento de novos produtos e, contribuir com a conservação, seja protegendo contra oxidação ou colaborando para evitar o crescimento microbiano. Entretanto, quando usada isoladamente, não deve ser considerada como método de preservação, exceto em produtos fortemente defumados. 1.3.9 Maturação/Secagem Alguns produtos passam por maturação/secagem em condições de temperatura, umidade e velocidade do ar controlada com o objetivo de desenvolver sabor, aroma e texturas características. Exemplo desses produtos são os fermentados e os produtos curados cru. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 26 1.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABERLE, E.D., FORREST, J.C., GERRARD, D.E., MILLS, E.W. Principles of Meat Science. 4 ed., New York: Kendall/Hunt Publishing Company, 2001. 354p.. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria da Defesa Agropecuária (SDA). 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De fato, muitos produtos hoje referidos como reestruturados eram enquadrados como produtos de salsicharia. Atualmente, é consenso comum o uso do termo “produtos de salsicharia” para produtos cárneos geralmente embutidos, como salames, salsichas, mortadelas, linguiças, entre outros. Outros produtos, que não podem ser classificados como produtos de salsicharia, são referidos como “reestruturados”. Entre os reestruturados mais comuns situam-se os hamburgueres, almôndegas, bifes de porções de carne moldada (steaks) e os empanados (nuggets) de carne de aves (RAMOS e FONTES, 2005). Os embutidos clássicos são as linguiças, cujo processamento difere dos emulsionados (salsicha, mortadela, etc.) e fermentados (salames) devido à sua simplicidade de processo. Neste capítulo serão abordados apenas as linguiças, como embutidos, os marinados e alguns produtos reestruturados. 2.1 LINGUIÇAS 2.1.1 Definição Linguiça é o produto cárneo industrializado, obtido de carnes de animais de açougue, adicionados ou não de tecidos adiposos, ingredientes, embutido em envoltório natural ou artificial e submetido ao processo tecnológico adequado (BRASIL, 2000). O processo de fabricação de linguiças, assim como outros produtos de salsicharia, surgiu da necessidade de aproveitamento de retalhos de carne e gorduras de limpeza das peças, bem como de melhor utilização das carnes menos nobres. O método básico consiste em realizar o corte, desossa, Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 30 moagem (trituração) da carne e da gordura, cura, condimentação, mistura, embutimento em tripas animais (geralmente os intestinos devidamente limpos e tratados) e, quando desejado, defumação (RAMOS e FONTES, 2005). Muitas linguiças são designadas segundo as regiões onde foram desenvolvidas, como é o caso da linguiça calabresa (Calábria, Itália), toscana, (Toscana, Itália), portuguesa (Portugal), espanhola (Espanha), blumenau (Blumenaul, Santa Catarina), entreoutras. Trata-se de um dos derivados cárneos mais fabricados no Brasil, por não exigir tecnologia de ponta e por utilizar poucos equipamentos e de baixo custo. De acordo com o Regulamento de Identidade e Qualidade de Linguiças (BRASIL, 2000), a classificação dos tipos de linguiça é feita de acordo com a composição da matéria-prima e com as técnicas de fabricação, por exemplo: Linguiça: produto cárneo industrializado, obtido de carnes de animais de açougue, adicionados ou não de tecidos adiposos, ingredientes, embutido em envoltório natural ou artificial, e submetido ao processo tecnológico adequado. Podem ser cruas (frescais), dessecadas, cozidas e, ou, defumadas. O uso de CMS (carne mecanicamente separada) é permitido apenas em linguiças cozidas, sendo limitado a 20%. A CMS utilizada também poderá ser substituída por carne de diferentes espécies de animais de açougue, até o limite máximo de 20 %. Permite- se, ainda, a adição de 2,5% (máx.) de proteínas não-cárneas (vegetal e, ou, animal) na forma de proteína agregada. Linguiça Calabresa: produto obtido exclusivamente de carne suína, curado, adicionado de ingredientes, devendo ter o sabor picante característico da pimenta calabresa, submetida ou não ao processo de estufagem ou similar para desidratação e ou cozimento, sendo o processo de defumação opcional;. Linguiça Portuguesa: é o produto obtido exclusivamente de carne suína, curado, adicionado de ingredientes, submetido à ação do calor com defumação. Tem como características o sabor de alho e a forma de apresentação de “ferradura”. Linguiça Toscana: produto cru e curado obtido exclusivamente de carne suína, adicionada de gordura suína e ingredientes. Paio: produto obtido de carnes suína e bovina (máximo de 20%) embutida em tripas naturais ou artificiais comestíveis, curado e adicionado de ingredientes, submetido à ação do calor com defumação. O produto deve ser designado (Denominação de Venda) de Linguiça, seguido de denominação ou expressões que o caracterizem, de acordo com a sua apresentação para venda, tais como: Linguiça de Carne Bovina, Linguiça de Carne Suína, Linguiça de Lombo Suíno, Linguiça de Lombo e Pernil Suíno, Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 31 Linguiça de Carne Suína Defumada, Linguiça Calabresa, Linguiça de Carne de Peru, Linguiça de Carne de Frango, Linguiça Mista, Linguiça Tipo Calabresa, Linguiça Tipo Portuguesa, Linguiça Cozida de ... , Paio, e Outros. 2.1.2 Processamento Como matéria-prima da linguiça podem ser utilizadas carnes (oriundas de bovinos, suínos e aves) e sal. O tipo de carne a ser empregado varia de acordo com a formulação escolhida. Os ingredientes opcionais mais utilizados são: gordura suína, água, aditivos intencionais, aromas, especiarias e condimentos. 2.1.2.1 MOAGEM A matéria-prima (carne e gordura) deve ser reduzida a pequenos pedaços levados ao moedor. Dessa matéria-prima, as carnes duras devem ser finamente moídas, enquanto as carnes mais macias e as gorduras devem ser moídas em discos de maior calibre. A temperatura da carne a ser moída deve ser de 0 a 4°C, pois a moagem pode provocar um aquecimento indesejável da carne. 2.1.2.2 CONDIMENTAÇÃO Após a moagem, a carne, a gordura, outros ingredientes e os temperos diluídos em água gelada devem ser transferidos a um recipiente próprio e misturados de forma homogênea. O uso da água gelada, além de facilitar a diluição dos condimentos e a homogeneização do tempero à massa, contribui para a redução da temperatura do material. A seguir, a massa deve descansar por algumas horas em geladeira antes do embutimento. 2.1.2.3 EMBUTIMENTO A massa deve ser embutida, de forma contínua sem espaço de ar ou em gomos no tamanho desejado. As bolhas de ar podem causar oxidação e escurecimento nas regiões circunvizinhas a elas, comprometendo a apresentação do produto final. Como envoltório para as linguiças podem ser usadas tripas artificiais ou naturais (suínos, bovinos ou ovinos). No momento de embutir, as tripas devem Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 32 ser colocadas em água aquecida, pois este procedimento facilitará o embutimento e amoldamento da massa ao envoltório. Simultaneamente ao enchimento com a massa, são realizadas as torções na tripa para o posterior amarrio, normalmente, a cada 10 cm (mas irá depender do tipo de linguiça). 2.1.2.4 AMARRIO Quando são realizados gomos, as extremidades dos envoltórios e regiões de torção devem ser amarradas com fio de algodão (barbante). Esse fio não deve ser muito fino e a pressão dos nós não deve ser excessiva para não causar corte na tripa e extravasamento da massa. 2.1.2.5 DEFUMAÇÃO As linguiças defumadas (calabresa, paio, etc.) devem ser levadas ao defumador logo após o preparo. No defumador, as peças são mantidas afastadas umas das outras por espaços pequenos, permitindo o contato perfeito das peças com o calor e a fumaça. A distância entre as linguiças e a fonte de aquecimento não deve ser inferior a 50 cm. As peças devem ser submetidas a calor seco sem fumaça (chaminé aberta) por 1 ou 2 horas, à temperatura de 40 a 45 °C, de forma que ocorra a secagem superficial das linguiças e a distribuição homogênea do sabor. Uma vez iniciada a defumação, mantenha a operação por mais 6 a 7 horas (chaminé fechada), não permitindo que a temperatura do defumador ultrapasse 45°C (CANHOS & DIAS, 1983). 2.1.2.6 ARMAZENAMENTO As linguiças processadas em boas condições de higiene podem ser armazenadas em geladeira por até 15 dias e congeladas por até 6 meses. Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 33 2.2 PRODUTOS MARINADOS 2.2.1 Definição A marinação de carnes é o processo de imersão da peça em salmoura com ingredientes que podem melhorar o sabor, suculência e maciez da carne. Dentre as vantagens que esse tipo de produto apresenta para a indústria podem ser citados: a preparação simples e rápida, a caracterização do produto por meio de sabores especiais (com denominações fantasia tais como: prato mexicano, indiano, americano, chinês etc.); a possibilidade de criar sabores variados; e, agregar valor ao corte de carne (SCHMELZER-NAGEL, 1998). Popularmente, as carnes de aves, bovinos e suínos são marinadas com vinho, vinagre e leite. A indústria tem atualmente utilizado da marinação, porém sem agregar condimentos e, ou, flavorizantes, adicionando apenas aditivos como fosfatos e cloretos de sódio e, ou, de cálcio. Esta tecnologia, que tem sido denominada de “enchacement” (melhoramento, em português), consiste em se injetar uma solução na carne fresca para se obter uma maior retenção de água, melhorando a suculência e rendimento, e incrementar atributos de palatabilidade, em especial a maciez da carne. Estes produtos no Brasil são conhecidos, simplesmente, como “carnes temperadas”. 2.2.2 Processamento O processo de marinação mais tradicional consiste em aplicar uma solução preparada com água, sal, aditivos e substâncias aromáticas na estrutura do músculo, através de difusão (o corte é imerso na solução) ou por injeção, onde a solução é injetada na carne. Esta solução, chamada marinada, Conservação e Industrialização de Produtos Cárneos 34 pode ser ácida, pois age sobre os tecidos conjuntivos amaciando a carne e aumentando a vida útil, por criar condições adversas para o desenvolvimento bacteriano. 2.2.2.1 MATÉRIA-PRIMA Os cortes de carnes utilizados para marinar podem ser: peito de frango, carré de suíno e ovino, lagarto bovino ou até carcaças de frango. Atualmente, são indicados para a marinação lombos de suínos PSE,