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2018 Contabilidade SoCial Profª. Carla Eunice Gomes Corrêa Prof. Diego Boehlke Vargas Prof. Maurício Leite Copyright © UNIASSELVI 2018 Elaboração: Profª. Carla Eunice Gomes Corrêa Prof. Diego Boehlke Vargas Prof. Maurício Leite Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. V297c Vargas, Diego Boehlke Contabilidade social. / Diego Boehlke Vargas; Carla Eunice Gomes Corrêa; Maurício Leite – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 187 p.; il. ISBN 978-85-515-0197-9 1.Contabilidade social – Brasil. I. Corrêa, Carla Eunice Gomes. II. Leite, Maurício. III. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 339.381 Impresso por: III apreSentação Seja bem-vindo aos estudos de Contabilidade Social! A partir de agora, entraremos em uma nova etapa do curso, na qual descobriremos instrumentos capazes de mensurar quantitativamente o movimento da atividade econômica de um país. Aqueles indicadores econômicos tão vistos em artigos científicos ou em noticiários na televisão, como o Produto Interno Bruto (PIB), as exportações e importações e os gastos do governo, serão aqui apresentados e discutidos sobre seu real significado. Você sabia que cada país possui uma maneira de organizar seu Sistema de Contas Nacionais? É justamente por meio desses sistemas de contas que as informações econômicas são agrupadas. Sua organização é fundamental para que possam ser adequadamente utilizadas pelas políticas econômicas nacionais. Como forma de auxiliá-lo dos estudos apresentados ao longo do livro, didaticamente dividimos o tema em três unidades, cada uma delas contando com autoatividades de apoio. Na Unidade 1, você fará uma primeira aproximação dos principais temas relativos à Contabilidade Social. Neste capítulo introdutório, você conhecerá os conceitos básicos da disciplina e as chamadas identidades básicas da Contabilidade Social (Tópico 1). Já no Tópico 2, será sistematizado o funcionamento do Sistema de Contas Nacionais em economias fechadas e abertas, contando com a presença do governo ou não. Por fim, examinaremos os principais agregados macroeconômicos e as identidades contábeis presentes no sistema de contas nacionais. Na Unidade 2, outros três tópicos procuram ordenar nosso estudo em Contabilidade Social. No primeiro deles, você verá com maior profundidade o Sistema de Contas Nacionais por meio da interpretação das Contas Econômicas Integradas e do uso das Tabelas de Recursos e Usos. O Tópico 2 avança para o setor externo, cujas exposições garantirão que você entenda os principais conceitos do Balanço de Pagamentos, bem como identifique e interprete suas contas internas. Já o Tópico 3 foi reservado à elaboração da Matriz de Insumo-Produto, criada pelo economista Wassily W. Leontief. Na Unidade 3, avançaremos na disciplina de Contabilidade Social na direção da área financeira e dos indicadores econômicos e sociais. O Tópico 1 será destinado à compreensão do funcionamento e da estrutura do Sistema Financeiro Nacional para que possamos analisar as contas monetárias e IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA financeiras das instituições. Em seguida, no Tópico 2, compreenderemos a importância dos índices na análise econômica, estudando os índices de variação de preço e de quantidade. Finalmente, no Tópico 3 da Unidade 3, entenderemos a construção de indicadores econômicos e sociais e sua aplicabilidade na economia. Discutiremos os conceitos de crescimento e desenvolvimento e analisaremos indicadores recentes da economia brasileira. Cabe lembrar que os temas aqui indicados são o principal material para os seus estudos de Contabilidade Social, entretanto, não são os únicos. Você verá que, ao longo das páginas deste livro, são indicadas diversas dicas, fontes de pesquisa, bibliografias e muito mais para que você possa ampliar ao máximo seus conhecimentos. Além disso, as autoatividades garantem que o conteúdo estudado seja devidamente discutido e aprendido. Portanto, não deixe de fazer e tirar as dúvidas posteriormente. Desejamos um ótimo aprendizado! Bons estudos e um forte abraço! V VI VII UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL..................................................1 TÓPICO 1 – CONTABILIDADE SOCIAL ........................................................................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 CONCEITOS BÁSICOS ....................................................................................................................4 3 A IDENTIDADE PRODUTO ≡ DISPÊNDIO ≡ RENDA .............................................................7 4 FLUXO CIRCULAR DA RENDA .....................................................................................................14 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................21 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................22 TÓPICO 2 – SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS .................................................23 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................23 2 AS CONTAS NACIONAIS NO SISTEMA SNA 68 .....................................................................23 2.1 ECONOMIA FECHADA E SEM GOVERNO ............................................................................25 2.2 ECONOMIA ABERTA E SEM GOVERNO ................................................................................31 2.3 ECONOMIA ABERTA E COM GOVERNO ...............................................................................34 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................39 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................40 TÓPICO 3 – PRINCIPAIS AGREGADOS MACROECONÔMICOS ..........................................41 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................41 2 DA CONTABILIDADE NACIONAL À MACROECONOMIA................................................41 3 AS IDENTIDADES CONTÁBEIS PRESENTES NO SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS .......................................................................................................................45 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................51 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................54 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................55 UNIDADE 2 – O SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS E O BALANÇO DE PAGAMENTOS ....................................................................................................57 TÓPICO 1 – O SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS (SCN): CONTAS ECONÔMICAS INTEGRADAS (CEI) E TABELAS DE RECURSOS E USOS (TRU) .....................59 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................59 2 SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS ...........................................................................................60 2.1 AS CONTAS NACIONAIS DO BRASIL .....................................................................................62 2.2 TABELAS DE RECURSOS E USOS .............................................................................................65 2.3 AS CONTAS ECONÔMICAS INTEGRADAS ...........................................................................72 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................85 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................87 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................88 Sumário VIII TÓPICO 2 – BALANÇO DE PAGAMENTOS: CONCEITOS, ESTRUTURA E REGISTROS ................................................................................................................89 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................89 2 BALANÇO DE PAGAMENTOS ......................................................................................................90 2.1 A ESTRUTURA DO BALANÇO DE PAGAMENTOS .............................................................94 2.2 A CONTABILIDADE DO BALANÇO DE PAGAMENTOS ....................................................107 2.3 BALANÇO DE PAGAMENTOS E CONTAS NACIONAIS ....................................................111 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................114 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................116 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................117 TÓPICO 3 – MATRIZ DE INSUMO-PRODUTO ............................................................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 DESAGREGAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS: AS MATRIZES DE INSUMO-PRODUTO ........................................................................................................................120 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................124 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................125 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................126 UNIDADE 3 – SISTEMA FINANCEIRO E INDICADORES ECONÔMICOS E SOCIAIS ...127 TÓPICO 1 – CONTAS MONETÁRIAS E FINANCEIRAS ............................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 MEIOS DE PAGAMENTO: MOEDA CORRENTE E MOEDA ESCRITURAL ......................130 3 FUNÇÕES DO BANCO CENTRAL ...............................................................................................134 4 CONTAS MONETÁRIAS ................................................................................................................136 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................141 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................144 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................145 TÓPICO 2 – ÍNDICES DE VARIAÇÃO DE PREÇO E QUANTIDADE .....................................147 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................147 2 CLASSIFICAÇÃO DE ATIVIDADES E PRODUTOS ................................................................148 2.1 PERÍODO DE COLETA ...............................................................................................................152 3 CONSTRUÇÃO DE NÚMEROS-ÍNDICES ..................................................................................152 3.1 CONCEITO DE RELATIVOS ......................................................................................................152 3.2 RELATIVOS ...................................................................................................................................153 3.3 MUDANÇA DE BASE .................................................................................................................155 3.4 ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR ................................................................................156 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................159 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................161 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................162 TÓPICO 3 – INDICADORES ECONÔMICOS E SOCIAIS ..........................................................163 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................163 2 CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ..................................................................................164 3 CONCEITO E CONSTRUÇÃO DE INDICADORES ..................................................................169 4 INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA E SOCIAIS ........................................................171 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................178 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................182 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................183 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................185 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO À CONTABILIDADESOCIAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de: • conhecer os conceitos básicos da Contabilidade Social por meio das identidades básicas; • compreender o funcionamento do fluxo circular da renda; • sistematizar o funcionamento do Sistema de Contas Nacionais; • examinar os principais agregados macroeconômicos, • identificar as identidades contábeis presentes no Sistema de Contas Nacionais. Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, você encontrará atividades que o auxiliarão no seu aprendizado. TÓPICO 1 – CONTABILIDADE SOCIAL TÓPICO 2 – SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS TÓPICO 3 – PRINCIPAIS AGREGADOS MACROECONÔMICOS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CONTABILIDADE SOCIAL 1 INTRODUÇÃO Nas páginas que compõem este livro, você descobrirá a importância dos temas ligados à contabilidade social para o estudo da Ciência Econômica. Estudaremos desde os conceitos mais elementares a respeito da contabilidade social até a utilização das teorias pelos países para a compreensão de suas economias. Nesta primeira unidade do livro, o objetivo mais geral será conhecer as noções iniciais sobre a Contabilidade Social por meio das identidades básicas; sistematizar o funcionamento do Sistema de Contas Nacionais e examinar os principais agregados macroeconômicos. A compreensão do conjunto de todas as atividades econômicas de um país e suas inter-relações é uma tarefa difícil, ainda mais em um contexto em que desconhecemos os reais volumes de produção, renda, emprego e fluxos internacionais. É fundamental que as informações estatísticas e econômicas estejam alinhadas, para que empresas, estado e demais agentes econômicos possam produzir uma economia justa e igualitária para todos. Assim, para que serve, afinal, a Contabilidade Social? Qual a importância do estado para a regulação da atividade econômica? Como são organizadas as contas nacionais no Brasil? Quais são os principais agregados macroeconômicos que compõem nossa economia? Preparamos o presente livro com a pretensão de conter uma leitura fácil e dinâmica, cujas páginas contam com ilustrações, informações adicionais e dicas para aprofundar o seu estudo. No Tópico 1, estudaremos a chamada identidade básica das contas nacionais, um conceito muito importante para a Contabilidade Social. Além disso, iremos compreender do que se trata o fluxo circular da renda. Desejamos ótimos estudos! UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 4 2 CONCEITOS BÁSICOS A Contabilidade Social é uma área que integra a Ciência Econômica, responsável pela mensuração dos grandes agregados da economia de um país em certo período. Trata-se da contribuição da Contabilidade para melhor compreendermos as economias mundiais. Para que uma política econômica seja eficiente, é preciso que saibamos com precisão, por exemplo, quanto se produziu em certo período, qual foi o nível de investimento, quanto se vendeu para o exterior, e quanto se comprou do exterior. Outro exemplo está na execução das políticas fiscais, as quais não ocorreriam caso não tivéssemos conhecimento a respeito da arrecadação e dos gastos do governo. NOTA O estudo dos grandes agregados econômicos nacionais se refere à mensuração e ao comportamento da economia como um todo, ou seja, compreender a renda nacional, o produto nacional, o nível de inflação, o emprego e o desemprego, o estoque de moedas e a taxa de juros, o balanço de pagamentos, a taxa de câmbio. O consumo individual e a produção individual, por exemplo, não são considerados agregados econômicos pois não condizem com o conjunto de toda a economia de um país (VASCONCELLOS; GARCIA, 2008). Por que é importante avaliarmos os agregados econômicos por meio de contas? Por que há necessidade de uma “contabilidade social”? A contabilidade, que surgiu em 1494 a partir dos estudos de Luca Pacioli, não estaria preocupada em lidar com a vida econômica das empresas? Seria ela adequada para contribuir com a economia de um país? A teoria macroeconômica, bem como a história do pensamento econômico, pode ajudar na compreensão das perguntas. Como o próprio nome já diz, a macroeconomia possui uma visão macroscópica dos fenômenos econômicos, de modo que suas variáveis sempre são agregadas. Daí a importância fundamental para a contabilidade social (PAULANI; BRAGA, 2012). Os objetos de estudo da macroeconomia combinam com as variáveis agregadas mensuradas pela contabilidade social. Assim, a contabilidade social se torna uma fonte de informação para a execução de diversas políticas macroeconômicas. TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 5 FIGURA 1 – OBJETOS DE ESTUDO E AGREGADOS ECONÔMICOS NACIONAIS FONTE: Os autores A própria ciência econômica nasce com a preocupação para o crescimento econômico e a repartição do produto social ao final do século XVIII. Os principais autores da Escola Clássica, tais como Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill, quando investigam o funcionamento da economia, estavam constantemente interessados nos resultados econômicos para a dimensão agregada (PAULANI; BRAGA, 2012). Outro economista, Jean Baptiste Say, também revelava maior atenção aos aspectos de simultaneidade, interdependência e identidade nas relações econômicas, temas próprios da contabilidade social. No entanto, com a chamada revolução marginalista, ao final do século XIX, a preocupação com o nível agregado da economia perde sua força quando comparada com o avanço dos estudos das dinâmicas microeconômicas, relativos ao comportamento geral dos agentes econômicos, tais como as empresas e os consumidores. NOTA : A Revolução Marginalista trata de uma nova abordagem trazida para o pensamento econômico a partir de economistas como William Stanley Jeveons (1835- 1882), Carl Menger (1840-1921) e Léon Walras (1834-19140) (PAULANI; BRAGA, 2012). UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 6 A próxima escola de pensamento da Economia se organiza na teoria neoclássica, na virada do século XIX para o século XX. Embora seu principal representante, Alfred Marshall, tenha levado em conta os preceitos dos economistas clássicos, dividiu a economia por meio de dois conceitos: o real e o monetário. Assim, deixava de lado a preocupação efetiva com o crescimento da riqueza e da divisão do produto, cuja análise revelava a utilização de variáveis agregadas e sua mensuração. Novamente, subjugava-se a utilização dos conceitos e entendimentos próprios à contabilidade social. A crítica ao pensamento marginalista viria a surgir a partir de John Maynard Keynes (1883-1946), com a publicação de “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, em 1936. Ainda, é a partir do momento em questão que a macroeconomia, tendo a contabilidade social como fonte de informação, teve seu (re)surgimento. NOTA A Teoria geral de Keynes traz os contornos definitivos para os conceitos fundamentais da contabilidade social, bem como enfatiza a existência de identidades no nível macro e a relação entre os diferentes agregados (PAULANI; BRAGA, 2012). FIGURA 2 – KEYNES E SUA PRINCIPAL OBRA PUBLICADA FONTE: Disponível em: <https://d3i6fh83elv35t.cloudfront.net/newshour/app/ uploads/2015/08/GettyImages-3092643-1024x683.jpg>. Acesso em: 6 jun. 2018. TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 7 A crise da década de 1930, iniciada com o colapso da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, traz a importância da macroeconomia e da contabilidade social. A partir de Keynes, os economistas passaram a saber o que era importante medir, mas também como medir e por que medir em termos de agregados econômicos. Perceba que a Revolução Keynesiana, como costuma ser chamada a participação de Keynes no debate acadêmico e político, trouxe a possibilidade de os economistas do período verificarem o comportamento e a evolução da economia de uma forma sistêmica. A partir dos primeiros esforços para fechar logicamente o sistema de contas nacionais, a teoria macroeconômicae a contabilidade social experimentaram desenvolvimentos conjuntos, beneficiando-se mutuamente. Ainda, a evolução prática da contabilidade social, rumo à produção de estatísticas sistematizadas sobre variáveis agregadas, foi tornando possível a verificação empírica das proposições teóricas derivadas da macroeconomia, seja no que tange a leis fundamentais, seja no que diz respeito a modelos específicos (PAULANI; BRAGA, 2012, p. 4). O princípio das partidas dobradas (quando um lançamento a débito deve sempre corresponder ao outro de mesmo valor a crédito) e a exigência de um equilíbrio interno (a igualdade entre o valor do débito e do crédito em cada uma das contas) e externo (igualdade entre todas as contas do sistema) mostraram ser fundamentais para a tarefa de mensurar de forma sistêmica e lógica a evolução e o comportamento dos agregados econômicos (PAULANI; BRAGA, 2012). Por meio da perspectiva, a contabilidade passa a ser responsável por medir, de forma macroscópica, o comportamento da atividade econômica, como se a economia fosse uma grande empresa e seus resultados, em um certo período de tempo, apresentados em contas que integram o Sistema de Contas Nacionais. O fechamento de todas as informações precisa ser útil aos governos federais, no sentido de contribuir com uma ideia mais clara dos rumos de uma sociedade econômica, tanto do ponto de vista do setor privado quanto da sociedade civil, para que a intervenção governamental seja suficiente na resolução dos problemas econômicos e sociais. 3 A IDENTIDADE PRODUTO ≡ DISPÊNDIO ≡ RENDA É importante ressaltar que é a partir da identidade entre produto, dispêndio e renda que há a derivação do fluxo circular da renda e, também, que há uma identidade própria do sistema econômico. Uma compra não ocorre se, de outro lado, também haja uma venda; produção não ocorre sem dispêndio, tampouco, sem geração de renda. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 8 Portanto, não podemos confundir igualdade com identidade. Compra não é igual à venda, ou precede a venda, nem explica a venda. Não há uma relação de causalidade, mas de identidade. Assim, é usado o sinal de identidade (≡) e não de igualdade (=). Os exemplos a seguir procuraram clarear as ideias. Nas próximas linhas, compreenderemos que o produto de um país pode ser mensurado a partir de três óticas: a ótica do dispêndio, a ótica do produto, e a ótica da renda. a) Ótica do dispêndio: Imaginemos uma economia hipotética H na qual não exista governo e não realize transações com o exterior. Na economia, existem apenas quatro setores econômicos, cada um deles com uma empresa: produção de sementes (setor 1), produção de trigo (setor 2), produção de farinha de trigo (setor 3) e produção de pães (setor 4). Ao final do ano X, teríamos as seguintes transações entre os setores, apresentadas no Quadro 1: QUADRO 1 – TRANSAÇÕES OCORRIDAS NA ECONOMIA H NO ANO X A empresa do setor 1 produziu sementes no valor de $500 e vendeu-as à empresa do setor 2. A empresa do setor 2 produziu trigo no valor de $1.500 e vendeu-o à empresa do setor 3. A empresa do setor 3 produziu farinha de trigo no valor de $2.100 e vendeu-a à empresa do setor 4. A empresa do setor 4 produziu pães no valor de $2.520 e vendeu-os aos consumidores finais. FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 10) Primeiramente, procuraríamos responder, qual foi o produto da economia? Para tanto, precisaríamos saber o que foi produzido no ano X. A partir dos dados, podemos presumir que foi produzido um valor de $6.620, que se refere à soma das sementes ($500), do trigo ($1.500), da farinha de trigo ($2.100) e de pães ($2.520). Ao final do período X, a economia H não possui todos os itens à disposição. As sementes foram consumidas para a produção do trigo, o trigo na farinha de trigo, e a farinha de trigo na produção de pães. Temos, portanto, apenas os pães, no valor de $2.520, relativo à produção. Os demais bens foram utilizados em diferentes estágios da cadeia produtiva na forma de insumos. Assim, temos o valor bruto da produção, no valor de $6.620, que corresponde ao que foi produzido, incluindo aquilo que foi utilizado como insumo no processo produtivo de outros bens, chamado de consumo intermediário: as sementes, o trigo e a farinha de trigo. TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 9 Para encontrarmos o valor do produto de uma economia, o produto agregado, é preciso deduzir do valor bruto da produção o valor do consumo intermediário. ATENCAO A forma mais fácil de encontrarmos o valor do produto de uma economia é considerar apenas o valor dos bens finais produzidos. No exemplo da economia H foram os pães. NOTA Os bens finais de uma economia são aqueles produtos que estão prontos para serem consumidos pelos indivíduos. São aqueles itens que não precisarão passar por etapa de produção alguma para poderem ser consumidos, tampouco serão utilizados para o consumo intermediário. Contudo, aqueles produtos que não foram utilizados na esfera da produção também precisam ser contabilizados no produto da economia. Assim, caso a empresa do setor 2, por exemplo, que produz trigo, não queira vender todo o trigo produzido para a produção de farinha de trigo, a parcela restante também será somada ao produto da economia. Assim, a parcela não consumida no processo de produção não será nomeada de consumo intermediário, nem de bem final, pois trata-se de uma produção realizada pela economia que, no futuro, tornar-se-á um bem final. Assim, podemos perceber que não é a natureza de um bem que determina se ele é final ou intermediário, mas a sua utilização no momento da contabilização das contas nacionais. No caso do trigo, se suas unidades ainda não tiverem sido utilizadas no consumo intermediário, para os efeitos da contabilidade nacional, ele é considerado um bem final. A forma de perceber o produto de uma economia é chamada de ótica da despesa ou ótica do dispêndio. A interpretação procura responder: para produzir quais tipos de bens a economia despendeu esforços, força de trabalho, recursos, capital material? UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 10 No caso da economia H, o dispêndio foi totalmente concentrado para a produção de pães e no caso da empresa do setor 2 não vender todo o trigo, o dispêndio da economia H seria relativo à produção de pães para o consumo e (b) para a produção de trigo para o consumo futuro. NOTA A ótica da despesa ou ótica do dispêndio avalia o produto de uma economia, considerando a soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos no período que não foram destruídos (ou absorvidos como insumos) na produção de outros bens e serviços (PAULANI; BRAGA, 2012). b) Ótica do produto: Vimos, portanto, que a ótica do dispêndio procura averiguar o produto total de certa economia em determinado período. Entretanto, para que compreendamos a identidade produto ≡ despesa ≡ renda, precisamos considerar as três óticas em conjunto. A ótica do produto propriamente dita é denominada pelos economistas como valor adicionado. Para entendermos a dimensão, utilizaremos novamente as informações de exemplo anteriores, dispostas no Quadro 2: QUADRO 2 –TRANSAÇÕES OCORRIDAS NA ECONOMIA H NO ANO X A empresa do setor 1 produziu sementes no valor de $500 e vendeu-as à empresa do setor 2. A empresa do setor 2 produziu trigo no valor de $1.500 e vendeu-o à empresa do setor 3. A empresa do setor 3 produziu farinha de trigo no valor de $2.100 e vendeu-a à empresa do setor 4. A empresa do setor 4 produziu pães no valor de $2.520 e vendeu-os aos consumidores finais. FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 12) Agora, perguntamos: o que foi produzido na economia quando olhamos unidade produtiva por unidade produtiva? A empresa do setor 1 produziu $500 em sementes, e como não precisou comprar nenhum insumo, seu produto é, de fato, $500. Já a empresa do setor 2 produziu $1.500, mas ela só pôde produzir o valor a partir da compra das sementes no valor de $500 da empresa do setor1. Assim, para o cálculo do produto a partir da ótica, os insumos utilizados devem ser descontados para encontrarmos o produto. O produto da empresa do setor 2 foi de $1.000, que é a diferença entre o valor de sua produção ($1.500) e o valor da produção que adquiriu da empresa do setor 1 ($500). TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 11 O valor adicionado é justamente a quantia que é adicionada em um determinado ambiente de produção. A empresa do setor 2 adicionou $1.000 aos $500 que recebeu em sementes da empresa do setor 1. Transformou sementes em trigo. ATENCAO Quando miramos para o caso dos demais setores de nosso exemplo, temos a conclusão exposta no Quadro 3: QUADRO 3 – PRODUTO DA ECONOMIA H NO ANO X Produto (ou valor adicionado) do setor 1 $500 Produto (ou valor adicionado) do setor 2: $1.500 – $500 $1.000 Produto (ou valor adicionado) do setor 3: $2.100 – $1.500 $600 Produto (ou valor adicionado) do setor 4: $2.520 – $2.100 $420 Produto total ou valor adicionado total $2.520 FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 15) O produto total ou o valor adicionado total para a economia foi de $2.520, pois refere-se à soma de todos os valores adicionados ao longo de todas as etapas de produção. Tanto pela ótica do dispêndio, vista anteriormente, quanto aqui, na ótica do produto, o produto total para a economia é o mesmo. Trata-se de enxergar e mensurar o mesmo agregado econômico por meio de óticas diferentes para o mesmo período. NOTA Pela ótica do produto, a avaliação do produto total da economia consiste na consideração do valor efetivamente adicionado pelo processo de produção em cada unidade produtiva (PAULANI; BRAGA, 2012). Logo, o produto de uma economia pode ser mensurado a partir do valor adicionado deduzindo, de cada unidade produtiva, o consumo intermediário do valor bruto da produção. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 12 c) Ótica da renda A identidade produto ≡ renda leva em conta que para produzirmos qualquer produto, precisamos consumir previamente fatores de produção. Dito de outra forma, devemos empregar determinados fatores de produção (mão de obra, empréstimos, insumos etc.) durante a produção de um produto. Para os objetivos dos nossos estudos, podemos considerar que os fatores de produção são classificados em trabalho e capital. O trabalho se refere à força de trabalho humano, enquanto o capital se refere às máquinas, aos equipamentos, aos imóveis utilizados na produção, moinhos, celeiros, dentre tantos outros elementos que podemos imaginar que são utilizados para o processo de produção. É, portanto, entre o trabalho e o capital que devemos repartir o produto gerado por uma economia, uma vez que certo produto só pôde ser feito a partir da participação dos fatores de produção. Nas economias de mercado, a forma encontrada para repartir o produto gerado foi a partir de uma remuneração monetária. NOTA A remuneração do fator trabalho é denominada salário e a remuneração do fator capital é denominada lucro. Consequentemente, as remunerações pagas aos fatores de produção, ou seja, as rendas, consideradas em conjunto em certo período, devem ser iguais ao produto obtido por uma economia. Assim, chegamos novamente à identidade da contabilidade social, agora expressa pela identidade produto ≡ renda. De volta ao exemplo apresentado anteriormente, suponhamos que saibamos as rendas pagas aos fatores de produção dos quatro setores da Economia H no ano X, conforme a Tabela 1: TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 13 Como observamos, o total das remunerações pagas aos fatores de produção é idêntico ao total do produto obtido na economia no período X. NOTA O produto gerado por uma economia em um determinado período de tempo é igual à renda gerada no mesmo período (PAULANI; BRAGA, 2012). Ainda, podemos notar que a soma das remunerações de cada setor também iguala o produto da economia, embora a mensuração do produto pela ótica da renda não exija que se investigue setor por setor. Para encontrarmos o produto pela ótica da renda, basta apenas que sejam somadas as remunerações pagas aos diferentes fatores de produção: o total gasto com salários e o total dos lucros ganhos no período (conforme podemos visualizar na última linha da Tabela 1). Pela ótica da renda, podemos avaliar o produto gerado pela economia em um determinado período de tempo, considerando o montante total das remunerações pagas a todos os fatores de produção nesse período (PAULANI; BRAGA, 2012, p. 18). Podemos apreender que a identidade produto ≡ dispêndio ≡ renda permite avaliar o produto de uma economia para um certo período por meio de três óticas: do dispêndio, do produto e da renda. TABELA 1 – RENDA DA ECONOMIA H NO ANO X Setor Salários Lucros Renda Nacional (salários + lucros) Setor 1 $400 $100 $500 Setor 2 $800 $200 $1.000 Setor 3 $480 $120 $600 Setor 4 $336 $84 $420 Total $2.016 $504 $2.520 FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 18) UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 14 FIGURA 3 – A IDENTIDADE PRODUTO ≡ DISPÊNDIO ≡ RENDA EM UMA ECONOMIA FONTE: Os autores A Figura 3 procura detalhar as principais características de cada uma das três óticas. A identidade produto ≡ dispêndio ≡ renda está presente em todo o funcionamento da economia, cuja dinâmica origina um conceito muito importante na economia, relativo ao fluxo circular da atividade econômica, que será visto nas páginas seguintes. 4 FLUXO CIRCULAR DA RENDA Todos os dias, a todo o momento, em todas as nossas atividades, ocorrem transações e fluxos que determinam os aspectos materiais de nossas vidas em sociedade. Ao comprarmos um simples pão na padaria, por exemplo, passamos a estabelecer inúmeras relações com diferentes pessoas e instituições, fazendo com que os mecanismos da economia girem e produzam determinado tipo de sociedade. TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 15 FONTE: Os autores FIGURA – 4 INTER-RELAÇÕES ENTRE OS AGENTES ECONÔMICOS Para compreendermos certa economia, suponhamos que o dinheiro não componha os fluxos existentes, restando assim, apenas um conjunto de bens e serviços ao final de um período de atividades econômicas. Mas qual finalidade produzimos bens e serviços? Para que servem as mercadorias? Ora, os bens e serviços são utilizados para saciar nossas necessidades, sejam quais elas forem, portanto, servem para serem consumidos pela própria sociedade que os produziu e garantir que a reprodução social e material ocorra. Os indivíduos que compõem certa sociedade aparecem duas vezes na dinâmica de reprodução social. Em cada momento, desempenham um papel distinto: às vezes são produtores; às vezes, consumidores daquilo que foi produzido. ATENCAO UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 16 Para que indivíduos de uma sociedade desempenhem o papel de consumidores, basta que haja vontade em demandar certos produtos. Entretanto, para que desempenhem o papel de produtores, é preciso que sejam proprietários de fatores de produção, donos de indústrias, de máquinas e equipamentos, de matérias-primas. Contudo, todas as pessoas possuem ao menos um fator de produção, a força de trabalho, que é de propriedade de cada um de nós. Assim, procuramos organizar a sociedade por meio de dois conjuntos: as famílias e as empresas (ou unidades produtivas). As empresas produzem para que as famílias consumam bens e serviços. Uma vez que as famílias também são proprietárias de fatores de produção – sua força de trabalho – os produtos produzidos retornarão para o consumo dos indivíduos. As famílias “trocam” seu único fator de produção para que as empresas possam produzir por bens e serviços. Agora, se voltarmos à identidade da contabilidade social produto ≡ dispêndio ≡ renda, perceberemos que a ótica do produto se refere às atividades dos indivíduos como produtores, ou às atividades das próprias empresas, uma vez que a ótica do produto procura avaliar unidade produtiva por unidade produtiva. Por outro lado, a ótica do dispêndio se refere às demandasdos consumidores, ou às atividades das famílias. Lembrando que o dinheiro não existe na economia que estamos supondo. O fluxo para a economia será apenas de bens e serviços e, possivelmente, ocorrerá da seguinte forma: FIGURA 5 – FLUXO DE BENS E SERVIÇOS EM UMA ECONOMIA SEM A PRESENÇA DE DINHEIRO FONTE: Adaptado de Paulani e Braga (2012) TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 17 Já a Figura 6, a seguir, apresenta o fluxograma do conjunto muito simples de transações, ainda sem a presença do dinheiro. É a forma mais comum de apresentarmos as relações que ocorrem entre as empresas e as famílias. FIGURA 6 – FLUXOGRAMA DA RELAÇÃO EMPRESA-FAMÍLIA FamíliasEmpresas 4 3 2 1 Bens de serviços finais Fatores de produção (Trabalho e capital material) FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 21) Por meio do fluxograma, é possível visualizar dois movimentos: primeiro, aquele expresso pela linha 1, que diz respeito aos fatores de produção (a mão de obra) das famílias sendo levados às empresas. O segundo movimento está na linha 3, que corresponde aos bens e serviços finalizados sendo levados até às famílias. O passo Número 2 da Figura 6 não aparece aqui, pois se trata das atividades internas das empresas durante o processo de produção de bens e serviços. Assim como o passo 4, uma vez que se refere ao consumo, uma atividade interna às famílias. Agora, uma vez que compreendemos a ótica do produto e do dispêndio no fluxo da atividade econômica, resta-nos conhecer o funcionamento da ótica da renda. Para tanto, vamos abandonar nossa suposição inicial e considerar a presença do dinheiro para a economia. As sociedades econômicas vivem da troca de mercadorias, por exemplo, certa quantia de força de trabalho por certa quantidade de produtos. As trocas são mediadas ou intermediadas por dinheiro. Assim, o fluxo simples de relações visto anteriormente vai ser complementado pela variável dinheiro, o chamado fluxo monetário. O fluxo para a economia, composto por bens, serviços e dinheiro, ocorrerá da seguinte forma: UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 18 FIGURA 7 – FLUXO DE BENS E SERVIÇOS EM UMA ECONOMIA COM A PRESENÇA DE DINHEIRO FONTE: Adaptado de Paulani e Braga (2012) A Figura 8, a seguir, apresenta o fluxograma do conjunto mais complexo de transações, que conta com a presença do dinheiro. É a forma mais comum de apresentarmos as relações que ocorrem entre as empresas e as famílias quando há participação do dinheiro. A linha cheia representa os bens e serviços, enquanto a linha pontilhada é utilizada para demonstrar os fluxos monetários. FIGURA 8 – FLUXOGRAMA DOS BENS E SERVIÇOS E O FLUXO MONETÁRIO FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 21) Famílias 4 3 1 Bens de serviços finais Força de trabalho e capital material Empresas 2 Salário e Lucro [$] Salário e Lucro [$] TÓPICO 1 | CONTABILIDADE SOCIAL 19 Com a leitura da Figura 8, constatamos o movimento concreto dos bens e serviços, bem como o movimento do dinheiro. No passo 1, há um fluxo de fatores de produção (os bens reais), representado pela mão de obra das famílias para empresas. Entretanto, há também um fluxo monetário, no sentido contrário, das empresas para as famílias, representado pelos salários e lucros pagos (a linha pontilhada). No passo 3, temos outro movimento: há um fluxo real das empresas para as famílias, que são os bens e serviços finais produzidos e um fluxo monetário das famílias para as empresas, representado pela renda gasta com a aquisição dos bens e serviços (a linha pontilhada). Os passos 2 e 4 são iguais ao esquema anterior mais simples, referindo-se às atividades internas das empresas durante a produção, e das famílias durante o consumo. Para completar nossa análise sobre a identidade da contabilidade social produto ≡ dispêndio ≡ renda, é importante perceber que com a existência do fluxo monetário, podemos compreender a ótica renda, que considera os membros da sociedade em sua condição de proprietários de fatores de produção. Segundo Paulani e Braga (2012, p. 23), uma síntese sobre as três óticas poderia ser descrita da seguinte forma: Na sociedade em que vivemos [...], a ótica do produto considera a atividade dos indivíduos como produtores, ou seja, a atividade das unidades produtivas ou empresas. Já́ a ótica do dispêndio (ou do gasto, ou da demanda) refere-se a sua atuação como consumidores, ou seja, como famílias. Finalmente, a ótica da renda analisa os indivíduos em sua condição de proprietários de fatores de produção. As transações ocorrem entre famílias e empresas e envolvem fluxos reciprocamente determinados de bens e serviços concretos, por um lado, e de dinheiro, por outro. Assim, vimos ao longo deste tópico, que há uma identidade entre produto, dispêndio e renda, mas, ainda, é preciso reforçar que o conjunto das atividades e transações de uma economia (o agregado) se trata de diversas idas e vindas de bens/serviços e de dinheiro. É justamente ao fluxo de idas e vindas de bens/serviços e de dinheiro que damos o nome de fluxo circular da renda. A economia é vista como um fluxo, pois está em constante movimento, e é circular, pois tende a passar sempre pelos mesmos pontos, ainda que em momentos e em condições diferentes. Por fim, o fluxo circular é da renda (e não da despesa nem do produto) porque está associado ao lado monetário das transações. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 20 Se pararmos para pensar, “aquilo” que está sempre circulando é o dinheiro. O dinheiro utilizado para remunerar os fatores de produção (matérias-primas, mão de obra...) é o mesmo utilizado para a aquisição de bens/serviços finais (por exemplo, as compras nos supermercados pelas famílias). Assim, o dinheiro vai e volta ao longo da economia. Por outro lado, os bens/serviços reais (ou concretos) têm caminho apenas de ida. Os fatores de produção saem das famílias e vão para as empresas. Quando saem das empresas, já estão transformados em bens finais prontos para o consumo. Esses bens também não irão circular, pois também têm caminho apenas de ida: das empresas para as famílias. IMPORTANT E Você entendeu o sentido do termo “fluxo circular da renda”? Cada uma dessas palavras possui um significado importante para o entendimento do crescimento econômico. Outra ideia interessante sobre a proposição teórica do fluxo circular da renda é que o fluxo é contínuo e ininterrupto. Ele nunca cessa, embora possa apresentar mudanças de intensidade em determinados períodos. Em uma economia real, o fluxo nunca começa do passo 1 e/ou termina no passo 4, porque de fato o fluxo é constante. Assim, para que possamos avaliar os resultados dos movimentos para uma economia, precisamos dar um pause em todas as transações econômicas durante certo período para, então, podermos medir o volume de produção, salários, fatores de produção, entre outros indicadores que se queria. Assim, quanto maior for a intensidade do fluxo em certo período escolhido, por exemplo, um ano, maior será a produção, a renda e o dispêndio da economia para aquele ano. Ao registrarmos um aumento do fluxo entre um período e outro, por exemplo, um aumento do fluxo entre este ano e o ano anterior, estaremos revelando um crescimento econômico: maior produção, maior emprego, maior renda e maior consumo. Entretanto, se a variação da intensidade do fluxo circular da renda for negativa entre o período atual e o anterior, estaremos diante de uma redução da atividade econômica. Caro acadêmico, esperamos que os estudos ao longo do Tópico 1 tenham sido esclarecedores. Nos próximos tópicos, aprofundaremos o entendimento a respeito da Contabilidade Social. Acompanhe nossa revisão e resolva as autoatividades para melhor assimilarmos e aproveitarmos os conceitos. 21 Neste tópico, você aprendeu que: • Os grandes agregados econômicos nacionais se referem à mensuração e ao comportamento da economia como um todo. • A teoria keynesiana é responsável por formular os conceitos fundamentaisda contabilidade social. • O princípio das partidas dobradas considera que haja um equilíbrio interno e externo entre as contas nacionais. • O sistema econômico possui uma identidade entre produto, dispêndio e renda. • A partir da ótica do dispêndio, o produto de uma economia mostra-se pela soma dos valores de todos os bens e serviços finais que não foram destruídos ou consumidos na produção de outros bens e serviços. • Pela ótica do produto, o produto da economia consiste no valor efetivamente adicionado pelo processo de produção em cada unidade produtiva. • A partir da ótica da renda, o produto de uma economia se refere à soma das remunerações pagas a todos os fatores de produção. • A relação entre empresas e famílias sem a presença de dinheiro pode ser vista na troca entre fatores de produção e bens/serviços finais. • Quando ocorre a mediação do dinheiro entre empresas e famílias, os salários/ lucros são transferidos às famílias e a renda despendida é transferida às empresas. • Quanto maior for a intensidade do fluxo circular da renda, maior será o crescimento da economia por meio do aumento da produção, do emprego, da renda e do consumo. RESUMO DO TÓPICO 1 22 1 Considere uma economia que produz R$1.500 em bens finais (camisetas) e R$1.000 em bens intermediários (fios), sendo que uma parte dos bens intermediários, no valor de R$200, não foi consumida no período. a) Explique como calcular o produto de uma economia pela ótica do dispêndio. b) Qual é o produto desta economia a partir da ótica do dispêndio. 2 De que forma se calcula o produto de uma economia por meio do método do valor adicionado (ou ótica do produto)? 3 Descreva como ocorre o fluxo de bens e serviços em uma economia que considera a presença do dinheiro. 4 Explique o motivo pelo qual o crescimento econômico depende da intensidade do fluxo circular da renda na economia. AUTOATIVIDADE 23 TÓPICO 2 SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O tópico que você estudará a partir de agora é muito importante para todo o estudo da disciplina de Contabilidade Social. O tema a ser visto aqui será relativo ao Sistema de Contas Nacionais, lançado pela Organização das Nações Unidas, cujas diretrizes vêm sendo atualizadas e utilizadas em diversas partes no mundo. Portanto, em um primeiro momento, procuraremos compreender como surge a ideia da elaboração de um sistema deste tipo para, então, analisar o caso das economias fechadas e abertas, que se trata de uma forma de examinar as contas nacionais sem considerar as transações com os demais países. Em seguida, dedicaremos uma parte dos estudos para verificar a participação do governo nas contas nacionais. Será o caso de especificar as economias fechadas e abertas, mas com a participação do governo e sem a participação do governo. Tenha uma boa leitura! 2 AS CONTAS NACIONAIS NO SISTEMA SNA 68 Os esquemas mais elementares vistos ao longo da Unidade 1 são fundamentais para analisarmos a estrutura do Sistema de Contas Nacionais (SCN) que é, de fato, utilizado pelos países na execução de suas políticas econômicas. O que acontece é que as economias reais são muito mais complexas do que os modelos e fluxogramas vistos anteriormente, embora sejam extremamente úteis aos nossos estudos. As transações econômicas existentes, por exemplo, ocorrem em número elevado, impossibilitando que todas as características da relação entre empresas e famílias fossem colocadas no papel. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 24 A atuação do governo, por outro lado, também é muito importante para compreendermos corretamente o fluxo circular da renda, alterando-o substancialmente cada uma das etapas. Ainda, há relações travadas entre agentes econômicos de outros países, ou seja, uma economia nunca é inteiramente “fechada”, mas procura realizar transações constantes com economias de diferentes países. NOTA Quando nos referirmos às economias “fechadas”, significa que certo país não realiza transações econômicas, como compras ou vendas de produtos, com outros países do mundo. Já as economias “abertas” possuem atividades econômicas com outros territórios. Outro exemplo de como a economia real é muito mais complexa do que nossos modelos iniciais, pode ser visto pelos fatores de produção, cuja remuneração vai além dos salários e dos lucros. Assim, os aluguéis e os juros também devem ser contemplados no conceito de renda. Ainda, as empresas também realizam interações entre si, originando novos fluxos de renda, bem como as famílias, que podem constituir também interações autônomas. Noutra análise, percebemos que as famílias nem sempre gastam toda a renda recebida. Tal comportamento dará origem a conceitos que serão vistos posteriormente, relativos ao investimento e à poupança. FIGURA 9 – AS RELAÇÕES ECONÔMICAS E SUAS COMPLEXIDADES FONTE: Os autores TÓPICO 2 | SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS 25 A partir das informações podemos supor que cada país possui sua própria forma de conduzir as contas nacionais. A base teórica e conceitual é importante para que compreendamos a lógica básica por trás do que é específico para cada país. Cada país possui uma forma própria de apresentar as informações do sistema de contas nacionais; de maneira que não desrespeite os conceitos fundamentais da contabilidade social. O formato das contas nacionais pode, portanto, variar de país para país, e para que possamos comparar as diferentes metodologias, a ONU ficou responsável (Organização das Nações Unidas) pela elaboração do chamado SNA, System of National Accounts. Assim, de tempos em tempos, a ONU lança um conjunto de recomendações a serem seguidas pelos países de todo o mundo, com o objetivo de homogeneizar e padronizar o formato de apresentação do Sistema de Contas Nacionais. Em 1968, foi lançado o SNA 68, que vigorou por um longo período, até ser substituído pelo complexo SNA 93, em 1993. Embora tenha ocorrido a mudança nos sistemas, os princípios básicos do sistema não se alteram. Vejamos primeiramente a estrutura do SNA 68 para, mais adiante, analisarmos o novo sistema, bem como o caso do Brasil. 2.1 ECONOMIA FECHADA E SEM GOVERNO Os estudos vistos até o momento mostram que a Contabilidade Social reúne instrumentos capazes de mensurar a atividade econômica de um país em um determinado período. Assim são três as formas pelas quais podemos perceber a produção de uma economia. Para que uma economia funcione, é preciso haver produção pois, sem produção, não haverá nem dispêndio, tampouco, renda. Portanto, a conta de produção é a conta mais importante do sistema de contas nacionais de uma economia, uma vez que é a partir da produção que as outras contas ganham forma. Na primeira situação que veremos, não será considerada a participação do governo e iremos supor que nossa economia não realiza transação econômica alguma com outros países, ou seja, tratar-se-á de uma economia fechada. Pela ótica do dispêndio, vimos que são considerados os bens finais produzidos, mas também os bens que não foram destruídos (ou consumidos) ao longo do processo produtivo. Por exemplo, os pães (bens finais) e o trigo, que não foram consumidos na produção de mais pães. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 26 Em uma outra situação, poderia ter ocorrido que, no momento da mensuração do produto, outros produtos tivessem sobrado, tais como farinha de trigo e sementes. Ainda, que alguns pães não tivessem sido vendidos. Seria o caso da formação de um nível de estoque ao final do período mensurado. Por meio das situações apresentadas, podemos prever que de uma forma será composta a conta de produção: de um lado, teremos o produto; de outro, a utilização do mesmo produto pelo consumo das famílias (consumo pessoal ou consumo privado) e pela formação ou variação de estoques (valor do estoque de trigo, de pães não vendidos, de farinha de trigo e de sementes). E os estoques, de que são constituídos? Comovimos, trata-se de mercadorias com consumo futuro. Tudo aquilo que é produzido, mas não consumido no mesmo período, recebe o nome de investimento. E os investimentos? São constituídos apenas de mercadorias não consumidas? A resposta é não! Imagine que nossa economia hipotética tivesse produzido pães (e vendidos estes pães), pães (não vendidos), farinha de trigo (ainda não vendida) e fornos para assar pães (que ainda não foram devidamente ligados e utilizados na produção). Obviamente, os fornos para assar pães têm caráter especial, porque serão utilizados inúmeras vezes para a produção de pães até o momento que se desgastem por completo e necessitem ser substituídos por novos fornos. Assim, procuramos separar os investimentos em variação de estoques e formação de capital fixo. NOTA O investimento costuma ser dividido em variação de estoques, que congrega os bens cujo consumo e absorção futuros se darão de uma única vez, e a formação bruta de capital fixo, que agrega os bens que não desaparecem depois de uma única utilização e possibilitam a produção (e, portanto, o consumo) ao longo de um determinado período de tempo, ou seja, possibilitam a produção de um fluxo de bens e serviços (PAULANI; BRAGA, 2012). TÓPICO 2 | SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS 27 FIGURA 10 – EXEMPLOS DE CAPITAL FIXO FONTE: Os autores Ao contrário dos bens que se incluem em “variação dos estoques”, o capital fixo possibilita o consumo de Bens e Serviços Finais por um longo período de tempo, embora não seja eterno. Um novo furgão para cargas, por exemplo, possibilita que um serviço de entregas seja realizado por muito tempo, até o momento de ser substituído ou reformado. É justamente determinada característica do capital fixo que dá origem a uma nova rubrica em nossa conta da produção: a depreciação. O capital fixo será utilizado por muito tempo, até o momento que necessite ser recolhido para manutenção ou até que se desgaste por completo. Aí teremos os conceitos de produto bruto e produto líquido. Para obter o valor do produto líquido de uma economia em um determinado período, é preciso deduzir, do valor total produzido, ou seja, do valor do produto bruto, aquela parcela meramente destinada à reposição da parte desgastada do estoque de capital da economia, a chamada depreciação (PAULANI; BRAGA, 2012). ATENCAO UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 28 A partir dos conceitos apresentados, é possível apresentarmos a conta de produção de nossa economia fechada e sem governo. Do lado esquerdo, teremos o produto líquido e a depreciação que juntos formam o produto bruto. Do outro lado, teremos a utilização ou o destino da produção, formado por consumo pessoal, variação de estoques e formação bruta de capital fixo. Analise a estrutura da conta de produção a partir do quadro a seguir: QUADRO 4 – CONTA DO PRODUTO (ECONOMIA FECHADA E SEM GOVERNO) Débito Crédito A produto líquido C consumo pessoal B depreciação D variação de estoques E formação bruta de capital fixo Produto Bruto Despesa Bruta FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 38) Portanto, com tal modelo da conta do produto, procuramos revelar o produto como dispêndio, levando em conta os bens finais produzidos e consumidos e aqueles bens que não foram consumidos no período. Já outra versão da conta da produção procura demonstrar a renda gerada no processo de produção. Aqui também temos a situação de uma economia fechada e sem governo, mas o produto é apresentado a partir da soma das diversas remunerações realizadas aos fatores de produção como contrapartida por terem cedido sua força de trabalho e alocado suas matérias-primas. Se, anteriormente, reduzimos os tipos de fatores de produção para apenas dois, salários e lucros, agora procuraremos nos aproximar um pouco mais de uma economia real. Analise as informações do quadro a seguir. QUADRO 5 – CONTA DO PRODUTO (SEGUNDA VERSÃO) Débito Crédito a1 salários C consumo pessoal a2 lucros D variação de estoques a3 aluguéis E formação bruta de capital fixo a4 juros A renda ou produto nacional líquido (A=a1+a2+a3+a4) B depreciação Renda ou Produto Bruto Despesa Bruta FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 40) TÓPICO 2 | SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS 29 Por que os lançamentos da conta da produção aparecem separados no lado do débito e no lado do crédito? Os agentes mais importantes são as empresas, porque é por meio delas que a produção é realizada e os fatores de produção são consumidos. Quanto maiores foram os valores ali lançados, maior terá sido o consumo dos fatores de produção e maior será a produção. Já o lado do crédito se refere ao crédito que as empresas recebem pelos bens que foram produzidos, sejam eles já consumidos (consumo pessoal), ainda não consumidos (variação de estoques), ou bens que servirão para a produção de outros bens (formação bruta de capital fixo). A conta da produção é construída sob o ponto de vista das empresas. A renda nacional aparece como um débito e a despesa como um crédito. Com a primeira e a segunda versão da conta da produção, podemos perceber a identidade produto = renda = dispêndio. Revela o equilíbrio interno do sistema de contas – exigência do princípio das partidas dobradas. NOTA O princípio das partidas dobradas reza que, para um lançamento a débito, deve sempre corresponder outro de mesmo valor a crédito. O equilíbrio interno se refere à exigência de igualdade entre o valor do débito e o do crédito em cada uma das contas, enquanto o equilíbrio externo implica a necessidade de equilíbrio entre todas as contas do sistema (PAULANI; BRAGA, 2012). Para que o sistema entre em equilíbrio externo, ou seja, para haja um equilíbrio entre todas as contas, consideraremos também a conta de apropriação e a conta de capital. Primeiro, vejamos a conta de apropriação. A conta nos mostra de que maneira as famílias alocam a renda que recebem por terem trabalhado certo período. Se na conta de produção as pessoas eram consideradas agentes envolvidos nas atividades produtivas, na conta de apropriação elas são vistas como unidades de dispêndio. Assim, as remunerações recebidas pelos proprietários dos fatores de produção são lançadas como crédito. Os salários dos funcionários; os lucros dos empresários; os aluguéis e os juros dos rentistas: todos créditos recebidos enquanto o consumo e a poupança líquida são relativos aos usos e destinos da renda, portanto, lançados como débito. Analise como ficou a conta de apropriação em sua primeira versão. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 30 QUADRO 6 – CONTA DE APROPRIAÇÃO (PRIMEIRA VERSÃO) Débito Crédito C consumo pessoal a1 salários F poupança líquida a2 lucros a3 aluguéis a4 juros Utilização da Renda Líquida Renda líquida FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 41) Para que haja um equilíbrio externo, como já comentamos, cada lançamento a crédito na conta de apropriação precisa receber um lançamento a débito na conta de produção. O lado do crédito possui os mesmos itens do lado do débito da conta de produção. Logo, cada um dos lançamentos a débito na conta de produção encontra seu par nos lançamentos a crédito na conta de apropriação. No lado do crédito da conta de produção, o item consumo pessoal encontra seu par aqui na conta de apropriação, como um lançamento a débito. Contudo, alguns itens permaneceram sem contrapartida na conta do produto. Os itens D (variação de estoques) e E (formação bruta de capital fixo) requerem lançamentos a débito. B (depreciação) requer um lançamento a crédito. Já na conta de apropriação, o item F também requer um lançamento a crédito. Para que o sistema se complete, é preciso adicionar uma terceira conta que apresente os lançamentos faltantes: a conta de capital. Analise a conta de capital em sua primeira versão a partir do quadro a seguir. QUADRO 7 – CONTA DE CAPITAL, PRIMEIRA VERSÃO Débito Crédito D variação de estoques F poupança líquida E formação bruta de capital fixo B depreciação Investimento BrutoPoupança Bruta FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 43) Além da conta de capital completar e fechar o sistema, uma vez que todas as contas passam a ter os lançamentos pareados, revela uma identidade também importante para a contabilidade social: investimento ≡ renda. TÓPICO 2 | SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS 31 NOTA A identidade entre investimento e despesa mostra que “se a variação de estoques e a formação bruta de capital fixo devem ser considerados investimento, porque possibilitam, viabilizam ou ensejam consumo futuro. Eles também devem ser considerados poupança, pois indicam que, dos esforços de produção da sociedade em um determinado período de tempo, nem tudo foi consumido naquele período, mas parte foi guardada (poupada) para ser consumida no futuro” (PAULANI; BRAGA, 2012, p. 43). Como a poupança diz respeito a um crédito (poupado para um consumo futuro), o investimento deve ser suficiente para compensar a poupança efetuada, por isso, está lançado como um débito. 2.2 ECONOMIA ABERTA E SEM GOVERNO Agora que já entendemos o funcionamento básico do sistema de contas nacionais, podemos partir para um modelo mais complexo, no qual teremos uma economia que realiza transações econômicas com os demais países do mundo, mas sem ainda considerar a participação do governo. Quando uma economia passa a se relacionar com outras economias mundiais, dizemos que há uma interação com o resto do mundo. Assim, há uma troca de produtos entre o resto do mundo, que possibilita a venda de produtos nacionais para o resto do mundo, configurando uma exportação e, também, a compra de produtos que foram produzidos pelo resto do mundo, a importação. IMPORTANT E Na Unidade 2, estudaremos por completo a relação entre exportações e importações com o auxílio do balanço de pagamentos, da balança comercial e da balança de serviços e rendas. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 32 Um elemento importante nas contas que consideram o setor externo da economia diz respeito à contabilização dos bens e serviços fatores e os não fatores. Ora, as transações econômicas entre os países não se restringem somente à compra e à venda de produtos, mas envolvem situações mais complexas, como a utilização de fatores de produção externos. Assim, passamos a considerar o pagamento e recebimento de lucros de empresas nacionais e estrangeiras, os juros, os aluguéis, os royalties. Por meio da perspectiva, é possível imaginar que a produção de uma economia pode ter sido parcialmente realizada a partir da utilização de fatores de não residentes: capital físico, trabalho, investimento ou tecnologia cujos donos são de outro país. No caso, a renda gerada a partir de fatores de produção de não residentes não pode ser considerada interna e nacional, pois precisa ser reenviada para os países de origem. Agora, por outro lado, se a produção de uma economia contar com a utilização de fatores de produção localizados em outros países, os fatores de produção dos residentes têm o direito de receber a renda gerada ao longo do processo. O que importa, portanto, é o saldo das transações com o exterior. Às vezes, o produto interno de uma economia será maior que o produto nacional quando utilizou mais fatores de não residentes (estrangeiros) do que de residentes (nacionais). A diferença entre o recebimento e o envio de renda é negativo. Às vezes, o produto interno de uma economia será menor do que o produto nacional quando utilizou mais fatores de residentes (nacionais) do que de não residentes (estrangeiros). A diferença entre o recebimento e o envio de renda é positiva. Com base nos conceitos, podemos apresentar a conta do setor externo em sua primeira versão, conforme o quadro a seguir. QUADRO 8 – CONTA DO SETOR EXTERNO (PRIMEIRA VERSÃO) Débito Crédito G exportações de bens e serviços não fatores I importações de bens e serviços não fatores H renda recebida do exterior J renda enviada ao exterior K resultado do BP em transações correntes Total do Débito Total do Crédito FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 47) Como é uma conta com o resto do mundo, no lado dos débitos aparecem os itens que representam débito de nossa economia com o resto do mundo; no lado dos créditos aparecem os itens que representam crédito com o resto do mundo. TÓPICO 2 | SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS 33 A diferença observada em H e J determinará o produto interno e o produto nacional de uma economia. Se o resultado for positivo (mais renda recebida do que enviada) soma-se ao produto interno; se for negativo, diminui-se do produto interno, gerando um produto nacional menor que o produto interno. E como ficam as demais contas do sistema nacional com a inclusão do setor externo? As contas afetadas pelos novos lançamentos são as contas do produto e de capital. Vejamos a estrutura de cada uma delas. QUADRO 9 – CONTA DO PRODUTO (TERCEIRA VERSÃO) Débito Crédito I importações de bens e serviços não fatores G exportações de bens e serviços não fatores J-H renda líquida enviada (+) ou recebida (-) do exterior C consumo pessoal a1 salários D variação de estoques a2 lucros E formação bruta de capital fixo a3 aluguéis a4 juros A renda ou produto nacional líquido (A=a1+a2+a3+a4) B depreciação Oferta de Bens e Serviços Demanda por Bens e Serviços FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 48) A modificação mais evidente na conta de produção é a participação do setor externo. Assim, são considerados não apenas os valores produzidos a partir dos fatores nacionais, mas também, os valores produzidos com fatores de não residentes. Com a adição do setor externo, a conta de produção passa a demonstrar a oferta total no lado do débito, que diz respeito à oferta de produtos disponíveis. Enquanto no lado do crédito, que são lançadas as exportações, a conta de produção revela a demanda total da economia. Para completar o fechamento do sistema, basta apenas encontrarmos um lançamento a crédito para o item K da conta do setor externo. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 34 NOTA A rubrica K, relativa à soma do resultado do Balanço de Pagamentos em transações correntes, refere-se à soma do saldo das exportações e importações de bens e serviços não fatores, com o saldo da renda enviada e renda recebida do exterior (PAULANI; BRAGA, 2012). QUADRO 10 – CONTA DE CAPITAL (SEGUNDA VERSÃO) Débito Crédito D variação de estoques F poupança líquida E formação bruta de capital fixo B depreciação K resultado do BP em transações correntes Investimento Bruto Total Poupança Bruta Total FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 48) O lançamento K no lado do crédito da conta de capital procura compensar o lançamento a débito na conta do setor externo. Se com a análise percebemos que investimento tem identidade com a poupança, quer dizer que uma parte da poupança será composta pelas transações com o exterior (rubrica K). Uma parte do investimento interno será composta pela importação de poupança externa. 2.3 ECONOMIA ABERTA E COM GOVERNO Após compreendermos o sistema de contas nacionais a partir de economias fechadas e abertas sem a presença do governo, completaremos nosso modelo considerando a participação do elemento governo no desenvolvimento das economias. Ao passo que o governo arrecada impostos dos mais diversos tipos e para os diferentes fins, consome bens e serviços para possibilitar o fornecimento de outros bens e serviços à população, tais como saúde, educação, segurança pública etc. Também realiza transferências para o setor privado e subsidia muitos dos setores econômicos. Daí a importância da conta do governo no sistema de contas nacionais, uma conta que tem como objetivo agregar todas as operações e transações do governo com a sociedade. Analise a primeira conta disposta no quadro a seguir. Enquanto os impostos e receitas do governo aparecem no lado do crédito da conta, as transferências do governo para o setor privado e os subsídios para os setores são listados no lado do débito da conta do governo.TÓPICO 2 | SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS 35 QUADRO 11 – CONTA DO GOVERNO Débito Crédito L consumo do Governo P impostos diretos M transferências Q impostos indiretos N subsídios R outras receitas correntes líquidas O saldo do governo em conta corrente Utilização da Receita Total da Receita FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 50) Assim, no lado do crédito, a conta governo mostra o valor total da receita arrecada pelo governo a partir de diferentes rubricas. Já no lado do débito da conta do governo, temos apresentada a utilização da receita total do governo. É justamente de tal conta que surge um saldo que pode ser negativo ou positivo: a relação entre a arrecadação e os gastos do governo. Se o saldo for positivo, indica um superávit das contas públicas quando o governo arrecada mais do que gasta, gerando uma poupança do governo. Se o saldo for negativo, significa que o governo gastou mais do que arrecadou, gerando um déficit das contas públicas, precisando ser financiado por poupanças privadas internas ou externas. No lado do crédito da conta do governo percebemos que os impostos são separados em impostos diretos e impostos indiretos. Os impostos diretos são aqueles exigidos de forma direta ao consumidor e incidem sobre a renda e as propriedades. Os exemplos estão no Imposto de Renda, no Imposto sobre a Propriedade Territorial (IPTU), no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Os impostos indiretos não são pagos como impostos pelo consumidor, mas como parte do preço dos produtos consumidos. Já estão incluídos nos valores dos produtos no momento que os consumimos, como é o caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Outra rubrica é relativa às transferências do governo, que se referem à devolução da arrecadação para a sociedade. As transferências demonstram a característica conhecida como “mão única”, pois é um repasse direto de renda para o setor privado da economia. Os exemplos estão em pensões do tipo auxílio-doença, auxílio-maternidade, ou programas como o Bolsa Família. Nas situações, não há tipo de contrapartida algum, pois são ações diretas do governo para com a sociedade. E o item N relativo aos subsídios? Os subsídios significam as abdicações do governo em receber determinada receita que teria direito do setor privado. Quando o governo decide subsidiar a produção de determinado produto, pode reduzir os impostos daquele determinado produto com objetivos de desenvolvimento para o país. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 36 O caso dos alimentos é o mais comum. Para que a população não seja altamente prejudicada por uma safra ruim ou pela alta repentina de preços, o governo normalmente subsidia a produção por meio da redução do ICMS dos produtos. Os últimos conceitos importantes para podermos apresentar o sistema completo de contas nacionais dizem respeito ao produto a preços de mercado (Produtopm) e ao produto a custo de fatores (Produtocf). Uma vez que a atuação do governo altera o preço dos produtos tanto por meio da cobrança dos impostos quanto por meio das políticas de subsídios, é preciso que o acréscimo no valor tenha como contrapartida o pagamento aos fatores de produção. O produto a preços de mercado inclui o valor dos impostos indiretos compensados dos subsídios. Já o produto a custo de fatores não considera o valor adicional. Tais conceitos relativos à atuação do setor público possibilitam o fechamento das contas nacionais para uma economia aberta e com governo. Analise cada uma das contas em sua versão final a partir dos quadros a seguir: QUADRO 12 – CONTA DE PRODUÇÃO Débito Crédito I importações de bens e serviços não fatores G exportações de bens e serviços não fatores J-H renda líquida enviada (+) ou recebida (-) do exterior C consumo pessoal a1 salários L consumo do governo a2 lucros D variação de estoques a3 aluguéis E formação bruta de capital fixo a4 juros A renda ou produto nacional líquido (A=a1+a2+a3+a4) B depreciação Q-N impostos indiretos líquidos de subsídios Oferta de Bens e Serviços Demanda por Bens e Serviços FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 54) TÓPICO 2 | SISTEMATIZAÇÃO DAS CONTAS NACIONAIS 37 QUADRO 13 – CONTA DE APROPRIAÇÃO Débito Crédito C consumo pessoal a1 salários P-M impostos diretos líquidos de transferências a2 lucros R outras receitas correntes líquidas a3 aluguéis F poupança privada líquida a4 juros Utilização da Renda Líquida Renda Líquida FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 54) QUADRO 14 – CONTA DO GOVERNO Débito Crédito L consumo do Governo P impostos diretos M transferências p.1 empresas N subsídios p.2 famílias O saldo do governo em conta corrente Q impostos indiretos R outras receitas correntes líquidas Utilização da Receita Total da Receita FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 54) QUADRO 15 – CONTA DO SETOR EXTERNO Débito Crédito G exportações de bens e serviços não fatores I importações de bens e serviços não fatores H renda recebida do exterior J renda enviada ao exterior K resultado do BP em transações correntes Total do Débito Total do Crédito FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 54) QUADRO 16 – CONTA DE CAPITAL Débito Crédito D variação de estoques F poupança líquida E formação bruta de capital fixo B depreciação K resultado do BP em transações correntes O saldo do governo em conta corrente Investimento Bruto Total Poupança Bruta Total FONTE: Paulani e Braga (2012, p. 54) UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À CONTABILIDADE SOCIAL 38 A introdução do governo altera a dinâmica das contas, sendo que a que mais recebe impacto é conta de produção. Encontramos, por exemplo, a rubrica “Q-N impostos indiretos líquidos de subsídios” na conta de produção, que compensa o lançamento a crédito na conta do governo. O valor aparece na conta de produção justamente pela cobrança de impostos indiretos. No lado do crédito da conta de produção também percebemos uma mudança a partir da inserção da rubrica “L consumo do governo”, que compensa o lançamento a débito na conta do governo. Na conta de apropriação são adicionados os lançamentos “P-M impostos diretos líquidos de transferências” e “R outras receitas correntes líquidas”. O primeiro se refere à decisão de consumir ou poupar estar relacionada com os recursos em sua forma líquida e isenta de impostos, no caso, diretos. O segundo lançamento, da rubrica R, é lançado como débito na conta de apropriação, tendo sua compensação de forma idêntica no lado do crédito na conta do governo. Os detentores de renda também realizam outros tipos de pagamento além dos presentes nos impostos diretos, tais como taxas, multas, aluguéis para o Estado, constituindo as outras receitas para o governo. Por fim, temos o lançamento a débito da rubrica “O saldo do governo em conta corrente” na conta do governo, que encontrará um lançamento a crédito na conta de capital. A partir do momento do governo ser introduzido, também se torna gerador de poupança e, logo, de investimento. A identidade entre investimento e poupança ocorre pelo fato do lado direito (crédito) da conta de capital estar composto por depreciação e pelas três fontes geradoras de poupança: o setor privado, o setor externo e o governo e, por no lado esquerdo (débito), aparecer a formação bruta de capital, relativa ao investimento total, formado por formação bruta de capital fixo e variação de estoques. Caro acadêmico! Esperamos que os estudos desenvolvidos ao longo deste tópico tenham sido esclarecedores. Com a adição do setor público e do setor externo, ou seja, considerando uma economia aberta para as transações econômicas internacionais e com participação do governo, podemos encerrar nosso sistema. Assim, adicionando lançamentos a débito para cada lançamento a crédito, conforme preza o princípio das partidas dobradas, temos o equilíbrio interno de cada uma das contas e o equilíbrio externo entre todas as contas que compõem o sistema de contas nacionais. 39