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Educação Infantil: Currículo Introdução Ao iniciarmos nossas reflexões sobre o currículo na Educação Infantil, é importante que você primeiramente reflita sobre a educação de modo geral, pensando na construção política, econômica e social do processo educacional deste nível de ensino e na influência desta construção no trabalho realizado hoje nas escolas. É interessante fazer uma reflexão sobre esse período do desenvolvimento humano, de seus desdobramentos na educação escola e na etapa educacional que abrange esse período. É igualmente importante considerar a idade correspondente à inserção na Educação Infantil para, então, chegarmos a uma pergunta inicial e norteadora: o que é infância? Infância: Período da vida, no ser humano, que vai desde o nascimento até a adolescência; meninice. (MICHAELIS) Figura 1 Fonte: Getty Images Com base nessa definição, podemos delimitar o período da infância entre o nascimento (zero ano) até aproximadamente 10 ou 12 anos. Fazendo referência à educação, percebemos que trabalhamos com a infância na Educação Infantil (0 a 5 anos) e nas séries iniciais da Educação Básica (6 a 13 anos). Pinto e Sarmento (1997, p. 67) apontam que a infância “está longe de corresponder a uma categoria universal, natural, homogênea e de significado óbvio”. Ou seja, existe uma determinação absoluta da infância, mas seu conceito não se limita a isso. É preciso considerar que a infância não é somente a etapa numérica da idade; Kuhlmann Junior (1998) destaca que “é preciso considerar a infância como uma condição de ser criança” (1998, p. 15). O que isso quer dizer? Que a criança carrega consigo elementos próprios de sua idade, que devem ser considerados em sua formação e utilizados de maneira positiva para o desenvolvimento de sua educação. 8 9 A infância é subdividida em etapas. O período entre 0 e 6 anos, no qual se desenvolve a educação infantil, recebe o nome de primeira infância. Para entender melhor esse conceito, assista ao vídeo “O que é Primeira Infância?”, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Disponível em: https://youtu.be/ttJtRokJJIk Hoje, a Educação Infantil constitui a primeira etapa da educação básica e destina-se ao atendimento de crianças de zero a cinco anos. A Lei nº 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), garantiu o direito à Educação Infantil gratuita para as crianças de zero a seis anos em creches e pré-escola. Vale destacar que foi essa medida que inseriu definitivamente a educação infantil no sistema educacional, como primeira etapa da educação básica, seguida do ensino fundamental e médio. Leia, a seguir, o que diz a LDB, na seção II, sobre a inclusão da Educação Infantil na Educação Básica: Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade. Art. 31. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. O artigo 29 da LDB destaca o atendimento da criança até seis anos a partir de 06 de fevereiro de 2006. No entanto, cabe ressaltar que a Lei 11.274 regulamentou o Ensino Fundamental de 9 anos, com o ingresso das crianças com seis anos no 1º ano do Ensino Fundamental, o que nos deixa na educação infantil com crianças até cinco anos. Essa preocupação com a formação integral da criança, com o atendimento e desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social, assim como a participação da família e da comunidade, é muito recente. Nem sempre foi assim. Para entender os fundamentos metodológicos que nos orientam no trabalho neste nível de ensino atualmente, é preciso saber como tudo começou, assim como as mudanças que ocorreram nas políticas educacionais e nas práticas pedagógicas da educação infantil. Podemos estabelecer uma linha do tempo desde as primeiras experiências de atendimento às crianças até a criação das escolas municipais de educação infantil. Embarque no trem da história e vamos viajar um pouquinho no tempo para você entender como foi construída a história da Educação Infantil! 9 UNIDADE História da Educação Infantil Criação/Objetivos Assim como muitos elementos da educação formal no contexto brasileiro, a História da Educação Infantil em nosso país apresenta muitos traços comuns com a da Europa Ocidental, embora apresente características próprias, decorrentes de nossas condições sociais, culturais, econômicas e políticas. O atendimento de crianças pequenas longe da mãe em instituições como creches ou parques infantis, até meados do século XIX, basicamente não existia no Brasil. As condições de vida do país eram determinantes, sendo que, no meio rural, onde residia a maior parte da população do país na época, as mães de alguma forma conciliavam trabalho e cuidado dos filhos. Até mesmo o acolhimento de crianças sem tutores formais era feito de maneira pessoal e sem uma estruturação oficializada. As crianças órfãs ou abandonadas, frutos em geral da exploração sexual da mulher negra e da índigena pelo senhor branco, eram acolhidas pelas famílias de fazendeiros. Já na zona urbana, bebês abandonados por suas mães, em geral filhos ilegítimos, por vezes, filhos de moças de famílias de algum prestígio social, eram recolhidos nas “rodas de expostos” existentes em algumas cidades, que eram basicamente ambientes para deixar crianças não desejadas. Ali, pessoas interessadas em criar os bebês poderiam ir recolhê-los. No período que antecedeu a Proclamação da República, algumas iniciativas isoladas de proteção à infância promoveram a criação de entidades de amparo, voltadas ao combate da alta mortalidade infantil da época. No entanto, tais ações representavam apenas uma solução paliativa e não efetivamente uma preocupação com o atendimento das crianças. Nessa época, não se diferenciavam os objetivos de atendimento de creches, asilos e internatos, porque o objetivo destas instituições era cuidar somente das crianças pobres. Ou seja, não havia uma preocupação com a formação educacional, mas somente com o cuidado em seus termos mais primários de atenção. O desejo de construir uma nação moderna, reflexo da ideologia liberal do final do século XIX, favoreceu a assimilação, pelas elites políticas, de novos conceitos educacionais elaborados na Europa, como a ideia de jardim da infância. Esses conceitos foram recebidos com entusiasmo por alguns setores sociais e combatidos com veemência por outros. Muitos políticos confundiam os jardins da infância com as salas de asilo francesas, que eram instituições de mera guarda de crianças, vistas algumas vezes como promotoras de uma precoce escolarização. Não se pensava à época em oferecer educação às crianças, sendo os jardins de infância inclusive considerados prejudiciais à unidade familiar por tirar desde cedo a criança de seu ambiente doméstico, sendo admitidos apenas no caso de proteção aos filhos de mães trabalhadoras. Nem todas as pessoas eram contra as possíveis modificações em relação à educação infantil. Alguns políticos defendiam o jardim de infância por trazer vantagens para o desenvolvimento infantil. Um deles foi o escritor e jurista Rui Barbosa, que elaborou, em 1882, um projeto de reforma da instrução no país, no qual considerava o jardim da infância como a primeira etapa do ensino primário, mostrando que o mesmo era diferente das salas de asilo e escolas infantis. 10 11 Quem foi Rui Barbosa e qual sua visão sobre a educação infantil? “Se, na sociedade atual, vários pesquisadores e educadores defendem os centros de educação infantil como um importante espaço para o desenvolvimento das diferentes linguagens da criança; enfatizamos que há mais de um século atrás, Rui Barbosa (1883) jápercebia a enorme contribuição dessas instituições para o universo infantil. Para esse autor, a criação dos jardins de infância era necessário e tão importante na sociedade quanto os outros níveis de ensino. Assim, entendia ser fundamental uma reforma no sistema do ensino brasileiro que alcançasse desde o ensino primário até o ensino superior. Isso porque não havia, no Brasil, um projeto nacional que atendesse os pequenos, mas leis isoladas que buscavam proteger a infância como forma de evitar a desordem social. Descontente com a situação do ensino, Rui Barbosa verificou que o Brasil estava muito distante de outros países que, já naquela época, organizava seus sistemas nacionais de ensino, priorizando a obrigatoriedade e a gratuidade dos mesmos. Assim, ao propor uma reforma nas escolas brasileiras, defendia a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade, priorizando uma mudança radical no ensino que privilegiava a memorização e o ensino livresco até então presentes nas escolas. Defensor convicto da importância dos jardins de infância, propôs à Câmara dos Deputados Gerais, a necessidade da criação dos jardins de infância ou de criança, como era conhecido na época, no município neutro, no Rio de Janeiro, com o objetivo de que essas instituições servissem de modelo às demais províncias. Para Rui Barbosa, essas instituições “deveriam abrigar as crianças antes de sua entrada na escola regular, possibilitando-lhes o seu desenvolvimento pleno”. Fonte: https://bit.ly/2Axn4lR O debate legislativo questionava que, se os jardins de infância tinham objetivos de caridade e destinavam-se aos mais pobres, não deveriam ser mantidos pelo poder público, mas sim ficar sob a caridade das famílias afortunadas. Essas ideias eram também definidas pelo Movimento de Proteção à Infância, apoiado em uma visão assistencialista e preconceituosa em relação à pobreza, e que defendia um atendimento caracterizado como uma dádiva aos menos favorecidos. Nesse contexto, foram criados em 1875, no Rio de Janeiro, e, em 1877, em São Paulo, os primeiros jardins de infância, sem participação do governo, pois estavam sob os cuidados de entidades privadas. Somente alguns anos depois, em torno de 1896, foram criados os primeiros jardins de infância públicos, como o que ficava anexo à Escola Caetano de Campos em São Paulo. Figura 2 – Saída dos alunos do Jardim da infância da Escola Caetano de Campos Fonte: crmariocovas.sp.gov.br 11 UNIDADE História da Educação Infantil O que se percebia, porém, era uma mudança de foco no atendimento, pois tanto os jardins de infância criados pela iniciativa privada como os criados pela iniciativa do governo dirigiam seu atendimento para as crianças das camadas sociais mais afortunadas e não mais os desfavorecidos. Esse atendimento seguia o desenvolvimento de uma programação pedagógica inspirada em Froebel, pedagogo alemão que teve grande influência no desenvolvimento da educação infantil. Você sabia? O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas – ideia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi precursor. Froebel viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças e esteve à frente desse processo na área pedagógica, como fundador dos jardins-de-infância, destinado aos menores de 8 anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável. Fonte: https://bit.ly/2z4kHGK Quer saber mais sobre Froebel e entender a maneira como ele concebeu o jardim de infânciae seus desdobramentos educacionais? Assista ao vídeo “Friedrich Froebel – A educação infantil – o Brinquedo e o Lúdico”, do professor Felipo Bellini: https://youtu.be/aF4Bt3qKj0w Enquanto isso, prevaleciam na educação pré-escolar posições que se arrastam até hoje: a de realizar assistencialismo e a de promover uma educação compensatória aos mais desafortunados socialmente. Pensar um ambiente promotor da educação das crianças dos diferentes grupos sociais era meta colocada com dificuldade. A Educação dos Pequenos no Brasil Republicano: Proteger e Assistir A Proclamação da República no país pelo Marechal Deodoro da Fonseca, apoiado por grupos sociais em um cenário de renovação ideológica, em 1889, criou novas condições para o entendimento de questões sociais, embora estas, mais uma vez, continuassem a ser tratadas conforme a camada social da população atendida. Nesse sentido, enquanto em 1899 era criado, no Rio de Janeiro, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância para cuidar de crianças pobres, uma série de escolas infantis e jardins de infância era criada pela iniciativa privada para atender crianças socialmente privilegiadas, como, por exemplo, em Belo Horizonte, em 1908, e no Rio de Janeiro, em 1909. 12 13 Em 1919, o governo instituiu o Departamento da Criança, que defendia a ideia de se fazer uma assistência científica à infância. Começava a predominar um discurso médico de assistência às crianças, que atribuía à família a culpa por eventuais doenças de seus filhos. O grande investimento da área de Educação na época, no entanto, estava voltado para o ensino primário, mas que atendia apenas uma parte da população em idade escolar. Figura 3 Fonte: FREIRE; LEONY , 2011 O IPAI (Instituto de Proteção e Assistência à Infância), que gerou as bases para o Departamento da Infância, organizava um concurso de robustez infantil. A foto acima representa uma dessas avaliações . Mudanças no Trabalho Feminino A estrutura familiar tradicional e as concepções e formas de cuidado das crianças pequenas, enquanto isso, sofreram profundas modificações devido à intensificação da urbanização e da industrialização em várias regiões do país no início do século XX. Essa situação aconteceu no mundo todo, com características peculiares em cada cenário. Nesse período, um grande número de mulheres foi incorporado ao trabalho fabril. Porém, o problema do cuidado de seus filhos enquanto elas trabalhavam foi desconsiderado pelas fábricas. Isso impossibilitava que as trabalhadoras conciliassem, no mesmo espaço, o trabalho remunerado e o cuidado com seus filhos, como o faziam quando executavam trabalho na roça ou no lar. Com isso, as próprias mães trataram de criar soluções emergenciais, ou buscando apoio em seus núcleos familiares, ou contando com a ajuda de outras mulheres, que se propunham a cuidar dos filhos das operárias em troca de dinheiro. 13 UNIDADE História da Educação Infantil Os Movimentos Operários No início do século XX, a absorção pelas fábricas da mão de obra de imigrantes europeus que chegavam ao Brasil, em geral, jovens e do sexo masculino, trabalhadores mais politizados pelo contato com movimentos que ocorriam em diversos países, provocou uma diminuição da participação da mulher no setor operário. A situação de exploração do trabalho começava a entrar em pauta e trazia consigo reflexões sobre diversos aspectos da sociedade. Figura 4 – Manifestação do movimento sindical argentino “FORA” em 1915 Fonte: Wikimedia Commons Apesar disso, o problema da mulher operária em relação a seus filhos pequenos começou a ser visto de forma nova, em consequência do movimento operário surgido na década de 1920 e início dos anos 30. Os imigrantes europeus procuravam, nos sindicatos, organizar os demais operários para lutarem por seus direitos e protestarem contra as condições precárias de trabalho e de vida a que se achavam submetidos: baixos salários, longas jornadas de trabalho, ambiente insalubre, emprego de mão de obra infantil. Nesse clima, muitas mulheres operárias também começam a se politizar e a exigir seus direitos, o que incluía não só melhores condições de trabalho, mas também de vida. Isso as levou a pleitear a criação de locais para guarda e atendimento das crianças durante seu trabalho. A Reação dos Empresários Nesse mesmo período, ocorreu um fato marcante na relaçãopatrão-empregados. Na tentativa de atrair e reter a força de trabalho, os empresários mudaram sua política de repressão direta aos sindicatos, criando vilas operárias, clubes esportivos e também algumas creches e escolas maternais para os filhos de operários, em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e várias outras do interior de Minas Gerais, iniciativas que foram timidamente seguidas por outros empresários. 14 15 As creches e as demais instituições sociais criadas junto às fábricas, sendo de propriedade das empresas, eram usadas por estas no ajuste das relações de trabalho. Alguns empresários passaram a reconhecer que o fato de o filho da operária ser atendido em instituições mantidas pelas fábricas trazia vantagens para a produção da mãe. Apesar dos avanços conseguidos, tanto o discurso dos patrões como o próprio movimento operário, valorizavam um ideal de mulher voltada para o lar, o que contribuía para que as poucas creches criadas continuassem a ser medidas paliativas para a questão da Educação Infantil. Assim, a inserção da mulher no mercado de trabalho era contraditória, característica própria do capitalismo, que exigia a mão de obra feminina, mas não lhe dava suporte. Figura 5 – Prédio da Creche Condessa Marina Crespi, dos anos 1930, do Cotonifício Rodolfo Crespi, na Mooca, em São Paulo Fonte: CORREIA, 2008 Uma Política Pública Assistencialista As reivindicações operárias, dirigidas inicialmente aos donos de indústrias, foram, com o tempo, canalizadas para o Estado e serviram como pressão para a criação de creches, escolas maternais e parques infantis pelos órgãos governamentais. Tais instituições, no entanto, não eram reconhecidas como um dever social, mas sim como um favor prestado ou um ato de caridade de certas pessoas ou grupos. Um longo caminho ainda estava por ser percorrido. As Décadas de 1920 e 1930: O Foco na Saúde e a Renovação Educacional No Brasil, nas décadas de 1920 e 1930, alguns centros urbanos que se industrializavam não dispunham de infraestrutura como saneamento básico, moradias etc. Esse fato aumentava o perigo de constantes epidemias, o que exigia soluções para esse e outros problemas. A creche seria um dos paliativos defendidos por médicos preocupados com as condições de vida da população operária, que, em geral, morava em ambientes insalubres. 15 UNIDADE História da Educação Infantil Algumas propostas sanitárias foram apresentadas, como, por exemplo, a discussão, no Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, ocorrido em 1922 no Rio de Janeiro, de temas como a educação moral e higiênica e o aprimoramento da raça, com ênfase no papel da mulher como cuidadora. Paralelamente a esse movimento, em 1923, foi aprovada a primeira regulamentação sobre o trabalho da mulher, que previa que estabelecimentos comerciais e industriais facilitassem a amamentação durante a jornada de trabalho das empregadas e que fossem instaladas creches e salas de amamentação próximas do ambiente de trabalho. Ao lado da preocupação sanitarista em relação às creches, ocorriam no país muitos debates para a transformação radical das escolas. E com eles era trazida a questão educacional para o centro das discussões políticas nacionais, tal como ocorria com o Movimento da Escola Nova, em 1932. Nesse período de renovação do pensamento educacional, entre outros pontos, discutia- se a Educação pré-escolar, apresentada como a base do sistema escolar. Alguns educadores brasileiros de vanguarda, como Mário de Andrade, em São Paulo, propunham a disseminação de praças de jogos nas cidades, à semelhança dos jardins de infância de Froebel, assim como ocorria em vários locais da América Latina, como Havana, Buenos Aires, Montevidéu e Santiago. Tais praças deram origem aos parques infantis criados em várias cidades brasileiras. Nota-se o dualismo, a divisão de princípios com que a questão educacional era tratada no país: o debate sobre a renovação pedagógica dirigiu-se mais aos jardins de infância – onde estudavam preferencialmente as crianças socialmente privilegiadas – do que aos parques infantis – onde as crianças de classes populares eram submetidas a propostas de trabalho educacional que pouco tinham em comum com as ideias dos adeptos do escolanovismo. As Décadas de 1940 e 1950 Em nosso país, a década de 1940 foi marcada por iniciativas governamentais nas áreas de saúde, previdência e assistência. O governo Vargas (1930-1945), ao mesmo tempo em que resguardava os interesses dos patrões, reconhecia alguns direitos políticos dos trabalhadores por meio de legislações específicas, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. Nela, foram apresentadas algumas propostas sobre o atendimento dos filhos das trabalhadoras, porém, somente com o objetivo de facilitar a amamentação durante a jornada de trabalho. A cultura da época mostrava um pensamento geral de que a mãe continuava sendo a dona do lar e deveria estar limitada ao ambiente doméstico. O atendimento fora da família aos filhos que ainda não frequentassem o ensino primário era vinculado a preocupações médicas, e não a metas de desenvolvimento pessoal. As creches eram vistas como “mal necessário” e planejadas por entidades filantrópicas, como instituição de saúde com rotinas de triagem, lactário, pessoal auxiliar de 16 17 enfermagem, cuja preocupação estava centrada em apresentar um ambiente físico higiênico, para promover o aleitamento materno e combater a mortalidade infantil. Em sua maioria, essas entidades passaram a receber ajuda governamental para desenvolver seu trabalho, além de donativos das famílias mais ricas. Assim, o trabalho com as crianças nas creches tinha caráter assistencial-custodial, voltado para alimentar, cuidar da higiene e da segurança física das crianças. A Educação e o desenvolvimento intelectual das crianças eram pouco valorizados. O período conhecido como Estado Novo teve características muito particulares sobre a educação. Para entender melhor esse cenário, leia o artigo “A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração”, de André Ricardo Pereira, disponível em: https://bit.ly/3gMqe5I A Década de 1960: A Educação das Crianças em Idade Pré-Escolar no Sistema de Ensino Durante a segunda metade do século XX, o desenvolvimento da industrialização e da urbanização no país levou a um novo aumento do ingresso da mulher no mercado de trabalho. Com isso, não só operárias e empregadas domésticas, mas também trabalhadoras do comércio e funcionárias públicas cada vez mais passaram a procurar creches e parques infantis que atendessem crianças em período integral. No entanto, a grande maioria dessas instituições não aprofundava a questão de como garantir a organização de um ambiente estimulante para o desenvolvimento das crianças então atendidas. O dinamismo do contexto sociopolítico-econômico do início da década de 1960 trouxe uma mudança importante para a área: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. º 4.024/61, aprovada em 1961, que incluiu as escolas maternais e os jardins de infância no sistema de ensino. Art. 23. A Educação pré-prímária destina-se aos menores até 7 anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins de infância. Art. 24. As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizara manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de Educação pré-primária. Imperavam, contudo, soluções paliativas. No período dos governos militares, que se instalaram no país a partir de 1964 até o início de 1985, as políticas adotadas em nível federal – por meio de órgãos como a Legião Brasileira de Assistência e a Funabem – continuaram a acentuar a ideia de creche, e mesmo de pré-escola, como equipamentos sociais de assistência à criança carente. A política de ajuda governamental às entidades filantrópicas ou assistenciais continuou a prevalecer. Foram incentivadas iniciativas comunitárias mediante a organização de programas emergenciais de massa, de baixo custo. Eles eram desenvolvidos por pessoal leigo, voluntário e pormães que cuidavam de turmas de mais de cem crianças em idade pré-escolar. 17 UNIDADE História da Educação Infantil Muitas entidades de atendimento à criança passaram a esboçar uma orientação mais técnica para seu trabalho, dando ênfase a um trabalho de cunho “educativo sistematizado” ou escolar nos parques infantis e nas escolas maternais. A ideia de compensar carências orgânicas ampliou-se para a de suprir faltas culturais como garantia de diminuição do fracasso escolar no ensino primário. Por outro lado, as mudanças na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), ocorridas em 1967, estabeleceram que as empresas deveriam organizar berçários para o atendimento aos filhos das trabalhadoras. Isso abriu espaço para que outras entidades, que não a própria empresa empregadora da mãe, realizassem a tarefa por meio de convênios. Contudo, o poder público não cumpriu o papel de fiscal da oferta de berçários. Assim, as empresas não instituíram creches e berçários suficientes, prejudicando o ingresso de mulheres, em especial, as de baixa renda, no mercado produtivo, ou mantendo alternativas improvisadas de atendimento aos filhos das mães trabalhadoras. A Lei de Diretrizes e Bases é um dos mais importantes textos legais sobre a educação no contexto do país. Para entender melhor esse tema, leia a legislação completa, aprovada em 20 de dezembro de 1961, disponível em: https://bit.ly/3eLgMxB A Década de 1970: Educação Compensatória, Aumento de Demanda e Redemocratização Nesse período, muitos fatores contribuíram para que a creche e a pré-escola fossem novamente defendidas por diversos segmentos sociais. Entre eles, a redução de espaços urbanos lúdicos, como os quintais e as ruas, a preocupação com a segurança e, fundamentalmente, o crescimento do operariado, os movimentos dos trabalhadores do campo por melhores condições de trabalho, bem como a crescente incorporação de mulheres da classe média pelo mercado de trabalho. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional formulada, em 1971, Lei n.° 5.692/71 trouxe novos elementos para a área do ensino ao declarar: “Os sistemas velarão para que as crianças de idade inferior a 7 anos recebam Educação em escolas maternais, jardins de infância ou instituições equivalentes” (art. 19, §2º). Alguns estudos realizados nos Estados Unidos e na Europa trouxeram novas concepções pedagógicas que sustentavam que as crianças das camadas sociais pobres sofriam de “privação cultural” e, assim, justificavam seu fracasso escolar. A partir disso, no Brasil, passaram a ser realizados debates vigorosos em defesa do atendimento pré-escolar público, o qual, em virtude de receber uma clientela pobre, poderia remediar as carências dessas crianças. Uma vez que fossem atendidas em creches, parques infantis e pré-escolas, conseguiriam superar as condições desprivilegiadas em que viviam, ainda que não fossem alteradas as estruturas e razões sociais que geravam esses problemas. 18 19 Sob o nome de educação compensatória, foram elaboradas propostas de trabalho, para a população de baixa renda em creches e pré-escolas, que inseriam estimulação precoce e preparo para a alfabetização. No entanto, mantinham-se as práticas educativas geradas por uma visão assistencialista da educação em geral e do ensino em particular. Você sabe o que é educação compensatória? Entenda melhor no texto disponível no Brasil Escola , disponível em: https://bit.ly/36Yu3Ar Por outro lado, cada vez um número maior de mulheres das camadas médias da população entravam no mercado de trabalho, o que levou a um crescimento significativo de creches e pré-escolas, principalmente as de redes particulares. Essas instituições respondiam ao desejo dessas mães, tendo em vista que ofereciam aprimoramento intelectual a seus filhos e as liberavam para o mercado de trabalho. Nelas, era mantido um padrão educativo voltado para os aspectos cognitivos, emocionais e sociais da criança pequena, com destaque à criatividade e à sociabilidade. Você deve estar percebendo que esses fatores trouxeram alterações na forma como a Educação pré-escolar e o atendimento em creches eram efetivados. A consequência foi um aumento de creches, de classes pré-primárias e de jardins de infância no país, bem como foram sendo modificadas algumas representações sobre Educação Infantil. Também foi valorizado o atendimento fora da família a crianças de idade cada vez menor. Em parques que atendiam filhos de operários e em creches que cuidavam das crianças de famílias de baixa renda permaneciam discursos compensatórios ou assistencialistas. Já nos jardins de infância, onde eram educadas as crianças de classe média, eram adotadas propostas de desenvolvimento afetivo e cognitivo. A superação dessa desigualdade de acesso aos benefícios da Educação da criança pequena continuava uma tarefa difícil. Na segunda metade da década de 1970, a luta de movimentos operários e feministas pela redemocratização do país e pelo combate às desigualdades sociais levou o regime militar a adotar medidas para ampliar o acesso da população pobre à escola (pré, primeiro e segundo graus) e sua permanência nela, para garantir os aprendizados básicos. Enquanto isso, nos grandes centros urbanos, a reivindicação por creches e pré-escolas por parte de amplas parcelas da população de mães, que precisavam trabalhar fora do lar pela subsistência da família, intensificou-se e adquiriu novos sentidos. Tais movimentos substituíram a histórica postura de aceitação do paternalismo estatal ou empresarial por uma visão da creche e da pré-escola como um direito do trabalhador e um dever do Estado. Isso criou novas formas de pressão sobre o poder público, que, naqueles centros, ampliou o número de creches por ele diretamente mantidas e geridas e o número de convênios de atendimento feito com entidades sem fins lucrativos. 19 UNIDADE História da Educação Infantil Figura 6 – Movimento feminista da década de 1970 Fonte: Wikimedia Commons Apesar da resistência dos setores envolvidos em efetivar novas práticas educativas, em socializar as vantagens observadas em certas formas de trabalho pedagógico – já que essas mudanças acarretavam investimentos financeiros e, principalmente, de formação de pessoal – cresceu o número de crianças pequenas atendidas em creches e pré-escolas. A Década de 1980: Discurso Pedagógico e a Expansão do Atendimento Na década de 1980, o aumento de procura por pré-escola por parte da população continuou a intensificar-se, pressionando os órgãos governamentais. Com o término do período de governos militares, em 1985, novas políticas de Educação passaram a admitir a ideia de que as creches não diziam respeito apenas à mulher ou à família, mas também ao Estado e às empresas. Diversos discursos políticos apresentavam a Educação pré-escolar como instrumento de preparo para a escolarização obrigatória, por influência de concepções expressas pelas camadas médias da população. E cada vez mais as camadas de baixa renda apoiavam essa ideia. Esses fatores sociais, aliados a discussões de pesquisadores em Psicologia e Educação sobre a importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento da criança, propiciaram algumas mudanças no trabalho então proposto pelos discursos oficiais. Com isso, eram valorizadas atividades pedagógicas mais sistematizadas, embora a preocupação com medidas de combate à desnutrição continuasse a existir. O mesmo aconteceu no segmento científico e docente de modo geral. Os educadores envolveram-se em discussões e questionamenos políticos sobre o atendimento às crianças, pois os mesmos acreditavam que o trabalho realizado em creches e pré-escolas poderia efetivamente contribuir para promover a luta contra desigualdades sociais. As negociações ocorridas no período que antecedeu a elaboração da Constituição de 1988 intensificaram a discussão do atendimento ao filho do trabalhador. Isso resultou em aumento das creches mantidas por empresas industriais, comerciais e por 20 21 órgãos públicos para os filhos de seus funcionários. Além disso, algumas empresas começaram a conceder ajudade custo às funcionárias com filhos pequenos, para pagarem creches particulares de sua livre escolha. Ainda assim havia insuficiência de vagas em creches. Diante disso, o poder público incentivou outras iniciativas de atendimento à criança pequena. Foram implementados programas assistenciais de baixo custo, estruturados com auxílio de recursos comunitários, tal como ocorria em muitos países do chamado Terceiro Mundo. Eles eram realizados por “mães-crecheiras” ou “lares vicinais”, “creches domiciliares” ou “creches lares”. Essas formas de atendimento, que havia muito a comunidade carente já utilizava, constituíam alternativas emergenciais e inadequadas, devido à precariedade com que geralmente eram realizadas. Aprovado projeto que regulamenta as “mães crecheiras” em Brasília. Disponível em: https://youtu.be/7chN3wTS518 A partir de iniciativas da própria população, houve também aumento de creches comunitárias, que recebiam verbas públicas para atendimento de crianças de famílias de baixa renda. Às vezes, eram instituições desvinculadas do apoio governamental e geridas pelos próprios usuários, em geral população de classe média. Algumas dessas experiências conseguiram concretizar um trabalho pedagógico consistente e direcionado ao resgate da cultura popular das comunidades. Redemocratização e Crescimento Nesse mesmo período, a década de 1980, os parques infantis e outras modalidades de instituições educativas públicas foram abandonando a educação informal das crianças em idade de escolarização regular básica. Abriam suas vagas apenas para o atendimento daquelas em idade pré-escolar. Expandiram-se as escolas municipais de Educação Infantil, que abrangiam o trabalho anteriormente feito em parques infantis e jardins de infância, e também as classes pré-primárias em escolas de Ensino Fundamental. No início da década de 1980, muitos questionamentos eram feitos pelos técnicos e professores em relação aos programas de cunho compensatório e à abordagem da privação cultural nas pré-escolas. Tais programas definiam as crianças por suas carências ou dificuldades em relação ao padrão das camadas médias exigido nas escolas. Elas eram consideradas por terem vocabulário diferente, dificuldade de comunicação, relacionamento, controle, orientação espacial, discriminação visual e auditiva, má condição física, autoimagem negativa, desatenção, apatia e irritabilidade. Para superar os problemas apontados, as propostas compensatórias defendiam uma detalhada programação de atividades. Contudo, acumulavam-se evidências de que as crianças das classes populares não estavam sendo efetivamente beneficiadas por esses programas. As pré-escolas continuaram limitadas a práticas recreativas e assistenciais em virtude da falta de oportunidades reais para seus professores absorverem as programações propostas. 21 UNIDADE História da Educação Infantil A discussão das funções da creche e da pré-escola foi retomada e novas programações pedagógicas foram elaboradas. Eram as que buscavam romper com concepções de creche e de pré-escola como instituições meramente assistencialistas e/ou compensatórias, propondo uma função pedagógica que enfatizava o desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças. No período de redemocratização do país, após o período militar, pressões de movimentos feministas e de movimentos sociais de lutas por creches possibilitaram a conquista, na Constituição de 1988, do reconhecimento da Educação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um dever do Estado a ser cumprido nos sistemas de ensino. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de: IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade [...] (BRASIL, Constituição Federal, art, 208, 1998). Também a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, concretizou conquistas em relação aos direitos de crianças declarados na Constituição. Art. 53. A criança e o adolescente têm o direito à Educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: [...] IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de O (zero) a 6 (seis) anos de idade. [...] Na área de Educação Infantil, houve expansão do número de pré-escolas e, em menor escala, de creches, e alguma melhoria do nível de formação de seus docentes, muitas vezes já incluídos em quadros de magistério. O debate em torno de uma lei que desse nova orientação à Educação Nacional na Câmara de Deputados e no Senado Federal impulsionou diferentes setores educacionais na defesa de um novo modelo de Educação Infantil. Foram particularmente estimuladas universidades e instituições de pesquisa, sindicatos de educadores e organizações não governamentais. Esse contexto preparou um ambiente para a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.° 9.394/96), que designou a Educação Infantil como etapa inicial da Educação Básica, e que já estudamos no início deste módulo. Considerações Finais Pela leitura realizada, você pôde perceber e analisar como era oferecida a educação aos pequenos no Brasil, cujo objetivo inicial era proteger e assistir. Conheceu o movimento de inserção das mulheres no mercado de trabalho, o que pedia locais para deixarem seus filhos, muito combatidas pelos empresários. Passamos a partir da década de 1920 por políticas assistencialistas, que focavam na saúde das crianças, 2sua inserção no sistema de ensino com uma educação compensatória, chegando à democratização do país, com um aumento de procura de vagas para as crianças das mulheres trabalhadoras. O discurso pedagógico para essa faixa etária é intensificado, porém, a expansão de atendimento ainda é insuficiente para a procura. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 – foi muito importante para a educação infantil, fazendo com que os profissionais envolvidos com esse nível de ensino reivindicassem mais verbas e mais programas de formação profissional para os professores da Educação Infantil. Mesmo com todo envolvimento e comprometimento, ainda há muito a se realizar na superação de políticas assistencialistas e em uma transformação de práticas didáticas em creches e pré-escolas. É necessário trilhar coletivamente uma nova trajetória para aperfeiçoá-las por meio da formação continuada. Com essas reflexões, você chegou aos nossos dias, ao trabalho realizado hoje na educação infantil, enxergando nossa realidade com conhecimento dos caminhos trilhados para chegarmos até aqui. Assim, você poderá entender um pouco mais sobre os fundamentos metodológicos da educação infantil.2 Concepção de Currículo Todas as pessoas envolvidas com educação sejam docentes, alunos, governantes ou profissionais, embora por diferentes objetivos ou motivações, preocupam-se com a maneira como a educação de crianças e jovens está acontecendo, uma vez que se desenvolverá, por meio dela, o projeto de formação da sociedade. Espera-se que a educação dê conta da formação integral dos alunos. Essas reflexões acabam refletindo na busca de teorias que enfocam as questões curriculares, ou seja, com o currículo trabalhado nas escolas. Figura 1 Fonte: Getty Images Você sabe o que é currículo? Se você pesquisar o significado desta palavra, encontrará, entre outros, que currículo – do latim, curriculum – significa percurso, carreira, curso, ato de correr. Seu significado, porém, abrange não somente o ato de correr, mas também o modo, a forma de fazê-lo (a pé, de carro, a cavalo etc.), o local (estrada, pista, rua, hipódromo etc.) e o que ocorre no curso ou percurso efetuado. O que esse percurso tem a ver com a educação? Moreira (1999) mostra que se encontram registros, ao longo dos tempos, de significados diferentes para o termo currículo. A maioria diz respeito a currículo como “conteúdos” ou “experiências de aprendizagem”. Alguns registros mostram o currículo ligado à ideia de plano, objetivos educacionais ou texto e mais recentementecomo avaliação. 8 9 Seguindo o significado literal da palavra currículo, [...] pode-se dizer que este pode ser definido como o percurso que leva à aquisição de conhecimentos que possam fazer do indivíduo submetido a ele um profissional que domina sua área e está apto a exercer funções na mesma. (MOREIRA; SILVA, 2000) Tratando-se de um percurso, você deve ter percebido que pode se tratar de algo parado e fixo, porém, flexível e contínuo, que direcione as atividades envolvidas nesse percurso para o objetivo da educação, que é a aprendizagem e o crescimento dos alunos. A maneira como a educação formal se apresenta teve diversas mudanças ao longo do tempo. De perspectivas mais rígidas até modelos mais dinâmicos, a educação se apresentou se diversas maneiras e gerou diferentes percepções sobre sua estruturação. Saiba mais sobre o tema lendo a matéria “Percurso formativo: entre o tradicional e o disruptivo”, disponível no link: https://bit.ly/374su3J O processo de organização curricular deve abranger conhecimentos teóricos e a prática educativa, ou seja, a maneira como esses conhecimentos serão trabalhados em sala de aula, considerando-se a relevância desses conteúdos para a vida do aluno, assim como “por que” e “como” trabalhá-los (MOREIRA, 1999). Quais conteúdos são relevantes para a aprendizagem do aluno e a maneira como esse conteúdo será disponibilizado e trabalhado são escolhas que farão a diferença no alcance da aprendizagem. O currículo não pode, portanto, ser estático deve estar sempre em construção, uma vez que deve acompanhar as mudanças e necessidades de cada aluno, de cada escola. Não se pode pensar em elaborar um currículo, determinando o que, quando e como ensinar sem pensar no “para quem” e “onde”, elementos importantíssimos na determinação da organização curricular. Todos os envolvidos no processo de organização curricular vivem em uma sociedade onde o conhecimento, as tecnologias, relações sociais e políticas influenciam suas escolhas, trabalho, estudos, enfim, suas vidas. Assim, o currículo não deve se configurar como um meio neutro de transmitir uma série de conteúdos, conhecimentos ou informações a um aluno passivo. Deve reconhecer o processo de busca e aquisição do conhecimento, ensinando os alunos que aprender não é armazenar resultados, mas sim participar do processo que torna possível a aprendizagem. Você deve estar pensando, então, que o currículo é muito mais abrangente em termos de aprendizagem, devendo realmente se preocupar com a maneira como serão organizadas as atividades, os conteúdos e conhecimentos, de forma que os objetivos previstos em determinado curso possam ser alcançados. Ao aprofundar os estudos sobre currículo, Masetto (2003) remete a três importantes conceitos: 9 UNIDADE Currículo e Atendimento Educacional na Educação Infantil 1. Currículo como um conjunto de disciplinas responsáveis pela transmissão dos conhecimentos específicos para a formação profissional. As disciplinas se sobrepõem e não interagem entre si. Cabe ao aluno tentar estabelecer ligações disciplinares com o objetivo de sintetizar o conhecimento, alcançar a aprendizagem e adquirir competência profissional; 2. Currículo oculto. Diz-se oculto porque não está previsto no currículo formal, documentado. Surge de colocações e discussões apresentadas no local de aprendizagem, referente a habilidades, valores e outros aspectos que aparecem e permitem que o professor trabalhe assuntos atuais e emergentes, que não estão expressamente colocados nos currículos; 3. Currículo integrado. Currículo como um conjunto de conhecimentos, de saberes, competências, habilidades, experiências, vivências e valores que os alunos precisam adquirir e desenvolver, de maneira integrada e explícita, mediante práticas e atividades de ensino e de situações de aprendizagem. A noção de currículo apresentada dessa forma é muito mais abrangente porque engloba a organização da aprendizagem na área cognitiva, e em outros aspectos fundamentais da pessoa humana e do profissional: saberes, competências, habilidades, valores, atitudes e ainda mais: ela mantém a idéia de que as aprendizagens sejam adquiridas explicitamente, mediante práticas e atividades planejadas intencionalmente para que aconteçam de forma efetiva, e não apenas por acaso, ou quando der certo. (MASETTO, 2003, p. 67) Você deve refletir sobre a questão do currículo como uma organização de diferentes elementos que devem incluir disciplinas, conteúdos, atividades, pesquisas, discussões, dinâmicas, técnicas, métodos e recursos, que permitam ao aluno alcançar a aprendizagem. Deve ser rico e flexível nas oportunidades de aprendizagem oferecidas aos alunos. O conceito de currículo oculto é bastante interessante para reflexões acerca da educação e da prática docente. Para refletir sobre esse tema em um contexto mais direcionado e específico, confira o artigo “Prática dos professores frente ao currículo oculto: aula para além do planejado no ensino da matemática”, de Rodrigo Branco e Lucia Ceccato de Lima, disponível em: https://bit.ly/2BxVbdQ Currículo na Educação Infantil Depois de sua leitura sobre a concepção de currículo, você já sabe que não estamos falando somente de conteúdos pré-estabelecidos a serem transmitidos ou ensinados aos alunos, com base em técnicas e métodos usualmente utilizados para facilitar sua aprendizagem. A idéia[sic] de currículo envolve a apresentação de conhecimentos e 10 11 inclui um conjunto de experiências de aprendizagem que visam favorecer a assimilação e a reconstrução desses conhecimentos (MOREIRA, 1999, p. 12). Piletti nos mostra que nos últimos anos, a ideia de currículo se tornou mais rica e abrangente: A tendência, nas décadas recentes, tem sido de usar o termo currículo num sentido mais amplo, para referir-se à vida e a todo o programa da escola, inclusive às atividades extraclasses. Aliás, as atividades extraclasses são muito importantes para a formação da personalidade da criança. Elas enriquecem o plano escolar e, consequentemente, a personalidade da criança. Além disso, são uma importante fonte de motivação. (PILETTI, 2000, p. 52) Você deve estar se perguntando por que estudar currículo para desenvolver seu trabalho na Educação Infantil. Realmente, falar em Currículo em Educação Infantil causa estranheza em muitas pessoas, até mesmo da área da educação. Mas, como primeira etapa da educação básica, destinada ao atendimento de crianças de zero a cinco anos e definitivamente inserida no sistema educacional brasileiro, é preciso proporcionar à criança dessa faixa etária o bem-estar físico, afetivo-social e intelectual, por meio de atividades lúdicas que criem oportunidades de desenvolvimento, a fim de estimular a curiosidade, a espontaneidade e a harmonia. Todas essas atividades contribuem para a sua integração no triângulo família – escola – comunidade, e serão desenvolvidas a partir do currículo adotado. Ao pensar na educação de nossas crianças, nós, professores, devemos ter em mente que currículo é tudo que acontece na vida de uma criança, na vida de seus pais e na nossa vida. [...] Consiste em experiências, por meio das quais as crianças alcançam a auto-realização[sic] e, ao mesmo tempo, aprendem a contribuir para a construção de melhores comunidades e de um melhor futuro. (RAGAN in PILETTI, 2000, p. 52). Tudo aquilo que o aluno vive e vê pode-se constituir em currículo: conteúdos, conhecimento científico, cultura, acontecimentos, conhecimentos gerais, meio ambiente, saúde, música etc. Atualmente currículo é tudo que acontece na vida de uma criança, na vida de seus pais e professor. Tudo que cerca o aluno, em todas as horas do dia, constitui matéria para o currículo. (REIS in PILETTI, p. 52) Na Educação Infantil, não podemos pensar ou agir de forma diferente. Independente da idade de nossos alunos, devemos ter em mente que os mesmos precisam ser educados em sua totalidade, aprendendo conteúdos, ampliando suas habilidades, desenvolvendo atitudes e valores, além de estarem equilibrados emocionalmente. Não podemos nos esquecer também deque, na educação infantil, o educar não pode excluir o cuidar. Ambos andam juntos nesse nível de ensino. 11 UNIDADE Currículo e Atendimento Educacional na Educação Infantil Assim pensando, mesmo nossa disciplina estando focada no trabalho com crianças entre zero e cinco anos, como professor você deve ter uma postura que privilegie a construção de um currículo que possa realmente auxiliar nossas crianças a aprender, crescer, e a se desenvolver. Independentemente do nível de ensino ou da idade de seus alunos, você deve não somente no que diz respeito a conteúdos, mas como seres humanos, cidadãos prontos a levar para fora da escola as lições de vida que certamente podemos vivenciar juntos. Portanto, a postura do docente, a forma como ele vê seus alunos, como desenvolve sua prática, como acredita ou não na educação como instrumento de crescimento e transformação, vai influenciar na elaboração do currículo a ser trabalhado e na sua prática pedagógica. Figura 2 Fonte: Getty Images O aluno não é somente um reprodutor do conhecimento, mas sim produtor e construtor de saberes. O que nossas crianças aprendem não deve ter impacto somente no instante em que está estudando e abordando determinado assunto, mas deve ser parte fundamental de construção de seu caráter e de seu futuro. É sob esse ponto de vista, da participação da criança na própria aprendizagem e de nossa responsabilidade, tanto nas oportunidades propiciadas para seu crescimento quanto no exemplo que somos para essa criança, que você deve pensar o currículo. O objetivo maior dessas reflexões é colaborar na construção de um currículo articulado no atendimento educacional na Educação Infantil, discutindo as tendências teóricas e pedagógicas para esse nível de ensino, pensando na formação da criança e suas interações com pais, educadores e outras crianças. Para isso, é preciso que você saiba quem são as crianças que recebemos nas escolas de educação infantil e como essas crianças aprendem. 12 13 O vídeo “Currículo na Educação Infantil: definições legais” apresenta as definições jurídicas e as possibilidades acerca do conceito de currículo. O vídeo faz parte do Programa do Curso de Pedagogia Unesp/Univesp, integrante da disciplina de Educação Infantil, e está disponível no YouTube pelo link https://youtu.be/xgWFOKF-4oQ Os Alunos da Educação Infantil Entender quem são nossas crianças é fundamental para que o trabalho com elas realizado renda bons frutos. Importante também é saber como as crianças, independente de etnia, religião, cultura ou nível socioeconômico, são vistas pela sociedade. O contexto familiar também é muito importante para essa percepção. Ao trabalhar com educação infantil, você vai perceber que as crianças vêm de diferentes formações familiares, situações socioeconômicas, culturas ou regiões. Além disso, são crianças que vivem em um mundo globalizado e, portanto, têm grande capacidade de observação e de intervenção. Ao entrarem na escola, as crianças já trazem conhecimentos adquiridos de sua vivência na família, com os amiguinhos, na comunidade religiosa a qual pertence. Ignorar este conhecimento prévio da criança é perder uma grande oportunidade de enriquecer a elaboração do currículo. [...] o desenvolvimento da criança é produto de instituições sociais e sistemas educacionais, como família, escola, igreja, que ajudam a construir seu próprio pensamento e descobrir o significado da ação do outro e de sua própria ação. (VYGOTSKY, 1931, apud CARDOSO; OLIVEIRA, 2009, p. 2) Por esses motivos, o trabalho com Educação Infantil pede atenção especial às interações que se estabelecem envolvendo a criança, pois, a partir delas, pode-se facilitar ou dificultar tanto a aprendizagem quanto o desenvolvimento dos pequenos. Interações Pessoais A criança não é um corpo a ser mantido limpo sob uma cabeça a ser mantida ocupada, como muito já se pensou. Ela é uma totalidade que integra aspectos físicos, afetivos e cognitivos, que tomam sentido através da linguagem e da cultura. Suas relações com outras pessoas, sejam pessoas adultas ou crianças, são oportunidades para que ela se constitua como sujeito único, com uma forma toda particular de reagir às situações. Uma educação que cuida da criança dá atenção constante a todos esses aspectos. A Educação Infantil deve criar para cada criança múltiplas oportunidades para que ela possa se expressar e respeitar os sentimentos, ideias, costumes e preferências do outro. Deve garantir, ainda, que cada criança seja aceita com suas características 13 UNIDADE Currículo e Atendimento Educacional na Educação Infantil físicas e morais. Uma educação cuidadosa seleciona experiências socialmente relevantes de aprendizagem e propõe metas valiosas à construção de competências, apoiando, assim, a formação de um autoconceito positivo do educando. Nesse contexto, as relações afetivas das crianças apresentam-se como fatores importantes em seu desenvolvimento e crescimento. “Interagir com a criança é muito importante para o seu desenvolvimento”, diz pediatra americana – Leia em: https://bit.ly/2Y1d0td Interações Educador-Criança Sabemos que as brincadeiras e os jogos infantis são fundamentais para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. Eles são recursos privilegiados que devemos garantir enquanto direitos da infância. Mas, neste processo, qual o papel do educador? Para que a criança brinque e se envolva com a brincadeira, é fundamental que ela se sinta emocionalmente bem na relação com quem a cerca, que, no contexto do CEI, são os educadores e as outras crianças. Essa ideia indica que, para a criança, suas relações sociais têm muita importância e devemos considerá-las com seriedade. Quando compreendemos essa característica do desenvolvimento infantil, tornam-se mais evidentes o papel e a função da interação enquanto um aspecto essencial para que a criança se socialize, aprenda, cresça etc. Figura 3 Fonte: Getty Images Quando a criança brinca, é muito comum ouvirmos frases do tipo: “ela está apenas brincando, não é sério!” Ou, no outro extremo: “por que você não brinca disto? E agora daquilo outro?...”. Esses são exemplos de atitudes que não colocam o educador como parceiro e interlocutor da criança: ou ele se afasta ou dita regras. Mas qual será a medida? 14 15 O primeiro passo é entendermos que a brincadeira é um ritual interativo (por exemplo, quando o adulto se esconde atrás de um pano e diz: “achou!”) no qual a função do educador é também garantir a expressão da criança, acolhendo suas emoções e necessidades, permitindo, assim, que ela estruture seu pensamento. Além disso, ele deve ser uma pessoa verdadeira, que se relaciona afetivamente com a criança, criando condições para que ela questione, reflita etc. Dessa forma, na convivência cotidiana, o educador pode ser uma pessoa que transmite segurança para a criança, acolhendo suas emoções. O educador deve ser capaz de ouvir a criança, valorizando suas perguntas e produções, e de respeitar suas opiniões. Agindo assim, ele se torna um parceiro com quem a criança pode contar na exploração de um mundo grande, novo e muito interessante. Leia “O papel do professor frente à questão do brincar para crianças de 04 (quatro) a 06 (seis) anos”, disponível em: https://bit.ly/308uYfW A ação do educador como mediador da relação que as crianças estabelecem entre si auxilia para que elas desenvolvam capacidades como tomadas de decisões, construção e apreensão de regras, cooperação, diálogo, solidariedade etc. Assim, o educador favorece o desenvolvimento de sentimentos de justiça e atitudes de cuidado que a criança passa a ter com ela própria e com as outras pessoas. O educador, quando considera a criança como um ser ativo em seu processo de desenvolvimento, faz a mediação entre ela e seu meio, podendo utilizar inúmeros recursos como o próprio espaço físico do CEI, materiais, brinquedos, atividades plásticas etc. Mas é fundamental o modo pelo qual o educador se relaciona com a criança: como a observa, apoia, dá respostas, explica os acontecimentos e as regras, questiona. Em outras palavras,o educador deve interagir com a criança, sendo um facilitador, interventor, problematizador e propositor, levando em conta suas reações e encorajando e incentivando seus modos de brincar e de compreender o mundo. Assim, educador e crianças juntos poderão se transformar e descobrir diferentes modos de se relacionar. Quando o educador compartilha uma brincadeira ou jogo com a criança, ele pode ajudá-la a enfrentar eventuais insucessos, estimular seu raciocínio, sua criatividade, reflexão, autonomia etc. Isso quer dizer que, quando o educador tem intenção de brincar junto com a criança, ele pode criar diversas situações que estimulem o seu desenvolvimento, como a inteligência, a afetividade etc. No filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, o professor John Keating, interpretado por Robin Willians, ingressa como docente em um colégio somente de garotos. Por meio da criatividade, das artes e do pensamento crítico, ele usa abordagens diferenciadas para captar a atenção e o interesse dos jovens para a educação. Confira o trailer do filme, disponível em: https://youtu.be/Oo9R1neW4lw 15 UNIDADE Currículo e Atendimento Educacional na Educação Infantil Interações Criança-Criança Como vimos, a interação entre o educador e a criança é fundamental para o desenvolvimento infantil. Mas... E as crianças desenvolvem-se a partir das interações que estabelecem entre elas? Quando a criança brinca com outra criança, ela age de maneira cooperativa, faz imitações, disputa objetos, briga. Esses são momentos de intenso desenvolvimento: os companheiros de mesma idade despertam interesse e possibilitam percepções sobre as diversidades (maneiras de lidar com as mais variadas situações, gênero, raça/ etnia etc.). Além disso, esse tipo de interação possibilita que a criança compartilhe com outra criança suas dúvidas, expresse suas emoções e fale de suas descobertas, tornando todas essas em situações de aprendizagem. Esses momentos de interação podem ser estimulados quando o educador cria situações nas quais os grupos são privilegiados. Ou seja, propor às crianças explorações em duplas ou trios, projetos em grupo de quatro ou mais crianças etc. Por exemplo, desenvolver em grupo um teatro de fantoches permite à criança negociar o tema da história, expressando suas emoções e desejos sem usar a agressividade. Quando isso ocorre, a criança está aprendendo a elaborar planos coletivos, negociar, dividir e compartilhar. Ela desenvolve também o sentimento de pertencer a um determinado grupo. Esse tipo de interação em grupo auxilia a criança a controlar seus impulsos, pois ela deve apreender algumas regras, comportar-se de maneira cooperativa, tentar compreender as outras crianças. Além disso, a criança se enriquece por compartilhar diferentes experiências e situações: ela tem a oportunidade de expressão e de contato com vivências distintas da sua própria. Entenda melhor o assunto com o vídeo desenvolvido pela Universidade Federal do Oeste do Pará “Interações e Brincadeiras: Eixos Norteadores da Educação Infantil”, disponível em: https://youtu.be/nTrJmj7OWcM Interações com a Família Em nossa sociedade, a família tem sido o espaço privilegiado de socialização das crianças. O bebê nasce em uma cultura e, particularmente, no seio de uma família, que constitui seu primeiro meio de desenvolvimento. É esperado que ela busque garantir a sobrevivência e o desenvolvimento dos filhos, prestando cuidados materiais, afetivos e intelectuais necessários ao bem-estar infantil. Por meio dela, a criança apreende noções de verdade, de beleza e ética, entre outros temas de sua cultura, contribuindo para a reprodução do mundo social. Cada família cria suas formas de lutar pela sobrevivência e, ao fazê-lo, estabelece diferentes formas de organização, alterando os papéis e as funções de cada membro. 16 17 Quando, por exemplo, a mulher começou a sair de casa para trabalhar, houve a necessidade de criar alternativas extrafamiliares para o cuidado das crianças, como a creche. A socialização e a transmissão dos temas relacionados à sua cultura passaram a ser compartilhadas entre a família e a instituição de Educação Infantil. O filme “Relações de Família”, de 2019, conta a história de um patriarca de uma família com relações e situações problemáticas, interagindo e se conectando em meio às dificuldades, ilustrando a maneira como conflitos e divergências fazem parte do contexto familiar. Confira o trailler, disponível em: https://youtu.be/86M_R-02tlg O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990, Artigo 53) – dispõe que a família tem o direito de conhecer e de participar da elaboração da proposta pedagógica das instituições educacionais que seus filhos frequentam. A relação entre o CEI e as famílias é importante para ambos, dado que compartilham a educação das crianças. Contudo, frequentemente, essa relação é atravessada por muitas emoções, que vão da alegria à tristeza, da raiva à gratidão. Por isso, a formação do professor de Educação Infantil deve discutir novas formas de diálogo e de trabalho compartilhado com as famílias. Abrir a unidade educacional à presença constante e à participação ativa da família em seu cotidiano não é fácil! Ao frequentar o CEI, os pais passam a observar o que acontece lá dentro e a fazer mais perguntas, a dar sugestões e a fazer pedidos que nem sempre podemos atender. É, então, que aparecem as diferenças individuais, uma vez que cada pai ou mãe requer um tipo de atenção diferente. Cada grupo familiar pode ter uma história, uma bagagem cheia de diferentes valores, crenças e formas de ver o mundo. Tentar enquadrar as famílias em modelos rígidos, com base em um pretenso “funcionamento ideal”, é correr o risco de considerar a existência de apenas uma ou poucas formas possíveis de viver, de se relacionar e de experienciar o mundo. Agindo assim, pode-se cometer o engano de considerar as famílias que se afastam de um pretenso modelo ideal como sendo perigosas ao bom desenvolvimento psíquico e moral das crianças, sem avaliar a dinâmica daquele contexto familiar em uma sociedade concreta. Apesar de a legitimação do divórcio ter acontecido recentemente, a separação de casais é uma prática que já vem ocorrendo de longa data e que tem se acentuado cada vez mais. Hoje, não é difícil encontrarmos famílias nas quais tanto pai quanto mãe já tiveram outras uniões conjugais e filhos. Leia a matéria “Divórcio sem traumas: como conversar com a criança, de acordo com a idade”, disponível em: https://glo.bo/2MqddAO 17 UNIDADE Currículo e Atendimento Educacional na Educação Infantil Além das separações, assistimos atualmente a uma grande diversidade de formas de organização familiar: famílias agregadas ou compostas por apenas um dos pais morando com os filhos, avós que assumem o filho de sua filha adolescente e pessoas solteiras ou casais homossexuais que adotam crianças. Essas novas configurações familiares de pais e irmãos biológicos separados, padrastos e meios-irmãos vêm exigindo constantes redefinições de valores e atitudes na família e na sociedade. O ambiente escolar ao ser considerado, junto com a família, um local de socialização, tem grande responsabilidade na forma como vai se posicionar diante dos diferentes valores e atitudes, de ordem familiar e social. As relações familiares, assim como as relações entre a escola e as famílias, são, em geral, permeadas por conflitos e tensões inevitáveis, porém, promotores do desenvolvimento, pois é do conflito que resulta a inovação cultural. Contudo, muitas vezes, ocorrem formas de violência que exigem do educador/ professor alguma atitude em defesa dos direitos da criança. Ao se constatar alguma forma de violência dirigida à criança – física ou simbólica, ocorrida em casa ou na escola, sejam espancamentos, castigos, humilhações, abuso sexual, abandono (desde não lhe trocar fraldas por muitas horas até trancá-la no quarto ou deixá-la por longo tempo vendo TV) –, é preciso consultar o ECA, discutir com os colegas e refletir sobre qual deve ser a atitude mais adequada em benefício dessa criança. Situaçõesde insegurança e risco sociais – como pobreza, desemprego, violência, uso de drogas, morte, doenças físicas e mentais – podem ser fatores de desagregação que prejudicam a família no exercício de suas funções de apoio e de socialização, tornando-se problemáticas à medida que as pessoas deixam de ter perspectivas para compreender e superar esses conflitos. A instituição de Educação Infantil, apesar de não substituir políticas de assistência à família, deve pensar um trabalho com a família, pois cabe à creche ou pré-escola oferecer um espaço onde ela possa ser acolhida para ampliar sua aprendizagem sobre o que é ser cidadã, sendo respeitada em suas particularidades e apoiada, de modo a repensar e a traçar formas mais produtivas de participação e, aos poucos, transformar sua realidade. Figura 4 – Participação familiar na educação é fundamental Fonte: Getty Images 18 19 Muitos professores de Educação Infantil assumem uma postura autoritária, cobrando das famílias das crianças condutas que elas não podem adotar e de acreditar que elas nada têm a contribuir para o trabalho da instituição só faz aumentar os conflitos, os desentendimentos, as mágoas recíprocas. Com essa postura, eles perdem valiosas oportunidades de entender a realidade dos pais e a das crianças, ao mesmo tempo em que os familiares são prejudicados com relação a entender os propósitos educativos da escola, bem como as possibilidades e limitações pessoais, materiais ou institucionais nele presentes. Nas relações entre a família e a escola, as aproximações explicitam conflitos e requerem negociações que considerem os sentimentos que vão surgindo. Para resolver os conflitos, é necessário buscar, no diálogo, uma definição cada vez mais clara do papel e das funções de cada parte. Dito assim, parece fácil desenhá-la, mas não é. Para promover maior diálogo com as famílias, é necessário “desacomodar” nossos sistemas de crenças e valores. Isso exige disponibilidade para ouvir sem julgamentos prévios e, ao mesmo tempo, um exercício de objetividade para explicar o trabalho que é feito. Não podemos nos esquecer de que o homem é passional. Amor, ódio, carinho, rejeição, aceitação são sentimentos que temos para com nossos filhos, irmãos, marido, esposa e também para com as crianças, colegas de trabalho e famílias. Devemos, portanto, saber lidar com essas emoções. Sem isso, brigaríamos todos os dias e teríamos, em seguida, de pedir desculpas ou continuar brigando durante toda a vida! Para conquistar um ambiente mais tranquilo e harmonioso junto às famílias, podemos, além das festas tradicionais e reuniões, criar alguns eventos para incentivar a participação dos pais: quando possível, organizar um café da manhã no pátio em comemoração à chegada da primavera; um sarau; uma feirinha de exposição das produções das crianças; um teatrinho rápido, encenado por pais e educadores juntos num final de tarde. Ao prepararmos uma reunião, é importante encontrar meios de fazer com que os pais se sintam bem recebidos. Quando os chamamos para apontar o que devem ou não devem fazer, eles acabam deixando de comparecer, a menos que sejam obrigados. É mais interessante quando os chamamos para informar a respeito do projeto pedagógico ou para debater um tema específico. Nessas ocasiões, aqueles que estiverem mais motivados e interessados, certamente, mudarão de postura em relação à escola e a seus profissionais. Podemos investigar, entre os familiares, aqueles que têm habilidades especiais, como saber tocar um instrumento, ser um bom contador de histórias, saber lidar com marcenaria e com pintura, ter dotes culinários, jardinagem etc. e convidá-los para ir à escola desenvolver essas atividades com as crianças. Essa é uma forma de participação que contribui para que a família passe a conhecer um pouco mais o cotidiano escolar, principalmente, para que as crianças participem da integração entre suas famílias e sua escola. 19 UNIDADE Currículo e Atendimento Educacional na Educação Infantil Áreas da Criança na Educação Infantil Além de considerar o contexto geral da infância na educação infantil, é preciso entender que essa etapa do desenvolvimento também não é homogênea. Em cada idade, são desenvolvidas habilidades e potencialidades que se desenvolvem à medida que a criança aprende novas atividades, noções e conceitos. O que uma criança sabe fazer em determinado momento de sua vida depende de variados fatores. Uma criança é capaz de começar a falar, por exemplo, por imitação de sons. Ou pode ter sido estimulada a estabelecer algumas relações com a pessoa que cuida dela, desenvolvendo o interesse em se comunicar, aguçando a vontade de entender e fazer-se entendida. Você já deve ter observado que, de um modo geral, as crianças apresentam estágios de desenvolvimento que são determinados por conhecimentos e habilidades inerentes à sua faixa etária e, normalmente, comuns a todas as crianças da mesma idade. Esses estágios representam avanços na qualidade daquilo que as crianças têm possibilidade de realizar antes ou depois dessa mudança, representando a passagem para outra etapa de desenvolvimento. Os estágios são universais, ou seja, todos os seres humanos passam pelos mesmos estágios, ainda que não necessariamente na mesma idade. O biólogo Jean Piaget observou que as crianças passam por estágios de desenvolvimento que permitem que avancem no conhecimento e ação. Dica de artigo: “Da Ação à Compreensão: Um Passeio pela Teoria de Piaget”, disponível em: https://bit.ly/3gTqi3B Mesmo assim, as crianças não são iguais. Os momentos em que ocorrem os saltos qualitativos podem ser diferentes, conforme as crianças e os grupos culturais aos quais pertencem. Daí a importância de percebermos e entendermos o contexto no qual as crianças se desenvolvem. Os meios ricos em estímulos e afeto proporcionam uma evolução mais rápida no desenvolvimento das capacidades do que contextos menos ricos em estímulos ou afetividade. Existem, portanto, traços gerais da evolução da criança na etapa da educação infantil. Podemos dividir o desenvolvimento infantil em três grandes áreas: • Área motora: relaciona-se com o desenvolvimento dos movimentos do corpo humano, tanto em sua globalidade como dos segmentos corporais. Nas crianças, destacamos o equilíbrio, o andar, falar, correr, pular, a coordenação motora etc.; • Área cognitiva: refere-se à capacidade de compreender o mundo e de atuar nele, em diferentes idades, por meio da linguagem ou da resolução de situações- -problema que são apresentadas às crianças. É preciso que você lembre que, na 20 21 faixa etária da educação infantil, a criança tem grande capacidade de criação e comunicação, fazendo uso de diferentes linguagens: verbal, gestual, artística, do faz-de-conta etc.; • Área afetiva: engloba o desenvolvimento do equilíbrio pessoal, que faz com que a criança se sinta bem consigo mesma; da relação interpessoal, que auxilia no confronto com situações e pessoas novas; e da atuação e inserção social, que permite à criança estabelecer relações cada vez mais alheias, distanciadas, bem como atuar no mundo que a rodeia. Apresentar etapas ou estágios de desenvolvimento divididos dessa forma é muito útil como um recurso de estudo e para que você entenda as diferentes áreas de desenvolvimento das crianças, porém, sabemos que o desenvolvimento é global e existem constantes relações entre as capacidades desenvolvidas, inclusive entre as áreas. Além disso, as crianças diferem entre si, o que faz com que crianças de uma mesma idade estejam em diferentes graus de desenvolvimento. Entender de que maneira os estágios do desenvolvimento afetam o aprendizado é fundamental no contexto do currículo escolar. Igualmente importante é entender quais são as formas de aprendizado – brincadeiras e interações, por exemplo – já que elas influenciam diretamente as metodologias e premissas que devem ser consideradas no planejamento. Esses desdobramentos do aprendizado serão abordados na próxima unidade. Em Síntese Nesta unidade, você aprendeu que elaborar um currículo no trabalho com a EducaçãoInfantil não é algo estranho, mas necessário. Para isso, é preciso que o professor saiba como integrar o conhecimento que se espera que a criança adquira com situações cotidianas, com a vivência da criança e suas expectativas. Além disso, você viu como as relações interpessoais são importantes para a criança, que aprende e cresce a partir dessas relações. Também verificamos que professor e escola devem estabelecer relações de parceria com a família, para que a criança tenha o sentimento de pertencimento aos dois grupos: familiar e escolar. A partir do seu conhecimento sobre currículo e do entendimento da importância das relações estabelecidas entre você e as crianças e seus pais, respeito às relações entre as próprias crianças, você poderá desenvolver um rico trabalho junto às crianças na Educação Infantil. Introdução Durante muito tempo, a Educação Infantil foi direcionada ao atendimento de crianças que necessitavam de assistência enquanto suas mães trabalhavam fora. Esse caráter assistencialista da Educação Infantil privilegiava o cuidado com a criança como principal objetivo das instituições. Até hoje, alguns professores entendem que seu papel junto às crianças é mantê-las limpas, alimentadas e saudáveis, com grande destaque para o “cuidar”. Figura 1 – Centro de Educação Infantil (CEI) de Campinas, creche fundada da década de 1940 Fonte: campinas.sp.gov.br Porém, a partir de 1996, com a LDB nº 9394, a Educação Infantil foi inserida no sistema educacional como a primeira etapa da educação básica. Portanto, somente cuidar não mais atende aos objetivos legais propostos; é preciso educar. Foi a primeira vez que as creches foram consideradas espaços de aprendizagem e formação infantil em sentido educacional. Tornou-se necessário superar a concepção assistencialista que ainda predomina na Educação Infantil, atendendo aos aspectos legais, mas, principalmente, revendo a concepção que se tem de infância, a postura do professor que atua nesta faixa etária e até mesmo as responsabilidades da sociedade perante essas crianças. Estamos falando em cuidar e educar na Educação Infantil. Mas há diferença entre essas duas ações? Cuidar: significa “zelar pelo bem-estar ou pela saúde de; tratar da saúde de; sustentar; empregar a atenção; ter desvelo por” (MICHAELLIS). De um modo geral, podemos entender cuidar como atenção e desvelo direcionado ao bem-estar e saúde de alguém. Na Educação Infantil, podemos perceber que o “cuidar” é imprescindível e exige também conhecimentos e estratégias que possam explorar a potencialidade pedagógica desse cuidar. 8 9 O cuidado precisa considerar, principalmente, as necessidades das crianças que quando observadas, ouvidas e respeitadas, podem dar pistas importantes sobre a qualidade do que estão recebendo. Para se atingir os objetivos dos cuidados com a preservação da vida e com o desenvolvimento das capacidades humanas, é necessário que as atitudes e procedimentos estejam baseados em conhecimentos específicos sobre desenvolvimento biológico, emocional, e intelectual das crianças, levando em conta diferentes realidades socioculturais. (BRASIL, 1998, p. 25) O cuidar remete-nos, portanto, ao auxílio dado às crianças em seus primeiros passos e atividades, com referência tanto ao aspecto biológico quanto ao aspecto afetivo e emocional. Toda criança necessita de cuidados referentes à alimentação e asseio, mas precisa, também, sentir-se segura, encontrar apoio e incentivo na figura do professor. Além disso, cabe ao professor conhecer as necessidades que cada criança tem, observando, ouvindo e respeitando cada uma delas, para que a própria criança também possa identificá-las, auxiliando o atendimento. Já educar significa proporcionar às crianças momentos em que suas capacidades e habilidades possam ser desenvolvidas. Encontramos sua definição no RCNEI – Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil: Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal e de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito, confiança, e o acesso, pelas crianças aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. (BRASIL, 1998, p. 24) É claro que crianças pequenas necessitam de cuidados essenciais, como higiene, alimentação, segurança, mas, em contrapartida, interagem com o mundo e as outras pessoas, participam de experiências que as levam a descobrimentos. Ao propiciar o desenvolvimento desses dois momentos importantes à criança, o professor estará trabalhando a educação. Como você pode perceber, o professor de Educação Infantil deve ser capaz de entender que o cuidar e o educar não se separam e também de manter o equilíbrio entre esses dois processos no atendimento das crianças. Deve pensar apoiado em uma concepção integral da criança, visando ao desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocional, físico e social. Para tanto, é preciso saber como as crianças aprendem e o que pode auxiliá-las a crescer e evoluir. Entenda os processos educacionais que estão envolvidos no processo de cuidar e de que maneira essa relação acontece no vídeo “Cuidar, Educar e Brincar”, do Instituto Advento e disponível em: https://youtu.be/s71QaTgNdiw 9 UNIDADE Desenvolvimento e Aprendizagem da Criança na Educação Infantil Formas de Aprendizagem e a Educação Infantil A forma como as crianças desenvolvem a aprendizagem, seja em relação a comportamentos, habilidades, hábitos seja quanto aos conhecimentos, pode ocorrer de diferentes maneiras. Depende também da forma como essa criança é apresentada ao objeto de aprendizagem ou estimulada a realizar esta ou aquela tarefa. Entender de que maneira isso acontece é fundamental para compreender na prática os elementos abordados acima sobre o desenvolvimento infantil. Segundo Palácios (1991 In BASSEDAS, 1999), existem diferentes caminhos ou maneiras de aprender que podem ser estudados para orientar nosso trabalho com as crianças na Educ ação Infantil: a aprendizagem através da experiência com os objetos; a aprendizagem através da experiência em determinadas situações; a aprendizagem através do prêmio e do castigo; a aprendizagem por imitação; e a aprendizagem pela formação de “andaimes” por parte da pessoa adulta ou outra pessoa mais capaz. Vamos entender cada uma dessas formas de aprender da criança? O TedX “Novas formas de aprender e ensinar”, com os palestrantes João Pedro Magnani e Pedro Lu, versa sobre a questão das possibilidades de aprendizagem e da maneira como isso pode ser explorado. Disponível em: https://youtu.be/IOMmdBpTKqc Ludicidade A ideia de que a educação infantil pode começar antes da fase de alfabetização trouxe consigo reflexões acerca de outros aspectos da infância. A primeira delas é a de que a aprendizagem vai muito além dos conteúdos teóricos que são ensinados formalmente nos quadros-negros; aprende-se a cada momento e as ferramentas que materializam essa realidade são muitas e diversas. O desenvolvimento infantil está muito atrelado ao desenvolvimento de novas habilidades e de percepções sobre o mundo em que está inserido. Espera-se, por exemplo, que as crianças sejam capazes de pular corda e de esperar na fila até chegar a sua vez. Embora pareça corriqueira, essa atividade indica que a criança já desenvolveu suas capacidades motoras a ponto de conseguir executar a ideia prática da brincadeira (pular a corda sem pisar nela, no caso), ao mesmo tempo em que entende o conjunto sistemático de regras para conseguir seguir as normas proposta. É nesse sentido que se observa a necessidade de considerar a importância de elementos lúdicos na educação infantil. A ludicidade diz respeito ao que é feito com a função de divertir, de representar a realidade e de expressar ideias e sentimentos. Nas palavras de Leal e D’Ávila (2013, p. 43): 10 11 Lúdico vem do latim ludus que, de acordo com Huizinga: “abrange os jogos infantis, a recreação, as competições, as representações litúrgicas