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2 3 Profa. Me. Gisleuda Gabriel PORTUGUÊS I Sobral 2017 4 5 SUMÁRIO Palavra do professor autor Sobre o Autor Ambientação UNIDADE 1 - A Comunicação: Linguagem, Texto e Discurso. Linguagem Língua A origem da Língua Portuguesa Códigos Variedades Linguísticas A língua portuguesa como identidade grupal Dialetos e Registros Gíria Oralidade e Escrita Língua falada e a Língua escrita UNIDADE 2 - A Comunicação e a Intencionalidade Discursiva Elementos Essenciais da Comunicação O Modelo Comunicativo de Roman Jakobson Intencionalidade Discursiva Funções da Linguagem Informatividade, economia, ruído e redundância. 6 UNIDADE 3 - Texto e Discurso Texto e Textualidade Coerência Textual A coerência e o contexto discursivo Coesão Textual Procedimentos coesivos Conectivos ou Recursos de Coesão Relações de coesão Intertextualidade, Interdiscursividade e Paródia. Tipos de Intertextualidade UNIDADE 4 – Da teoria à prática: Produção Textual Refletindo sobre o texto Referências Bibliográficas 7 Palavra do professor autor Olá estudantes! A comunicação é algo intrínseco do ser humano, já nascemos com a necessidade de nos comunicar e essa interação sempre se dá em função de inúmeras necessidades que nós, por vivermos em sociedade, temos em relação às outras pessoas. O processo comunicativo inicia da nossa necessidade de interagir com o outro. Através da disciplina de Português I, podemos depreender alguns elementos que compõem a comunicação verbal humana, sobretudo, conscientes de ser o ato comunicativo a “comunhão” de nossas necessidades e envolve inúmeros elementos. Como afirmou o inglês, John Donne, Se “nenhum homem é uma ilha, completo em si mesmo”, é justamente porque ninguém está sozinho, e todos nós precisamos uns dos outros para viver. Viver pressupõe isso: interagir com os outros e com o mundo, e, para interagir, é preciso saber como fazer isso, pois nossa sociedade é complexa e revela inúmeras situações comunicativas e vários propósitos comunicativos, com suas próprias regras. Em outras palavras, nós nos comunicamos porque participamos de relações sociais com outras pessoas e, em determinadas situações, necessitamos nos fazer compreendidos por elas. Foi pensando nessas e outras questões concernentes ao assunto que este material de estudo foi pensado, não somente como mais uma disciplina a ser integrado ao curso, mas uma ferramenta indispensável na contribuição do futuro jornalista que fará desses conceitos e técnicas a construção de sua prática. É nesse sentido que ninguém consegue viver como uma ilha, pois uma ilha não se comunica com nada, senão com ela mesma. Bons Estudos! A autora 8 Sobre o Autor Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós- Graduação em LA da Universidade Estadual do Ceará (PosLa). Experiência na área de Letras, com ênfase em Ensino da língua Francesa (FLE), atuando principalmente nos seguintes temas: Ensino de Língua Francesa, Ensino de Língua Portuguesa e Ensino de Língua Portuguesa para Estrangeiros (PLE). Membro do Grupo de Pesquisa - Literatura: Estudo, Ensino e (Re) leitura do mundo (GPLEER) - A Literatura na formação de professores de LE na UECE como Objeto de Estudo, Recurso para o Ensino e Formadora de Leitores: Diagnóstico e Proposta de Atuação, coordenado pela Professora Doutora Cleudene Aragão. Atualmente, aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLa). 9 Ambientação Olá estudantes, tudo bem? Iniciaremos o estudo da disciplina Português I, cujo propósito consiste em contribuir de forma significativa para a ampliação das competências e habilidades linguísticas por meio dos usos efetivos da linguagem. Partimos da ideia de que a língua não é um sistema fechado, imutável, de unidades e de leis combinatórias, mas um processo dinâmico, um meio de realizar ações, de agir e atuar sobre o outro. Logo, o seu conhecimento sobre a nossa língua materna e as práticas sociais comunicativas serão o ponto de partida fundamental para percorremos o caminho da aprendizagem, pois o ato de se comunicar envolve interação, conhecimento e transformação. O principal objetivo do ensino e aprendizagem de uma língua consiste em verificar a competência de ler, compreender, interpretar, relacionar informações, produzir textos e não avaliar se o aluno domina as regras da gramática normativa. Nesse sentido, queremos que você não apenas reconheça as normas das situações comunicativas em que se envolve, mas também avaliar os comportamentos linguísticos nos mais diversificados contextos sociais, pois sabemos que empregar uma língua de forma apropriada significa adequá-la aos mais variados contextos comunicativos. No âmbito profissional, consideramos o estudo dos gêneros textuais como tarefa primordial para o desenvolvimento do savoir-faire, pois sabemos que o jornalista trabalha na procura de informações, produção e divulgação, pois redige reportagens, faz entrevistas, escreve artigos, adaptando o tamanho, a abordagem, a linguagem dos textos aos diversos veículos de comunicação e ao público a que se destinam. Logo, ter o domínio mínimo da língua constitui um aspecto relevante, pois, implica ter a possibilidade de modificar nossas percepções, de influenciar no modo de pensar e agir de forma mais responsável. Savoir-faire = > É a experiência prática na realização de uma tarefa. O Savoir- faire pode ou não pode ser difícil a transferência deste saber prático. 10 Levaremos em consideração o fato de que no mundo atual caracterizado pela diversidade de linguagens e pelas comunicações eletrônicas, o uso adequado e eficiente da linguagem verbal se torna imprescindível. Para isso, conduziremos a aprendizagem por meio de situações reais de uso voltados para a produção de textos – sejam eles orais ou escritos – nas mais diversificadas finalidades. Desejamos a todos, uma excelente aprendizagem! 11 A COMUNICAÇÃO: LINGUAGEM; TEXTO E DISCURSO. 1 Conhecimento Conhecer os aspectos linguísticos da Língua Portuguesa Habilidades Identificar os elementos básicos da comunicação. Atitudes Utilizar as variedades linguísticas, em contextos situacionais de produção e uso. 12 Linguagem é a palavra que identifica o ser humano, é ela seu substrato que possibilite a convivência humana e a comunicação total entre os seres dotados de inteligência; ela é a menor partícula do entendimento das coisas. A palavra é o átomo da alma. (ZIRALDO, 2007. p.74-75) Para você, o que é linguagem? Linguagem é a faculdade inerente ao homem de poder expressar seus pensamentos e sentimentos por meio de sons e de sinais. É um processo comunicativo pelo qual as pessoas interagem. Logo, quando o homem fala, emite sons (utiliza a linguagem falada); quando escreve, emprega os sinais (utiliza a linguagem escrita); quando emite gestos (usa a linguagem mímica) assim por diante. Para se comunicar, os personagens da tirinha não utilizam apenas as palavras, eles sorriem, gesticulam, fazem expressõescorporais e faciais, ou seja, várias linguagens. Mas por que o ser humano se comunica? 13 A ciência afirma que, independente de qualquer diferença, ao longo da vida as pessoas são movidas por necessidades universais tais como: comer, se proteger, se relacionar de forma afetiva com outras pessoas e de se realizar. Tudo isso, se torna possível por meio da capacidade inata ao homem: sua capacidade de se comunicar. É nesse sentido que o ato de se comunicar está atrelado à sobrevivência humana. O que é comunicação? Comunicação é uma palavra derivada do termo em latim "communicare", que significa partilha troca, entendimento, compreensão, tornar comum. A comunicação acontece quando duas pessoas são comuns, ou seja, conseguem trocar (enviar, receber e entender) mensagens utilizando códigos e signos conhecidos pelos agentes comunicadores. Entre as maneiras de se comunicar e interagir com as pessoas estão a comunicação: verbal (a fala); não verbal (duas pessoas gesticulando; escrita); comunicação mediada (mensagens via meios de comunicação - mídia). Conforme os estudos de Díaz Bordenave (2006, p.17) quando afirma que: [...] a comunicação foi o canal pelo qual os padrões de vida de sua cultura foram transmitidos para cada um de nós, pelo qual aprendemos a ser “membro” da sociedade a qual pertencemos de nossa família, do grupo de amigos e de nossa nação e, consequentemente, incorporamos nossa cultura, ou seja, valores, crenças, hábitos e modos de agir. Podemos dizer que os componentes elementares da comunicação, ou seja, para que a comunicação seja transmitida, é necessária a presença dos seguintes elementos: emissor; receptor, mensagem, código, referente e canal da mensagem. O fato é que a comunicação sempre existiu, desde os primeiros agrupamentos humanos e a modernidade problematizou esse processo e criou novas formas e meios de se comunicar. 14 Linguagem Verbal e Linguagem não verbal A linguagem não é somente um conjunto de palavras faladas ou escritas, mas também de gestos e imagens. Afinal, não nos comunicamos apenas pela fala ou escrita, não é verdade? Para nos comunicarmos, utilizamos com frequência a linguagem verbal e linguagem não verbal. A unidade básica da linguagem verbal é a palavra (falada ou escrita), porém existem também as linguagens não verbais, como: a mímica, a música, a dança, a fotografia, a escultura etc., que possuem outros tipos de unidade – o gesto, o movimento, a imagem, etc. Existem, ainda, as linguagens mistas, aquelas que utilizam simultaneamente linguagem verbal e não verbal: as histórias em quadrinhos, o teatro, o cinema, a música, um cartaz publicitário etc. Como advento da informática e, consequentemente, das novas formas de comunicação oferecida pelas tecnologias, podemos afirmar que existe também a linguagem digital, que permite armazenar e transmitir informações por meios eletrônicos. Vemos que, de fato, o desenvolvimento da civilização acompanha o desenvolvimento das tecnologias e diante das novas formas de comunicação, surgiram alguns gêneros digitais com outros tipos de linguagens: os chats, os blogs, o Facebook, o Twitter etc. Língua: Além do português, há no Brasil aproximadamente 180 línguas indígenas, falada por 225 etnias. Dessas línguas, 110 são consideradas em extinção, pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas. Estima-se que, em 1500,cerca de 6 milhões de índios falavam 1.078 idiomas. A língua é uma consequência da evolução da linguagem e no mundo existem aproximadamente 2700 línguas e 7 mil dialetos. As três línguas mais faladas são o mandarim (falado na China), o hindi (falado na Índia) e o inglês (falado nos Estados Unidos, na Inglaterra e em vários outros países). A Língua Portuguesa ocupa 15 o 7º lugar e é falado por cerca de 200 milhões de pessoas de quatro continentes e no Brasil encontram-se 90% dos seus falantes. Um conjunto de sinais (palavras) e de leis combinatórias por meio do qual as pessoas de uma comunidade se comunicam e interagem. Trata-se de um elemento de comunicação de ideias, sentimentos, percepções da realidade, emoções e sua origem decorre de um fato social: a necessidade da comunicação. A língua pertence a todos os membros de uma comunidade, por isso faz parte do patrimônio social e cultural de cada coletividade; é o resultado histórico de uma convenção, um único indivíduo, isoladamente, não é capaz de criá-la ou modificá-la. Entretanto, a fala e a escrita são usos sociais individuais da língua, pois sempre que falamos e escrevemos, levamos em consideração quem é o interlocutor e a situação comunicativa a qual estamos inseridos. É importante destacarmos que aquele que produz a linguagem é chamado de locutor, aquele que recebe a linguagem é chamado de locutário, no processo de comunicação e interação ambos são chamados de interlocutores. Nem a língua nem a fala são imutáveis, pois a língua evolui, transforma-se historicamente. A fala também se modifica, conforme a história pessoal de cada indivíduo, sua formação escolar e cultural, suas vivências e grupo social ao qual pertence. De olho na Mídia /Documentário Língua: Vidas em português (2001), do diretor Victor Lopes, trata-se de um documentário que conta a história da língua portuguesa de uma maneira bastante heterogênea. A trajetória da língua perpassa por todos os países de língua portuguesa – Goa (estado da índia), Moçambique, Portugal, Brasil, Macau (China), Angola e Japão (Comunidade brasileira em Tóquio) – e é retratada por pessoas de várias profissões (padeiro, Interlocutores são as pessoas que participam do processo de interação por meio da linguagem. 16 escritores, músicos, vendedor de balas) e classes sociais que se valem desse idioma para se comunicarem ou trabalharem. Nesse documentário, temos ainda a presença de figuras importantes no cenário literário da língua portuguesa, como Saramago, Mia Couto e João Ubaldo Ribeiro, que são porta-vozes de toda uma nação, de toda uma comunidade mundial de usuários da língua. Antes de falarmos sobre os principais elementos da comunicação, traçaremos um breve histórico sobre a origem da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JBmLzbjmhhg>. Acesso em: 27 de fev.2017. 51m. A origem da Língua Portuguesa Historicamente, a origem da Língua Portuguesa está relacionada aos acontecimentos históricos da Península Ibérica. Conforme os estudos de Bechara (2009, p. 23): “a língua portuguesa é a continuação ininterrupta, no tempo e no espaço, do latim levado à Península Ibérica pela expansão do império romano, no início do séc. III a.c”. A consolidação dos idiomas nacionais europeus, sobretudo aqueles derivados do latim, ocorreu entre os séculos XII e XVI, na passagem da Baixa Idade Média para a Idade Moderna. Entretanto, a história da formação de cada um desses idiomas deve levar em consideração a mistura de elementos das línguas bárbaras como o latim, pois ao longo de mais de sete séculos de ocupação peninsular, povos bárbaros do norte europeu tiveram contato com o Império Romano. Houve uma forte influência no chamado galaico- https://www.youtube.com/watch?v=JBmLzbjmhhg 17 português que, a medida que Portugal expandia suas conquistas absorviam os falares dos povos dominados, o galego e o português se consolidavam como línguas independentes. Com o passar do tempo, a civilização latina se consolidou por meio da abertura de escolas, da construção de estradas, templos, pela incrementação do comércio e de outros serviços e a partir de então, o Latim tornou-se obrigatório. É válido destacar que o chamado “latim vulgar” foi o idioma levado pelos soldados para as áreas conquistadas no Império Romano porque era a língua oficial de Roma. Logo, o português se constituiucomo resultado das transformações ao longo do tempo do latim vulgar (uma das variantes da língua romana, falada por soldados, camponeses e camadas populares) e do galego (falado na província da Galícia - hoje em território espanhol). De fato, a evolução da língua portuguesa está relacionada com o domínio romano, pois por meio da influência das diversas línguas faladas na região antes do domínio romano sobre o latim vulgar, o latim passou por diversas modificações, dando origem a dialetos chamados romanço (do latim romanice que significava, falar a maneira dos romanos). Com as constantes invasões bárbaras, no século V, e a queda do Império Romano no Ocidente, surgiram vários dialetos, e numa evolução constituíram-se as línguas modernas conhecidas como: neolatinas. Na Península Ibérica, várias línguas se formaram entre elas o catalão, o castelhano, o galego-português, deste último resultou a língua portuguesa. Na entrada do século XIV, percebe-se maior influência dos falares do sul, notadamente na região de Lisboa; aumentando assim as diferenças entre o galego e o português. O galego apareceu durante os séculos XII e XV, aparecendo tanto em documentos oficiais da região de Galiza como em obras poéticas. A partir do século XVI, com o domínio de Castela, o castelhano foi introduzido como língua oficial e o galego tem sua importância relegada ao plano secundário. Entretanto, o português, desde a consolidação da autonomia política e, mais tarde, com a dilatação do império luso, consagra-se como língua oficial. 18 Em suma, a evolução da língua portuguesa é dividida em 5 (cinco) períodos: 1) Pré-Românico; 2) Românico; 3) Galego-português; 4) Português arcaico e 5) Português moderno. 1) Pré-românico: Surgidas a partir do latim vulgar (sermo vulgaris). 2) Românico: São as línguas que resultaram da diferenciação ou do latim levado pelos colonizadores romanos. Devido às sucessivas mutações, o latim foi substituído por dialetos e quatro séculos depois surgiram as demais línguas românicas: francês, espanhol, italiano, sardo, provençal, rético, franco-provençal, dálmata e romeno. 3) Galego-português: foi o idioma da Galiza, na atual Espanha, e das regiões portuguesas do Douro e Minho. 4) Português Arcaico: A separação entre o galego e o português se iniciará com a independência de Portugal (1185) e se consolidará com a expulsão dos mouros em 1249 e com a derrota em 1385 dos castelhanos que tentaram anexar o país. No século XIV surge a prosa literária em português, com a Crônica Geral de Espanha (1344) e o Livro de Linhagens, de dom Pedro, conde de Barcelos. Entre os séculos XIV e XVI, com a construção do império português de ultramar, a língua portuguesa faz-se presente em várias regiões da Ásia, África e América, sofrendo influências locais (presentes na língua atual em termos como jangada, de origem malaia, e chá, de origem chinesa). Foi nesse período que começaram os estudos gramaticais da língua portuguesa. 5) Português Moderno: No século XVI, com o aparecimento das primeiras gramáticas que definem a morfologia e a sintaxe, a língua entra na sua fase moderna: em Os Lusíadas, de Luís de Camões (1572), o português já é, tanto na estrutura da frase quanto na morfologia, muito próximo do atual. A partir daí, a língua terá mudanças menores: Na fase em que Portugal foi governado pelo trono espanhol (1580-1640), o português incorpora palavras castelhanas (como bobo e granizo); e a influência francesa no século XVIII (sentida principalmente em Portugal) faz o português da metrópole afastar-se do falado nas colônias. Nos séculos XIX e XX o vocabulário português recebe novas contribuições: surgem termos de origem greco-latina para designar os avanços tecnológicos da época (como automóvel e televisão) e termos técnicos em inglês em ramos como as 19 ciências médicas e a informática (por exemplo, check-up e software). O volume de novos termos estimula a criação de uma comissão composta por representantes dos países de língua portuguesa, em 1990, para uniformizar o vocabulário técnico e evitar o agravamento do fenômeno de introdução de termos diferentes para os mesmos objetos. O atual quadro das regiões de língua portuguesa se deve às expansões territoriais lusitanas ocorridas no século XV a XVI. Logo que a língua portuguesa partiu do ocidente lusitano, entrou por todos os continentes: América (com o Brasil), África (Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique, República Democrática de São Tomé e Príncipe), Ásia (Macau, Goa, Damão, Diu), e Oceania (Timor), além das ilhas atlânticas próximas da costa africana (Açores e Madeira), que fazem parte do estado português. Atualmente, é o idioma falado no Brasil e nos demais países lusófonos. Em alguns países o português é a língua oficial (República Democrática de São Tomé e Príncipe, o Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde), e apesar de incorporações de vocábulos nativos de modificações de pronúncia, mantêm uma unidade com o português de Portugal. Em outros locais, surgiram dialetos originários do português. E também regiões em que essa língua é falada apenas por uma pequena parte da população, como em Hong Kong e Sri Lanka. Saiba mais O que é Flor do Lácio? Flor do Lácio é uma expressão usada para nomear a Língua Portuguesa. No soneto “Língua Portuguesa”, o poeta brasileiro Olavo Bilac (1865-1918) escreve no primeiro verso “Última flor do Lácio, inculta e bela”, se referindo ao idioma Português como a última língua derivada do Latim Vulgar falado no Lácio, uma região da Itália. 20 Soneto "Língua Portuguesa" [Olavo Bilac] Última flor do Lácio, inculta e bela, És, á um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! Outra homenagem à língua portuguesa refere-se à música "Língua" da autoria de Caetano Veloso e pertencente ao álbum "Velô", lançado em 1984, onde o músico menciona em um trecho da melodia musical: "Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó". Língua [Caetano Veloso] Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões Gosto de ser e de estar E quero me dedicar a criar confusões de prosódias E uma profusão de paródias Que encurtem dores E furtem cores como camaleões Gosto do Pessoa na pessoa Da rosa no Rosa E sei que a poesia está para a prosa Assim como o amor está para a amizade E quem há de negar que esta lhe é superior? E deixe os Portugais morrerem à míngua Minha pátria é minha língua Fala Mangueira! Fala! Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode esta língua? Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas E o falso inglês relax dos surfistas Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas! Vamos na velô da dicção choo-choo 21 de Carmem Miranda E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate E (xeque-mate) explique-nos Luanda Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo Sejamos o lobo do lobo do homem Lobo do lobo do lobo do homem Adoro nomes Nomes em ã De coisas como rã e ímã Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã Nomes de nomes Como Scarlet, Moon, de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé e Maria da Fé Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode esta língua? Se você tem uma ideia incrível é melhor fazer uma cançãoEstá provado que só é possível filosofar em alemão Blitz quer dizer corisco Hollywood quer dizer Azevedo E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo A língua é minha pátria E eu não tenho pátria, tenho mátria E quero fratria Poesia concreta, prosa caótica Ótica futura Samba-rap, chiclete com banana (Será que ele está no Pão de Açúcar? Tá craude brô Você e tu Lhe amo Qué que eu te faço, nego? Bote ligeiro! Ma'de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado! Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho! I like to spend some time in Mozambique Arigatô, arigatô!) Nós canto-falamos como quem inveja negros Que sofrem horrores no Gueto do Harlem Livros, discos, vídeos à mancheia E deixa que digam, que pensem, que falem. Link da música: https://www.youtube.com/watch?v=tX7cqBreLUY Por que estudar a Gramática? A palavra gramática é originada do grego grammatike, derivada de gramma, que significa letra, cujo correspondente no latim é littera. No entanto, gregos e romanos tinham uma concepção diferente do termo gramma, pois o vincularam ao símbolo escrito ou à letra (= grafema), ao passo que os romanos o ligavam ao som, o que nos evidencia a dicotomia entre grafia e som, mencionada mais tarde pelo linguista Ferdinand de Saussure. https://www.youtube.com/watch?v=tX7cqBreLUY 22 Os filósofos de Alexandria viam a Gramática como uma arte: a arte da língua escrita. Entretanto, Platão e Aristóteles utilizavam, anteriormente, o termo gramma para referir-se às unidades da fala e da escrita. Percebe-se que as diretrizes da Gramática portuguesa no campo da normatividade tiveram sua origem na Gramática Grega, uma vez que a norma é fundamentada nos autores considerados clássicos ou modelos consagrados. Dessa forma, surgiu a Gramática Normativa que regula as normas do bem falar e do escrever. Gramática consiste na descrição sistemática dos fatos da linguagem falada e escrita e das leis naturais que a regulam. Como vimos, no século XIV foi publicada a primeira Gramática da Língua portuguesa intitulada Grammatica da lingoagem portuguesa, escrita por Fernão de Oliveira, que foi frade, gramático, construtor bélico-naval renascentista e um dos expoentes renascentistas portugueses. Editada em Lisboa, em 1536, a Gramática continha cinquenta capítulos, nos quais abordavam os assuntos: história da linguagem, noções de sintaxe e aspectos sonoros – tema que continha mais destaque. A descrição gramatical abrange diversos níveis de organização do sistema linguístico, ou seja, ela está dividida nos seguintes campos: 1) Fonológico e fônico – estuda os fonemas da língua e as possibilidades de combinação e da formação de sílabas. 2) Morfológico – estuda a classificação das palavras de acordo com sua estrutura, formação e flexão. 3) Sintático – estuda as relações estabelecidas entre as palavras nas orações ou entre as orações nos períodos. 4) Semântico – estuda as relações de sentido, ou seja, o significado das palavras, isoladamente ou dentro de um contexto. Toda língua possui uma estrutura com elementos interligados e é por isso que mesmo quem nunca frequentou uma escola, utiliza a língua de modo fluente em seus atos de comunicação. Entretanto, a língua não é apenas um agrupamento de palavras, mas um conjunto de 23 regras que permite aos seus usuários construir e compreender enunciados. Por esse motivo, ao estudarmos a gramática conseguimos associar uma sequência de sons ao seu conceito e construir frases por meio da escolha mais adequada. Essas regras nos permitem combinar palavras, criar frases e textos complexos por meio de mecanismos como a argumentação, a coesão e a coerência textual e é, também, por esse motivo que o estudo da Gramática se torna primordial no âmbito acadêmico. Códigos Código é um conjunto de sinais convencionados socialmente por um grupo de pessoas ou por uma comunidade para a construção e transmissão de mensagens de forma rápida. Além da palavra, oral e escrita, também são códigos os sinais de trânsito, os símbolos, o código Morse, as buzinas dos automóveis, as indicações de caixas em bancos ou em vagas de estacionamentos reservadas para idosos etc. Na reportagem, o escritor interage com o leitor fazendo uso da língua portuguesa, considerada um código verbal. Os códigos são muito utilizados quando há necessidade de informar e comunicar com rapidez. Por essa razão é comum haver códigos na rua, no trânsito, rodoviárias, aeroportos, etc. Como fruto de uma convenção social, as línguas não deixam de ser também, em certo sentido, um código verbal diferenciado, pois resultam de um processo social e histórico mais complexo e dinâmico. Código é um conjunto de sinais convencionados socialmente para a construção e transmissão de mensagens. 24 O “pãozinho francês” e suas variantes Um bom exemplo da variação linguística é o modo como o pãozinho francês é conhecido em diferentes lugares: “Isso não é um pão francês” – Média: Baixada Santista – São Paulo. – Filão: Ribeirão Preto - São Paulo. – Pãozinho: Capital de São Paulo. – Carioquinha – Ceará. – Cacetinho: Rio Grande do Sul. – Pão Jacó: Sergipe. - Pão Aguado – Interior do Nordeste. – Carequinha: Região Norte. Variedades Linguísticas Ao iniciarmos a aprendizagem de uma língua vamos treinando o nosso aparelho fonador (os lábios, a língua, os dentes, os maxilares, as cordas vocais) para produzir sons, que se transformam em palavras, em frases e em textos inteiros. A apropriação do vocabulário e das leis combinatórias da língua constitui-se como exercício contínuo à medida que entramos em contato com o mundo e logo percebemos que nem todos falam da mesma forma que nós. Isso ocorre por diferentes razões: Porque a pessoa vem de outra região; por ser mais velha ou mais jovem; por possuir maior ou menor grau de escolaridade; por pertencer a grupo ou classe social diferente. Essas diferenças no uso da língua constituem as variedades linguísticas. Entre as variedades da língua, a que tem mais prestígio é a variedade padrão. Também conhecida como língua padrão ou norma culta, essa variedade é utilizada na maior parte dos livros, jornais e revistas, em alguns programas de televisão, nos livros científicos e didáticos, e é ensinada na escola. As demais variedades linguísticas – como a regional, a gíria, o jargão de grupos ou profissões – são chamadas genericamente de variedades não padrão. Variedade padrão, língua padrão ou norma culta é a variedade linguística de maior prestígio social e está diretamente ligada à linguagem escrita, restringindo-se às normas gramaticais de um modo geral. Razão pela Variedades linguísticas são as variações que uma língua apresenta, de acordo com as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que é utilizada. 25 qual nunca escrevemos da mesma maneira que falamos e fator determinante para exercer total soberania sobre as demais. Utilizada em situações sociais que exigem um maior grau de formalidade – uma entrevista de emprego, um requerimento, um trabalho acadêmico, uma exposição pública, uma redação num concurso público – nesses casos, a variação linguística exigida é quase sempre a padrão, razão pela qual devemos dominá-la bem. Variedade não padrão ou Língua não padrão são todas as variedades linguísticas diferentes do padrão. Apresenta-se no nível informal e representa a linguagem do dia a dia, das conversas informais que temos com amigos, familiares etc. Compondo o quadro do padrão informal da linguagem, estão as chamadas variedades linguísticas, as quais representam as variações de acordo com as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que é utilizada. Apesar de haver muitos preconceitos sociaisem relação a variedades não padrão, é importante ressaltar que todas elas são válidas e têm valor nos grupos e nas comunidades em que são usadas. 26 A língua portuguesa como identidade grupal As variações linguísticas no campo social apresenta a língua como expressão de uma identidade grupal. Você já observou que as pessoas que pertencem ao mesmo grupo social tendem a falar de forma semelhante? É o que acontece quando há identificação de pessoas que pertencem ao mesmo grupo social: passam a compartilhar o mesmo vocabulário, gírias e expressões próprias de mesma tribo. Na tirinha acima, fica clara a ideia de que os personagens Orelha e Moska fazem parte de um mesmo grupo social ao utilizarem expressões do tipo: “Aí, Orelha”, “Minas da pesada” e “Maior moral”. Outros fatores como as roupas, a maneira de andar, os gestos corporais etc., também contribuem para os critérios de aceitação ou rejeição em grupos sociais distintos. Dialetos e Registros Há dois tipos básicos de variação linguística: os dialetos e os registros. Os dialetos estão relacionados às variedades linguísticas próprias de uma região ou território, bem como às variações encontradas na fala de determinados grupos sociais. São variantes originadas das diferenças de região ou território, de idade, de sexo, de classes ou grupos sociais, e da própria evolução histórica da língua. As variações de registro ocorrem de acordo com o grau de formalismo existente na situação; com o modo de expressão, isto é, se trata de 27 um registro oral ou escrito; com a sintonia entre os interlocutores, que envolve aspectos como graus de cortesia, tecnicidade (domínio do vocabulário específico de algum setor), etc. Gíria Gíria é um tipo de linguagem empregada em um determinado grupo social, mas que pode se estender à sociedade em razão do grau de aceitação como dos fãs de rap, de heavy metal, os surfistas, os skatistas, os forrozeiros, os funkeiros etc. Quando a gíria se restringe ao âmbito do trabalho, é chamada de jargão. Jargão é um tipo de comunicação específica, limitada a um determinado grupo de profissionais, cujo objetivo consiste em acelerar a troca de informações ou comandos entre esses profissionais, de modo a alcançar maior produtividade, é o caso dos jornalistas, dos médicos, dos advogados, dos dentistas e outras profissões. 28 Oralidade e Escrita Nas últimas décadas, a presença dos estudos linguísticos relativos à oralidade e à escrita tem sido constantes. Percebemos que a escrita não é um mero registro da fala, pois surgiu para expressar diferentes necessidades comunicativas dos seres humanos nas sociedades consideradas letradas e iletradas. Sabemos que o ser humano se expressa oralmente há mais de um milhão de anos, ao passo que a escrita existe apenas alguns milhares de anos. Embora saibamos que a fala é anterior à escrita e que alguns pesquisadores defendam a ideia de que a língua oral tenha surgido a partir das onomatopeias, sua origem ainda é um enigma. 29 Língua falada e a Língua escrita Para o estudioso Robson Andrew, “a civilização não pode existir sem a língua falada, mas pode sem a língua escrita” (ANDREW, 2016, p.9). De fato, a assertiva se confirma ao considerarmos a língua como capacidade inata ao homem, atividade social por meio do qual veiculamos informações, expomos sentimentos e agimos sobre os outros. Além de poder ser reproduzida oralmente, uma mensagem pode também efetuar-se de forma gráfica ou escrita. A escrita é um tipo de transposição realizada por meios gráficos da língua oral. Apesar de a língua oral ser anterior e predominar sobre a escrita, esta tem grande importância, uma vez que oferece maiores possibilidades de comunicação. É por meio da escrita que o homem registra o seu conhecimento e a sua cultura. Mesmo que hoje já haja um avanço notável no âmbito tecnológico, a base de qualquer ato comunicativo está na escrita. Com base na visão dicotômica, vejamos as principais diferenças entre a fala e a escrita, conforme Koch (2014): Fala Escrita Contextualizada Descontextualizada Implícita Explícita Redundante Condensada Não planejada Planejada Predominância do modus pragmático Predominância do modus sintático Fragmentada Não fragmentada Incompleta Completa Pouco elaborada Elaborada Pouca densidade informacional Densidade informacional Predominância de frases curtas, simples ou coordenadas Predominância de frases complexas, com subordinação abundante. Pequena frequência de passivas Emprego frequente de passivas Poucas nominalizações Abundância de nominalizações Menor densidade lexical Maior densidade lexical 30 Leia o poema a seguir: Aos poetas clássicos - Patativa do Assaré Poetas niversitário, Poetas de Cademia, De rico vocabularo Cheio de mitologia; Se a gente canta o que pensa, Eu quero pedir licença, Pois mesmo sem português Neste livrinho apresento O prazê e o sofrimento De um poeta camponês. Eu nasci aqui no mato, Vivi sempre a trabaiá, Neste meu pobre recato, Eu não pude estudá No verdô de minha idade, Só tive a felicidad De dá um pequeno insaio In dois livro do iscritô, O famoso professô Filisberto de Carvaio. No premêro livro havia Belas figuras na capa, E no começo se lia: A pá — O dedo do Papa, Papa, pia, dedo, dado, Pua, o pote de melado, Dá-me o dado, a fera é má E tantas coisa bonita, Qui o meu coração parpita Quando eu pego a rescordá. Foi os livro de valô Mais maió que vi no mundo, Apenas daquele autô Li o premêro e o segundo; Mas, porém, esta leitura, Me tirô da treva escura, Mostrando o caminho certo, Bastante me protegeu; Eu juro que Jesus deu Sarvação a Filisberto. Depois que os dois livro eu li, Fiquei me sintindo bem, E ôtras coisinha aprendi Sem tê lição de ninguém. Na minha pobre linguage, A minha lira servage Canto o que minha arma sente E o meu coração incerra, As coisa de minha terra E a vida de minha gente. Poeta niversitaro, Poeta de cademia, De rico vocabularo Cheio de mitologia, Tarvez este meu livrinho Não vá recebê carinho, Nem lugio e nem istima, Mas garanto sê fié E não istruí papé Com poesia sem rima. Cheio de rima e sintindo Quero iscrevê meu volume, Pra não ficá parecido Com a fulô sem perfume; A poesia sem rima, Bastante me disanima E alegria não me dá; Não tem sabô a leitura, Parece uma noite iscura Sem istrela e sem luá. Se um dotô me perguntá Se o verso sem rima presta, Calado eu não vou ficá, A minha resposta é esta: — Sem a rima, a poesia Perde arguma simpatia E uma parte do primô; Não merece munta parma, É como o corpo sem arma E o coração sem amô. Meu caro amigo poeta, Qui faz poesia branca, Não me chame de pateta Por esta opinião franca. Nasci entre a natureza, Sempre adorando as beleza Das obra do Criadô, Uvindo o vento na serva E vendo no campo a reva Pintadinha de fulô. Sou um caboco rocêro, Sem letra e sem istrução; O meu verso tem o chêro Da poêra do sertão; Vivo nesta solidade Bem destante da cidade Onde a ciença guverna. Tudo meu é naturá, Não sou capaz de gostá Da poesia moderna. Deste jeito Deus me quis E assim eu me sinto bem; Me considero feliz Sem nunca invejá quem tem Profundo conhecimento. Ou ligêro como o vento Ou divagá como a lesma, Tudo sofre a mesma prova, Vai batê na fria cova; Esta vida é sempre a mesma. Guia de estudo: O que caracteriza a variedade linguística empregada no poema? Indique os versos nos quais o eu lírico do poeta justifica a variedade linguística empregada e comente-as, posicionando-se contra ou a favor. Que sentimento o eu lírico revela nos dois últimos parágrafos? 31 O poema de Patativa do Assaré representa a realidade de milhares de brasileiros que, ainda hoje, não têm a oportunidade de frequentar a escola. Essa impossibilidade, além de ser manifestada por meio dos versos do poeta cearense, também é percebida pela linguagem escrita que reproduz a fala do sertanejo pobre e sem acesso a educação. A escola, a principal agência de letramento, é responsável pelo ensino da norma padrão prescrita na Gramática Normativa e, à medida que o falante se apropria dessa norma, a sua fala e a sua escrita modificam-se naturalmente. Entretanto, é importante deixar claro que a fala e a escrita distante da norma padrão não significam ignorância ou falta de valores culturais, pois a variação linguística dependerá do contexto em que o falante está inserido. Fala e escrita são duas modalidades da língua com características próprias que utilizam o mesmo código linguístico. E o texto é o resultado de uma coprodução dentro de um processo interacional entre interlocutores e o que distingue o texto escrito do texto falado é a forma como a produção é realizada. 32 33 A COMUNICAÇÃO E A INTENCIONALIDADE DISCURSIVA 2 Conhecimento Compreender os elementos da comunicação e a intencionalidade discursiva. Habilidades Identificar os elementos implícitos dos discursos. Atitudes Utilizar a comunicação verbal e escrita adequada às normas vigentes em contextos variados de produção e uso da língua portuguesa. 34 Elementos Essenciais da Comunicação Por meio do processo de comunicação, os seres humanos e os animais partilham diferentes informações entre si, tornando o ato de comunicar uma atividade essencial. Constituindo-se como uma ferramenta de socialização, a comunicação foi desde os tempos mais remotos um instrumento indispensável para o desenvolvimento entre os povos. A mensagem é codificada num sistema de sinais definidos que podem ser gestos, sons, indícios, uma língua natural (português, inglês, espanhol, etc.), ou outros códigos que possuem um significado (por exemplo, as cores do semáforo), é transportada até o destinatário através de um canal de comunicação (o meio por onde circula a mensagem, seja por carta, telefone, comunicado na televisão, etc.). As outras formas de comunicação que recorrem a sistemas de sinais não linguísticos, como gestos, expressões faciais, imagens, etc., são denominadas comunicação não verbal. Quando a comunicação se realiza por meio de uma linguagem falada ou escrita, denomina-se comunicação verbal. É uma forma de comunicação exclusiva dos seres humanos e a mais importante nas sociedades humanas. Nesse processo destacam-se os seguintes elementos: emissor, receptor, código (sistema de sinais) e canal de comunicação. É importante mencionar que outro elemento presente no processo comunicativo é o ruído, caracterizado por tudo aquilo que afeta o canal, perturbando a perfeita captação da mensagem. 35 O que é um signo linguístico? Talvez você já tenha ouvido falar sobre a expressão signo linguístico, criada pelo linguista Ferdinand de Saussure. Um signo é uma entidade formada pelo significante (parte material) e pelo significado (parte imaterial). É a palavra, unidade básica da linguagem verbal. No código de trânsito, um sinal vermelho é um signo. O Modelo Comunicativo de Roman Jakobson Um dos modelos comunicativos mais utilizados para explicar a comunicação humana surgiu da matemática. Tudo começou em 1948 quando o matemático e engenheiro elétrico Claude Shannon publicou um artigo chamado “Uma teoria matemática da comunicação”. O engenheiro Shannon era pesquisador dos Laboratórios Bell e buscava maneiras de tornar mais eficientes os telégrafos e aparelhos de telefonia da época. Sua grande preocupação era evitar o ruído, ou seja, as interferências que prejudicavam as transmissões das mensagens de um aparelho para outro. No ano seguinte, a teoria de Shannon foi publicada em um livro e Weaver, outro matemático e engenheiro, enviou um exemplar para Roman Jakobson: um renomado linguista de origem russa que lecionava na Universidade de Harvard. Considerando que a teoria também se aplicava à comunicação humana, Roman Jakobson produziu, em 1960, a versão clássica do modelo comunicativo. De acordo com esse modelo, em qualquer ato de comunicação humana estão presentes 6 (seis) elementos: 1) A Mensagem: Conjunto de informações que se quer transmitir. É tudo que foi emitido. Pode ser visual, auditiva, audiovisual, etc. 2) O Código: um sistema de signos e regras que possibilita a elaboração e a compreensão da mensagem. Quando nos comunicamos, utilizamos um código verbal, ou seja, uma língua. É a convenção que permite compreender a mensagem; 3) O Canal ou Contato: É o meio físico através do qual a mensagem se propaga, pelo qual emissor e receptor se comunicam. É a via de circulação da mensagem; 36 4) O Referente ou Contexto: o assunto da mensagem, aquilo a que ela se refere. 5) O Emissor ou Remetente (Locutor): aquele de quem parte a mensagem, que diz algo a alguém; o assunto da mensagem; 6) O Receptor ou Destinatário (Locutário): aquela a quem se destina a mensagem; aquele que o locutor se comunica. Exemplo: Se você enviar um torpedo a um amigo convidando-o para uma festa, a mensagem será o conteúdo do torpedo, ou seja, o conjunto de palavras que compõem o texto. O emissor (locutor) será você, e o receptor (locutário) seu amigo. O código será a língua portuguesa, o canal será o celular e o referente será a festa, pois é sobre ela que a mensagem se refere. É importante deixar clara a ideia de que em um evento comunicativo dinâmico - como a conversa face a face – emissora (locutor) e receptora (locutário) trocam o tempo todo de posição, de acordo com aquele que está falando ou ouvindo em cada momento de comunicação. Referente Mensagem Locutor (Emissor) ................................................................ Locutário (Receptor) Canal Código 37 Intencionalidade Discursiva Intencionalidade Discursiva diz respeito às intenções (implícitas ou explícitas) existentes na linguagem dos interlocutores que participam de uma situação comunicativa. A verdadeira mensagem é a intencionalidade discursiva dos enunciados, por esse motivo, o sucesso de nossas interações verbais, seja na condição de locutor ou de interlocutor, depende da nossa capacidade de lidar com a intencionalidade. A intencionalidade discursiva não se restringe apenas ao enunciado discursivo, mas se define também a partir de outros componentes da situação comunicativa, como quem fala e em qual contexto histórico foi produzido o enunciado. É muito comum nos depararmos com textos que perguntam a respeito da intencionalidade discursiva de um determinado texto; impressionar, ofender, pedir, solicitar, implorar, reivindicar, persuadir ou informar etc. - essa é a natureza da interpretação de texto. Funções da Linguagem Em todo processo de comunicação, a linguagem é expressa de acordo com a função que se deseja enfatizar, de acordo com intenção do locutor, pois todos os objetos ou seres úteis possuem uma função definida. O fato é que a linguagem também possui suas colocações onde, no momento em que se estabelece uma comunicação verbal, um dos elementos prevalece e determina uma de suas funções. De acordo como linguista russo Roman Jakobson, alinguagem exerce seis funções (emotiva, conativa, referencial, metalinguística, fática e poética), cada uma correspondendo a um dos elementos do modelo. Em cada ato de comunicação, a ênfase recai sobre um dos elementos e, consequentemente, a função relacionada a ele prevalece sobre as outras. 38 1) A função referencial (ou denotativa) É a que prevalece na maioria das mensagens. Ela é a mais importante, por exemplo, nas notícias e reportagens dos jornais, nos verbetes de uma enciclopédia, nas petições e sentenças preparadas por advogados e juízes, na legislação dos países, na comunicação empresarial e na maioria dos textos que lemos e escrevemos na faculdade. Está centrada no assunto ou referente e por isso, a ênfase recai sobre a mensagem. A principal característica da função referencial é informar sobre o mundo ao redor com o máximo de objetividade. Para tanto, o emissor utiliza a 3ª pessoa do discurso (ele, ela, seu) e pela denotação. Por outro lado, tende a evitar palavras com carga subjetiva forte, como: fofo, nojento, brutal. Denotação (Linguagem denotativa) Uma palavra é usada no sentido denotativo quando apresenta seu significado original, independentemente do contexto frásico em que aparece. Quando se refere ao seu significado mais objetivo e comum, aquele imediatamente reconhecido e muitas vezes associado ao primeiro significado que aparece nos dicionários, sendo o significado mais literal da palavra. A denotação tem como finalidade informar o receptor da mensagem de forma clara e objetiva, assumindo assim um caráter prático e utilitário. Conotação (Linguagem conotativa) Uma palavra é usada no sentido conotativo quando apresenta diferentes significados, sujeitos a diferentes interpretações, dependendo do contexto frásico em que aparece. Quando se refere a sentidos, associações e ideias que vão além do sentido original da palavra, ampliando sua significação mediante a circunstância em que a mesma é utilizada, assumindo um sentido figurado e simbólico. 39 A conotação tem como finalidade provocar sentimentos no receptor da mensagem, através da expressividade e afetividade que transmite. É utilizada principalmente numa linguagem poética e na literatura, mas também ocorre em conversas cotidianas, em letras de música, em anúncios publicitários, entre outros. 2) Função emotiva (ou expressiva) Centrada no emissor da mensagem, a função emotiva ou expressiva, o emissor deseja fazer exatamente o oposto: Em vez de focalizar o exterior, ele quer usar a linguagem para dar vazão (saída) a seu mundo interno, seus sentimentos, desejos e sonhos. Nesse caso, a ênfase recai sobre o próprio emissor e a linguagem assume função emotiva ou expressiva. Em consequência, predomina o emprego da 1ª pessoa do discurso (eu, meu comigo) das interjeições (ai, puxa, tomara) e de sinais de pontuação que conferem subjetividade ao texto, como o ponto de exclamação e as reticências (que alegria! Oh, céus...). A função emotiva é comum em poemas, letras de canções e diários pessoais. 3) Linguagem conativa (ou apelativa) Na linguagem conativa ou apelativa, a ênfase pode recair no receptor da mensagem, visa a uma atitude ou tomada de posição por parte do interlocutor ou receptor, por isso o texto é geralmente persuasivo, sedutor. Nesse caso, dizemos que a linguagem exerce função conativa ou apelativa, já que intenção é apelar aos sentimentos ou à razão do destinatário, para que este tome determinada atitude. O exemplo mais típico disso são os anúncios publicitários, pois eles sempre pretendem que o receptor faça alguma coisa – em geral, que compre o produto anunciado. O uso do verbo no imperativo é a marca registrada na função conativa. 40 4) Função fática Centrada no contato, no canal, caracteriza-se pelo uso de certas expressões, visando a estabelecer e manter contato com o interlocutor. Na função fática, a intenção do emissor consiste apenas em estabelecer ou manter aberto o canal de comunicação. São exemplos disso, frases que dão início a uma conversa, como “E aí?” “Tudo bem?”, e aquelas que buscam verificar se o canal está livre de ruídos, como “Alô?” Você está me ouvindo? Ou Está dando para enxergar? 5) Função metalinguística Centrada no código, traz sempre uma explicação, procurando definir o que não está claro. Utilizada em situações em que a linguagem é usada para falar sobre ela mesma: o emissor usa símbolos do código para questionar ou comentar o próprio código. A frase “Professora, o que quer dizer conotação?” é um exemplo disso, pois as palavras da língua portuguesa estão sendo usadas para falar sobre um item da própria língua. 6) Função poética Centrada na própria mensagem, valoriza a informação pela forma como é veiculada. O ritmo, a sonoridade e a estrutura da mensagem têm importância igual à do conteúdo das informações. É a função do estético, mas não é exclusiva da poesia, pois também pode ser utilizada na prosa. Na função poética da linguagem predominam a conotação e o subjetivismo, logo a maneira de dizer é tão importante quanto aquilo que se diz. Em resumo: 41 O principal alvo contra o modelo de Jakobson era a natureza excessivamente ‘esquemática’ que ele atribuía à comunicação. Para o linguista, a mensagem seria um ‘pacotinho’ de informações que sai da boca do emissor e, se não houver ruído, chega intacto ao ouvido de receptor. Isso se aplica aos pacotes de dados enviados de uma máquina para outra, mas será que se aplica aos seres humanos? As nossas vivências influenciam o modo como produzimos e entendemos as mensagens? Além de não serem iguais entre si, nem sequer iguais a si mesmos ao longo do tempo, os seres humanos, por viverem em uma sociedade complexa, exibem outra característica peculiar, que torna sua comunicação impossível de comparar à comunicação das máquinas: os seres humanos ocupam determinados lugares a sociedade – e isso altera radicalmente a maneira como seus textos são produzidos e recebidos. Outra fragilidade do modelo de Jakobson, acalcanhado à teoria de Shannon, pois diferente dos outros códigos, as línguas naturais são conjuntos de signos em que não existe correspondência inequívoca (evidente) entre significantes e significados. Instruir uma máquina a realizar deduções sobre a língua é um trabalho extremamente complexo. Os desenvolvedores de softwares de tradução automática tentam recriar, no computador, a capacidade humana de compreender a polissemia das palavras. Exemplo: Literalmente, a expressão wet blanket significa ‘cobertor molhado’, mas, em sentido figurado, ela significa “desmancha-prazeres’”. A maioria dos softwares gratuitos de tradução não capta o sentido figurado e traduz a frase como: “Não quero ser um cobertor molhado, mas você(s) precisa(m) dormir cedo hoje.” 42 Aliás, não compreender as sutilezas das línguas naturais não é uma exclusividade das máquinas. Frequentemente, o ser humano também deixa de compreender metáforas, ironias e outras figuram de linguagem presentes nos textos. Informatividade, economia, ruído e redundância. As teorias de Jakobson foram fundamentais para o desenvolvimento das ciências, da linguagem e da comunicação, dentre alguns conceitos e princípios da comunicação temos: a informatividade, a economia, o ruído e a redundância. 1) Informatividade De acordo com a teoria da comunicação, quanto mais inesperada for uma mensagem mais informação ela carregará, ou seja, maior será o seu grau de informatividade. Em suma, a informatividade se caracteriza como a capacidade de atribuir informações novas ao texto. Sendo assim, um texto será menos informativo quando apresentar mais informações previsíveis ou redundantes. Esse princípio fica evidente no mundo da publicidade, pois oconsumidor é bombardeado, cotidianamente, com uma infinidade de mensagens novas. Nesse tipo de mensagem, o elemento criatividade se constitui como um elemento essencial para chamar atenção do receptor, pois somente uma propaganda muito criativa e surpreendente será capaz de atrair atenção e comunicar algo novo. Usamos uma propaganda informativa quando o produto / serviço é técnico ou novo, mas diante de algo já conhecido a informação será mínima ou inexistente. Neste caso a informação cede lugar à persuasão, isto é, a todos os meios pelos quais procurará tentar, seduzir, fazer desejar e convencer. 43 A propaganda tem que ser um processo permanente; nessa área as coisas não são conquistadas definitivamente. Constantemente, é preciso conservar a reputação de um produto; conquistar novos mercados e consumidores; reavivar a memória dos consumidores conquistados; manter o desejo; etc. Portanto, a comunicação mais eficiente ocorre quando se encontra um meio-termo entre a necessidade de ser original e a necessidade de se fazer entender. 2) Economia, ruído e redundância O princípio da economia está intimamente relacionado ao conceito de informatividade. Segundo tal princípio, nossa mensagem deve comunicar apenas dados novos e relevantes. Contudo, a economia total, isto é, a eliminação total dos elementos supérfluos a mensagem, é impossível. Isso porque existe um fenômeno chamado ruído. Ruído é tudo aquilo que interfere a comunicação e impede que os interlocutores interajam com fluência. Dos seis elementos do modelo de Jakobson, o mais sujeito a ruídos é o canal. Conforme vimos, boa parte das mensagens que predomina a função fática (isto é, função centrada no canal) busca detectar ou eliminar ruídos, tal como ocorre na frase: “Alô? Você está me ouvindo?” Para evitar esses e outros problemas causados pelos ruídos, recorremos aos mecanismos de redundância. Redundância é o processo pelo qual se repetem informações em uma comunicação, com o objetivo de superar os ruídos e assegurar a clareza. Alguns dos vícios mais comuns da linguagem é a redundância, e talvez, exatamente por isso, seja difícil perceber quando estamos sendo redundantes. Muitas vezes nos deparamos com pessoas dizendo frases com muitos sinônimos e isso acaba fazendo com que aos nossos olhos, e ouvidos, a frase seja considerada normal, afinal ela é corriqueira. 44 A redundância consiste em repetir uma ideia que já está explícita no discurso, fazendo com que ele fique cansativo e comprometa a qualidade da mensagem. No geral a redundância deve ser evitada, pois pode passar a impressão de que o texto está fraco e vazio, por ficar dando voltas na mesma conclusão. No entanto, esse artifício é permitido em casos onde fica claro que seu uso foi proposital, pois quando muito bem utilizado, esse vício de linguagem consegue retificar um discurso e enriquecê-lo. Vale ressaltar que usar a redundância dessa forma é bastante difícil. É comum ver essa utilização em livros, crônicas e poesias, onde há a licença poética, que permite essa liberdade, e encontramos autores que possuem um vasto conhecimento da língua portuguesa. É mais comum falar de maneira redundante do que escrever, uma vez que quando escrevemos prestamos mais atenção às palavras e a formação das orações e quando falamos não refletimos muito sobre o que está saindo da nossa boca. Com certeza você já ouviu alguma sentença com essa frase, mas já parou para prestar atenção de que a palavra “conclusão” já nos passa a ideia de que é finalizadora? Essa palavra já nos indica que após ela não vem mais nada, por isso é completamente desnecessária a utilização de “final” a seguir. Esse vício de linguagem, tão comum no português falado, deve ser combatido, para não empobrecer o discurso e não aparecer na hora de escrever um texto importante. Como a redundância surge praticamente de maneira automática, a única maneira de coibi-la é policiando a si mesmo e começando a ter um olhar mais crítico também sobre a maneira com que os outros falam. Exemplos: Antecipar para antes Criar novos empregos Conclusão final Conviver junto Elo de ligação Encarar de frente Ganhar grátis 45 Há “anos atrás”, visto que o verbo haver já denota tempo decorrido Inaugurar o novo recinto Manter o mesmo Novidade inédita Panorama geral Pequenos detalhes Planos para o futuro Protagonista principal Repetir de novo Sorriso nos lábios Planejar antecipadamente Surpresa inesperada Todos são unânimes Viúva do falecido Utilizar a comunicação verbal e escrita adequada às normas vigentes em contextos variados de produção e uso da língua portuguesa. 46 Texto e Discurso 3 Conhecimento Compreender os elementos que envolvem a construção dos sentidos. Habilidades Identificar os sentidos implícitos nos contextos enunciativos. Atitudes Aplicar os procedimentos de coesão e coerência nas produções textuais. 47 Texto e Textualidade Produzimos textos porque pretendemos informar, divertir, explicar, convencer, discordar, ordenar etc., ou seja, o texto é uma unidade de sentido produzida sempre com uma determinada intenção. Numa situação comunicativa em que os personagens (locutor e locutário) interagem por meio da linguagem (verbal e não verbal), podemos dizer que os efeitos de sentidos são criados em situações específicas de uso e o conjunto dos enunciados empregados em situação comunicativa concreta constitui o texto verbal. O enunciado não é uma forma fixa ou um conteúdo imutável, portanto, não tem uma unidade material com início e fim, não é exclusivamente material, mas é também linguístico. Como função de existência, necessariamente o enunciado não existe sozinho, pois precisa ser correlacionados com outros enunciados. Texto 1 Armandinho, 2014. O texto é o lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; e que, por meio de ações linguísticas e sócio cognitivas, constroem objetos do discurso e propostas de sentido, ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes põe à disposição (KOCH, 2014). 48 Texto 2 Texto 3 Rir é remédio, 2014. Elson. Cartuns para um salão de humor sobre Redes Sociais, 2012. Comparando a tira (Texto 1) e o cartum (Texto 2), podemos notar que os enunciados Rede Social /Redes Sociais não são os únicos elementos responsáveis pela construção do sentido. Observamos que dependendo dos elementos extraverbais da situação, ou seja, dos papéis sociais que os interlocutores desempenham dentro do contexto comunicativo, um mesmo enunciado pode assumir sentido diferentes. Veja como o cartum (Texto 3) abaixo retrata, por meio de um texto não verbal, a utilização cada vez mais precoce das Redes Sociais. É importante destacar que um texto pode ser formado apenas pela linguagem verbal (um poema, uma notícia), apenas pela linguagem visual (um desenho, umapintura), como também pelo cruzamento de mais de uma linguagem: verbal e visual (uma história em quadrinhos, um cartum), verbal e musical (uma canção), verbal, visual, musical etc. (cinema e teatro) e assim por diante. Não existe apenas uma única concepção sobre o que é um texto, vejamos as concepções conforme cada área do conhecimento: • Gramatical: frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico; • Semiótica: signo complexo; • Semântica: expansão de macroestruturas; 49 • Pragmática: ato de fala complexo; • Discursiva: discurso congelado, produto; • Comunicativa: meio de comunicação verbal; • Cognitivista: processo que mobiliza operações e processos cognitivos; • Sociocognitiva-interacional: lugar de interação. Delineando os conceitos sobre os estudos sobre as concepções do texto como um lugar de interação do sujeito leitor, compreendemos que o conjunto de fatores que formam a situação na qual é produzido o texto é chamado de contexto discursivo ou situação de produção. E ao conjunto da atividade comunicativa, ou seja, o texto e o contexto discursivo chamamos de discurso. Para Costa Val (2006, p.3-4) pode-se definir texto ou discurso como: [...] ocorrência linguística falada ou escrita, e qualquer extensão, datada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal. Trata-se de uma unidade linguística em uso e seu sentido é construído pelo produtor e pelo recebedor que precisa deter os conhecimentos essenciais para a interpretação. Discurso é toda situação que envolve a comunicação dentro de um determinado contexto e envolve interlocutores. Além do enunciado verbal, engloba também elementos extraverbais, isto é, elementos que estão envolvidos na situação de produção (quem fala com quem fala, com que finalidade etc.) e que também participam na construção de sentido do texto. 50 Coerência Textual Texto 1 Como se conjuga um empresário Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-se. Barbeou-se. Enxugou-se. Perfumou-se. Lanchou. Escovou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou. Cumprimentou. Orientou. Controlou. Advertiu. Chegou. Desceu. Subiu. Entrou. Cumprimentou. Assentou-se. Preparou-se. Examinou. Leu. Convocou. Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou. Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou. Lucrou. Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu. Burlou. Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. Depositou. Depositou. Depositou. Associou-se. Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou. Repreendeu. Suspendeu. Demitiu. Negou. Explorou. Desconfiou. Vigiou. Ordenou. Telefonou. Despachou. Esperou. Chegou. Vendeu. Lucrou. Lesou. Demitiu. Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou. Beijou. Convidou. Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu. Gemeu. Fungou. Babou. Antecipou. Frustrou. Virou-se. Relaxou-se. Envergonhou-se. Presenteou. Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se. Chegou. Beijou. Negou. Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou. Sonhou. Sobressaltou-se. Acordou. Preocupou-se. Temeu. Suou. Ansiou. Tentou. Despertou. Insistiu. Irritou-se. Temeu. Levantou. Apanhou. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu. Dormiu. Acordou. Levantou-se. Aprontou-se ... MINO. In: PINILLA, A.; RIGONI, C.; INDIANI, M.T. Coesão e coerência como mecanismos para a construção do texto. Disponível em: <www.pead.letras.ufrj.br/tema09/conceitodecoesao.html>. Acesso em: 28 fev. 2017. http://www.pead.letras.ufrj.br/tema09/conceitodecoesao.html 51 Texto 2 A eterna imprecisão da linguagem – Que pão! – Doce? De mel? De açúcar? De ló? De ló de mico? De trigo? De milho? De mistura? De rapa? De saruga? De soborralho? Do céu? Dos anjos? Brasileiro? Francês? Italiano? Alemão? Do Chile? De forma? De bugio? De porco? De galinha? De pássaros? De minuto? Ázimo? Bento? Branco? Dormindo? Duro? Sabido? Saloio? Seco? Segundo? Nosso de cada dia? Ganho com o suor do rosto? Que o diabo amassou? – Uma uva! – Branca? Preta? Tinta? Moscatel? Isabel? Maçã? Japonesa? Ursina? Mijona gorda? Brava? Bastarda? Rara? De galo? De cão? De cão menor? Do monte? Da serra? Do mato? De mato grosso? De facho? De gentio? De João pais? Do nascimento? Do inverno? Do inferno? De praia? De rei? De obó? Da promissão roxa? Verde da fábula de La Fontaine? Espim? Do diabo? – Ô diabo! – Lúcifer? Belzebu? Azazel? Exu? Marinho? Alma? Azul? Coxo? Canhoto? Beiçuco? Rabudo? Careca? Tinhoso? Pé-de-pato? Pé-de-cabra? Capa verde? Romãozinho? Bute? Cafute? Pedro Botelho? Temba? Tição? Mafarrico? Dubá? Louro? A quatro? – É uma flor. – Da noite? De um dia? Do ar? Da paixão? Do besouro? Da quaresma? Das almas? De abril? De maio? Do imperador? Da imperatriz? De cera? De coral? De enxofre? De lã? De lis? De pau? De natal? De são Miguel? De são Benedito? Da santa cruz? De sapo? Do cardeal? Do general? De noiva? De viúva? Da cachoeira? De baile? De vaca? De chagas? De sangue? De Jesus? Do espírito santo? Dos formigueiros? Dos amores? Dos macaquinhos? Dos rapazinhos? De pelicano? De papagaio? De mel? De merenda? De onze horas? De trombeta? De mariposa? De veludo? Do norte? Do paraíso? De retórica? Neutra? Macha? Estrelada? Radiada? Santa? Que não se cheira? – É uma bomba 52 – De sucção? De roda? De parede? Premente? Aspirante-premente? De incêndio? Real? Transvaliana? Vulcânica? Atômica? De hidrogênio? De chocolate? Suja? De vestibular de medicina? De anarquista? De são João e são Pedro? De fabricação caseira? De aumento do preço do dólar? Enfeitada? De zoncho? De efeito psicológico? – É um amor. – Perfeito? Perfeito da china? Perfeito do mato? Perfeito azul? Perfeito bravo? Próprio? Materno? Filial? Incestuoso? Livre? Platônico? Socrático? De vaqueiro? De carnaval? De cigano? De perdição? De hortelão? De negro? De deus? Do próximo? Sem olho? À pátria? Bruxo? Que não ousa dizer seu nome? – Vá em paz. – Armada? Otaviana? Romana? Podre? Dos pântanos? De Varsóvia? De requiescat? E terra? – Vá com Deus. Qual? Carlos Drummond de Andrade Guia de estudo: Qual é a função dos títulos dos textos na compreensão do texto? O que representa a sequência dos verbos no texto 1,? No texto 2, a que se refere a sequência de adjetivos e de locuções? Com qual objetivo forma empregados no texto? 53 Os dois textos apresentam uma estrutura bem diferente do que costumamos ler. O primeiro é formado por apenas verbos no passado e o segundo por frases exclamativas e interrogativas que, se não considerarmos os títulos dos textos, não fariam sentido. Os títulos dos dois textos são responsáveis por dar sentido ou coerência ao texto. No texto 1, de autoria do cartunista cearense Mino, construído unicamente por verbos, quando associado ao título “Como se conjuga em empresário”, mostra com ações o cotidiano de um empresário, o repertório leitor reconstrói, no nível de relações e valores toda unidade textual. No texto 2, de Carlos Drummond de Andrade, o titulo “A eterna imprecisão da linguagem” também oferece pistas necessárias às relações e valores a serem trabalhados pelo leitor na compreensão da mensagem, justificando a imprecisão da linguagem. A coerência textual refere-se à construção de sentido para o texto e permite que o leitor decodifique e entenda a mensagem transmitida. Segundo Costa Val (2006, p. 6), “a coerência do texto deriva de sua lógica interna, resultantes dos significados de uma rede conceitual e dos conhecimentos de mundo de quem processa o discurso”. Dessa forma, podemos dizer que a coerência textual é um processo que inclui dois fatores: 1) O conhecimento que o produtor e que o leitor possuem doassunto tratado no texto, determinado pelo seu conhecimento de mundo, suas vivências, classe social, profissão etc.; 2) O conhecimento que eles têm da língua, como tipos de textos, vocabulários, recursos estilísticos etc. 54 Um dos princípios básicos da coerência textual é a não contradição, ou seja, as ideias não podem ser contraditórias entre si, nem apresentar incoerência em relação à realidade, a não ser que seja proposital. A coerência e o contexto discursivo Além da não contradição e dos conectores, outro aspecto importante para avaliar a coerência de um texto é o contexto discursivo, que diz respeito aos fatores que formam a situação na qual é produzido. E o conjunto da atividade comunicativa, ou seja, à reunião de texto e contexto discursivo, chamamos discurso. Imagine as seguintes falas ditas por dois brasileiros aos amigos ao final de uma mesma partida de futebol entre a seleção brasileira e a seleção da argentina. Adorei a vitória da Seleção Brasileira. Por isso, vamos comemorar com champanhe. Adorei o jogo da Seleção Brasileira. Perdemos de 2 a 1. Inicialmente, podemos pensar que apenas o primeiro enunciado foi bem formulado, pelo fato de apresentar coesão – em razão da presença do conectivo por isso e coerência – por estabelecer uma relação lógica entre as duas orações, ou seja, tomar champanhe é uma consequência de se ter gostado da vitória da seleção. Coerência Textual é a estruturação lógico-semântica de um texto, isto é, a articulação de ideias que faz com que numa situação discursiva palavras e frases componham um todo significativo para os interlocutores. 55 O segundo enunciado aparentemente apresenta incoerência, pois pressupomos que nenhum brasileiro gostaria de ver a derrota de seu time. No entanto, vejamos duas situações em que o enunciado seria coerente: 1ª) O locutor deseja ser irônico, ou seja, dizer uma coisa querendo dizer outra. No caso, a palavra adorei está substituindo odiei. Se os interlocutores entenderem essa intenção, dizemos que o texto foi coerente, pois alcançou plenamente o sentido pretendido pela aquela situação. 2ª) Antes do jogo os amigos fizeram uma aposta. O locutor apostou sozinho na derrota do Brasil por 2 a 1 e, por isso, está feliz. O enunciado não é irônico, e os interlocutores certamente compreenderão o sentido pretendido pelo locutor: Ele não adorou a qualidade do futebol do time brasileiro, mas o resultado da partida de futebol, pois lhe deu o prêmio. Assim, fica clara a ideia de que coerência e coesão são fatores da textualidade regulados pelo contexto discursivo. Coesão Textual A coesão de um texto, isto é, a conexão entre os vários enunciados, não é fruto do acaso, mas das relações de sentido que existem entre eles. Essas relações de sentido são manifestadas, sobretudo, por certa categoria de palavras, as quais são chamadas de conectivos ou elementos de coesão. Conforme Costa Val (2006, p.6), “a coesão é a manifestação linguística da coerência e sucede da maneira como os conceitos e as relações subjacentes são expressos na superfície textual. A coesão pode ser observada tanto em enunciados mais simples quanto em enunciados mais complexos”. Coesão textual são as conexões gramaticais existentes entre as palavras, orações, frases, parágrafos e partes maiores de um texto. 56 As palavras que realizam articulações gramaticais, também chamadas conectores, são substantivos, pronomes, conjunções, preposições etc. São comuns nesse papel palavras como: isso, então, aliás, também, isto é, entretanto, e, por isso, daí, porém, mas, entre outras. Logo, como os conectores são portadores de sentido, eles também contribuem para construir a coerência do texto. Apesar de construírem dois processos distintos, coesão e coerência são complementares na construção do texto. Enquanto a coerência se manifesta no plano do conteúdo e do encadeamento de ideias, a coesão se manifesta no plano da superfície do texto, isto é, nas relações linguísticas (emprego de conectivos, advérbios, pronomes, sinônimos etc.). A coesão é a relação das significações existente entre um elemento e outro do mesmo texto, isto é, as relações atribuídas a um elemento dependem de outros, sem que a estrutura gramatical em que tais termos se encontrem possa interferir. Entretanto, as relações coesivas entre orações, períodos, parágrafos se destacam, pois nesses segmentos elas são responsáveis pelo estabelecimento da tessitura textual. No livro Grande sertão: Veredas, uma das grandes obras da literatura brasileira do escritor mineiro Guimarães Rosa, o narrador, ex-jagunço Robaldo, apesar de ser um homem simples do sertão, faz reflexões filosóficas profundas, cheias de poesias e sabedoria. No trecho abaixo, o personagem fala sobre contar histórias e sobre saudade: Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam […] Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie de velhice. Talvez, então, a melhor coisa seria contar a infância não como um filme em que a vida acontece no tempo, uma coisa depois da outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, princípio, meio e fim, mas como um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um contendo o sentido inteiro. Talvez seja esse o jeito de 57 escrever sobre a alma em cuja memória se encontra as coisas eternas, que permanecem… Guimarães Rosa apud Rubem Alves. Na morada das palavras. Campinas: Papirus, 2003, p.139. Um texto não pode ser um punhado de frases soltas, pois precisa apresentar conexões, tanto gramaticais quanto de ideias. Observe as três primeiras frases do texto e veja que a segunda e a terceira iniciam-se, respectivamente, com as palavras “não e mas.” A ideia de que contar é muito dificultoso é negada pela palavra “não”, que se opõe à possibilidade de se pensar que contar seja difícil por causa do tempo passado. Já a palavra “mas” cumpre a função de introduzir a ideia de oposição ao que foi anteriormente mencionado, porém observamos que a ideia anterior é expressa na segunda frase, ou seja, de que contar seja difícil por causa dos anos passados. Além das conexões gramaticais, existem as conexões de ideias. O autor deixa clara a ideia de que é difícil contar seguidamente os fatos da infância, pois eles se remexem e não aceitam a ordem linear do tempo e diante dessa dificuldade, sugere contar os acontecimentos como um álbum de retratos, cada um com um sentido completo em si mesmo. Observa-se que a sequência de pensamento do autor se mostra coerente, pois se completa de modo lógico e conexo. Logo, para um texto ter unidade de sentido, para ser um todo coerente, é necessário que apresente textualidade, isto é, que apresente conexões gramaticais e articulação de ideias. Em outras palavras, que apresente coesão e coerência textuais. 58 Procedimentos coesivos Os procedimentos coesivos compreendem as ações a que o autor pode recorrer para evitar as repetições de termos que, comumente, impedem a progressão das ideias e são utilizados com a finalidade de dar mais clareza à mensagem. O principal recurso coesivo responsável por essa disposição é a Referenciação, que engloba a substituição e a semântica e permite a recuperação e termos do texto, evitando que apareçam repetidas vezes, sem que o sentido original se perca. Além desse procedimento, o escritor tem à disposição alguns recursos que facilitarão o uso de tais procedimentos. São
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