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5 teses principais da "Fundamentação da metafísica dos costumes", de Kant

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TEXTO IC - TESES PRINCIPAIS DA FMC DE KANT 
 
LUIZ FELIPE S. DOSSENA 
 
 
INTRODUÇÃO 
A ​Fundamentação da metafísica dos costumes​, publicada originalmente em 1785, é 
sem dúvidas uma das mais importantes e notáveis obras de toda a história da Filosofia Moral. 
Nela, Kant expõe e desenvolve suas principais teses no campo da Ética. A tarefa que outorga 
para si nesta obra, é deixada clara já no prefácio: trata-se da “busca e fixação do ​princípio 
supremo da moralidade​” (p.19). 
Como assinalam Schonecker e Wood (2014, p. 17-18), a FMC pode ser compreendida 
como possuindo duas grandes partes. As duas primeiras seções dedicam-se a investigar e 
desmembrar os conceitos morais a fim de determinar no que a moralidade consiste, o que 
significam as leis morais, se é que elas significam alguma coisa. É somente na terceira seção 
que Kant encara o problema de sustentar que as leis morais não são uma mera fantasia, que 
existem e são válidas para nós. Nesse sentido, de modo geral, podemos entender que a busca 
pelo princípio supremo da moralidade que Kant se refere no prefácio é o que tenta realizar 
nas duas primeiras seções de sua obra, enquanto a fixação desse princípio é a tarefa da 
terceira e última seção. 
Além dessas tarefas, Kant compreende a FMC como exercendo também a tarefa de 
estabelecer as bases para uma futura “metafísica dos costumes”, a qual consistiria na divisão 
de todos os deveres. A expressão “metafísica dos costumes” é utilizada por Kant ainda em 
pelo menos mais dois sentidos (no prefácio e na obra), os quais devem ser distinguidos a fim 
de evitar confusões: (a) como a parte pura (​a priori​) da Ética. Nesse sentido, a própria FMC 
já é uma metafísica dos costumes; (b) como uma parte específica da segunda seção a qual se 
chegará a partir da “filosofia moral popular”. O presente texto se propõe a apresentar, tanto 
quanto uma curta e breve exposição permite, cinco das principais teses de Kant contidas na 
FMC. 
 
a) A necessidade de uma filosofia moral ​a priori 
No início de seu prefácio, Kant define a Ética como a filosofia material que se ocupa 
das leis da liberdade, em contraste com a Física que constitui a filosofia material que se 
ocupa com as leis da natureza. Com isso, Kant denomina a Ética como uma investigação 
voltada sobretudo para as “leis segundo as quais tudo deve acontecer” (p.14). Tanto a Física 
quanto a Ética, diz Kant, podem se basear em princípios da experiência ou em princípios ​a 
priori​. No primeiro caso, tratar-se-á de ​filosofia empírica​; no segundo, de ​filosofia pura​. A 
filosofia pura no âmbito do conhecimento material chama-se ​metafísica​. Contudo, na Ética, a 
parte empírica se reduz a apenas uma ​Antropologia prática​, e a ​Moral propriamente dita, 
enquanto investigação das leis segundo as quais tudo deve acontecer, só pode ser mediante 
uma filosofia pura, i.e., segundo uma ​metafísica dos costumes​. Em outras palavras, o que está 
sendo sustentado aqui é a importante tese de que a filosofia moral deve seguir princípios ​a 
priori​ - “depurada de tudo o que possa ser somente empírico” (p.15). 
Para Kant, isso se segue da ideia comum de ​dever e ​leis morais que possuímos. De 
acordo com o autor, temos de admitir que se uma lei vale moralmente (o que para Kant 
significa fundamentar uma obrigação), ela possui em si uma “necessidade absoluta”. E essas 
leis, então, não valem apenas para seres humanos, mas também para “todos os seres racionais 
em geral”. A distinção entre seres humanos e seres racionais em geral é o cerne do argumento 
de Kant em favor da filosofia moral pura fornecido no prefácio. Se uma lei moral vale para 
além dos seres humanos, fica claro que não deve ser buscada nas circunstâncias mundanas em 
que os humanos se encontram, nem na natureza humana, mas só pode ser buscada “nos 
conceitos da razão pura” (p.16), pois somente a razão é comum a todos os sujeitos 
submetidos a estas leis morais. 
Ainda no prefácio, Kant indica por que é que uma Metafísica dos Costumes é 
necessária, qual seu valor. Em primeiro lugar, possui seu valor teórico ao investigar os 
princípios práticos que residem de modo ​a priori na razão. Em segundo lugar e mais 
importante, possui um valor prático: enquanto ignorarmos a norma suprema do julgamento 
moral, estamos suscetíveis a muitas formas de desvio da ação correta. Podemos muitas vezes 
agir em conformidade com a lei moral, mas se a motivação dessa ação não for a própria lei 
moral (o que pressupõe seu conhecimento), essa conformidade será apenas contingente e 
incerta. Por isso, Kant considera seu empreendimento como de alto valor. 
 
b) A boa vontade como única coisa absolutamente boa 
O que é que nós consideramos e devemos considerar como moralmente bom sem 
restrições? Kant inicia a primeira seção da FMC respondendo a essa questão: somente a boa 
vontade é ilimitadamente boa. Muitas outras coisas como os talentos do espírito 
(discernimento, argúcia de espírito etc.) e as qualidades do temperamento (coragem, decisão 
etc.) podem ser boas e desejáveis, mas também podem ser más se a vontade que delas fazer 
uso não for boa. 
O conceito de uma boa vontade que é estimada em mais alto grau por si mesma, i.e., 
cujo valor consiste no seu próprio querer e não em sua utilidade, já reside no “bom senso 
natural”, afirma Kant (p. 26). Esse conceito não precisa ser ensinado, mas apenas esclarecido 
e, para isso, o autor passa para a análise do conceito de ​dever que, segundo ele, contém o de 
boa vontade. 
Nossas ações podem ser contrárias ao dever ou conformes ao dever. Dentro do âmbito 
das ações conformes ao dever, essas ações podem ser motivadas por intenção egoísta (sem 
inclinação imediata), por inclinação imediata ou, finalmente, por dever. Para o filósofo 
alemão, é somente esse último grupo de ações que possuem ​verdadeiro valor moral e - assim 
sustenta Kant - nós reconhecemos isso. Uma ação correta motivada por interesses próprios ou 
por “molas propulsoras” merece estímulo, mas somente uma ação correta empreendida em 
nome do próprio dever merece nossa estima moral. É somente quando agimos a despeito de 
nossas inclinações, visando o bem por dever, que nossa ação possui genuíno valor moral. 
Mas de onde vem o valor moral das ações praticadas por dever? Da máxima segundo 
a qual é determinada, diz Kant (p. 30). Com isso se quer dizer que o valor moral de uma ação 
não se encontra no objetivo dessa ação, no efeito que se quer atingir com ela, mas sim no 
“princípio do querer”, ou seja, o princípio segundo o qual a ação foi praticada. Assim, Kant 
chega a uma das formulações mais importantes da obra e talvez a proposição mais importante 
da primeira seção da FMC: “​Dever é a necessidade de uma acção por respeito à lei​” (p. 31). 
Precisamos compreender que essa proposição abrange os dois aspectos do dever: 
primeiro, há o aspecto subjetivo que consiste em praticar a ação por dever, i.e., por respeito à 
lei. Embora o respeito seja um sentimento,Kant (p. 32) esclarece que trata-se de um 
sentimento distinto de todos os outros que derivam da inclinação ou do medo, sendo um 
sentimento que se autoproduz mediante um conceito da razão. Segundo, há o aspecto objetivo 
que consiste na necessidade da ação de acordo a lei (moral). Desse modo, há dois requisitos 
que a ação moral precisa satisfazer, pois uma ação pode contemplar o aspecto objetivo, sendo 
de acordo com a lei, mas motivada por outra razão que não o respeito pela lei (não possuindo, 
portanto, o aspecto subjetivo). Por outro lado, pode contemplar o aspecto subjetivo e ser 
motivada por respeito àquilo que se acredita ser o dever (quando uma pessoa realiza X 
acreditando que X é a ação correta e motivada pelo dever), mas não corresponder à 
verdadeira lei moral objetiva. 
Mas que lei então é essa que tem de determinar a vontade para que ela seja 
ilimitadamente boa? Na resposta a essa pergunta, aparece a primeira formulação do 
imperativo categórico: “devo proceder sempre de maneira que ​eu possa querer também que a 
minha máxima se torne uma lei universal​” (p. 33). Para Kant, essa lei é reconhecida pela 
razão humana vulgar e está implícita em nossos julgamentos morais. 
Uma boa vontade, portanto, é uma vontade determinada por essa lei moral objetiva e 
universal. Em outras palavras, é uma vontade determinada pela razão. Conforme Kant 
explicita mais adiante em sua obra, a vontade de seres racionais perfeitos é sempre 
determinada pela razão, sendo as ações objetivamente necessárias também subjetivamente 
necessárias. Em seres humanos, porém, a vontade pode ser determinada tanto pela razão 
quanto pelas condições subjetivas (molas propulsoras), fazendo com que as ações 
objetivamente necessárias sejam subjetivamente contingentes e, assim, com que surja a 
obrigação​, ou seja, o ​dever​ de agirmos pela lei moral - a despeito de nossas inclinações. 
 
c) O valor absoluto dos seres racionais 
Para Schonecker e Wood, mais do que a noção de universalização formal de 
máximas, é a ideia de valor absoluto dos seres racionais que consiste na “tese central da ética 
de Kant” (2014, p. 130). De acordo com Kant, seres irracionais são ​coisas e possuem apenas 
um valor relativo; seres racionais, capazes de autonomia, são ​pessoas​, sendo fins em si 
mesmos, possuindo assim uma ​dignidade​, um valor absoluto. Como compreender essa tese e 
sua relação com o princípio moral supremo? 
Até a metade da segunda seção da FMC, Kant acredita ter demonstrado que ​se ​o dever 
possui algum significado, i.e., se ele contém uma verdadeira legislação para nossas ações, 
tem de ser expresso por imperativos categóricos. À esta altura do texto, o conteúdo do 
imperativo categórico (sua fórmula) também já foi demonstrado. Que tais imperativos 
realmente existem e são válidos é uma tarefa deixada para a última seção da obra. Antes 
disso, porém, Kant quer demonstrar a ligação entre essa lei moral e o conceito de vontade dos 
seres racionais. É neste momento que ocorre a transição para a metafísica dos costumes 
anunciada no título da seção. 
A vontade é a faculdade (exclusiva de seres racionais) de “se determinar a si mesmo a 
agir ​em conformidade com a representação de certas leis​” (p. 67). Os princípios práticos 
podem ser ​formais (abstraindo de todos os fins subjetivos) ou ​materiais (baseados nos fins 
subjetivos; em molas propulsoras). Princípios práticos materiais visam fins apenas relativos, 
pois seu valor não consiste em si mesmo, mas é gerado pela sua relação com a faculdade de 
desejar de determinado sujeito. Assim, esses fins relativos podem ser a base apenas de 
imperativos hipotéticos. A base de imperativos categóricos, por outro lado, tem de ser alguma 
coisa que possua em sua própria existência um valor absoluto. 
Tudo aquilo que podemos adquirir por nossas ações possui valor ​para nós mas, por 
isso mesmo, apenas um valor condicional - condicionado à nós, ao nosso querer. Os seres 
racionais, contudo, existem como fins em si mesmos, possuindo um valor absoluto. E é a 
existência da natureza racional como fim em si, afirma Kant, que fundamenta o princípio 
prático supremo; o imperativo categórico. Disso, resulta a fórmula do fim em si do 
imperativo categórico: “​Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa 
como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca 
simplesmente como meio​” (p. 69). 
O imperativo categórico ordena, ele é uma lei para a vontade. A vontade está, dessa 
forma, submetida ao imperativo. Mas para que esse imperativo seja incondicional, 
precisamos conceber a vontade como a própria legisladora desse princípio prático supremo. 
Isso porque o imperativo categórico não pode estar fundado em nenhum interesse (é 
precisamente isso que o distingue do imperativo hipotético), mas tal imperativo então “só 
pode ordenar que tudo se faça em obediência à máxima de uma vontade que simultaneamente 
se possa ter a si mesma por objecto como legisladora universal” (p. 74). Somente uma lei que 
emana de nossa própria vontade pode obrigá-la a agir de certa maneira sem que a necessidade 
dessa ação esteja fundada em um interesse. A esta capacidade de autolegislação da vontade, 
Kant denomina ​autonomia da vontade​. E é a autonomia que fundamenta a dignidade, ou seja, 
o valor absoluto dos seres racionais. 
Assim, Kant encontra o fundamento de um possível imperativo categórico no conceito 
de fim em si. E o fim em si é encontrado e fundamentado na natureza racional, em sua 
autonomia. Mas por que apenas seres capazes de autonomia são plenos de valor e por que é 
que se segue do fato de que seres humanos podem agir moralmente que eles possuem valor 
absoluto? Isto, de acordo com Schonecker e Wood, Kant não explica. 
[...] Kant nunca desenvolveu uma teoria dos valores. Ele não diz o que exatamente 
são valores num contexto ético em geral, nem como nós conhecemos tais valores. Ele 
também não fundamenta, portanto, porque são seres racionais autônomos que 
possuem valor absoluto (dignidade). Por que não são seres pensantes já 
absolutamente plenos de valor? Por que não são seres com autoconsciência? Ou por 
que não são seres capazes de sensibilidade (eventualmente animais)? [...] Permanece 
(no mínimo na GMS) obscuro por que e como precisamente do fato de que homens 
possam agir moralmente pode ser derivada qualquer validade normativa (2014, p. 
134-135). 
 
d) Seres racionais são livres 
Conforme sustentado por Kant na primeira seção da FMC, uma ação com pleno valor 
moral é uma ação realizada por dever, i.e., por querer a moralidade, por respeito à lei - sem 
levar em conta nossos interesses subjetivos. Dessa forma, Kant precisa demonstrar primeiro 
que nós ​podemos ​agir assim e, depois, que nós ​devemos ​agir assim. Essas questões são 
enfrentadas na terceira seção da FMC, e a liberdade é a resposta para a primeira delas. 
As ações de seres irracionais são completamente determinadas pela influência de 
“causas estranhas”, dizKant. Em outras palavras, agem pela necessidade natural. Seres 
racionais, contudo, são livres na medida em que suas vontades desempenham papel causal - 
independente das causas estranhas naturais. Esta é uma definição negativa de liberdade; a 
capacidade de causar uma ação livre (independente) da determinação natural. Dela, porém, 
alega Kant, podemos retirar um conceito positivo de liberdade: o conceito de causalidade está 
necessariamente vinculado ao conceito de ​leis​, pois de uma causa se segue, mediante uma lei, 
um certo efeito. Desse modo, a liberdade tem também de possuir uma lei, embora certamente 
não seja uma lei natural. Essa lei corresponde a autonomia: “que outra coisa pode ser, pois, a 
liberdade da vontade senão autonomia, i. é a propriedade da vontade de ser lei para si 
mesma?” (p. 94). Por conseguinte, a vontade livre é uma vontade submetida a leis morais. 
Com isso, demonstra-se que agir livremente é o mesmo que agir moralmente. O 
próximo passo de Kant (empreendido na segunda subseção) consiste em sustentar que é 
preciso atribuir a ideia de liberdade a todos os seres racionais. Isso porque em tais seres 
pensamos uma razão “que é prática, quer dizer, que possui causalidade em relação aos seus 
objectos” (p. 96). E não é possível conceber uma razão que não receba de si própria a 
“direção a respeito dos seus juízos”; e, assim sendo, “como razão prática ou como vontade de 
um ser racional, tem de considerar-se a si mesma como livre” (p. 96). Conforme Schonecker 
e Wood (2014, p. 170-171) esclarecem, o argumento apresentado por Kant nessa passagem 
remonta à Epicuro. Trata-se de apontar uma contradição (que em termos contemporâneos 
podemos denominar de ​contradição performática​) no ato de defender o determinismo, pois 
tal defesa pressupõe uma pretensão de liberdade. 
Se pensamos um ser racional, devemos considerá-lo livre. Mas podemos nós, seres 
humanos, nos considerarmos racionais e livres? Para isso, precisamos escapar do que Kant 
denomina “círculo vicioso”: pensamo-nos livres na “ordem das causas eficientes” e, em 
seguida, nos vemos submetidos a leis morais “na ordem dos fins”, pois nos consideramos 
possuidores da liberdade da vontade. Contudo, sendo liberdade e autolegislação da vontade 
uma e mesma coisa (autonomia), não podemos utilizar uma para explicar e fundamentar a 
outra. A saída desse círculo reside na compreensão de que quando nos compreendemos livres 
adotamos um ponto de vista distinto de quando nos vemos pelas nossas ações. 
Para isso, precisamos compreender a distinção kantiana entre ​mundo sensível ​e ​mundo 
inteligível​. Apresentando em linhas muito gerais, as representações que nos são “dadas de 
fora” (como as oriundas dos sentidos) nos permitem conhecer os objetos sempre e apenas 
como eles nos afetam, limitando assim nosso conhecimento ao conhecimento de ​fenômenos​. 
Dessa forma, um determinado objeto afeta diferentemente seus espectadores, e esses sujeitos 
espectadores conhecem diferentemente este objeto. “Por trás” desse fenômeno, no entanto, 
precisamos admitir a existência do objeto ele mesmo, enquanto ​coisa em si​. Desse modo, 
surgem as noções de mundo sensível (o mundo dos fenômenos) e o mundo inteligível (o 
mundo das coisas em si). 
Também nós, seres humanos, enquanto temos de nós próprios apenas um “conceito 
recebido empiricamente” (p. 100) nos conhecemos apenas enquanto fenômeno e, assim, 
enquanto parte do mundo sensível. Mas temos de reconhecer que na base de nosso sujeito 
conhecido fenomenicamente existe um ​Eu em si e que, dessa forma, fazemos parte também 
do mundo inteligível. 
Com isso, revela-se os dois pontos de vista pelos quais podemos pensar a nós mesmos 
e que nos permite vencer o círculo. Enquanto parte do mundo sensível estamos submetidos às 
leis naturais; enquanto parte do mundo inteligível, no entanto, estamos submetidos apenas às 
leis da razão e, como já se demonstrou, essa consiste na autonomia e, portanto, na liberdade. 
 
e) A validade da lei moral 
Kant então acredita ter demonstrado no que consiste o agir moralmente e que nós 
podemos agir moralmente uma vez que, enquanto parte do mundo inteligível, somos livres. 
Mas por que ​devemos ​agir assim? Por que devemos pautar nossas ações pelo imperativo 
categórico mesmo nas ocasiões em que a ação ordenada pela lei moral é contrária às nossas 
inclinações? Esse é o próximo grande problema que o filósofo se propõe a resolver. 
A resposta de Kant para essa questão também se baseia na distinção entre mundo 
inteligível e sensível. Se eu fizesse parte apenas do mundo inteligível, meu agir seria sempre 
autônomo e de acordo com a lei moral (como de fato ocorre com os seres racionais perfeitos; 
a vontade divina ou santa); por outro lado, se eu fosse parte apenas do mundo sensível, teria 
minhas ações sempre determinadas por causas naturais. Não sendo eu nenhum destes mas 
pertencendo simultaneamente ao mundo inteligível e ao mundo sensível, posso agir de ambos 
os modos. Contudo, escreve Kant, “​o mundo inteligível contém o fundamento do mundo 
sensível, e portanto também das suas leis​” (p. 104). E eu, enquanto pertencente ao mundo 
sensível, devo me ver submetido às leis do mundo inteligível ao qual também pertenço, ou 
seja, às leis da razão e autonomia da vontade. Portanto, diz Kant, “terei de considerar as leis 
do mundo inteligível como imperativos para mim e as ações conformes a este princípio como 
deveres” (p. 104). 
Por fim, notamos que agir de acordo com as leis da vontade pura, da vontade que 
pertence ao mundo inteligível, é agir de acordo com o querer do ​eu próprio​, enquanto agir de 
acordo com as inclinações é uma ação desejada apenas pelo eu enquanto fenômeno. Como 
definem Schonecker e Wood (2014, p. 185), “a lei moral vale, portanto, porque ela promana 
da vontade pura, enquanto o ‘eu propriamente dito’ do homem. [...] esta vontade pura não é 
nenhuma vontade estranha, mas a ​própria​”. Agir de acordo com a lei moral é agir pelo querer 
do próprio eu, do eu em si, portanto, do verdadeiro querer. 
 
REFERÊNCIAS 
 
KANT, I. ​Fundamentação da metafísica dos costumes​. Tradução Paulo Quintela. Lisboa: 
Edições 70, 2007. 
 
SCHONECKER, D.; WOOD, A. ​A “Fundamentação da metafísica dos costumes”, de Kant​: 
um comentário introdutório. Tradução Robinson dos Santos, Gerson Neumann. São Paulo: 
Edições Loyola, 2014.

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