Prévia do material em texto
METODOLOGIA E PRÁTICA DE LÍNGUA PORTUGUESA Daiana Rodrigues da Silva 2 SUMÁRIO 1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE LÍNGUA PORTUGUESA ................................................ 3 2 APRENDER E ENSINAR LÍNGUA PORTUGUESA NA ESCOLA ......................................... 11 3 GÊNEROS TEXTUAIS/DISCURSIVOS .............................................................................. 19 4 PCN: OS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL .......... 29 5 ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA ....................................................................... 35 6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO ........................................................................................... 41 3 1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE LÍNGUA PORTUGUESA O ensino de Língua Portuguesa sofreu fortes mudanças ao longo dos anos, especialmente no final da década de noventa com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Isto porque havia uma concepção de ensino da língua materna baseada na memorização e repetição de normas gramaticais, desprendidas de significado, ou seja, do uso efetivo da língua. Desconsiderava-se que a criança já entra na escola com uma gramática internalizada (expressa pela fala), pois utiliza os termos na ordem sintática padrão (Sujeito + verbo + complementos), antes mesmo de saber o que é Sintaxe. Sem entrar em detalhes, pode-se dizer que tal conhecimento é fundamentalmente de dois tipos: lexical e sintático-semântico. O conhecimento lexical pode ser descrito simplificadamente como a capacidade de empregar as palavras adequadas (isto é, instituídas historicamente como as palavras da língua) às ‘coisas’, aos ‘processos’ etc. O conhecimento sintático-semântico tem a ver com a distribuição de palavras na sentença e o efeito que tal distribuição tem para o sentido (POSSENTI, 1996, p.69-70). Logo o conceito de “como se ensina” foi alterado para “como se aprende”, considerando o repertório linguístico do aluno. A partir deste olhar, foi possível compreender que o acesso a produtos culturais (no caso de crianças de famílias mais favorecidas) refletiam diretamente em um melhor aproveitamento escolar, ao passo que o contrário trazia grandes dificuldades no acompanhamento dos conteúdos, justamente pelo déficit de estímulos. Dessa maneira, o professor precisa compreender a língua como um produto social que garante o exercício pleno da cidadania. Para tanto, deve levar o aluno a pensar língua no sentido de aprimorar a oralidade, além de desenvolver a habilidade escrita como representação gráfica da linguagem já adquirida. 4 • Linguagem e participação social A inserção de um indivíduo em qualquer tipo de convívio social (profissional ou pessoal) depende diretamente do uso da língua, não necessariamente verbal, pois a comunicação pode se dar de muitas formas, como veremos mais adiante no item “Linguagem, língua e fala”. Entretanto, o grau de habilidade com relação ao manejo da língua pode ser definitivo para inclusão ou exclusão do indivíduo em determinados setores da sociedade. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1997, p. 21). • Linguagem e atividade discursiva “Nada surge do nada”. A expressão atribuída ao filósofo grego Parmênides, apesar de indicar um princípio metafísico, é também uma ideia que pode ser associada ao contexto da atividade discursiva. Isto porque todo o discurso vem carregado de conceitos (e por que não preconceitos?) adquiridos ao longo de nossa experiência de vida. Entretanto, no contexto de produção, esse diálogo não é necessariamente desenvolvido de maneira proposital, ou seja, há ideias que já foram de tal maneira internalizadas que temos a impressão de que, no discurso, fazem parte de uma produção original. Essa formação discursiva é ensinada a cada um dos membros de uma sociedade ao longo do processo de aprendizagem linguística. É com essa formação discursiva assimilada eu o homem constrói seus discursos, que ele reage linguisticamente aos acontecimentos. Por isso, o discurso é mais o lugar da reprodução que o da criação. (...) Não devemos esquecer-nos de que assim como a ideologia dominante é da classe dominante, o discurso dominante é o da classe dominante (FIORIN, 1997, p. 32). 5 “O discurso é o efeito de sentido entre locutores” (ORLANDI, 1994). Podemos entender que dentro do discurso há elementos imaginários que refletem o mundo apreendido pelo locutor, bem como sua intencionalidade na transmissão de uma mensagem. Somos capazes, como interlocutores, de depreender os lugares sociais na comunicação, pois cada um deles tem papel fundamental na construção do discurso. Percebemos, pois, que o texto não é um discurso fechado em si mesmo, longe de influências externas. Ao contrário, nele fica evidente a relação do mundo com a linguagem, ou seja, de uma ideologia discursiva. • Linguagem e textualidade O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. (...) É uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Esse conjunto de relações tem sido chamado de textualidade. Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global, quando possui textualidade. Caso contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados (BRASIL, 1997, p.23). Um conceito que muitas vezes é confundido pelo próprio professor e incompreendido pela maior parte dos alunos reside na diferença entre gênero e tipologia textual. Isto porque, ao longo dos anos a tipologia foi muito difundida na escola, enquanto o trabalho com gêneros é uma proposta relativamente recente dos PCN’s. Resumidamente, podemos entender que os tipos textuais têm natureza intrínseca (critérios internos) e estrutura mais fechada, além de restringirem-se a cinco categorias: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição. No caso dos gêneros textuais, tratam-se de estruturas, segundo Bakthin (2003), “relativamente estáveis”, pois sofrem influência histórica-social (critérios externos) de cada cultura e por este motivo há uma grande variedade de gêneros, pois tem como objetivo criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para uma determinada reação. Os gêneros textuais são heterogêneos, ou seja, são compostos por tipos de sequências textuais variados tais como, sequências narrativas, sequências descritivas, sequências 6 injuntivas, sequências dialogais, sequências argumentativas, sequências explicativas ou expositivas. Nesse sentido, podemos perceber que não há gênero textual com uma estrutura fechada, ou seja, que só possua sequências textuais de um tipo, mas uma composição flexível, com sequências diversas, mas que não prejudicam a identificação do gênero proposto. No trabalho com os gêneros (orais e textuais) detalhar as intenções do autor, parafrasear trechos, resumir, interpretar, ou seja, esgotar as possibilidades de análise faz com que o aluno compreenda de maneira aprofundada a construção daquele gênero e seja capaz de identificá-lo em outras instâncias midiáticas. 7 • Linguagem, língua e fala LINGUAGEM “todo o sistema de sinais convencionais que nos permiterealizar atos de comunicação. Você já deve ter observado que existem inúmeras linguagens: linguagem dos surdos, linguagem das bandeiras em corridas de automóveis, a linguagem dos sinais de trânsito, a língua que você fala, etc.” (p. 12) Divide-se em linguagem verbal e não verbal. LÍNGUA “A língua (...) é a linguagem que utiliza a palavra como sinal de comunicação. Portanto a língua é um aspecto da linguagem.” (p.13) FALA É a concretização da língua. “Você, certamente, aprendeu primeiro a fazer uso da fala para posteriormente fazer uso da escrita. A única razão de ser da escrita é a de representar graficamente, e ainda de modo imperfeito, a língua.” (p. 13) (TERRA, 1997) 8 • Variação linguística A sociedade foi construída em cima de estereótipos. Até porque não conseguimos dar conta de conhecer tudo profundamente. Logo, qualquer coisa que fuja do “padrão”, ou seja, da nossa relação de estereótipos, é imediatamente rechaçado. Obviamente, a língua portuguesa não estaria de fora destes parâmetros superficiais de avaliação. O ensino tradicional sempre ensinou as pessoas os “certos” e “errados” da língua e não suas possíveis variantes. O estudo da gramática do ponto de vista normativo é uma maneira de ensino da Língua Portuguesa que valoriza apenas a variante de maior prestígio (culta), desvalorizando a bagagem linguística trazida pelo aluno antes de sua iniciação escolar. Por este motivo, muitas pessoas dizem que não sabem falar o próprio idioma. Na verdade, elas querem dizer que não dominam completamente a variante padrão. Logo, muitos não gostam da disciplina, pois a enxergam como um emaranhado de regras e exceções. Não é à toa que a mídia condenou veemente a publicação “EJA Viver”1, pois ela trabalha, sustenta, constrói e desconstrói os estereótipos para a sociedade. Ela não trabalha com possibilidades, mas com padrões culturais, sociais e morais. Com a reformulação no currículo, particularmente do Estado de São Paulo, os professores de língua portuguesa puderam abrir o leque de possibilidades de trabalho com o idioma, respeitando, principalmente, o repertório interno do aluno, quando da sua entrada no universo escolar. Isso significa aproveitar o que ele já traz de “bagagem” e ampliar o universo de linguístico de acordo com cada situação de comunicação. Nesse sentido, a “norma-padrão” é apresentada ao aluno como uma variante linguística de maior prestígio na sociedade, mas não a única possibilidade de comunicação, e sim mais uma dentre tantas outras. 1 Para saber mais: https://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/entenda-a-polemica-do-livro-que- defende-o-nos-pega-na-escola/n1596963892122.html 9 A partir desta apresentação, podemos levar o aluno a refletir sobre as diversas possibilidades de comunicação, analisando gradativamente a variante de maior prestígio, que tem base na norma, e diferentes variáveis até o outro extremo na variante de menor prestígio. Dessa maneira, ele perceberá que sua linguagem é mais uma dentre tantas outras, gramaticalmente possível dentro do idioma. Essa nova concepção de ensino da língua, considerada mais efetivamente a partir da década de noventa pelo Ministério da Educação, permite ao aluno perceber que o falante culto é aquele capaz de ser poliglota dentro da própria língua, ou seja, aquele capaz de perceber qual variante deve ser usada em cada situação de comunicação. Para tanto, o trabalho do professor de português com o conceito de variação linguística é fundamental para que o aluno compreenda essa dinâmica e possa entender que a língua é heterogênea e que os falantes é que determinam o seu rumo, ou seja, ele, como parte integrante deste sistema de comunicação, é um dos responsáveis por pelas futuras mudanças no idioma. A forma de abordagem desta temática, por parte do professor, será tema do módulo II desta disciplina. 10 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São. Paulo: Martins Fontes, 2003. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/gLDwh>. Acesso em: 5 jan. 2019. FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1997. ORLANDI, Eni P. (Org.). Gestos de leitura: da História no Discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 1994. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das Letras, 1996. REDEFOR. Funcionamento da Língua – Gramática, Texto e Sentido. TEMA 2 – Da gramática ao texto: elementos de análise. Tópico 2 – A normatização gramatical da análise linguística. Campinas: Unicamp, 2012. TERRA, Ernani. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997. 11 2 APRENDER E ENSINAR LÍNGUA PORTUGUESA NA ESCOLA Neste item, iniciaremos uma discussão de grande valia para o professor que lecionará Língua Portuguesa na Educação Básica2. Isto porque, para aqueles que foram alfabetizados até meados da década de 80, a forma de iniciar os estudos da língua materna dividia-se em duas fases distintas (como veremos mais adiante). No final da referida década, novas propostas surgiram não para desconsiderar o que se fazia, mas unir os dois estágios, e incluir a oralidade como parte do processo de ensino e aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa. Ou seja, valorizar o repertório linguístico do aluno e utilizá-lo como ferramenta na transposição do oral para o escrito. 2.1 Diversidade de textos A comunicação em sociedade se dá por meio de enunciados. Entenda-se por gêneros os constructos discursivos mais ou menos estáveis que utilizamos nas diversas esferas de comunicação. Observação a questão da instabilidade, pois sua estrutura pode sofrer pequenas modificações de acordo com a realidade social, instrumento utilizado, o receptor e a intencionalidade daquele que comunica. O emissor pode grafar ou falar, a isto damos os nomes de gêneros textuais/do discurso (orais ou escritos). Os gêneros textuais permeiam diversas esferas de comunicação. Por isso, é importante ressaltar que o trabalho com o texto deve se estender a todas as disciplinas escolares. Tal necessidade está registrada nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa que indicam como um dos objetivos do ensino fundamental que os alunos sejam capazes de: Utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das 2 “A educação básica é o primeiro nível do ensino escolar no Brasil. Compreende três etapas: a educação infantil (para crianças com até cinco anos), o ensino fundamental (para alunos de seis a 14 anos) e o ensino médio (para alunos de 15 a 17 anos)” (MEC, 2017) 12 produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação (BRASIL, 1997, p. 5). Além dos gêneros trabalhos nas aulas de Língua Portuguesa, há textos específicos de outras áreas, como Matemática, História, Geografia, Artes (plástica), Educação Física (corporal), entre outros; que precisam ser abordados com os alunos a partir das seguintes perguntas: que tipo de texto é este? Qual seu objetivo? Para quem foi escrito? Como as partes se conectam para formar uma unidade de sentido? As questões acima expostas são apenas alguns exemplos de análises que podem ser feitas em qualquer uma das disciplinas do Ensino Básico. Elas, inclusive, colaboram com as discussões acerca do conteúdo textual e suas interpretações. Além disso, pode ser um ótimo motivo para um trabalho interdisciplinar, em que o professor de LínguaPortuguesa, em parceria com outras disciplinas, pode utilizar o mesmo texto em sala de aula, mas a partir de outro ponto de vista, o da língua. Saiba Mais Entrevista com Joaquim Dolz, um dos pioneiros nos estudos dos gêneros textuais e sua aplicação nas escolas (Jornal Futura - 02/07/2015). Disponível em: <https://youtu.be/c2bD4bDnZJY>. 2.2 Que fala cabe à escola ensinar Di.a.le.to (substantivo masculino): língua ou modo de falar de uma região ou grupo social (HOUAISS, 2010, p. 258). O estudante pode achar estranho iniciar o tópico com a definição de um verbete segundo o dicionário. Entretanto, o sucinto significado da palavra “dialeto” é o mote para compreendermos, em linhas gerais, a variante do aluno e o papel da escola no processo de ensino dos gêneros orais. Provavelmente em muitas aulas, durante sua vivência escolar, você já falou “Eu não sei nada de Língua Portuguesa!”. Esse é o primeiro e o mais grave engano que o estudante ter com relação ao aprendizado da língua. Desde os primeiros anos de vida, a criança 13 toma contato com sua língua materna (português, inglês, alemão, entre outras), em princípio fala de forma rudimentar, mas com o tempo aprende a construir sentenças complexas, considerando uma ordem sintática, que posteriormente aprenderá formalmente na escola. A esse saber damos o nome de gramática internalizada, pois sabemos regras sintáticas, de número, gênero e grau apenas com o que aprendemos no círculo familiar e social, apenas não sabemos os nomes delas. Logo, sim, você sabe Língua Portuguesa muito antes de sentar numa cadeira escolar! Esse imaginário foi construído pela classe social dominante, e absorvido pela escola que não soube como lidar com os diversos dialetos que passaram a frequentar os bancos escolares a partir da democratização do ensino. Isso nos leva a mais dois mitos em relação à fala (no ambiente escolar): • Há uma única maneira certa de falar e ela é muito parecida com a escrita. • A fala que não se parece com a escrita deve ser corrigida. Com relação ao primeiro, não há uma única maneira certa de falar, mas a mais adequada à determinada situação de comunicação. Certamente, você não conversa com seus amigos da mesma maneira que com um psicólogo em uma entrevista de emprego, o mesmo ocorre com um bate-papo no ambiente familiar, entre outros. A adequação é feita de maneira inconsciente e, muitas vezes, pode haver alguma dificuldade em função de um vocabulário restrito e/ou compreensão total do nível de formalidade (ou informalidade) que o ambiente exige. É neste cenário que a escola e o professor terão atuação mais profunda, desenvolver a habilidade do aluno no uso dos gêneros orais formais, sempre levando em consideração aquilo que ele já carrega de bagagem linguística. No que tange à questão da fala ser comparada com a escrita, é preciso esclarecer que isso nunca poderá acontecer. A fala é dinâmica e apoia-se em elementos que a escrita não possui tais como: tom de voz, movimentos corporais, sotaque, autocorreção imediata, entre outros. A escrita, entretanto, por não possuir todos os subsídios da fala, necessita de contexto, explicação clara daquilo que pretende comunicar, correção sintática e ortográfica, conectivos coesivos, enfim é uma atividade abstrata e 14 complexa, por isso muitos estudantes dizem ter facilidade para falar e dificuldade para escrever (mais uma vez, é a escola que fornecerá subsídios para desenvolver a habilidade escritora do aluno). Portanto, é impossível dizermos que a fala é a representação gráfica da escrita. Na verdade, tanto a fala quanto a escrita são representações da língua (seja qual for o idioma). Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais: planejamento e realização de entrevistas, debates, seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois seria descabido “treinar” o uso mais formal da fala. A aprendizagem de procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em contextos mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la (BRASIL, 1997). Saiba Mais O vídeo do professor Luiz Antônio Marcuschi discute a importância da oralidade no ensino, bem como as relações entre a fala e a escrita. Disponível em: <https://youtu.be/XOzoVHyiDew>. 2.3 Que escrita cabe à escola ensinar Assim como introduzimos na apresentação deste tema, até meados da década de 80, a alfabetização e o letramento3 eram feitos em dois estágios distintos: inicialmente o trabalho era feito com o que chamávamos de “primeiras letras” (alfabetização) em que o professor ensinava o sistema alfabético escrito (correspondência gráfica de cada letra para um ou mais fonemas), além de alguns apontamentos de ortografia; já no segundo estágio, e de forma totalmente desvinculada da primeira parte, iniciavam-se os trabalhos com textos e as “temidas” regras gramaticais. Cabe observar que tal forma de alfabetização/letramento não deve ser considerada um “erro”, pois ela era eficaz em uma estrutura escolar marcada no tempo. Isto porque, antes da democratização do ensino, a escola pública recebia filhos da elite brasileira que já chegavam ao ensino formal com uma profunda base linguística e cultural, facilitadoras no processo de ensino da língua materna. 3 Letramento: “conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito” (MORAIS; ALBUQUERQUE, 2007, p. 7) 15 A partir da abertura das escolas para os filhos da classe trabalhadora, a realidade em sala de aula mudou, pois havia muita diferença de repertório de um aluno para outro. Principalmente por este motivo, a maior parte das escolas formava salas de aula de acordo com o “nível” de cada criança, em que a primeira letra do alfabeto era a turma mais “forte” e as demais mais “fracas”. Tal procedimento, até hoje, gera muitas discussões nos meios escolares, pois o aluno encaminhado para um primeiro ano “E”, por exemplo, estava tachado e isso poderia, inclusive, atrapalhar seu desenvolvimento escolar. Diante de uma nova realidade dentro da sala de aula, passou a ser urgente também uma nova proposta de alfabetização/letramento. A ideia é que os dois estágios ocorram de forma simultâneas: Quando são lidas histórias ou notícias de jornal para crianças que ainda não sabem ler e escrever convencionalmente, ensina-se a elas como são organizados, na escrita, estes dois gêneros: desde o vocabulário adequado a cada um, até os recursos coesivos que lhes são característicos. Um aluno que produz um texto, ditando-o para que outro escreva, produz um texto escrito, isto é, um texto cuja forma é escrita ainda que a via seja oral. Como o autor grego, o produtor do texto é aquele que cria o discurso, independentemente de grafá-lo ou não. Essa diferenciação é que torna possível uma pedagogia de transmissão oral para ensinar a linguagem que se usa para escrever (BRASIL, 1997, p.27-28). O professor, diante desta nova realidade, também precisará readequar sua metodologia, bem como seu papel de detentor para mediador do saber. Ele será um facilitador no processo de ensino e aprendizagem para os diversos saberes que estarão presentes na sala de aula. 2.4 Alfabetização e ensino da língua O desafio inicial para o professor nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental fazer com que a criança tenha consciência fonológica. A criança, quando seu ingresso na escola, sabe dizer a palavra “casa”, e concretamente tem uma visão semântica (significado), ou seja, ela não sabe escrever, mas se pedir, certamente desenhará uma 16 casa em um papel, pois visualiza o som na imagem. Devemos então aproveitareste conhecimento prévio oral e imagético e transpor para a grafia do som. Para tanto, é essencial do aprendizado alfabético, porém sem perder de vista o real com o apoio de gêneros do cotidiano da criança, como por exemplo, os anúncios publicitários. É importante que o professor conheça seu grupo de alunos e contribua para que eles tenham acesso a um ensino de qualidade, que respeite a variante linguística aprendida na convivência familiar/social e oportunize um aprendizado de uma nova variante (linguagem de prestígio), não por imposição, mas por direito na luta contra as desigualdades sociais. Entretanto, para que esses conhecimentos venham a transformar, realmente, o ensino da língua, é fundamental que a escola e os professores compreendam que ensinar por meio da língua e, principalmente, ensinar a língua são tarefas não só técnicas, mas também políticas (SOARES, 2017, p. 123). Saiba Mais • Para entender a questão da alfabetização como uma interação entre prática e teoria, o vídeo apresenta uma entrevista com a Profa. Dra. Magda Soares, uma das maiores especialistas em alfabetização do país. (Jornal Futura - 02/07/2015). Disponível em: <https://youtu.be/mAOXxBRaMSY>. • Jean Piaget e as fases do desenvolvimento: https://youtu.be/EnRlAQDN2go 2.5 A prática de reflexão sobre a língua Pensar língua não é uma prática recente nas escolas. Infelizmente há muitas que ainda consideram o ensino da Língua Portuguesa de forma fragmentada (gramática, redação e literatura) sem criar as conexões necessárias para que o aluno apreenda o sentido daquilo que está sendo ensinado. Ao final das aulas, não é incomum pensar: “Isso serve para quê?” Como aluno, em algum momento, você provavelmente já se fez essa pergunta. 17 Refletir sobre o texto lido, escrito e falado é uma forma de criar sentido para si e para o outro, de modo a responder, afinal, para o que serve o ensino da língua. Dessa forma, o aluno será capaz de “usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a língua para expandirem as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade de análise crítica” (BRASIL, 1997, p. 33). Para tanto, o professor deverá fazer uso da análise linguística como ponto de partida para o estudo com os textos (externos e produzidos pelos alunos). Ela está dividida em atividades epilinguísticas e metalinguísticas: • Atividade epilinguística: é “o exercício da reflexão sobre o texto lido/escrito e da operação sobre ele a fim de explorá-lo em suas diferentes possibilidades de realização”; • Atividade metalinguística: “atividade (...) que supõe a capacidade de falar sobre a linguagem, descrevê-la e analisá-la como objeto de estudo” (MILLER, 2003). Em linhas gerais, enquanto a epilinguística se ocupa da análise e reflexão sobre textos produzidos, para capacitar o aluno a pensar sobre a própria escrita; a metalinguística utiliza o mesmo material para tratar da descrição, por meio da categorização e sistematização dos elementos linguísticos dispostos no texto. Para finalizar, cumpre esclarecer que a dúvida de ensinar ou não gramática é uma falácia, pois os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa registram que ela deve continuar no programa da disciplina, mas de forma contextualizada, ou seja, a partir do texto. Conclusão O Bloco II “Aprender e ensinar Língua Portuguesa na escola” finalizou a introdução geral sobre os principais aspectos em torno na linguagem e iniciou a discussão acerca da importância da escola e do professor no respeito ao repertório linguístico do aluno e no compromisso de promover o domínio da variante de maior prestígio, não pelo mau uso, mas como direito de o aluno ter mais um instrumento na luta contra as 18 desigualdades sociais, que também acontecem quando o ensino de qualidade é negado às camadas populares. À escola compete garantir que os planos sejam executados e, principalmente, criar condições, do ponto de vista estrutural e pedagógico, para que este trabalho possa ser desenvolvido pelo docente. Ao professor cabe apresentar os gêneros orais e escritos em suas variantes formais, a partir de textos reais, em atividades epilinguísticas e metalinguísticas, de modo a criar na aprendizagem conceitos e significados que colaborem para o pleno exercício da cidadania. “Conhecimento é poder.” (Thomas Hobbes) REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/gLDwh>. Acesso em: 5 jan. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Etapas do ensino asseguram cidadania para crianças e jovens. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: <https://goo.gl/MoizJh>. Acesso em: 30 dez 2018. MILLER, S. O trabalho epilinguístico na produção textual escrita. In: 26a. Reunião Anual da ANPEd, 2003, Poços de Caldas - MG. Disponível em: <https://bit.ly/2Ug7XoN>. Acesso em: 28 dez 2018. MORAIS, Artur Gomes de; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Alfabetização e letramento: O que são? Como se relacionam? Como “alfabetizar letrando”? Construir Notícias, Recife, v. 7 n. 37, p. 5-29, nov./dez., 2007. Disponível em: <https://goo.gl/rVSX9D>. Acesso em: 28 dez 2018. SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 18. ed. São Paulo: Contexto, 2017. 19 3 GÊNEROS TEXTUAIS/DISCURSIVOS Neste bloco, trataremos da utilização dos gêneros textuais/discursivos no ensino da língua materna. Para tanto, iremos comparar a proposta fragmentada praticada até meados da década de 90 e que atualmente se aproxima mais da sociedade atual: o trabalho com o texto mesmo antes de a criança estar alfabetizada, visto que a capacidade de elaborar textos orais e interpretar histórias ouvidas antecede sua entrada no ensino regular. Lembrando, que o trabalho com textos orais e escritos em sala de aula é uma indicação prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997). 3.1 O texto como unidade de ensino Se fizéssemos um exercício de tentar visualizar mentalmente uma sala de Ensino Fundamental I, certamente descreveríamos um cenário muito semelhante há algumas décadas: carteiras enfileiradas, lousa verde, professor, alunos, abecedário feito em papel colorido acima da lousa, e etc. Não é difícil perceber que a escola não acompanhou as mudanças na sociedade ao longo dos últimos 30 anos. E se visualmente hoje temos uma escola muito parecida com a de nossos pais ou até avós, didaticamente temos uma crise metodológica no ensino da língua (e consequentemente da alfabetização). Os professores que estão na rede (particular e pública), em sua maioria, foram alfabetizados a partir da ideia de sequenciação de conteúdos, ou seja, aprendiam primeiro a juntar sílabas (ou letras) para formar palavras, a juntar palavras para formar frases e a juntar frases para formar textos. O trabalho com o texto em si vinha apenas após a finalização da primeira fase. Além disso, as estruturas textuais abordadas guardavam pouca ou nenhuma relação com do dia a dia do aluno e muitas vezes não passavam de simples agregados de frases. 20 O fato de terem sido alfabetizados por meio dessa metodologia leva a uma “falsa” impressão de que reproduzi-la para os alunos que estão na escola hoje, terá o mesmo efeito na aprendizagem. Fosse assim, não teríamos índices tão negativos com relação à leitura e interpretação de texto, ou seja, o aluno lê, mas não compreende. É preciso compreender que a sociedade mudou; que não é mais a elite que ocupa a maior parte das escolas; que os alunos trazem aprendizados diversos e o ensino tradicional não estava preparado para lidar com todos eles. Diante desta percepção, o PCN-LP (BRASIL, 1997) propôs o trabalho com texto como unidade de ensino. Trabalhar com textos completos não significa longos períodos, afinal umapalavra pode ser considerada “texto”, basta que ela seja um enunciado de sentido completo. Por exemplo, se falarmos a palavra “fogo” de maneira aleatória não podemos considera-la um texto. Entretanto, num cenário em que haja cheiro de fumaça e uma pessoa gritar “Fogo!”, neste caso temos um texto, pois a contextualização contribuiu para que pudéssemos interpretar completamente o enunciado. Outras vezes nem é preciso palavras: 21 “Um texto não se define por sua extensão. O nome que assina um desenho, a lista do que deve ser comprado, um conto ou um romance, todos são textos” (BRASIL, 1997). Trabalhar com textos que fazem parte do dia a dia das crianças (gêneros do cotidiano) é um primeiro passo para, no futuro, inserir outras estruturas que irão colaborar para o para o pleno desenvolvimento de sua competência discursiva (oral e escrita). O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1997, p.15). 3.2 A especificidade do texto literário Será produtivo que a abordagem em torno da literatura seja orientada pelos aspectos que a diferem em relação a outras modalidades textuais. Inicialmente, deve-se salientar que a composição literária não se confunde com aquelas de teor técnico (por exemplo, um laudo médico), administrativo (por exemplo, uma ata de reunião) ou científico (por exemplo, a descoberta de um novo planeta). Essas distinções iniciais permitem afirmar que a noção de texto é, por um lado, abrangente, já que envolve diversas modalidades, gêneros, tipologias e usos, aos quais 22 corresponde o emprego de linguagem e estruturação específicas. Decorre daí a sugestão de se apresentar textos breves, colhidos não exclusivamente na arte literária, de maneira a estimular a leitura compartilhada com os educandos, de maneira que eles mesmos identifiquem os aspectos que diferem as amostras textuais, umas em relação às outras. Para tanto, é imprescindível que se recorra a estratégias variadas para estimular a leitura e reforçar a importância do “ato de ler” como tarefa recíproca, entre educandos e educadores, para o aprimoramento da linguagem, o estímulo à reflexão e o exercício da cidadania. O convívio do educando com os colegas pode ser propício no resgate da postura coletiva e solidária. Uma atividade antiga pode ilustrá-lo: consiste em estimular os educandos a compartilhar narrativas e experiências de leitura. Vale lembrar que o hábito de contar histórias coletivamente remonta à Antiguidade e não se restringe a povos em particular. Sob esse aspecto, a propensão humana para inventar ou reproduzir histórias pode ser reaproveitada em sala de aula. Os relatos podem resultar de experiências pessoais (sejam elas narrar o trajeto do educando até a escola, ou descrever o seu dia a dia com os familiares ou amigos, fora do ambiente escolar etc.); mas eles também podem se respaldar no repertório literário de cada um, ainda que reduzido. Por exemplo, cada educando pode se tornar responsável pela memorização e reconstituição de uma breve história (um conto, uma crônica, um poema etc), de maneira a materializar o desejo humano de narrar e interagir. A leitura contínua suscitará discutir a capacidade que a arte literária tem de lidar com temas e aspectos do mundo cotidiano, recorrendo-se ao imaginário e experiência do leitor; possibilitará ver que o texto ficcional pode descortinar os véus da realidade (ao menos, como esta se apresenta ao educando). Outro aspecto relevante está em reivindicar para o texto literário a sua especificidade, ou seja, suas características intrínsecas, de maneira a evitar que a literatura seja mero apêndice de outras formas de narrar. Como afirma Jean Pierre Chauvin (2017, p. 19), é 23 preciso “ressaltar a qualidade inerente ao texto literário e seu papel de destaque, frente a um mundo povoado por lugares-comuns”. 3.3 Os gêneros de texto ou de discurso: definições, funcionalidade e caracterização “Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura, caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional” (BRASIL, 1997). Elemento Conceito CONTEÚDO TEMÁTICO é o elemento mais importante do texto. É onde constam as informações imprescindíveis do elemento comunicativo. ESTILO “O estilo são as escolhas linguísticas que fazemos para dizer o que queremos dizer (“vontade enunciativa”), para gerar o sentido desejado. Essas escolhas podem ser de léxico (vocabulário), estrutura frasal (sintaxe), registro linguístico (formal/informal, gírias) etc. Todos os aspectos da gramática estão envolvidos.” (Glossário CEALE) CONSTRUÇÃO COMPOSICIONAL “a organização e o acabamento do todo do enunciado, do texto como um todo. Está relacionada ao que a teoria textual chama de “estrutura” do texto, à progressão temática, à coerência e coesão do texto.” (Glossário CEALE) 24 Todo e qualquer gênero (oral ou escrito) possui uma função sociocomunicativa, ou seja, está inserido dentro de um contexto cultural que tem como objetivo comunicar algo. Alguns exemplos de gêneros: convite, atestado, carta comercial e pessoal, aula expositiva, romance, entre outros. Muitos deles compartilham a mesma função básica: 25 Lembrando que o gênero “receita” faz parte da esfera de circulação “cotidiana”, que aquela na qual o aluno já tem/teve contato fora do ambiente escolar. Ele é capaz de reconhecer o gênero antes mesmo de aprender a ler, pois esteve exposto a ele dentro de casa ou assistindo a programas de televisão. O trabalho com os gêneros cria significado e aproxima o aluno da língua viva em uso nas diversas situações de comunicação na sociedade. 3.4 Estabilidade e heterogeneidade dos gêneros Os gêneros textuais (orais e escritos) são estrutura relativamente estáveis, por suas marcas histórico-sociais relacionadas aos contextos de comunicação. Como vimos no item anterior, reconhecemos o gênero “receita”, porque fazemos uso e sabemos os elementos que a compõe, principalmente por vivência social. Nesse sentido, a escola terá o papel de proporcionar ao aluno a capacidade não só de reconhecer, mas de produzir esse e outros gêneros. As possibilidades de comunicação são diversas, e ela se dará por meio de uma variedade de gêneros. Por isso, sua característica heterogênea, pois são muitas as necessidades interacionais. É a partir de novas situações sociais que originam novos 26 gêneros, como é o caso daqueles criados a partir do advento da internet: e-mail, salas de bate-papo, fóruns, chats, blogues, textos acadêmicos etc. Além disso, ainda é possível encontrarmos gêneros híbridos, ou seja, mescla de gêneros ou intertextualidade intergêneros, assumindo a forma de outro gênero: Receita Fantástica Para Uma Amizade Perfeita (Alicia Simpson) *Ingredientes - 10kg de Confiança; - 1 litro de Loucura; - 1 pitada de Preocupação; - 20kg de Risada; - 1 porção de Amor. *Modo de preparo Em uma panela de passeios, misture 1 litro de Loucura com 20 kg de Risada. Bata acrescentando 10 kg de Confiança e 1 porção de Amor. Leve ao forno e acrescente 1 pitada de Preocupação. Espere 40 minutos e terá uma Amizade Perfeita. No exemplo acima, temos um “poema” com estrutura do gênero “receita”. Contudo, para que se perceba a hibridização detextos, é preciso conhecer individualmente cada um. Nesse sentido, o professor deverá trabalhar em sala este tipo composição, de modo a ampliar o repertório de usos do aluno. 27 3.5 O suporte dos gêneros textuais/do discurso Suporte ou portador é o meio físico ou virtual que serve de base para a materialização de um texto. Atualmente, existem vários tipos de suporte: jornal, revista, outdoor, embalagem, livro, software, blog etc. Enviar um e- mail ou postar uma carta no correio? Escrever um diário ou produzir um blog? Essas são perguntas cujas respostas envolvem, necessariamente, a escolha de um ou de outro tipo de suporte (VIEIRA, 2003). Saiba Mais No vídeo “Heróis dos quadrinhos que foram consagrados no cinema” do Canal Futura, temos o exemplo de uma mesma narrativa apresentada em suportes diferentes: HQ e Filme. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EEFgFy5xmJQ>. Podemos perceber que nos dois gêneros, o conteúdo não mudou, teve o mesmo fim, no entanto, o que determinou a caracterização do gênero – filme e HQ – foi exatamente o suporte, ou seja, o gênero acabou por ser identificado graças a sua relação com o suporte, ou seja, “um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto” (MARCUSCHI, 2003, p.3) Filme – suporte: digital ou projeção em tela. HQ – suporte: papel 28 Conclusão Neste bloco, discutimos a importância do trabalho com o texto completo em sala de aula para que o aluno desenvolva as habilidades leitora e escritora, bem como a literatura pode contribuir fundamentalmente durante o processo de alfabetização/letramento. Em seguida, abordamos as características principais dos gêneros (sejam orais ou escritos), visto que são estruturas relativamente estáveis e heterogêneas, pois são diversos os usos na sociedade, assim como são variados os suportes pelos quais essas formas podem ser materializadas. REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/gLDwh>. Acesso em: 5 jan. 2019. CHAUVIN, Jean Pierre. Apologia da Literatura. In: DEVIDES, Dílson César (org.). Litteris.com: literatura e suas relações com a tecnologia da informação. São Paulo: Centro Paula Souza, 2017, p. 18-36. Disponível em: <https://goo.gl/RtLkHk>. Acesso em: 5 jan. 2019. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 51. ed. São Paulo: Cortez, 2011. MARCUSCHI, Luiz Antônio. A questão do suporte dos gêneros textuais. Revista DLCV, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 9-40, 2003. Disponível em: <https://goo.gl/DqkR5p>. Acesso em: 5 jan. 2019. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gêneros de texto definidos por atos de fala. In: ZANDWAIS, A. (Org.). Relações entre pragmática e enunciação. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 129-153. SIMPSON, Alicia. Receita fantástica para uma amizade perfeita. Recanto das Letras, 7 ago. 2013. Disponível em: <https://goo.gl/aMiW76>. Acesso em: 5 jan. 2019. VIEIRA, Martha Lourenço. Suportes da escrita. Glossário Ceale, 2003. Disponível em: <https://goo.gl/URUuLT>. Acesso em: 4 jan. 2019. 29 4 PCN: OS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL Neste módulo, apresentaremos subsídios que auxiliarão o professor a estruturar as aulas de Língua Portuguesa, utilizando como unidade de ensino os gêneros orais e escritos. Também será abordada a importância de trabalhar a habilidade leitora dos alunos, pois ela será um valioso suporte para o pleno desenvolvimento de sua competência discursiva. 4.1 Sequência e organização dos conteúdos Durante sua vida escolar, certamente, você já teve a impressão de ter visto o mesmo conceito em anos anteriores. Isso porque a organização dos conteúdos em Língua Portuguesa acontece de maneira cíclica, ou seja, os mesmos conteúdos são trabalhados durante toda sua escolaridade, mas com grau de aprofundamento, perspectiva e sistematização diferentes. Por exemplo, PCN- LP prevê o trabalho com o gênero carta nos primeiros anos do Fundamental I; já nos dois últimos, inclui a subdivisão entre cartas formais e informais. O gênero será novamente abordado, mas com um aprofundamento maior, considerando, é claro, que o aluno tenha de fato absorvido o conceito inicial para que haja continuidade da aprendizagem. Para tanto, o professor deverá considerar: 1. O conhecimento do aluno em relação ao conteúdo “novo”; 2. O grau de complexidade com que será abordado, de modo a garantir a autonomia de aprendizagem; 3. O nível de aprofundamento do assunto, condizente com a etapa escolar para qual o conteúdo será direcionado. O PCN define os critérios, mas a organização e estruturação dos conteúdos são de responsabilidade da unidade escolar. 30 4.2 Os conteúdos de Língua Portuguesa e os Temas Transversais Os temas transversais foram estabelecidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's) e abarcam seis áreas: Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual. O fato de tratarem de questões sociais e de importância pública, a escola tem o dever de abordá-las em suas mais variadas disciplinas. Os conteúdos dos temas transversais, assim como as práticas pedagógicas organizadas em função da sua aprendizagem, podem contextualizar significativamente a aprendizagem da língua, fazendo com que o trabalho dos alunos reverta em produções de interesse do convívio escolar e da comunidade. Há inúmeras situações possíveis: produção e distribuição de livros, jornais ou quadrinhos, veiculando informações sobre os temas estudados; murais, seminários, palestras e panfletos de orientação como parte de campanhas para o uso racional dos recursos naturais e para a prevenção de doenças que afetam a comunidade; folhetos instrucionais sobre primeiros socorros; cartazes com os direitos humanos, da criança, do consumidor, etc. (BRASIL, 1997, p. 37). 4.3 Língua oral e escrita: usos e formas Língua oral A publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais trouxe um novo olhar para ensino da Língua Portuguesa, especialmente no ensino fundamental I. Isto porque os primeiros anos escolares são de fundamental importância para o bom desenvolvimento da capacidade leitora e escritora, mas não podemos esquecer que a primeira habilidade comunicativa a que somos expostos, antes mesmo de entrar na escola, é a fala. Entretanto, no passado, ela era severamente corrigida pelos professores com base na variante de maior prestígio, porque a escrita era a base principal do ensino da língua materna. Mas é papel da escola ensinar o aluno a falar? Não. A escola (e o professor) deve promover um ambiente acolhedor que respeite o repertório linguístico do aluno e propicie o conhecimento de outras variantes e gêneros orais formais para capacitá-lo a 31 fazer uso de cada uma delas a partir das diversas situações comunicativas a que estamos expostos todos os dias. É preciso que as atividades de uso e as de reflexão sobre a língua oral estejam contextualizadas em projetos de estudo, quer sejam da área de Língua Portuguesa, quer sejam das demais áreas do conhecimento. Se a escola promove atividades “faladas”, deve promover também atividades de “escuta”. “A escuta e demais regras do intercâmbio comunicativo devem ser aprendidas em contextos significativos, nos quais ficar quieto, esperar a vez de falar e respeitar a fala do outro tenham função e sentido, e não sejam apenas solicitações ou exigências do professor.” (PCN-LP) Ela contribui também com ampliação do repertório oral, pois traz novas possibilidades comunicativas para os alunos, bem como desenvolve a atenção e a capacidade de interpretar e principalmente respeitar a fala do outro. Língua escrita A leitura precisa ser um objeto de aprendizagem.O que isso significa para o trabalho do professor em sala de aula? É pelo contato com o texto escrito que a criança começa a entender que é possível registrar graficamente aquilo que ela já faz na fala, mas com algumas diferenças. E são essas diferenças entre a fala e a escrita que a escola deve explorar, pois uma não é representação fiel da outra. A escrita é um registro artificial da oralidade; ela não é espontânea e não tem recursos extraverbais (entonação, olhar, movimento corporal etc.) que a fala possui e colaboram para o efeito de sentido da comunicação. Por isso, a leitura de variados gêneros contribui para o entendimento de como o texto escrito necessita de outros complementos e conectivos para que tenham coesão e coerência. Se fizermos o exercício de reproduzir fielmente na escrita um arquivo de áudio (uma fala de palestra ou mesmo uma conversa de whatsapp), certamente perceberemos que, para um total entendimento, para a leitura de outra pessoa, será necessário reescrever o texto e fazer novas adaptações. 32 4.4 Prática de leitura A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. (BRASIL, 1997, p. 41) Um dos maiores problemas verificados em avaliações regionais e nacionais é a dificuldade dos alunos em interpretar o que leram (seja um texto literário ou um problema matemático). Eles leem, mas não compreendem o significado, apenas decodificam letras, sílabas e palavras. Por isso, hoje é não é possível dissociar alfabetização de letramento. Um leitor competente é aquele capaz de interpretar o que está escrito e não escrito, mas necessário para o completo entendimento da mensagem. Para tanto, o trabalho com diversidade de textos promoverá o contato com os mais variados textos, que possuem objetivos, formas e esferas de circulação diferentes. Essa formação prepara o aluno para as mais diversas práticas sociais, colaborando com o exercício pleno da cidadania. Por último, registra-se que para desenvolver um bom trabalho com a leitura e a escrita, é necessário que a escola forneça algumas condições mínimas (BRASIL, 1997): • dispor de uma boa biblioteca e acervo de classe; • organizar momentos de leitura livre em que o professor também leia (exemplar); • possibilitar aos alunos a escolha de suas leituras e garantir que não sejam importunados durante esses momentos com perguntas sobre o que estão achando, se estão entendendo e outras questões; • possibilitar aos alunos o empréstimo de livros na escola; • quando houver oportunidade de sugerir títulos para serem adquiridos pelos alunos, optar sempre pela variedade. 33 Saiba Mais Neste vídeo “Práticas de Leitura no Ensino Fundamental - Parte 1 - CEEL/UFPE - Centro de Estudos em Educação e Linguagem”, as professoras do CEEL/UFPE discutem o ensino da leitura por meio observações que abordam teoria e método, de modo a colaborar com a prática de ensino dos professores de Língua Portuguesa que atuarão Ensino Fundamental. Disponível em: <https://youtu.be/WBv86YMKYvw>. 4.5 Prática de produção de textos Segundo o PCN-LP (BRASIL, 1997), “O trabalho com produção de textos tem como finalidade formar escritores competentes capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes”. Quais são os saberes que formam um escritor competente? Escritor competente é aquele que: • sabe selecionar o gênero no qual seu discurso no qual seu discurso se realizará; • planeja o discurso e consequentemente o texto (para quê?, para quem?, onde? e como se escreve?); • sabe elaborar um resumo ou tomar notas durante uma exposição oral; • sabe esquematizar suas anotações para estudar um assunto; • sabe expressar por escrito seus sentimentos, experiências ou opiniões; • capaz revisar o próprio texto; • também é um leitor competente (BRASIL, 1997). 34 Para tanto, o professor deve implementar uma prática continuada de produção de textos na escola que oferte textos escritos de boa qualidade; com incentivo a produções de textos mesmo antes de o aluno aprender a grafá-la; propostas de textos coletivos e colaborativos; promoção de conversa entre professor e aluno para compreender a dificuldade individual e tranquiliza-los no sentido de que todos são capazes de produzir textos de qualidade, pois a escrita se aprende escrevendo. REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/gLDwh>. Acesso em: 5 jan. 2019. 35 5 ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA Neste bloco, trataremos de algumas questões no que tange ao tratamento da língua, enquanto objeto de aprendizagem. Demonstraremos como a análise linguística de bons textos, em sala de aula, pode ser um instrumento que, se bem realizado, poderá ter grande influencia na qualidade das produções escritas dos alunos. Para tanto, abordaremos a importância de desenvolver a capacidade leitora do aluno de modo que ele tenha condições de, na releitura de seu texto, ser capaz de revisá-lo, considerando a ortografia vigente, pontuação e aspectos gramaticais (importantes para o gênero textual trabalhado). 5.1 Aprendendo com textos Trabalhar com textos em sala de aula não escolher aleatoriamente algum livro da biblioteca (ou internet), tão pouco acatar passivamente aqueles constantes no volume didático indicado para aquele respectivo ano. O texto também não pode ser uma “desculpa” para tratar conceitos gramaticais, sem ligação ou utilidade para o desenvolvimento do próprio gênero. O professor precisa refletir acerca da contribuição do gênero escolhido para o desenvolvimento da habilidade leitora e escritora do aluno. A seleção de textos bem escritos e de autores reconhecidos, além de contribuir para a ampliação do repertório linguístico do aluno, ainda é uma oportunidade para ele conhecer gêneros que circulam em esferas sociais, que, muitas vezes, não fazem parte do cotidiano do aluno. Lembrando, que é função da escola respeitar e partir do conhecimento do aluno, e dever de ampliar estes saberes, a partir do trabalho com a diversidade textual. Após leitura em voz alta, compartilhada e comentada para e com os alunos, a análise linguística oportunizará a abordagem dos seguintes aspectos: 36 a) Estrutura do gênero textual – quais são as partes que percebemos de maneira recorrente neste tipo de gênero; b) Solução para repetições de palavras (substituições) – como o autor resolve problemas de excesso de palavras repetidas (uso de sinônimos, supressão, etc.); c) Pontuação – importante recurso da escrita que orienta o fluxo textual do texto. É primordial para compreensão e fluidez da leitura; d) Expressões escolhidas para marcar: lugar, tempo, personagens, e etc – A expressão “Era uma vez”, por exemplo, remete ao texto narrativo, especialmente dos contos de fadas. Logo é uma marca de tempo, bem como da tipologia predominante no texto, a narrativa. e) Recursos coesivos (conectivos) – verificar quais são os elementos escolhidos para conectar as partes do texto que contribuem para a clareza daquilo que se deseja comunicar. Os itens acima apresentados contribuem não só para o conhecimento e o reconhecimento destes aspectos textuais em outra leitura, mas também para a própria produção do aluno. 5.2 Revisão de texto Quantas vezes, não somente na esfera escolar, já escrevemos um texto, mesmo que um bilhete, e por diversos motivos (inadequação da linguagem, questões ortográficas, ou até mudança de gênero) riscamos, rasgamos e escrevemos novamente? Mesmo que inconscientemente,fazemos revisão o tempo todo, inclusive oralmente, a diferença é que na fala ela é instantânea e na escrita precisamos ter atenção redobrada, pois na maioria das vezes não estamos no lugar da leitura para explicar ao destinatário aquilo que queríamos dizer, ou mesmo apagar e reescrever algum trecho. Por este motivo, o texto é passível de revisão até a entrega a seu destinatário; até lá será considerado provisório. Além disso, é um objetivo da escrita que o aluno 37 considere seu próprio texto como objeto a ser retrabalhado, pois reescrever faz parte do processo de aprendizagem da escrita. A revisão de texto, como situação didática, exige que o professor selecione em quais aspectos pretende que os alunos se concentrem de cada vez, pois não é possível tratar de todos ao mesmo tempo. Ou bem se foca a atenção na coerência da apresentação do conteúdo, nos aspectos coesivos e pontuação, ou na ortografia (BRASIL, 1997, p.55). O trabalho com a revisão de textos no universo escolar reforça a importância do trabalho individual e coletivo para escrita e reescrita de produções textuais, reconhecendo a escola como um espaço de troca de ideias e construção de saberes, a partir da relação dialógica aluno-professor e aluno-aluno. 5.3 Alfabetização Você acredita que uma criança não alfabetizada poderia fazer a leitura da imagem acima e indicar a qual setor/empresa pertence? Certamente respondeu que sim. Isto porque a marca aqui apresentada é símbolo de uma grande empresa de fast-food amplamente conhecida. Logo não é difícil que uma criança, mesmo sem saber ler e escrever, seja capaz de indicar o nome da referida lanchonete. E o que isso tem a ver com a alfabetização? Tudo. Se a criança é capaz de ler diversos elementos que a circulam no dia a dia (resultado da aprendizagem espontânea), a escola deve explorar esse conhecimento no processo de alfabetização. Para isso, o professor, conhecendo a comunidade a qual pertence, partirá do cotidiano para ler o que está ao redor e, em seguida, aquilo que ela ainda não conhece. Desta feita, a partir do trabalho com gêneros proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, a alfabetização poderá seguir as seguintes estratégias: 38 • Adaptação da escolha do gênero às capacidades de linguagem do ano em que estará atuando; • Antecipar etapas à medida que perceber que o grupo compreendeu completamente o assunto em questão; • Simplificar a tarefa em função das capacidades iniciais dos alunos; • Compreender e respeitar o tempo de aprendizagem de cada um; • Promover momentos de colaboração com outros alunos. Saiba Mais Entrevista com a pesquisadora argentina Ana Teberosky, que fala sobre o processo da alfabetização (Jornal Futura - 16/10/2014) Nesta entrevista, a pesquisadora Ana Teberosky, referência nos estudos de alfabetização, aborda a importância do trabalho com texto antes de a criança estar completamente alfabetizada, ou seja, colocá-la em contato com a cultura letrada mesmo que ela não saiba ler. Esse exercício, como o de leitura em voz alta, por exemplo, não deve se restringir apenas à escola, mas também a todos aqueles que têm contato com a criança, com o apoio de gêneros textuais diversos (inclusive os digitais). Os textos escritos contribuem com o repertório linguístico da criança e podem ser utilizados também para discussões em que ela possa analisar e indicar elementos do texto de forma oral e colaborativa. Disponível em: <https://youtu.be/Vo6ATYVW0co>. 5.4 Ortografia O ensino de ortografia, em geral, restringe-se a exercícios de apresentação de palavras, regras, ditados, entre outros que trabalham principalmente a memória. O desconhecimento da grafia da palavra pode se dar em função do acesso restrito à leitura; em muitos casos é apenas na escola que o aluno tem contato com o livro e com a cultura escrita. 39 É importante que as estratégias didáticas para o ensino da ortografia se articulem em torno de dois eixos básicos: • o da distinção entre o que é “produtivo” e o que é “reprodutivo” na notação da ortografia da língua, permitindo no primeiro caso o descobrimento explícito de regras geradoras de notações corretas e, quando não, a consciência de que não há regras que justifiquem as formas corretas fixadas pela norma; e • a distinção entre palavras de uso frequente e infrequente na linguagem escrita impressa. (BRASIL, 1997, p. 57) Dessa forma, diante de uma situação em que o professor perceber erros ortográficos nos textos produzidos, poderá utilizá-la como oportunidade para abordar os apontamentos mais frequentes à luz da norma. Em tempo, observamos que os registros serão os mais variados e isso nos leva a uma subdivisão de abordagem: erros gerais tratar com toda a sala; menos frequentes com o grupo específico, ou, ainda, em casos extremos, atendimento individual. Por último, um ponto importante deve ser enfatizado. No processo de revisão textual, que tratamos anteriormente, é preciso que professor e aluno estejam atentos para não reduzir a correção da produção às incorreções ortográficas. Tal movimento pode afastá-lo de outros pontos fundamentais para a qualidade da escrita: incoerência do conteúdo, organização geral, falta de coesão entre as frases, inadaptação à situação de comunicação, entre outros. Uma dica é deixar a ortografia mais para o final do trabalho (versão final) com a reescrita de textos, após o aperfeiçoamento de outros níveis textuais. 5.5 Aspectos gramaticais O conceito gramatical será importante à medida que a recorrência de formas de um determinado gênero textual trouxer questões que podem prejudicar a progressão do aluno se não for reservado um momento de reflexão sobre a língua. Para tanto, é importante que haja um momento para o ensino de gramática, desde que o objeto 40 principal da observação e discussão seja o funcionamento da língua. O texto, portanto, não pode ser um pretexto para abordar o ensino de gramática. Saber o que é substantivo, adjetivo, verbo, artigo, preposição, sujeito, predicado, etc. não significa ser capaz de construir bons textos, empregando bem esses conhecimentos. Quando se enfatiza a importância das atividades de revisão é por esta razão: trata-se de uma oportunidade privilegiada de ensinar o aluno a utilizar os conhecimentos que possui, ao mesmo tempo em que é fonte de conteúdos a serem trabalhados. Isso porque os aspectos gramaticais – e outros discursivos como a pontuação — devem ser selecionados a partir dos das produções escritas dos alunos. O critério de relevância dos aspectos identificados como problemáticos – que precisam, portanto, ser ensinados prioritariamente – deve ser composto pela combinação de dois fatores: por um lado, o que pode contribuir para maior adequação e legibilidade dos textos e, por outro, a capacidade dos alunos em cada momento (BRASIL, 1997, p. 60). Cumpre esclarecer que não se trata de deixar de ensinar gramática, ao contrário, mas de atribuir sentido (principalmente de uso) para aquilo que está em discussão. Por exemplo, se os alunos estão trabalhando com o gênero “Receita”, o professor poderá verificar em qual parte há o maior número de erros e abordar este ou aquele conceito, com exemplos do texto. Veja que são os apontamentos do texto que permitem tal abordagem e não o contrário. REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/gLDwh>. Acesso em: 5 jan. 2019. MARTINS, Raquel Márcia Fontes; SILVA, Giane Maria da; VAL, Maria da Graça Costa. Ensino de ortografia: a contribuição do livro didático. In: VAL, Maria da Graça Costa (org.). Alfabetização e língua portuguesa: livros didáticos e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, Ceale/FaE/UFMG, 2009. p.67-86 41 6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Neste bloco, estudaremos as ideias, os mitos e os vícios que circundam o entendimento sobre avaliação. Isto porque avaliar para gera uma nota é apenas o registro documental de um processo de ensino aprendizagem; e revela pouco sobre o que de fato foi apreendido pelo aluno. Entretanto, tradicional e ideologicamente aprendemos a nos preocupar mais com o número no boletim do que com a qualidade da aula. É uma inversão de valores que novas diretrizes curriculares tentam corrigir. Perceberemos que, como professores, processo avaliativo pode revelar muito sobre a nossa prática pedagógica. 6.1 Aspectos teóricos Tradicionalmente a avaliação é utilizada para classificar os alunos “fortes” e “fracos”, atribuindo-lhes um número/conceito que será registrado de forma documental no boletim. Aquilo que deveria ser apenas um registro para organização da instituição escolar, passou a ser a única fonte de conhecimento sobre o desempenho do aluno. Professores, gestão, estudantes e pais concentraram suas preocupações na quantidade e esqueceram da qualidade. O que deveria ser mais importante a nota ou o aprendizado? Ideologicamente é a nota que mais preocupa os atores envolvidos no processo educativo, pois geram números, que geram estatísticas, que se transformam em verba, que deveria melhorar a qualidade da educação para não pensarmos tantos em números, mas que dia a dia trabalhamos em função deles. A partir da publicação das Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a avaliação ganhou a atenção especial e fez com que de fato refletíssemos acerca da importância do acompanhamento como instrumento avaliativo capaz de redimensionar o fazer pedagógico. Mas se a avaliação é feita para o aluno, como ela pode melhorar/alterar o desempenho docente em sala de aula? Primeiramente, não devemos confundir avaliação com instrumento avaliativo: o primeiro tem uma característica mais geral e reflexiva acerca de todo o processo de 42 ensino e aprendizagem; já o segundo propõe apenas as diversas formas que um conhecimento pode ser aferido, como por exemplo, seminários, provas, produções textuais e etc. O foco de nossa discussão centra-se na avaliação como “elemento integrador entre a aprendizagem e o ensino; conjunto de ações cujo objetivo é o ajuste e a orientação da intervenção pedagógica para que o aluno aprenda da melhor forma” (BRASIL, 1997, p. 56). A partir desta perspectiva, compreende-se que a avaliação é um valioso instrumento para que o docente reflita sobre a própria prática, alterando, modificando e, principalmente, adequando o ensino às necessidades reais dos alunos. As perguntas norteadoras para este trabalho são: O que o aluno aprendeu? O que ele não aprendeu? Por que ele não aprendeu? O que eu posso fazer para que ele aprenda? A avaliação passa, portanto, de um instrumento de poder (do professor) com fins numéricos (e por que não punitivos?), para um apoio direto aos diversos atores da esfera escolar a refletirem acerca do próprio desempenho, como um controle de qualidade individual e coletivo. 6.2 Orientações para avaliação Assim como os alunos são e aprendem em tempos diferentes, os instrumentos avaliativos devem ser os mais diversificados possível, de modo que todos os perfis sejam contemplados. Por exemplo, há alunos com excelente desempenho em produções escritas, mas possui grande dificuldade em atividades expositivas, como seminários, leitura em voz alta, entre outros. O professor precisa compreender essas diferenças e tornar o processo de avaliação mais leve para o aluno; o baixo desempenho também pode estar ligado a aspectos que ultrapassam o ato de estudar, apreender e registrar o aprendizado. Por isso, é preciso valorizar e estar atento às aptidões de seus futuros alunos. 43 A partir do exposto, é preciso considerar a avaliação sob três grandes aspectos: Observação sistemática Que corresponde ao acompanhamento diário da evolução dos alunos a cada etapa do ensino (tabelas, listas de controle, diário de classe e outros). Análise das produções dos alunos Considerar tudo o que o aluno produziu durante um período, de modo a comparar aquilo que melhorou e apontar aspectos que precisam ser aperfeiçoados. Atividades específicas para a avaliação São aquelas elaboradas para aferir o conhecimento do aluno sobre uma temática específica. É importante que elas correspondam a outras atividades já desenvolvidas em sala e que o aluno saiba exatamente o que o professor avaliar. Assim, ele terá mais autonomia para estudar a partir de instruções previamente elencadas pelo professor. Por último, ressalta-se que a avaliação não deve ser somente feita pelo professor. O aluno também precisa construir condições para fazer uma autoavaliação do seu aprendizado; assim ele desenvolverá a autonomia desejada para um processo democrático de ensino. 6.3 Tipos de avaliação O início do ano letivo é, em sua maioria, momento de grande expectativa tanto para o docente, quanto para o aluno. No caso do professor, cria-se uma ansiedade no sentido de saber o quão a sala estará preparada para a introdução de novos conceitos, como ela se desenvolverá e quanto conseguirá apreender ao final do processo. Neste caso, 44 há três importantes tipos de avaliação que auxiliará diretamente o desenvolvimento dos trabalhos em sala de aula. São elas: • Avaliação diagnóstica – tem função analítica, que acontecerá no início das aulas e tem como objetivo verificar o quanto os alunos sabem acerca dos conceitos aprendidos em anos anteriores, de modo a moldar o trabalho que o docente precisará desenvolver ao longo dos bimestres. Algumas vezes isso significa “dar um passo para trás” para depois “dar dois passos para frente”, ou seja, retomar conceitos para avançar com novos conteúdos; • Avaliação formativa – tem função de controle, focada no processo de ensino; esse tipo de avaliação preocupa-se na apreensão de cada elemento da aprendizagem e o professor só avança à medida que os alunos demonstram estarem preparados para a introdução de novos saberes; • Avaliação somativa – tem função classificatória, realizada, geralmente, ao final de um ciclo, bimestre, ou curso, com o objetivo de mensurar o que de fato o aluno aprendeu. Preocupa-se diretamente com os resultados da aprendizagem. 6.4 Critérios de avaliação Quando do planejamento para o ano letivo, o professor não conhece os alunos e por este motivo elabora um plano de ensino baseado no “aluno ideal”, a partir das informações contempladas no projeto pedagógico da instituição, do conhecimento da comunidade escolar, as orientações do currículo para aquele ano do Ensino Fundamental, as aprendizagens esperadas, entre outros. Com base nesses parâmetros, o professor registra no plano os objetivos de aprendizagem, ou seja, expectativas de aprendizagem dos alunos como resultado do ensino. Diferentemente dos objetivos, os critérios de avaliação se baseiam nos conhecimentos fundamentais que devem ser aprendidos pelos alunos para que possam ser 45 promovidos para o ano seguinte, sem prejuízo no acompanhamento de novos conteúdos. É importante assinalar que os critérios de avaliação representam as aprendizagens imprescindíveis ao final do ciclo e possíveis à maioria dos alunos submetidos às condições de aprendizagem propostas; não podem, no entanto, ser tomados como objetivos, pois isso significaria um injustificável rebaixamento da oferta de ensino e, consequentemente, o impedimento a priori da possibilidade de realização de aprendizagens consideradas essenciais (BRASIL, 1997, p.58). 6.5 Decisões associadas aos resultados da avaliação O erro mais grave que o professor pode cometer é concluir que a avaliação serve apenas para mensurar a performance do aluno. Seguindopor este caminho, não é difícil atribuirmos a responsabilidade pelo mau desempenho ao estudante, justificando que ele “se dedicou de maneira insuficiente aos estudos”. O estudante, por sua vez, poderá também atribuir ao docente o encargo de tal insucesso; assim como o professor se sentirá instigado a passar “batata quente” novamente para o aluno; ou para a escola, alegando questões de apoio pedagógico e/ou estruturais. Estamos diante de uma falha conceitual. Ao contrário do exposto, a avaliação oportuniza ao professor, ao aluno e à escola recapitular o que foi desenvolvido e procurar perceber onde e por que ocorreram possíveis “falhas” no processo de aprendizagem. Ao professor cabe redimensionar a sua prática pedagógica no esforço melhorar instrumentos e formas que contribuam para que nenhum aluno fique para trás; à escola permite perceber como a gestão pode colaborar e apoiar a capacitação docente para o trabalho com avaliação, bem como utilizar os resultados para rever o projeto pedagógico da unidade de ensino; e ao aluno compete perceber que as duas primeiras figuras estão comprometidas com o seu desenvolvimento, mas que precisam reciprocamente perceber o esforço individual para alcança-lo, permitindo assim o amadurecimento para a construção de sua autonomia na relação com o conhecimento. 46 REFERÊNCIAS BLOOM, Benjamin et al. Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São Paulo: Pioneira, 1983. ______. Taxionomia dos objetivos educacionais: domínio cognitivo. Porto Alegre: Globo, 1972. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/fE2aE>. Acesso em: 5 jan. 2019. MARTINS, José do Prado. Didática geral: fundamentos, planejamento, metodologia e avaliação. São Paulo: Atlas, 1985.