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AULA 6 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Profª Franciane Heiden Rios 2 CONVERSA INICIAL Muitos profissionais torcem o nariz quando falamos de avaliação na educação infantil. E não é para menos! O termo avaliação, por apropriação inadequada e limitada nos espaços escolares, normalmente é assumido como classificação, seleção e punição. Mas essa é uma visão equivocada e que precisa ser revista em todos os níveis e modalidades de ensino. Portanto, ao pensarmos e refletirmos sobre avaliação na educação infantil, pensaremos sobre caminhos melhores para o desenvolvimento integral da criança. Ou seja, a avaliação implica na ação do professor em relação à criança e não, como tradicionalmente repercutido, na relação da criança com o conteúdo. Avaliar é, portanto, uma prática pedagógica planejada e criteriosa para compreender o ponto de partida do nosso aluno, seu caminhar nas vivências propostas e seu ponto de chegada. Não é nem pode ser apenas intuitiva e incorrer em ações punitivas ou que causem danos às crianças; tampouco, na educação infantil, deve assumir caráter classificatório ou seletivo. Assim, nesta aula, propomos refletir sobre as possibilidades avaliativas, compreendendo tanto a prática como os instrumentos enquanto balizadores para a qualidade na oferta e, também, a importância de que a avaliação qualifique práticas propostas e oriente reestruturações, caso necessário. CONTEXTUALIZANDO É possível avaliar o desenvolvimento da criança no âmbito das práticas e trabalhos pedagógicos desenvolvidos, considerando os campos de experiência e os objetivos da aprendizagem, sem recair em critérios de seleção e categorização? Abrimos as discussões com essa questão extremamente complexa, afinal, lutamos com o nosso imaginário do que é avaliação. Observe o fragmento de uma ficha avaliativa a seguir: 3 Figura 1 – Fragmento de uma ficha avaliativa O critério “demonstra ser cuidadoso com o material?” nos apontaria caminhos para melhor atender e estimular as crianças? A perspectiva “respeita os colegas?” não seria uma variante de comportamento que hoje assume tal condição e amanhã se transforma? Essas questões servem para isso mesmo: levantar outras questões. Elas não nos trarão respostas ou modelos para avaliarmos os processos e pessoas na educação infantil, mas apontam para a seguinte premissa: a avaliação é construtiva diante do posicionamento e práticas que o professor adota diante do resultado evidenciado. Ou seja, se o aluno não respeita o colega, o que aconteceu ou não foi permitido no processo de aprendizagem dessa criança para que ele assuma determinados comportamentos e estabeleça determinadas interações? É desta que a avaliação deve ser pensada: para permitir pensar estratégias para qualificar a aprendizagem e o desenvolvimento humano na educação infantil. TEMA 1 – AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL No processo de avaliação das crianças da educação infantil, o que precisa ser avaliado é o trajeto percorrido em determinado objetivo de aprendizagem. Não há necessidade de críticas, rótulos ou notas, mas a avaliação deve ser provida frequentemente para alimentar com informações os desenhos e redesenhos das práticas pedagógicas. 4 1.1 Avaliação formativa Assim, de acordo com a legislação, As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo A observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano; Utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.); A continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré- escola/Ensino Fundamental); Documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na Educação Infantil; A não retenção das crianças na Educação Infantil. (Brasil, 2010, p. 29) A avaliação é, portanto, uma ferramenta de inclusão das crianças nos processos e propostas de aprendizagem. Pois, por lei, as instituições não podem se utilizar de relatórios, pareceres, avaliações realizadas por professores ou outros profissionais para definir a entrada da criança ou sua aceitação em determinada instituição ou grupo, afirmação fundamental para compreender o papel dessa prática na educação infantil. As crianças, portanto, devem ser avaliadas para que o professor se efetive como mediador, inter-relacionando-as ao ambiente onde são inseridas, na promoção da aprendizagem e do desenvolvimento integral. Precisamos expandir nosso olhar para a definição de avaliação no contexto da aprendizagem das práticas pedagógicas. Precisamos olhar para o caminho que conduziu todo o processo de concretização dos trabalhos pedagógicos e não centralizar as vivências em um único e tradicional registro. Deve-se avaliar envolvendo registro, atividades práticas e observação para garantir a complexidade desse processo. Afinal, O atual sistema de avaliação educacional é bastante inadequado, prejudica muito o professor e favorece aquele tipo de aluno que só estuda para testes e provas. É como se fosse um funcionário que trabalhasse somente no dia do pagamento. Nas avaliações escritas, o estudante limita-se a reproduzir o que o professor disse. As respostas são repetitivas. Medem a capacidade de engolir o que foi dito, não a capacidade de incorporação. (Tiba, 2002, p. 136) 5 A avaliação assume caráter formativo, retirando do professor a preocupação da aprovação ou reprovação, permitindo a ele diante de informações concretas refletir, repensar e reestruturar suas práticas quando necessário com vistas ao desenvolvimento do aluno no âmbito integral. Para a Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação: “Art. 31: Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para acesso ao ensino fundamental” (Brasil, 1998, p. 59), sendo compreendida, portanto, como: um conjunto de ações que auxiliam o professor a refletir sobre as condições de aprendizagem oferecidas e ajustar sua prática às necessidades colocadas pelas crianças. É um elemento indissociável do processo educativo que possibilita ao professor definir critérios para planejar as atividades e criar situações que gerem avanços na aprendizagem das crianças. Tem como função acompanhar, orientar, regular e redirecionar esse processo como um todo. (Brasil, 1998, p. 59) Compreender que a avaliação deve contribuir para melhorar o processo de ensino-aprendizagem é o nosso primeiro desafio no processo de organização do trabalho pedagógico. É a avaliação que permite ao professor enxergar os avanços e dificuldades das crianças, não para presenteá-las ou repreendê-las, mas sim para buscar alternativas e recursos para que aprenda em sua especificidade: “O professor, ciente do que pretende que as crianças aprendam, pode selecionar determinadas produções das crianças ao longo de um período para obter com mais precisão informações sobre sua aprendizagem”. (Brasil, 1998, p 60-61). TEMA 2 – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL – PARECER DESCRITIVO, PORTFÓLIO E TABELAS DE VERIFICAÇÃO Na educação infantil exige-se um processo metódico e contínuo de avaliação do extenso processo de ensino-aprendizagem. Consiste assim em uma prática diária na qual as várias situações avaliativas transcorrem entre condiçõescontextualizadas para que o professor obtenha a visão de como a criança está no seu processo evolutivo. Para que a avaliação aconteça com qualidade é preciso observar se todo o meio está cooperando para que a criança alcance os objetivos e metas traçadas. Assim, é fundamental levar em consideração o meio em que ela está situada, os materiais pedagógicos, as ferramentas de ensino, a infraestrutura, enfim, tudo deve obedecer aos padrões estabelecidos nos documentos normativos da educação infantil. É importante lembrar que “Os critérios de avaliação devem ser 6 compreendidos como referências que permitem a análise do seu avanço ao longo do processo, considerando que as manifestações desse avanço não são lineares, nem idênticos entre as crianças” (Brasil, 1998, p. 159). Os instrumentos utilizados devem permitir um acompanhamento particularizado da aprendizagem do aluno, descrevendo seu desenvolvimento e ampliando a visão do professor para as mudanças necessárias de suas práticas pedagógicas. Abaixo, listamos alguns instrumentos pertinentes nessa perspectiva. 2.1 Portfólio Esse tipo de documento é usado para indicar ao professor o caminho a ser seguido a partir de uma coletânea de informações que expressem avanços e mudanças. Para que flua com qualidade, deve ser organizado de forma a proporcionar atividades que envolvam a percepção do desenvolvimento do aluno. Segundo Hoffmann (2002, p. 201), portfólio é a “organização de uma coletânea de registros sobre aprendizagens do aluno que favoreçam ao professor, aos próprios alunos e às famílias uma visão evolutiva do processo”. Ainda na mesma perspectiva do autor, é preciso “constituir-se em um conjunto de dados que expresse avanços, mudanças conceituais, novos jeitos de pensar e fazer, alusivos à progressão do estudante” (Hoffmann, 2002, p. 202). 2.2 Parecer descritivo Na perspectiva da avaliação este tipo de instrumento avaliativo é utilizado pelos professores da educação infantil com amplitude e deve-se ter um cuidado minucioso para, a partir desse instrumento, ter a compreensão de como se deu o processo de ensino-aprendizagem do aluno. Ainda é um instrumento que pode ser apresentado aos pais, à escola e à criança. É também um documento que exige do professor um olhar técnico, devendo-se ponderar em suas anotações, desmembrando-o de forma correta, atentos para não cometer atos de julgamentos ou anotações que classifiquem a criança. Deve-se também ter a atenção para que o parecer não seja desenvolvido de forma a punir o aluno, prejudicando seu desenvolvimento, conforme os estudos. Hoffmann (1993, p. 131) afirma que o “acompanhamento individual e nem o relatório especifico de cada aluno [...], mas um enquadramento de cada 7 aluno num rol preestabelecido pela escola ou pelo professor, que dificilmente contempla as questões específicas de aprendizagem”. 2.3 Tabelas de verificação As tabelas são documentos organizados para cada faixa etária, o que inclui os campos de habilidades e experiência regularizados na perspectiva de que a criança tenha seu desenvolvimento individualizado e que, para aprender, ela interaja e brinque em seu ritmo singular e característico da fase em que se encontra. Também devem ser organizadas de acordo com a correlação com os campos de experiência propostos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). TEMA 3 – OBSERVAÇÃO COMO INSTRUMENTO AVALIATIVO A observação pode ser compreendida como o ato de “ter a atenção direcionada para algo específico com o intuito de posteriormente julgar, analisar ou investigar algo ou alguém” (Houaiss, 2001). Ao relacionar a observação com o ato de avaliar na educação infantil articulamos uma visão de que essa ação permite dados e informações que ajudam a compreender a criança no processo do ensino-aprendizagem, bem como o professor no desenvolvimento e proposições de vivências: “A observação e o registro se constituem nos principais instrumentos de que o professor dispõe para apoiar sua prática” (Brasil, 1998). A observação enquanto prática avaliativa necessita de formas de registro também. Imagine você, pedagogo e pedagoga, ter que lembrar dos 300 alunos da escola no momento da avaliação institucional? Não podemos contar apenas com nossa memória para “guardar” informações tão importantes. Assim, nesse processo de unir a observação com a avaliação, as práticas se aliam e cooperam para as reflexões, contribuindo para a melhoria do processo ensino-aprendizagem e, consequentemente, nas definições e encaminhamentos dos trabalhos pedagógicos. Pela documentação de base: São várias as maneiras pelas quais a observação pode ser registrada pelos professores. A escrita é, sem dúvida, a mais comum e acessível. O registro diário de suas observações, impressões, ideias etc. pode compor um rico material de reflexão e ajuda para o planejamento educativo. Outras formas de registro também, podem ser consideradas, como a gravação em áudio e vídeo; produções das crianças ao longo do tempo; fotografias etc. (Brasil, 1998, p. 59) 8 Assim, podemos afirmar que a observação não é apenas um conjunto entre o ver e o ouvir, não trabalha apenas com estes sentidos. Ela necessita se correlacionar com registros, buscando elementos que permitam identificar e socializar o desenvolvimento das crianças. TEMA 4 – AUTONOMIA – A IMPORTÂNCIA DESSE FATOR PARA O “SEGUIR EM FRENTE”. Chegamos ao final de nosso processo formativo. Até aqui, diversas vezes a palavra “autonomia” foi discutida, afinal, promover condições para que as crianças sejam autônomas é um dos grandes objetivos da educação infantil. E essa condição se torna fundamental, principalmente nas transições esperadas no processo formativo. Podemos conceber autonomia como: capacidade de posicionar-se, elaborar projetos pessoais e participar enunciativa e cooperativamente de projetos coletivos, ter discernimento, organizar-se em função de metas eleitas, governar-se, participar da gestão de ações coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos, etc. (Brasil, 1998) Assim, espera-se que a organização do trabalho pedagógico da Educação Infantil, por meio de estratégias didáticas e vivências, possibilite às crianças agir de forma independente e consciente, permitindo que elas tenham atitudes que dependam somente das suas escolhas, como pequenas práticas corriqueiras, ajudando-as a buscar e perceber seu lugar no seu meio. Mais que à capacidade ou à habilidade de ação, a autonomia está relacionada ao desenvolvimento da consciência moral. A criança busca fazer suas escolhas, tomar suas decisões, enfim, agir por conta própria. Essa é condição imprescindível para a transição para o ensino fundamental. 4.1 Ruptura e adaptação Não pretendemos aqui discutir a concepção de infância na relação com o ensino fundamental de nove anos, apenas precisamos refletir que, como grande legado da educação infantil, a criança deve ser autônoma. Afinal, as rotinas mudam, os objetivos de aprendizagem e as relações também. Assim, uma criança que tenha tido a oportunidade de ser criança e viver sua infância estará preparada para os novos desafios que a aguardam. 9 Existem particularidades nas duas etapas, e os professores e equipe pedagógica como um todo devem conhecer quais conhecimentos e habilidades serão pertinentes e persistentes nessas duas condições, iniciando desse ponto um trabalho articulado evitando assim uma ruptura. Para Marcondes (2012), a transição da educação infantil para o ensino fundamental é um “momento crítico”, em decorrência do movimento dos processos naturais e institucionais. Como prática, organizar um trabalho no qual as crianças da educação infantil possam ir até a escola, conversar com as crianças mais velhas, conhecer os espaços, interagir e confraternizar consiste em ações fundamentais para minimizar a ansiedadeda mudança. Ainda, capacitar os professores para que acalmem e transmitam segurança também é fundamental. Nada de: “se continuar assim quero ver ano que vem quando for para escola”, esse tipo de discurso, quase em tom de ameaça, amedronta e desqualifica a criança. Afetividade é fundamental, retornaremos a ela no último tema desta aula. É fundamental compreender que: é preciso zelar pelo exercício de articulação da educação infantil como primeira etapa da educação básica para os anos iniciais do ensino fundamental, isso significa assumir que há influências múltiplas, as quais marcam as continuidades e ou descontinuidades presentes no desenvolvimento e aprendizagens humanas. (Marcondes, 2012) Freire (1996) nos aponta que o educador deve assumir o compromisso de possibilitar à criança “assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador” (Freire, 1999, p. 46), condições que permitirão a ela “seguir em frente” em seu caminho formativo, com capacidade de fazerem suas próprias escolhas, minimizando as rupturas que a transição irá ocasionar. TEMA 5 – AFETIVIDADE NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL – O ELEMENTO FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO ESCOLAR DA CRIANÇA Foi intencional colocar um tema tão importante e relevante para a educação infantil por último. Passamos por vários processos e discussões formativas e, em vários momentos, você, pedagogo e pedagoga, foi chamado a pensar que não são os produtos, instrumentos, espaços ou objetos que “dão o tom” na formação integral das crianças, mas sim as relações e interações. Mais que uma escola rica de materiais e brinquedos, precisamos de uma escola rica em vivências e interações. Por isso percebemos que “como fazer o pedagógico” é que qualifica 10 as relações na infância. Assim, precisamos encerrar nossas discussões percebendo que esse fazer é crítico, reflexivo, contextualizado e transformador e, principalmente afetivo. Afetividade pode ser compreendida como: um domínio dependente da ação de dois fatores: o orgânico e o social. Entre esses dois fatores, existe uma relação recíproca que impede qualquer tipo de determinação no desenvolvimento humano, tanto que a constituição biológica da criança ao nascer não será a lei única do seu futuro destino. Os seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstâncias sociais da sua existência onde a escolha individual não está ausente. (Wallon, 1954, p. 288) Ser afetivo é mais que distribuir abraços e afagos. É perceber de forma empática as necessidades das crianças e respeitá-las em seus direitos de aprendizagens e como cidadãs. É ter como objetivo da ação no espaço escolar a formação integral, permitindo mais que momentos divertidos, mais instrumentos e “marcas cognitivas” capazes de permitir a essas crianças o protagonismo de suas vidas. Na relação com a aprendizagem, a afetividade é “de grande influência no comportamento e no aprendizado das pessoas juntamente com o desenvolvimento cognitivo” (Piaget, 1983, p. 104). Afinal, faz-se presente em sentimentos, desejos, interesses, tendências, valores e emoções, ou seja, em todos os campos da vida. O que, para Vygotsky (1934), é nominado “desenvolvimento afetivo” que implica na formação integral: O desenvolvimento pessoal seria operado em dois níveis: o do desenvolvimento real ou efetivo e o afetivo referente às conquistas realizadas e o desenvolvimento potencial ou proximal relacionado às capacidades a serem construídas [...] os processos pelos qual o afeto e o intelecto se desenvolvem e estão inteiramente enraizados em suas inter-relações e influências mútuas. (Vygotsky, 1998, p. 120) Assim, o professor mediador é o responsável por cultivar a afetividade para uma aprendizagem significativa e de qualidade. Este tipo de conexão (afetividade – professor – aluno) identifica um clima de compreensão, respeito mútuo, tendo como resultado avanços no estado motivacional e na apropriação do “eu faço, eu posso, eu consigo”, princípios de autonomia vislumbrados em aspectos de autoestima: No que diz respeito à afetividade, esta é sempre referida às vivências individuais dos seres humanos, são formas de expressão mais complexas e essencialmente humanas. A afetividade diz respeito a um conceito amplo, uma situação mais permanente, que engloba em seu interior os sentimentos, as emoções e as paixões e manifesta estados 11 de sensibilidade, que vão de disposições orgânicas às sociais/existenciais ligadas à percepção que o indivíduo tem de si mesmo. (Wallon, citado por Rodrigues, 2008, p. 18) Para Piaget, o afeto e a inteligência são indissociáveis: “Sem o afeto não haveria nem interesses, nem necessidades, nem motivação; em consequência, as interrogações ou problemas não poderiam ser formulados e não haveria inteligência” (Piaget, 1983, p.129). Portanto, o projeto pedagógico deve ser, também, articulado e desenvolvido a partir dessas significações: o que é preciso para que a afetividade esteja presente nas rotinas, vivências e experiências da educação infantil? São muitas as respostas possíveis para essa questão, mas algumas são mais práticas e fáceis de visualizar, por exemplo: Tom de voz dos professores e professoras: praticar a comunicação não- violenta, modulando o tom de voz e as palavras usadas são pequenas atitudes de grande impacto para as relações efetivas. Todo mundo se cansa, todo mundo se estressa, mas é fundamental lembrar que nosso objetivo é o bem-estar da criança. Assim, respirar e não agir impulsivamente é uma grande dica para o bom trabalho. Representação das crianças em imagens e objetos: todos somos diferentes, é fato! Então, como seria afetivo ver essa diferença respeitada nos espaços da infância! Atitudes simples como “despovoar” os espaços de educação infantil de imagens estereotipadas, feitas em EVA e pouco significativas para as crianças seria um primeiro passo. Ocupar esses espaços com as produções autorais, autorretratos, fotos, imagens reais, um segundo passo para a inclusão efetiva. É preciso que a criança se reconheça para que se sinta parte do processo. São atitudes simples, mas que oportunizam às crianças desenvolver os laços afetivos no âmbito escolar, tanto com os professores, equipes e demais alunos, redimensionando até práticas negativas como a ausência de afetividade nas relações familiares. Um espaço afetivo na escola é, portanto, como diz o ditado popular: “um grande remédio para todos os males”. Na medida em que nos aprofundamos nos estudos com relação à afetividade, vemos que no âmbito educacional não há como separar a educação e ensino-aprendizagem do fator afetivo, do envolvimento dos sentimentos, das ações que trazem uma correlação entre os indivíduos. Em complemento a tudo que é proposto, o trabalho pedagógico deve partir da consciência de que deve 12 incluir em suas práticas pedagógicas ações que promovam e estimulem a afetividade. E para isso deve haver integração, comunicação, respeito e empatia, pois, como aponta Freire (1983, p. 45), não pode haver educação sem amor: “Ama-se na medida em que se busca comunicação, integração a partir da comunicação com os demais” FINALIZANDO Nesta aula discutimos a avaliação como um instrumento de qualidade que amplia as práticas pedagógicas propostas. Avançamos no sentido de perceber esses instrumentos e ações na relação com a autonomia e transição das etapas das crianças, significando o “todo do conteúdo” com a abordagem sobre a afetividade. Esperamos que, ao final de toda essa trajetória de aprendizagem, você tenha repensando certezas e verdades sobre a educação infantil e que, mesmo em um breu de incertezas, tenha ampliado sua concepção de vivências e experimentações para a garantia dos direitos da infância. Ainda, na árdua tarefa de gestar e organizar o trabalho pedagógico, tenha percebido que a afetividade,respeito, ética e empatia são pilares que orientam todo o trabalho e que somente com esses aspectos a educação poderá ser efetiva e transformadora. 13 LEITURA COMPLEMENTAR Texto de abordagem teórica BELTHER, J. M. (Org.). Educação infantil. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2017. Indicamos a leitura do capítulo 4: “O trabalho docente e avaliação na educação infantil”. O texto retoma os elementos discutidos nessa unidade e amplia para reflexões sobre a avaliação institucional. Disponível em: <http://uninter.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788582124017>. Acesso em: 11 ago. 2018. Texto de abordagem prática CIASCA, M. I. F. L.; MENDES, D. L. L. L. Estudos de avaliação na educação infantil. Estudos Avaliação Educacional, São Paulo, v. 20, n. 43, p. 293, maio/ago. 2009. Disponível em: <http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae /arquivos/1494/1494.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2018. Esse artigo se propõe a analisar as pesquisas realizadas na área da educação infantil, abordando especificamente a avaliação do desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos. Nesse ensaio teórico, são citados diversos autores, de diferentes países, todos com experiências reconhecidamente bem-sucedidas nesse campo. No Brasil, buscou-se a legislação e as orientações dos órgãos que trabalham com esse nível de ensino. Em seguida, são apresentados estudos de avaliação que focalizam o desempenho dos alunos por meio de diversas modalidades de avaliação. Concluiu-se que são muitas as alternativas para acompanhar o desenvolvimento da criança, relacionando-a em diferentes aspectos de sua realidade física e social. Saiba mais CURRÍCULO e avaliação da educação infantil. Entrevista com Rita Coelho, do MEC. Rede Nacional Primeira Infância, 2 dez. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YcbA384-bVQ>. Acesso em: 11 ago. 2018. Rita Coelho, da Coordenação Geral da Educação Infantil do Ministério da Educação, fala da relação entre a Base Nacional Comum Curricular e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e sobre a participação da 14 sociedade na construção da BNCC. Base Nacional Comum Curricular e Avaliação Nacional da Educação Infantil são os dois temas da série de entrevistas com especialistas na área da educação infantil de Organizações Não Governamentais, do governo e de universidades, que participaram do Seminário Nacional, em setembro, no Rio de Janeiro. Uma realização da Rede Nacional Primeira Infância, por meio da Secretaria Executiva do CECIP e do GT de Educação Infantil, integrado pelas seguintes organizações: Avante - mobilização e comunicação, Instituto C&A, Move Social, Rede Marista de Solidariedade, e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. 15 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC, 1999. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <http://ndi.ufsc.br/files/2012/02/Diretrizes-Curriculares-para-a-E- I.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB n. 5, de 17 de dezembro de 2009. Diário Oficial União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 dez. 2009. FARIA, A. R. O desenvolvimento da criança e do adolescente segundo Piaget. São Paulo: Ática, 1998. FREIRE, P. Educação e mudança. Tradução de Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. (Coleção Educação e Comunicação, v. 1). _____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1999. HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de. Janeiro: Objetiva, 2001. MARCONDES, K. H. B. Continuidades e descontinuidades na transição da educação infantil para o ensino fundamental no contexto de nove anos. 373 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2012. PIAGET, J. A construção do real na criança. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. _____. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. RODRIGUES, S. A. Expressividade e emoções na primeira infância: um estudo sobre a interação criança-criança na perspectiva walloniana. Dissertação 16 (Mestrado em Educação). Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008. TIBA, I. Disciplina: limite na medida certa. Novos paradigmas. SP: Integrare, 2002. VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. WALLOW, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições, 1995. _____. Les mileux, les groupes et la psychogenèse de L’enfant. Enfance, Paris, n. 3, v. 4, p. 287-296, Mai-Oct, 1954.