Prévia do material em texto
Os sinais e sintomas respiratórios sempre refletem a presença de doença pulmonar? 1.1 TOSSE 1.1.1 Introdução A tosse representa o principal mecanismo de defesa das vias aéreas inferiores. Trata-se de um dos motivos mais comuns de consulta ao pneumologista e é o sintoma respiratório mais encontrado na prática pneumológica, atingindo cerca de 30 milhões de atendimentos ambulatoriais por ano na população norte americana. 1.1.1.1 Fisiopatologia A tosse é um mecanismo de defesa do organismo e tem função de eliminar materiais inalados em grande quantidade, retirar o excesso de muco seja por aumento da produção deste ou por deficiência de depuração mucociliar. O reflexo da tosse apresenta fase inspiratória – inalação do gás ou alérgeno –, fase compressiva com fechamento da glote logo após esta inalação e fase expiratória forçada contra a glote fechada, gerando som característico. O fechamento da glote promove contração isométrica dos músculos expiratórios, levando a aumento da pressão intratorácica e intra- abdominal. Quando a glote se abre na fase expiratória, mobiliza-se altos fluxos respiratórios. O reflexo da tosse envolve receptores de tosse, nervos aferentes, centro da tosse, nervos eferentes e músculos efetores. Os receptores de tosse são presentes em toda a via aérea, exceto nos alvéolos e no parênquima pulmonar. Este fato explica um dado clínico que muitas vezes nos parece estranho – a pneumonia sem tosse. 1.1.2 Classificação Ainda que possamos diferenciar a tosse produtiva ou seca, diária ou episódica, a principal característica clínica para correlação com hipótese diagnóstica é o seu tempo de duração:. 1. Aguda: até 3 semanas; 2. Subaguda: tosse persistente por um período entre 3 e 8 semanas; 3. Crônica: superior a 8 semanas. 1.1.2.1 Tosse aguda As principais causas de tosse aguda são as Infecções das Vias Aéreas Superiores (IVAS) e inferiores (traqueobronquites agudas), sendo os vírus respiratórios os agentes etiológicos mais frequentes. Outras causas comuns são sinusites bacterianas agudas, exposição a alérgenos e irritantes e exacerbações de doenças crônicas, como asma, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)e doenças intersticiais pulmonares (DPI). Nas IVAS, o diagnóstico é altamente sugestivo em pacientes com tosse, rinorreia – mucosa ou hialina –, espirros, obstrução nasal e drenagem pós-nasal de secreções, na presença ou não de odinofagia e febre; caracteristicamente, a ausculta pulmonar deverá ser normal. A principal etiologia é a viral, e o quadro resolve-se espontaneamente na maioria dos casos. As traqueobronquites agudas, em mais de 50% dos casos, são de etiologia viral, sem necessidade de tratamento específico para a tosse. Febre persistente por mais de 3 dias e purulência de escarro sugerem etiologia bacteriana, devendo o uso de antibióticos ser considerado. As exacerbações agudas de doenças pulmonares crônicas serão discutidas em outros capítulos. 1.1.2.2 Tosse subaguda As orientações para o manejo da tosse subaguda são controversas, até porque a classificação é recente. Antigamente, a tosse com mais de 3 semanas de evolução era categorizada como crônica. Na verdade, as etiologias são similares e a abordagem muito semelhante, com uma exceção relevante, que representa a principal causa de tosse subaguda: a tosse pós-infecciosa. O diagnóstico da tosse pós-infecciosa é de exclusão e baseia-se em 3 critérios: tosse com duração > 3 e < 8 semanas, avaliação clínica detalhada sem identificação de uma causa e história de infecção das vias aéreas nas últimas 3 semanas. Não há tratamento específico, mas devemos identificar se os sintomas decorrem de obstrução/gotejamento pós-nasal persistente, e os principais medicamentos auxiliares são os anti-histamínicos e fármacos inalatórios, sobretudo o brometo de ipratrópio; o uso de corticoide sistêmico deve ser desencorajado, visto que habitualmente não abrevia os sintomas. A abordagem da tosse subaguda exige história clínica cuidadosa que permite o diagnóstico, na maioria das vezes, sem a necessidade de investigação adicional ou de tentativas terapêuticas. 1.1.2.3 Tosse crônica A abordagem do paciente com tosse crônica não é simples. Entretanto, com uma anamnese detalhada, podemos direcionar corretamente a abordagem diagnóstica e terapêutica. Ainda que as possibilidades etiológicas sejam inúmeras, segundo o último consenso para o manejo da tosse do American College of Chest Phisicians de 2006, quando descartamos o tabagismo e o uso de Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECAs) como causas de tosse crônica em paciente com radiografia de tórax normal, cerca de 99% dos casos serão provocados por uma das 3 causas mais frequentes: gotejamento pós-nasal, asma/hiper- reatividade brônquica e refluxo gastroesofágico. Estas causas nem sempre ocorrem isoladamente; é comum a associação entre 2 ou mesmo 3 delas. São causas de tosse crônica: a) Gotejamento pós-nasal – rinossinusite crônica; b) Asma/hiper-reatividade brônquica; c) Refluxo gastroesofágico; d) Tosse pós-infecciosa; e) DPOC; f) Bronquiectasias; g) Uso de IECAs; h) Tuberculose; i) Neoplasias pulmonares; j) Doenças pulmonares fibrosantes; k) Insuficiência cardíaca; l) Doenças pleurais ou pericárdicas; m) Discinesia de pregas vocais; n) Síndromes aspirativas pulmonares; o) Pelos no ouvido, irritando a parede posterior; p) Psicogênica. A história de tosse na vigência de terapia com IECA ocorre em até 15% dos usuários dessa medicação, sendo mais comum em mulheres não tabagistas. A tosse não é dose dependente e pode ocorrer horas após a primeira dose ou apenas após meses de uso, não existindo, com isso, relação temporal. Resolve-se geralmente após 1 a 4 semanas após a retirada do fármaco. Isso se dá em razão da inibição da degradação da bradicinina, com acúmulo no epitélio brônquico que promove irritação local e tosse. A seguir, são apresentados diagnósticos, sinais e sintomas de tosse crônica: 1. Tosse reativa de vias aéreas superiores – síndrome do gotejamento pós-nasal: a) Obstrução ou congestão nasal; b) Espirros e pigarro frequentes; c) Rinorreia; d) Secreção em retrofaringe. 2. Asma: a) Dispneia; b) Opressão torácica; c) Sibilância ou chiado; d) Outras manifestações de atopia; >e) Sintomas episódicos. 3. Doença do refluxo gastroesofágico: a) Mecanismo: estimulação de receptores esofágicos, alterações da motilidade esofágica e micro/macroaspirações; b) Tríade clássica de sintomas (pirose, regurgitação e disfagia de condução); c) Pigarro; d) Disfonia/Rouquidão; e) Tosse – excluir outras causas relevantes. Na avaliação clínica do indivíduo com tosse aguda devemos valorizar história clínica e, quando pertinente, tratar empiricamente. Na maioria das etiologias os exames são normais. Em contexto de tosse crônica devemos avaliar uso de IECA. Se presente, retirar medicação. Todo tabagista deve ser orientado a parar de fumar. Porém, independentemente disto, todos os indivíduos devem realizar radiografia de tórax e espirometria com prova broncodilatadora. Caso espirometria e radiografia de tórax normais, devemos suspeitar de asma, DRGE e síndrome do gotejamento pós-nasal. Em todas estas três podemos realizar teste terapêutico caso pertinente. Radiografia de tórax alterada e/ou espirometria alterada devemos prosseguir investigação. Sempre na presença de radiografia de tórax alterada sem diagnóstico evidente devemos realizar tomografia computadorizada de tórax para melhor investigação. Lembrar sempre: preconiza-se busca ativa-passiva para tuberculose pulmonar para todo indivíduo sintomático respiratório, ou seja, com tosse por 2 semanas ou mais. Principais causas de tosse: 1. Aguda (até 3 semanas): infecção, alergia; 2. Subaguda (entre 3 e 8 semanas): tosse pós-infecciosa; 3. Crônica (além de 8 semanas): IECA, hiper-reatividade brônquica, tosse reativa das vias aéreas superiores, doença do refluxo gastroesofágico. Apesar das diversas causas de tosse, o diagnóstico em sua maioria é clínico, com base na duração da tosse e na avaliação minuciosa dahistória – fatores desencadeantes, de melhora ou piora, medicamentos em uso etc. 1.1.3 Tratamento O tratamento deve ser direcionado à sua etiologia. Como a tosse é um dos principais mecanismos de defesa das vias aéreas, sua supressão com fármacos antitussígenos é habitualmente pouco eficaz, devendo ser indicada apenas a situações em que o controle é extremamente necessário, como em crises de tosse que promovam desconforto respiratório importante, alguns casos de pós-operatório e de hemoptise. Tratamentos específicos para as principais etiologias de tosse crônica: 1. Tosse reativa de vias aéreas superiores: a) Educação ambiental – evitar alérgenos ou irritantes; b) Anti-histamínicos e corticoide nasal; c) Antibióticos em caso de sinusite crônica. 2. Hiper-reatividade brônquica: a) Educação ambiental – evitar alérgenos ou irritantes; b) Corticoide inalatório e broncodilatadores. 3. Refluxo gastroesofágico: a) Medidas comportamentais: perda ponderal, evitar alimentos que geram sintomas, evitar álcool e café, cessação de tabagismo, elevação de cabeceira; b) Inibidor da bomba de prótons, em caso de plenitude pós- prandial, associar procinéticos. 1.2 DISPNEIA A dispneia tem sido conceituada de inúmeras formas, mas provavelmente a definição mais completa é a de que dispneia é a percepção da respiração. De fato, a respiração deve ser um fenômeno automático, não notado, e sua simples percepção denota um fenômeno anormal. Sempre se deve diferenciar dispneia subjetiva – queixa do paciente – de dispneia objetiva – percebem-se os sinais. Vários mecanismos podem explicar o surgimento da dispneia. De forma geral, sua presença pode sinalizar alteração funcional respiratória. O estímulo para a ventilação é regulado por nervos periféricos – na face e nas vias aéreas –, mecanorreceptores – na parede torácica e no diafragma – e barorreceptores – para CO2 e O2 –; uma excitação excessiva desses sensores é o gatilho para a dispneia. A seguir, estão enumeradas situações que exemplificam os mecanismos de dispneia: 1. Interferência em barorreceptores: alterações nas trocas gasosas por doenças estimulam o centro respiratório excessivamente para aumentar a ventilação, promovendo a sensação de dispneia; 2. Mecanorreceptores: receptores na parede torácica, principalmente na musculatura respiratória acessória, podem estimular o centro respiratório por compressão na parede torácica ou pelo uso excessivo da musculatura intercostal, como ocorre nos transtornos de ansiedade. A musculatura acessória é bem mais fatigável do que o diafragma e, quando utilizada em excesso, gera sensação de falta de ar; 3. Nervos periféricos: a região anterior da face e a parede das vias aéreas apresentam sensores de fluxo de ar. Quando se detecta redução do fluxo habitual, o centro respiratório é estimulado para aumentar a ventilação, como em um mecanismo de defesa. Se esses nervos estão muito sensíveis ou há redução demasiada do fluxo de ar, o centro respiratório é estimulado e a dispneia pode ocorrer. Esse mecanismo pode ser entendido no dia a dia quando observamos a conduta habitual de um leigo ao deparar com um indivíduo com mal- estar repentino – geralmente, a postura é de abanar a face, o que promove uma sensação de bem-estar. Esse é o fenômeno do “ar fresco”, que exemplifica a importância dos nervos periféricos na gênese da dispneia. Um indivíduo com doenças das vias aéreas (mesmo um resfriado) apresenta desnudamento da mucosa e exposição de terminações nervosas, tendo a sua sensibilidade aumentada, podendo ocorrer a sensação de que o fluxo está inadequado, justificando a dispneia. A classificação britânica do Medical Research Council modificada (mMRC), atualmente, é mais utilizada para a avaliação da severidade da dispneia. Vale ressaltar que tais classificações serão importantes sobretudo no manejo de pacientes com diagnóstico de pneumopatias crônicas, diferentemente dos pacientes com outras patologias ou sintomas agudos. Quadro 1.1 - Classificação do Medical Research Council modificada da dispneia Fonte: elaborado pelo autor. #IMPORTANTE Lembrar que dispneia não ocorre unicamente por alteração pulmonar, podendo estar relacionada com distúrbios psiquiátricos, como crise de ansiedade ou pânico. 1.2.1 Tipos O tipo mais comum de dispneia é o que acompanha o esforço físico. O centro respiratório aumenta a frequência respiratória e/ou a profundidade da respiração (volume corrente) quando os níveis de oxigênio no sangue estão baixos ou os níveis de dióxido de carbono estão elevados. Por outro lado, se as funções cardíaca e pulmonar estiverem anormais, mesmo um pequeno esforço poderá acarretar aumento acentuado da frequência respiratória e causar a dispneia. Nas formas mais graves, pode acontecer mesmo em repouso. A dispneia de causa pulmonar pode ser consequência de distúrbios ventilatórios restritivos ou obstrutivos. Na dispneia decorrente de distúrbio ventilatório restritivo, o trabalho respiratório aumenta em virtude do comprometimento da expansão torácica devido à perda de distensibilidade dos pulmões, à deformidade da parede torácica ou ao espessamento pleural. O volume de ar que chega aos pulmões é inferior ao normal, como mostram as provas de função pulmonar. Na dispneia associada a distúrbio ventilatório obstrutivo, o paciente não é capaz de eliminar totalmente o ar previamente inalado, e a retenção intratorácica de ar – hiperinsuflação pulmonar – desloca o diafragma para baixo, diminuindo sua eficiência ventilatória, o que é interpretado como dispneia, como na DPOC. Algumas características da falta de ar referida pelo paciente podem ser úteis na determinação da etiologia, conforme sumariza o Quadro 1.2. Quadro 1.2 - Tipos específicos de dispneia Existem situações em que há mudança do padrão respiratório, como na respiração de Cheyne-Stokes, caracterizada por alternância entre períodos de respiração acelerada (hiperpneia) e períodos de respiração lenta (hipopneia) ou de ausência de respiração (apneia). As suas possíveis causas são a insuficiência cardíaca e a redução da eficácia do centro respiratório, bem como o uso de sedação. A acidemia, ou mesmo o coma diabético, pode produzir um padrão respiratório caracterizado por respirações lentas e profundas, denominado respiração de Kussmaul, mas o indivíduo não apresenta falta de ar. Por outro lado, aquele com insuficiência renal grave pode apresentar dispneia com respiração ofegante e rápida devido à combinação de acidose, insuficiência cardíaca e anemia. Lesão cerebral súbita, decorrente de hemorragia cerebral, de traumatismo ou de qualquer outro distúrbio, pode também alterar o padrão respiratório, acarretando respiração rápida e intensa (hiperventilação). Muitos indivíduos apresentam episódios de dispneia caracterizados por respirações rápidas e profundas. Esses episódios, denominados como síndromes de hiperventilação, são comumente causados por ansiedade, e não por um problema físico. Muitos que apresentam a síndrome se assustam, julgando sofrer um infarto do miocárdio. Os sintomas devem-se a alterações das concentrações dos gases sanguíneos, principalmente em função da diminuição do nível de dióxido de carbono, provocadas pela respiração acelerada, com possível alteração da consciência, comumente descrita como sensação de que tudo ao redor está muito distante. Também há sensação de formigamento nas mãos, nos pés e em torno da boca. 1.2.2 Abordagem diagnóstica O primeiro passo na investigação diagnóstica de pacientes com dispneia é a determinação do órgão primariamente envolvido; é uma tarefa que pode ser difícil se consideramos que, em até 1 terço dos pacientes, a causa da dispneia é multifatorial. No entanto, em cerca de 80%, a história e o exame físico são suficientes para realizar o diagnóstico. Em alguns pacientes, exames complementares e triagem podem contribuir. Principais etiologias envolvidas no quadro de dispneia: 1. Asma: o diagnóstico, realizado principalmente por meio de dados clínicos, pode ser confirmado por testes de função pulmonar,principalmente espirometria demonstrando distúrbio ventilatório obstrutivo geralmente com prova broncodilatadora positiva. Teste de broncoprovocação com metacolina pode auxiliar nos casos com espirometria normal; 2. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): o diagnóstico baseia- se na demonstração de obstrução ao fluxo aéreo e pode ser realizado de maneira confiável, com base em dados clínicos de exposição inalatória a inalantes que configurem fator de risco, como tabagismo e outras fumaças decorrentes de queima de biomassa, associado à espirometria, com distúrbio ventilatório obstrutivo geralmente sem resposta após o uso de broncodilatador; 3. Doenças intersticiais pulmonares: habitualmente se caracteriza por dispneia aos esforços incapacitantes, taquipneia em repouso, e espirometria com distúrbio ventilatório restritivo caracterizado por redução proporcional de todos os volumes pulmonares aferidos, além de caracteristicamente cursar com acentuada redução da capacidade difusiva do monóxido de carbono nos testes de função pulmonar completa. A tomografia computadorizada de tórax é o principal exame para diagnóstico e investigação etiológica inicial; 4. Doenças vasculares pulmonares: hipertensão arterial pulmonar e doença tromboembólica pulmonar crônica são causas de dispneia crônica. Ecocardiograma, ressonância magnética cardíaca, cintilografia de ventilação/perfusão e angiotomografia de artérias pulmonares podem ajudar no diagnóstico. Nos pacientes com doença vascular primária, a história familiar e o uso de fármacos anorexígenos podem ser pistas para o diagnóstico; 5. Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC): a presença de ortopneia e dispneia paroxística noturna aponta a possibilidade diagnóstica de ICC. O exame clínico pode indicar congestão pulmonar, ritmo de galope, sopro cardíaco ou sinais de hipervolemia. Eletrocardiograma, radiografia de tórax e ecocardiograma, frequentemente, ajudam na conclusão diagnóstica. Em pacientes com dispneia aguda no pronto-socorro, marcadores hormonais têm sido úteis para a sua avaliação. A concentração de peptídio natriurético atrial e de peptídio natriurético cerebral (BNP) aumenta nas formas mais avançadas ou crônicas de ICC, e o uso, em particular do BNP, foi estudado para diferenciar quadros cardíacos de pulmonares, em unidades de emergência. Valores de BNP > 100 pg/mL apresentam sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo de, respectivamente, 90, 76 e 83%. O BNP revelou-se a melhor variável isolada para o diagnóstico de ICC em dados de história, exame físico e exames complementares. Quanto maiores os valores de BNP, maior a probabilidade do diagnóstico final de ICC; quando maiores do que 400 pg/mL, têm grande valor preditivo positivo; se menores do que 100 pg/mL, têm bom valor preditivo negativo. Um estudo europeu demonstrou que valores menores do que 80 pg/mL têm valor preditivo negativo de 98%. 1.3 DOR TORÁCICA A dor torácica habitualmente é um tópico mais importante de discussão na área de Cardiologia. Isto se deve ao fato de que, apesar de não ser a etiologia mais frequente de dor torácica, as síndromes coronarianas agudas ainda representam uma das principais causas de morbimortalidade no Brasil e no mundo. Cabe aqui ressaltar especificamente a caracterização do paciente com suspeita de doenças pleuropulmonares associadas à dor torácica (Quadro 1.3), dentre as quais se destacam as síndromes pleurais, o tromboembolismo pulmonar e as neoplasias pulmonares. A caracterização da dor pleurítica é a principal pista para a correta avaliação do caso; trata-se de dor habitualmente posterolateral, que piora à movimentação do tórax ou decúbito, mas sobretudo relacionada à inspiração mais profunda do tórax. Uma vez identificada, os exames de imagem (radiografia de tórax, tomografia de tórax ou angiotomografia de artérias pulmonares) são os principais exames para condução clínica. Quadro 1.3 - Diagnóstico diferencial de dor torácica Todo paciente com dor torácica deve ser avaliado, e o diagnóstico de síndrome coronariana aguda deve ser descartado; no entanto, quando identificamos dor de característica pleurítica, as doenças pleuropulmonares devem ser investigadas adequadamente. 1.4 SIBILOS Sibilos são sons agudos, produzidos durante a respiração, cujos mecanismos ainda são muito bem definidos. O mais aceito é que ocorrem por vibração das paredes de pequenas vias aéreas, principalmente aquelas com alguma redução do fluxo de ar. Podem ser causados por estreitamento geral das vias respiratórias, como acontece na asma ou na DPOC, por estreitamento localizado, como o produzido por tumor ou por partícula estranha que se aloje nas vias aéreas. A causa mais comum de sibilos recorrentes é a asma e o sibilo é o sintoma mais específico de asma. Na suspeita de asma a avaliação clínica junto a espirometria é fundamental. Entretanto, esteja atento – nem tudo que sibila é asma! Em crianças menores de 3 anos de idade sibilância é comumente associada a bronquiolite viral e não prediz desenvolvimento de asma. Em adultos, qualquer condição que gere obstrução de via aérea pode levar a presença de sibilos. Obstrução de vias aéreas altas, lesão de nervo laríngeo recorrente e disfunção das cordas vocais muitas vezes surpreendem como causa de sibilo. Devemos também estar atentos a pacientes já com diagnóstico prévio de asma em uso de betabloqueadores mesmo sob forma de colírios. Estes podem piorar sibilância em decorrência do uso da medicação. Sibilos localizados ou unilaterais devem ser investigados exaustivamente com exames de imagem e, caso necessário, broncoscopia, já que podemos estar diante de obstrução por corpo estranho ou obstrução por lesão tumoral. Um subtipo de sibilo, chamado grasnado, é um som ultracurto, com a mesma tonalidade, que dura menos de 100 ms. Característico da pneumonia de hipersensibilidade, pode ocorrer em outras desordens bronquiolares. Sibilos traduzem obstruções de vias de pequeno calibre, presentes em ambas as fases da respiração; roncos traduzem obstruções de vias de grande calibre, também em ambas as fases, sendo alterados com a tosse. 1.5 ESTRIDOR O estridor é um sintoma e sinal – pode ser relatado pelo paciente e facilmente identificado ao exame físico – que, de modo geral, se correlaciona com obstrução ao fluxo aéreo em vias respiratórias de grande calibre, frequentemente, laringe, traqueia e brônquios principais. É um ruído adventício mais facilmente detectado na inspiração. Pode ocorrer nas síndromes infecciosas agudas, sobretudo em crianças (laringite aguda, crupe), porém, como sintoma isolado, com frequência, está relacionado a um dos seguintes diagnósticos: discinesia de pregas vocais (muitas vezes, de difícil diferenciação com crises de asma pela sua característica intermitente e súbita), estenose de traqueia (causa mais comum e pós-trauma de intubação prolongada), tumores endobrônquicos e obstrução por corpo estranho. O principal cuidado que se deve ter é com a sua evolução rápida para insuficiência respiratória aguda e necessidade de intubação orotraqueal na unidade de emergência. 1.6 HEMOPTISE A hemoptise consiste na expectoração de sangue originário do trato respiratório, na forma de sangue vivo, ou como estrias de sangue (hemoptoicos). Existem classificações na literatura para estimar a gravidade, geralmente com base no volume expectorado. Uma das mais aceitas considera sangramentos superiores a 600 mL em 24 horas ou 30 mL/hora como maciços e ameaçadores à vida. Com isso, a mortalidade aumenta quanto maior a intensidade do sangramento. A principal causa de morte é a asfixia produzida pelo próprio sangramento. A hemoptise deve ser diferenciada, na investigação inicial, dos sangramentos oriundos das vias aéreas superiores e do trato gastrintestinal alto. As causas da hemoptise, bem como suas características, são temas sempre vistos em questões de concursos médicos. Os diagnósticos mais frequentemente associados em questões de prova são as doenças necrotizantes do parênquima pulmonar: tuberculose,carcinoma brônquico, tromboembolismo com infarto pulmonar e vasculites pulmonares (síndrome pulmão-rim). 1.6.1 Principais causas No Brasil, a principal causa de hemoptise é a tuberculose pulmonar, seja ela na sua forma ativa ou devido a sequelas. Outras causas também se destacam: infecções do trato respiratório, bronquite, pneumonia, infecção por fungo Aspergillus, principalmente, colonizando cavitações pulmonares conhecida como bola fúngica ou micetoma, abscessos pulmonares, bronquiectasias, insuficiência cardíaca, estenose da válvula mitral e síndrome de Goodpasture. Outras: malformações arteriovenosas, corpo estranho nas vias aéreas, distúrbios hemorrágicos, trauma, lesão durante procedimento médico, embolia pulmonar e tumor, tosse paroxística – pelo esforço repetitivo. Os tumores são responsáveis por cerca de 20% dos casos, destacando-se o carcinoma pulmonar. Essa hipótese deve ser cuidadosamente investigada em indivíduos com mais de 40 anos e tabagistas. Deve-se lembrar que, na ICC com edema alveolar, pode haver tosse com secreção espumosa rosada; esta, por sua vez, pode ser confundida com hemoptise, portanto, deve-se caracterizar bem o quadro, a expectoração e possíveis comorbidades. 1.6.2 Diagnóstico A história clínica é um fator importante na investigação da etiologia da hemoptise. Tempo de duração, sintomas sistêmicos associados e história de tabagismo são dados que devem ser sempre verificados. Muitas vezes, o principal desafio diagnóstico é identificar adequadamente a origem do sangramento das vias aéreas inferiores, de acordo com os dados clínicos, ou seja, se este provém das vias aéreas superiores ou do trato digestivo. Os principais achados relacionados são: sensação de “calor” localizado no tórax antes do episódio, acesso de tosse precedendo o sangramento, eliminação de sangue vivo sozinho – não misturado com expectoração purulenta –, sensação de sufocamento e alterações localizadas na ausculta pulmonar – estertores, roncos ou sibilos. Dentre os exames complementares, a radiografia é sempre o exame inicial: recomenda-se que pacientes jovens, com hemoptise não maciça por menos de 7 dias e com radiografia normal, recebam tratamento antimicrobiano por provável traqueobronquite complicada, bronquiectasia infectada ou sinusopatia aguda com sangramento de vias aéreas superiores que se manifestem também com a tosse. Porém, trata-se de um sintoma que com grande frequência indica a necessidade de investigação complementar, pela possibilidade de etiologias graves. Hematócrito, coagulograma, testes de função renal, sedimento urinário e pesquisa de bacilo álcool-ácido-resistente no escarro devem ser solicitados. Além destes, tomografia de tórax de alta resolução e/ou broncoscopia estão indicadas. Atualmente, a maioria dos autores recomenda a priorização da tomografia como método diagnóstico em detrimento da broncoscopia, pois permite definir a causa do sangramento – avaliação de bronquiectasias, tumores, embolia pulmonar, entre outros –, conseguindo identificar a origem do sangramento no paciente com doença parenquimatosa difusa, mediante administração de contraste endovenoso; exceção vale aos casos com repercussão hemodinâmica, em que a broncoscopia apresenta papel terapêutico relevante na tentativa de controle do sangramento ativo. O diagnóstico geralmente é realizado com a história clínica, porém a radiografia e a tomografia de tórax apresentam papel importante. A broncoscopia deve ser priorizada em casos em que há repercussão hemodinâmica do paciente. 1.6.3 Tratamento São características do tratamento: a) Pode não exigir tratamento ou demandar tratamento específico de acordo com a causa; b) Geralmente, o sangramento de vasos pequenos cessa espontaneamente; c) O sangramento de um vaso importante normalmente requer tratamento, que pode ser feito por intermédio da embolização da artéria brônquica ou eventualmente ressecção cirúrgica da área afetada; d) Pacientes com sangramento em volume superior a 100 mL em 24 horas necessitam de internação hospitalar para investigação clínica e monitorização terapêutica; e) A tosse é um mecanismo eficaz para manter as vias aéreas livres e não deve ser suprimida por antitussígenos como regra para todos os pacientes; f) A broncoscopia é um exame importante na identificação da localização do sangramento, e nos sangramentos mais intensos pode tamponar e impedir a inundação do restante da árvore brônquica; quando a etiologia é de um tumor endobrônquico, permite a adequada hemostase; g) A arteriografia pulmonar é a principal intervenção para controle dos sangramentos persistentes; o tratamento cirúrgico restringe-se aos casos não controlados pela arteriografia; h) Vale ressaltar que a principal causa de óbito na hemoptise é asfixia por inundação da árvore brônquica e choque hemorrágico. 1.7 CIANOSE A cianose corresponde a uma coloração azulada da pele e decorre da concentração elevada de hemoglobina reduzida – não ligada a oxigênio – no sangue periférico. Concentrações > 5 g/dL de hemoglobina reduzida são capazes de gerar cianose. Esse detalhe é interessante e tem implicação clínica: para um mesmo grau da doença, é mais provável que um indivíduo com poliglobulia fique cianótico do que um paciente com anemia. Como denota uma coloração anormal do sangue, geralmente é mais bem avaliada nos segmentos periféricos e em mucosas. Dois fatores concorrem para o surgimento de cianose: deficiência em oxigenar o sangue no território capilar pulmonar, padrão conhecido como cianose central, e extração periférica excessiva de oxigênio, denominada cianose periférica. A cianose central pode ser consequência de vários tipos de doenças pulmonares graves e de determinadas malformações vasculares e cardíacas que desviam o sangue da direita para a esquerda, o que é denominado shunt direito-esquerdo. A cianose periférica pode decorrer de redução da velocidade do fluxo sanguíneo na periferia, com aumento da extração de oxigênio pelos tecidos, como visto nas tromboses arteriais ou venosas e nos estados de choque. Uma forma de diferenciar os 2 tipos é a extensão da cianose: enquanto a central costuma ser identificada tanto na pele quanto nas mucosas, a periférica geralmente poupa as mucosas oral e labial. A cianose central habitualmente melhora com a administração de oxigênio, ao contrário da periférica. Outra forma de classificar a cianose é o local de manifestação. Assim, podemos encontrar 2 padrões: cianose localizada – restrita a um segmento corpóreo – e cianose generalizada – acometimento difuso. É necessário cuidado para não confundir a classificação fisiopatológica com a distribuição da cianose: toda cianose central é generalizada, no entanto nem toda cianose generalizada é central, pois pode ser vista também na periférica. Quadro 1.4 - Tipos de cianose Na presença de cianose, é necessário estimar a saturação de hemoglobina com oxigênio por meio de oxímetro de pulso e gasometria arterial. Algumas vezes, podem ser necessários radiografias, estudos do fluxo sanguíneo e provas de função pulmonar e cardíaca para determinar a causa da cianose. O tratamento será, sempre, dirigido à causa-base. Uma situação interessante, que por vezes intriga o clínico, é a de um paciente com cianose, mas sem hipoxemia identificada na gasometria arterial: a meta-hemoglobinemia. O distúrbio acontece por um estado alterado da hemoglobina, com o íon ferroso tornando-se oxidado a íon férrico, que é incapaz de ligar-se ao oxigênio. Assim, a curva de dissociação da hemoglobina é desviada para a esquerda, para tentar aumentar a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, mas a liberação tecidual do gás é reduzida. Há redução do conteúdo de oxigênio no sangue. Níveis de até 3% de meta-hemoglobina são considerados normais; pacientes com a doença crônica, mesmo com níveis próximos de 50%, podem ser assintomáticos, sendo cianose a única queixa. Quando aguda, surgem dispneia, letargia, cefaleia e fadiga, ou quadros mais graves, com convulsões, choque e coma. O grande problema diagnóstico dameta-hemoglobinemia é que a oximetria de pulso é incapaz de detectá-la, e os aparelhos de gasometria convencionais calculam a SO2 por extrapolação, por meio das medidas diretas da paO2 e do pH, que não se modificam na meta- hemoglobinemia. Para o diagnóstico, deve-se usar a espectrofotometria, que determina as concentrações de hemoglobina, oxi-hemoglobina, meta-hemoglobina e carboxi-hemoglobina. Pode-se inferir o diagnóstico, também, ao avaliar o sangue coletado, geralmente de aspecto marrom-chocolate. A doença pode ser hereditária ou estar associada a exposição a medicamentos – antimaláricos, nitratos, paracetamol, lidocaína –, substâncias industriais – naftaleno, nitrotolueno etc. –, alimentos em conserva – por conter nitrato e nitrito de sódio – etc. O tratamento é feito com azul de metileno na dose de 0,1 a 0,2 mL/kg IV, por 5 minutos. Os sinais e sintomas respiratórios sempre refletem a presença de doença pulmonar? Convém identificar, por meio dos sinais e sintomas pulmonares, doenças não apenas do aparelho respiratório, mas também do aparelho cardiovascular – por exemplo, dispneia na insuficiência cardíaca –, gastroesofágico – por exemplo, tosse por refluxo gastroesofágico – e outros. Como diferenciar os distúrbios ventilatórios pela espirometria? 2.1 INTRODUÇÃO As principais indicações clínicas são: a) Auxiliar no diagnóstico diferencial; b) Avaliar o impacto da doença pulmonar; c) Determinar a progressão da doença pulmonar; d) Investigar o efeito do tratamento; e) Quantificar o grau de disfunção e incapacidade. 2.2 TESTES DE FUNÇÃO PULMONAR O principal teste de função pulmonar é a espirometria que pode ser complementada, quando necessário, por outros exames mais apurados, como a medida de volumes pulmonares e difusão com CO. Para o adequado entendimento dos testes de função pulmonar, é necessário uniformizar alguns termos. A nomenclatura usada de acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia está descrita a seguir: 1. Volume Residual (VR): volume de ar que permanece nos pulmões após uma expiração máxima; 2. Capacidade Pulmonar Total (CPT): volume de ar intratorácico ao final de uma inspiração máxima; 3. Capacidade Residual Funcional (CRF): volume de ar que permanece nos pulmões ao final de uma expiração usual, em volume corrente (volume de reserva expiratório + volume residual); 4. Capacidade Vital (CV): representa o maior volume de ar mobilizado, medido tanto na inspiração quanto na expiração; 5. Capacidade Vital Forçada (CVF): volume máximo de ar exalado com esforço máximo, iniciando-se ao final de uma inspiração forçada máxima; 6. Volume expiratório forçado de primeiro segundo (VEF1): volume de ar exalado no primeiro segundo durante a manobra de CVF; 7. VEF1-CVF: razão entre o volume expiratório forçado de primeiro segundo e a CVF; 8. Fluxo: expresso em L/min, representa a taxa de variação de um volume; 9. Pico de Fluxo Expiratório (PFE): representa o fluxo máximo de ar durante a manobra de CVF – também denominado fluxo expiratório forçado máximo (FEFmáx); 10. Fluxo expiratório forçado médio – 25 a 75% (FEF25-75%): fluxo expiratório forçado médio de determinado período, obtido durante a CVF; 11. Tempo Expiratório Forçado (TEF): mede, em segundos, o tempo do início ao fim da CVF. Figura 2.1 - Volumes e capacidades pulmonares 2.3 ESPIROMETRIA 2.3.1 Definições A primeira pergunta que sempre é feita é: espirometria é sinônimo de prova de função respiratória? Não! Na verdade a espirometria é um dos exames de prova de função respiratória. A espirometria é um exame simples, de baixo custo e que nos dá informações importantes sobre a função pulmonar dos pacientes. Pode ser utilizada tanto para avaliação clínica de paciente com sintoma respiratório, avaliação clínica de pacientes tabagistas, avaliação pré-operatória de indivíduos com doença respiratória, ou mesmo cirurgias pró e também em contexto de avaliação ocupacional de indivíduos que se expõe a poeira e/ou agentes pneumotóxicos. Infelizmente, ainda é um método subutilizado. A espirometria avalia volumes e capacidades pulmonares. Mas o que seria capacidade? Nada mais é do que a soma de 2 ou mais volumes. Antes de tudo temos que nos familiarizar com a Figura 2.1 acima que nos situa em relação aos volumes e capacidades. Esta Figura deve ser entendida para que possamos compreender alguns conceitos importantes. O primeiro deles é que a espirometria avalia desde a inspiração máxima até a expiração máxima. Com isso, consegue avaliar muito bem a Capacidade Vital Forçada (CVF), mas perceba por outro lado que não avalia o volume residual, sendo esta uma das suas principais limitações. Como não avalia volume residual, por conseguinte não avalia nem Capacidade Residual Funcional (CRF) e nem Capacidade Pulmonar Total (CPT). A única forma de avaliar o volume residual, é medindo os volumes pulmonares estáticos. Esta medida pode ser realizada por 3 principais métodos: pletismografia – método mais acurado –, diluição com hélio ou pelo wash out de nitrogênio. O segredo para a realização de um exame de espirometria de qualidade, é estarmos atentos à técnica, o indivíduo ter compreendido todos os passos do exame e também estarmos atentos às curvas do gráfico fornecido. São duas principais curvas: a volume versus tempo e a fluxo versus volume. No Quadro 2.1 existem vários aspectos fundamentais a serem observados. A avaliação da inspiração máxima e os critérios de início, duração e término refletem critérios de aceitabilidade. Temos que obter pelo menos 3 curvas aceitáveis. Um outro dado importante é avaliar a reprodutibilidade, ou seja, se as manobras repetidas são reprodutíveis gerando valores iguais ou próximos, garantindo que aqueles são os reais valores daquele indivíduo. É fundamental obtermos 2 curvas reprodutíveis. Após obtenção de 3 curvas aceitáveis e 2 reprodutíveis podemos selecionar a curva a ser interpretada, podendo esta ser uma curva envelope, ou seja, pegando os melhores valores de diferentes curvas. Todos os parâmetros avaliados levam em consideração o valor percentual do predito, ou seja, o percentual atingido em relação ao que se espera – média populacional que varia de acordo com cada etnia –, considerando as variáveis de sexo, altura e idade. Quadro 2.1 - Critérios para uma espirometria de boa qualidade Fonte: Standardisation of spirometry, 2005. 2.3.2 Princípios fisiológicos A principal manobra espirométrica é a expiração forçada, que desencadeia aumento pronunciado das pressões alveolares – que tendem a expulsar o ar – e da pressão pleural, que, envolvendo as vias aéreas, tende a fechá-las. Ambos os processos praticamente se cancelam em determinado segmento das vias aéreas – ponto de igual pressão –; assim, a pressão resultante para eliminar o ar é a de recuo elástico dos pulmões (Figura 2.2). A consequência lógica é que, nessa circunstância, tem-se o fluxo máximo possível para determinado volume pulmonar. Na verdade, ao tentar forçar mais ar para fora, aumentando a pressão pleural, o efeito pode ser contraproducente, isto é, haverá somente mais compressão das vias aéreas e menor fluxo. Obviamente, quanto mais compressíveis as vias aéreas – por exemplo, na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) –, maior esse efeito. De fato, em tais pacientes, pode ocorrer substancial aprisionamento de ar nas pequenas vias aéreas, e nem todo o ar inspirado é expirado com sucesso. Logo, na expiração forçada, a taxa de fluxo aéreo é constante em um dado volume pulmonar, o que torna os parâmetros espirométricos reprodutíveis e analisáveis. Em contraste, na manobra expiratória lenta, não há compressão das vias aéreas, e os fluxos são altamente variáveis. Em compensação, todo o ar previamente inspirado é exalado com sucesso, fornecendo valores mais acurados de Capacidade Vital (CV) e suas subdivisões. De acordo com a Figura 2.2, no final da inspiração (A), a Pressão Alveolar (PA) está em equilíbrio com a pressão de abertura das vias aéreas (boca), portanto não há fluxo de ar. Em uma expiraçãotranquila (B), a Pressão dentro das Vias Aéreas (PVA) é sempre maior do que a pressão circunjacente (pressão pleural ou Ppl), e o fluxo de ar é contínuo. Na expiração forçada (Ppl elevada), como a realizada na espirometria, a pressão de expulsão do ar (PA) está aumentada, mas, em algum ponto das vias aéreas (Ponto de Igual Pressão, ou PIP), a pressão circunjacente (Ppl) será igual ou mesmo superior à PVA (PIP), limitando, assim, o fluxo para aquele volume pulmonar. Assim, a expiração forçada (C) permite a obtenção de valores reprodutíveis e confiáveis dos fluxos e volumes pulmonares. Figura 2.2 - Final da inspiração, expiração tranquila e expiração forçada 2.3.3 Dados A espirometria permite medir o volume de ar inspirado, o volume expirado e os fluxos respiratórios. É importante estar familiarizado com as curvas e com os 3 principais parâmetros a serem avaliados: CVF, VEF1 e a relação VEF1-CVF que é conhecido como índice de Ti�eanau. O VEF1 é uma das medidas mais úteis na prática clínica porque é razoavelmente esforço-independente e depende da permeabilidade das vias aéreas e de boa retração elástica pulmonar. Os resultados espirométricos devem ser expressos em gráficos de fluxo-volume (Figura 2.3) e volume-tempo (Figura 2.4). A curva fluxo-volume mostra que o fluxo é máximo logo ao início da expiração, próximo à CPT, havendo queda lenta posteriormente. É importante observar a curva fluxo-volume, pois um esforço respiratório submáximo pode ser evidente nessa curva, o que não acontece na curva volume-tempo. Nesse caso, o paciente deve ser treinado para poder realizar um esforço apropriado, de forma a obter uma curva fiel à sua função respiratória. Figura 2.3 - Curva fluxo-volume Fonte: Definições funcionais de asma e DPOC, 2013. Figura 2.4 - Curva volume-tempo Fonte: Definições funcionais de asma e DPOC, 2013. 2.3.4 Interpretação dos resultados 2.3.4.1 Distúrbio ventilatório restritivo A restrição pulmonar é definida por redução da CPT. Como a espirometria não a mede – por não estimar o volume residual, como relatado –, não é possível confirmar a presença desse distúrbio. Entretanto, com base em dados clínicos sugestivos e em alterações específicas no exame, é aceitável fornecer o diagnóstico de restrição de forma presuntiva. Logo, ao laudar, devemos sempre nos preocupar em deixar claro que se trata de provável distúrbio ventilatório restritivo. Quando CVF < 50% alguns autores sugerem que já é possível afirmar haver restrição, já que CVF < 50% garante CPT reduzido. Quando estamos diante de distúrbio ventilatório restritivo, estamos diante de situação que reduz de forma proporcional volumes e capacidades pulmonares. Neste caso, tanto volumes quanto capacidades são reduzidos. Com isso, CVF reduzido e VEF1 reduzido. Quando realizamos a razão de CVF-VEF1, como seguem reduzidos de forma proporcional, a razão continua a mesma sendo normal. Desta forma, os principais parâmetros se comportam geralmente da seguinte forma: a) CVF reduzido; b) VEF1 reduzido; c) VEF1-CVF normal. Os distúrbios ventilatórios restritivos podem ser intrapulmonares – alteração estrutural do parênquima ou deslocamento do parênquima pulmonar – ou extrapulmonar – doenças da caixa torácica, obesidade e outros –, por exemplo: 1. Alteração estrutural do parênquima (mais frequente): fibrose pulmonar ou infiltração parenquimatosa – silicose, asbestose, fibrose pulmonar idiopática, fibrose associada a doenças autoimunes etc.; 2. Deslocamento do parênquima pulmonar: tumores, derrame pleural, com alguns estudos demonstrando, também, o efeito de líquido ascítico na restrição pulmonar; 3. Parênquima removido: ressecção pulmonar; 4. Parede torácica ou músculos: miastenia gravis, cifoescoliose etc.; 5. Outras: obesidade. Apesar de a espirometria ter incapacidade teórica de definir um distúrbio restritivo, existe uma situação em que sua presença é irrefutável: quando a CVF é inferior a 50% do previsto. Entenda a razão: uma vez que CPT = CVF + VR e o VR representa habitualmente 20% da CPT, sempre que a CVF estiver inferior a 50% a CPT estará anormalmente reduzida, inferior a 70%, definindo restrição. Com o mesmo princípio, outra conclusão é possível: a restrição só poderá se manifestar na espirometria com CVF abaixo do limite inferior esperado para o indivíduo. Desta forma, alguns autores sugerem que quando CVF < 50% podemos afirmar restrição mesmo que apenas com a espirometria. Na fibrose idiopática, a tração dos tecidos aumenta a elastância dos pulmões, reduzindo a resistência do fluxo aéreo e implicando valores supranormais de VEF1 ou de FEF25-75%. Nessa situação, o valor da razão VEF1-CVF ou FEF25-75%-CVF pode ser maior do que 150% do previsto. Quando esta razão é maior que 150% ou TFEF < 0,3 segundos, identificamos a presença de fluxos supranormais. 2.3.4.2 Distúrbio ventilatório obstrutivo Indivíduos normais expiram cerca de 80% da CVF no primeiro segundo. Sabemos também que a quantidade de ar expirada no primeiro segundo representa o VEF1. Assim, caso expire menos que esse valor, ou seja, caso a relação do VEF1-CVF seja inferior a 0,8, ou 80% em valores percentuais, a conclusão é que há lentificação à saída do ar, o que indica distúrbio obstrutivo. No entanto, para fugir do rigor fisiológico, o limite da relação VEF1-CVF considerado clinicamente normal é de 0,7; ou seja, VEF1-CVF < 0,7 define a presença de obstrução de vias aéreas. Os principais exemplos de distúrbio ventilatório obstrutivo na prática clínica são: asma e DPOC. Os pacientes apresentam dificuldade de colocar o ar para fora, ou seja, de expirar. Com isso, demoram mais a expirar. O problema não é a quantidade de ar dentro do pulmão, ou seja, a CVF geralmente está normal. O grande problema é mobilizar todo o ar para fora. Isto implica em 2 questões na espirometria. Primeiro, se há dificuldade de colocar o ar pra fora, o ar documentado no primeiro segundo está reduzido, com isso, VEF1 reduzido. Segundo, o indivíduo demorará mais tempo e, com isso, a curva será aceitável neste indivíduo apenas com 10 segundos e idealmente 15 segundos de expiração forçada. Como VEF1 está reduzido e CVF normal, temos que a razão entre os dois estará também reduzida. Os parâmetros apresentam o seguinte comportamento nos distúrbios ventilatórios obstrutivos: a) CVF normal; b) VEF1 reduzido; c) CVF-VEF1 reduzido: < 0,7. Pacientes com maior gravidade de doença tendem a hiperinsuflação. Este processo gera aprisionamento aéreo e por conseguinte aumento de volume residual. Com o passar do tempo, o aumento de volume residual pode se dar de tal forma que reduza a CVF. Com isso, em casos mais graves, a CVF pode estar reduzida. Quando há obstrução, a CVF do paciente não se altera inicialmente, mas sim o VEF1, trazendo como resultado uma relação VEF1-CVF reduzida. Figura 2.5 - Comparação gráfica dos distúrbios restritivos e obstrutivos 2.3.4.3 Distúrbio ventilatório combinado ou misto Em geral, o diagnóstico de doença obstrutiva é facilmente realizado quando há redução do VEF1 e da VEF1-CVF, com CVF normal. Entretanto, podem-se ter dúvidas quando há redução associada da CVF antes e depois da broncodilatação. Nesse caso, a CVF pode estar reduzida por restrição associada – Distúrbio Ventilatório Combinado (DVC), com diminuição da CPT, ou, simplesmente, porque a obstrução é tão importante que aumenta o VR mais do que a CPT, reduzindo a CVF (Figuras 7 e 8). Obviamente, em qualquer momento – antes e depois do broncodilatador –, uma CVF normal afasta distúrbio restritivo. Figura 2.6 - Diferentes mecanismos de redução da capacidade vital O ideal é que pacientes com VEF1 e VEF1-CVF baixos, mas também com CVF reduzida após o broncodilatador, sejam submetidos à medida direta da CPT através da medida de volumes pulmonares. Diante de distúrbio obstrutivo com redução de CVF, na impossibilidade de realizar a medida da CPT, recomenda-se a seguinte medida: subtrair o valor da CVF do VEF1: CVF = 59% e VEF1 = 26%; diferença: 59 - 26 = 33; sendo assim, os valores representadosabaixo dimensionam o distúrbio: 1. Diferença > 25%: distúrbio obstrutivo; 2. Diferença de 12 a 25%: distúrbio obstrutivo com CVF reduzida; 3. Diferença < 12%: distúrbio restritivo e obstrutivo (misto ou combinado). A lógica desta subtração é fácil. Se estivermos diante de obstrução grave, o VEF1 está muito reduzido e o CVF somente começou a ficar reduzido agora que o indivíduo está grave e com hiperinsuflação. Com isso, neste momento a CVF estará reduzida, porém não tão reduzida, não havendo relação de queda proporcional entre CVF e VEF1. Logo, estão distantes, tendo uma diferença maior que 25. Por outro lado, na restrição, mesmo que associada, a queda é proporcional e seus valores se encontram próximos. Com isso, uma diferença menor que 12. 2.3.4.4 Distúrbio ventilatório inespecífico Tradicionalmente, os distúrbios ventilatórios têm sido classificados como obstrutivos, restritivos ou combinados (mistos). Denomina-se Distúrbio Ventilatório Inespecífico (DVI) quando é impossível a espirometria determinar o distúrbio ventilatório em questão. Ocorre quando há redução leve a moderada da CVF (> 50% do previsto), com relação VEF1/CVF normal. Tal fenômeno se dá porque diversos fatores podem reduzir a CVF, incluindo a obstrução. Obviamente, se for possível medir a CPT diretamente, o diagnóstico correto será definido. Abaixo, dados básicos para a interpretação da espirometria: a) Se houver redução da relação VEF1-CVF (< 0,7), haverá obstrução; b) A restrição caracteriza-se por redução proporcional da CVF e do VEF1, mantendo a relação VEF1-CVF normal; c) Na restrição, nunca ocorre a normalização dos parâmetros espirométricos; d) A resposta ao broncodilatador é caracterizada por variação do VEF1 superior a 200 mL e 12% em relação ao previsto para o paciente ou CVF superior a 350 mL. 2.3.5 Prova broncodilatadora A resposta aos broncodilatadores (BDs) é avaliada por meio da variação (pré e pós) do VEF1 e, secundariamente, dos volumes pulmonares como CVF, CV e capacidade inspiratória. É importante salientar que a ausência de resposta aos BDs não elimina a possibilidade de resposta terapêutica ao uso continuado da droga. Para o teste, geralmente, são fornecidos 400 µg de fenoterol ou de salbutamol com espaçador, e a espirometria é repetida após 15 a 20 minutos. Os critérios de resposta baseiam-se em 2 pontos: a) Indivíduos normais que podem ter algum grau de broncodilatação com o uso de BDs; b) Indivíduos normais que podem apresentar mudança do tônus broncomotor, mesmo na ausência de medicamentos. As principais diretrizes recomendam considerar como resposta significativa ao BD a melhora do VEF1 em 200 mL e de 12% em relação ao valor previsto ou CVF > 350 mL. A presença do critério relacionado ao VEF1 – prova broncodilatadora positiva em fluxo – ou do critério relacionado ao volume – prova broncodilatadora positiva em volume – já define prova broncodilatadora positiva. Por mais que didaticamente tente-se dicotomizar os distúrbios obstrutivos a partir da resposta broncodilatadora em sendo positiva como sinônimo de asma e negativa como sinônimo de DPOC, muitas vezes somos surpreendidos na prática clínica. Pacientes com asma controlada ou aqueles graves já com remodelamento brônquico podem apresentar prova broncodilatadora negativa, enquanto pacientes DPOC, principalmente aqueles com sobreposição com asma (ACO - Asthma COPD overlap), podem apresentar prova broncodilatadora positiva. 2.3.6 Classificação de gravidade pelas alterações espirométricas A classificação quanto à gravidade dos distúrbios, tendo em vista o parâmetro espirométrico, é evidenciada no Quadro 2.2. Quadro 2.2 - Quantificação dos distúrbios ventilatórios pela espirometria Nota: a graduação do Distúrbio Ventilatório Obstrutivo (DVO) deve ser feita pelo VEF1, e a do Distúrbio Ventilatório Restritivo (DVR), pela CVF. 1 Na presença de FEF25-75%-CV(F) isoladamente reduzida, o distúrbio é classificado como leve, na presença de sintomas e/ou de tabagismo. Vale lembrar que, assim como a espirometria não é o melhor exame para diagnosticar distúrbios restritivos, as mesmas diretrizes internacionais da ATS e ERS recomendam o uso somente da CPT pela pletismografia com parâmetro de avaliação de gravidade; a espirometria deverá sempre vir laudada como sugestiva de distúrbio restritivo e sem graduação de gravidade somente pelo valor percentual do predito da CVF. Além disso, deve-se ter muito cuidado com a interpretação da estimativa de gravidade pelo exame, pois não pode ser confundida com a avaliação de gravidade das doenças específicas. Por exemplo, em um indivíduo com DPOC, a avaliação de gravidade da doença é feita com níveis diferentes de VEF1 daqueles usados para caracterizar a gravidade do distúrbio obstrutivo. 2.3.7 Interpretação Figura 2.7 - Interpretação geral Fonte: elaborado pelos autores. 2.3.8 Pico de Fluxo Expiratório (PFE) O PFE é o maior fluxo obtido em uma manobra forçada. É um exame simples aferido por meio de um medidor portátil. Suas principais utilidades clínicas são: auxiliar no diagnóstico de asma, avaliando a grande variabilidade diurna do PFE em asmáticas – diferença acima de 20% entre a maior e a menor medida é significativo –; monitoramento e tratamento da asma a curto e longo prazo e caracterização de asma ocupacional. 2.3.9 Teste de broncoprovocação O teste de broncoprovocação envolve a repetição seriada das manobras espirométricas forçadas após a inalação de doses progressivamente mais concentradas de substâncias sabidamente broncoconstritoras – histamina, metacolina ou carbacol). A principal variável desse teste é a PD20, dada pela menor concentração da substância inalada, capaz de promover queda de 20% ou mais do VEF1 basal. É um exame de uso rotineiro incomum, por ser de realização demorada, pela dificuldade em conseguir a substância broncoconstritora e por não ser isento de reações adversas. O teste tem maior utilidade em casos suspeitos de asma, sem comprovação pela espirometria. Deve-se observar, entretanto, que diversas condições podem tornar positivos os testes de broncoprovocação, como rinite, chiado torácico ocasional, infecção das vias aéreas superiores recente, teste cutâneo alérgico recente, tabagismo e DPOC. É uma prova que não permite uma separação segura de DPOC e asma, notadamente naqueles com espirometria basal já indicando DVO. 2.4 MEDIDA DOS VOLUMES PULMONARES ESTÁTICOS Existem, basicamente, 3 tipos de exames: que exploram as relações inversas entre volume e pressão (pletismografia corpórea); diluição com hélio e wash out de nitrogênio. A maior vantagem da pletismografia corpórea é que todo o ar intratorácico é realmente medido, inclusive aqueles aprisionados nas bolhas presentes em pacientes enfisematosos graves. Uma técnica por vezes utilizada para avaliar o volume de ar dentro de uma bolha é realizar pletismografia, avaliando todo o ar pulmonar e o teste de diluição com hélio, que não acessa o ar dentro das bolhas. A partir da realização dos dois, a subtração do resultado obtido pela pletismografia pelo resultado obtido pela diluição com hélio indica a quantidade de volume de ar dentro das bolhas. A medida de volumes pulmonares também pode ser realizada através de técnicas radiográficas, utilizando softwares específicos. 2.4.1 Indicações a) Diagnóstico de certeza de distúrbio ventilatório restritivo; b) Melhor avaliação de distúrbios mistos e distúrbios inespecíficos; c) No diagnóstico de hiperinsuflação e aprisionamento aéreo; d) Avaliação inicial e seguimento longitudinal das doenças pulmonares parenquimatosas, especialmente as doenças fibrosantes; e) Como auxiliar na determinação da resposta a intervenções terapêuticas clínicas ou cirúrgicas (cirurgia redutora de volume pulmonar, bulectomia); f) Na avaliação da disfunção e incapacidade. 2.4.2 Interpretação 1. Hiperinsuflação: caracterizada por CPT > 120% do previsto, geralmente com aumento concomitante da CRF (> 130%), do VR (> 140%) e das relações CRF-CPT (> 0,55) e VR/CPT (> 0,4); 2. Alçaponamento aéreo: caracterizadopor VR > 140% do previsto e relação VR-CPT > 0,4, na presença de DVO; 3. Restrição: caracterizada por CPT < 80% do previsto, geralmente com CRF e VR menos reduzidos ou até próximos da normalidade (de 70 a 130% e de 60 a 140%, respectivamente), isto é, as relações CRF- CPT e VR-CPT podem até aumentar no DVR. 2.5 MEDIDA DA CAPACIDADE DE DIFUSÃO DE MONÓXIDO DE CARBONO O teste da capacidade de difusão pulmonar utiliza um gás que tem afinidade alta pela hemoglobina, o monóxido de carbono (CO). Esse gás, quando inalado, tem sua transferência para o capilar pulmonar dependente, basicamente, da difusão pela parede alveolar, interstício e endotélio vascular. O teste consiste na inalação de quantidade conhecida do gás e na estimativa do volume absorvido pelos pulmões. Alterações ventilatórias, hemodinâmicas, das relações ventilação- perfusão e hematológicas podem afetar as medidas de capacidade de difusão pulmonar (DCO). Como diversos fatores podem afetar a DCO, esta, embora seja bastante inespecífica, é particularmente sensível ao acometimento, mesmo inicial, da área funcional de troca gasosa pulmonar. A hipoventilação, em contrapartida, como não interfere na difusão dos gases diretamente, pois a membrana alveolocapilar está íntegra, habitualmente não interfere no resultado do teste. 2.5.1 Indicações a) A DCO tem papel importante no diagnóstico precoce e na avaliação da gravidade, no prognóstico e na resposta terapêutica das doenças intersticiais pulmonares, destacando-se fibrose pulmonar idiopática e esclerodermia com acometimento pulmonar; b) Na avaliação pré-operatória, a DCO, junto à espirometria, é o teste de repouso com maior poder preditivo para complicações; c) Em determinadas circunstâncias clínicas, a redução da DCO pode ser importante para a separação entre enfisema pulmonar e asma brônquica persistente com obstrução fixa; d) Avaliação da disfunção e incapacidade. 2.5.2 Interpretação 1. Redução da DCO: a reduzida (leve: de 61 a 75% do previsto; moderada: de 41 a 60%; acentuada: < 40%) deve ser analisada em conjunto com os dados clínicos e funcionais associados, especialmente espirométricos; doenças intersticiais e enfisema pulmonar são causas de redução de DCO; 2. Elevação da DCO: pode ocorrer em circunstâncias, como obesidade acentuada, asma, policitemia, hemorragia pulmonar recente, shunt esquerdo-direito, insuficiência cardíaca congestiva leve, exercício ou erro técnico. 2.6 MENSURAÇÃO DAS PRESSÕES RESPIRATÓRIAS ESTÁTICAS MÁXIMAS A redução da força muscular respiratória – pressão máxima gerada na inspiração, ou PImáx, e na expiração, PEmáx – pode ter importantes consequências clínicas, especialmente no desencadeamento da dispneia, e como fenômeno precoce na falência ventilatória hipercápnica. Na prática, determinam-se a PImáx ao nível do VR e a PEmáx ao nível da CPT. 2.6.1 Indicações a) Suspeita de fraqueza muscular ventilatória, especialmente para o diagnóstico diferencial da dispneia de origem incerta; b) Avaliação longitudinal ou pós-intervenções terapêuticas ou reabilitadoras em pacientes com doença toracopulmonar ou sistêmica que curse com fraqueza muscular respiratória; c) Avaliação pré-operatória de pacientes de risco para complicações pulmonares. 2.6.2 Interpretação A interpretação de valores muito baixos pode ser problemática, especialmente se não se sabem a CPT ou o VR. Em caso positivo, deve-se sempre tentar corrigir para o volume pulmonar. Há queda particularmente pronunciada da PImáx e da PEmáx quando a manobra se inicia em valores > 70% e < 40% da CPT, respectivamente. As manobras dependem crucialmente da cooperação: idosos, pacientes com fraqueza ou paralisia da face ou debilidade muscular dos membros superiores podem ter grande dificuldade em manobras reprodutíveis. 2.7 TESTE DE EXERCÍCIO CARDIOPULMONAR Também denominado ergoespirometria, adiciona, ao eletrocardiograma e ao registro da frequência cardíaca, a mensuração direta do volume de ar ventilado – habitualmente, o expirado – e as respectivas frações de oxigênio e dióxido de carbono (FEO2 e FECO2). Esses dados permitem o cálculo de variáveis metabólicas (consumo de O2, produção de CO2), ventilatórias e cardiovasculares. A aparelhagem necessária para o teste apresenta- se comercialmente disponível na forma de sistemas metabólicos integrados que medem e integram continuamente os diversos sinais por meio de tecnologia microprocessada. 2.7.1 Indicações a) É indicado como direcionador precoce da linha de investigação da dispneia de origem indeterminada. O teste deve ser a alternativa imediatamente posterior às avaliações clínica, radiográfica, espirométrica – incluindo broncoprovocação – e eletrocardiográfica de repouso. É útil para diferenciar a dispneia de origem cardiovascular da pulmonar, identificar componente circulatório insuspeito e apontar componente psicogênico ou comportamental; b) Em qualquer paciente com doença cardiopulmonar com queixas de intolerância ao exercício em que a avaliação de repouso é inconclusiva ou com discordância entre os sintomas e os testes de repouso, incluindo as alterações radiológicas; c) Para a determinação do fator preponderante de dispneia em um paciente com múltiplas causas possíveis; d) Na avaliação pré-operatória de pacientes com risco funcional moderado a elevado, por exemplo, VEF1 e/ou DCO < 60% do previsto; e) Na avaliação prognóstica da insuficiência cardíaca congestiva e na indicação de transplante cardíaco, pulmonar ou cardiopulmonar; f) Na prescrição de treinamento físico ou reabilitação; g) Na avaliação do grau de disfunção e incapacidade. 2.8 GASOMETRIA ARTERIAL A gasometria arterial é o principal teste utilizado na prática diária com o objetivo de avaliar as trocas gasosas. A rigor, estará indicado sempre que houver indícios de anormalidade expressiva nessa função pulmonar, como nos casos de insuficiência respiratória, cianose e anormalidade na oximetria de pulso. 2.8.1 Variáveis de interesse prático 1. Variáveis que refletem o nível de oxigenação arterial: a) paO2 (pressão parcial de O2 no sangue arterial); b) SatO2 (saturação arterial da oxi-hemoglobina); c) D(Aa)O2 (diferença alveoloarterial das pressões parciais de O2). 2. Variáveis que estão relacionadas primariamente ao CO2: a) paCO2 (pressão parcial de CO2 no sangue arterial); b) pH (potencial hidrogeniônico); c) HCO3- (íon bicarbonato). 2.8.1.1 paO2 É a pressão de oxigênio dissolvido no sangue. A hipoxemia é a redução do conteúdo de O2 no sangue, que depende, basicamente, da quantidade de O2 ligada à hemoglobina, podendo ocorrer mesmo com pO2 normal ou elevada, ou seja: Em um indivíduo jovem e sadio, a paO2 deve estar entre 80 e 100 mmHg, embora a hiperventilação aguda possa elevá-la a valores superiores a 100 mmHg. A paO2 declina com a idade e com o excesso de peso para a altura – Índice de Massa Corpórea (IMC). Sendo o limite inferior do intervalo de confiança, o valor calculado é subtraído de 12 mmHg – considerar 75 anos como limite, utilizando esse valor para indivíduos mais idosos. 2.8.1.2 paCO2 É a pressão de dióxido de carbono dissolvido no sangue (valores normais: de 35 a 45 mmHg). Como o CO2 é mais difusível do que o O2 e a sua curva de dissociação é quase uma linha reta, a sua pressão alveolar (pACO2 e, logo, a paCO2) é controlada facilmente pela ventilação alveolar, modificando a taxa de formação dos íons H+ (pH): 2.8.1.3 pH É o potencial hidrogeniônico, ou seja, quanto menor o pH de uma solução, mais íons H+ existirão e maior será o potencial dessa solução em fornecer H+ (normal: 7,35 a 7,45). 2.8.1.4 SatO2 Mais de 98,5% do O2 é carreado pela hemoglobina, logo a SatO2 é extremamente importante para a oferta periférica de O2. O aspecto sigmoide da curva de dissociação da oxi-hemoglobina determina que variações de paO2 > 60 mmHg levam a mudanças apenas discretas na SatO2 (SatO2 = 90%); em contrapartida, pequenas mudanças da paO2 < 60 mmHg determinam grandes variações na SatO2. Contudo, deslocamentos para a direita (menor afinidade da hemoglobina pelo O2, com aumentoda pressão necessária para saturar em 50% a hemoglobina – P50) ou para a esquerda (maior afinidade, ou seja, P50 < 27 mmHg) também influenciam o valor final da SatO2. Se forem citadas curvas desviadas para a esquerda e para a direita, cabe dar exemplos de situações fisiológicas e patológicas: a hemoglobina fetal tem maior afinidade pelo O2. Figura 2.8 - Curva de dissociação da hemoglobina Fonte: adaptado de Ratznium. A seguir, fatores que interferem na curva de dissociação da hemoglobina: 1. Desviam a curva de dissociação da hemoglobina para a direita (diminuem a afinidade – aumentam a liberação de O2): a) Hipertermia; b) Acidose; c) Hipercapnia; d) Aumento do 2,3 – difosfoglicerato; e) Policitemia. 2. Desviam a curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda (aumentam a afinidade – diminuem a liberação de O2): a) Hipotermia; b) Alcalose; c) Hipocapnia; d) Redução do 2,3 – difosfoglicerato; e) Anemia. Questões sobre os fatores que alteram a curva de dissociação da hemoglobina são recorrentes em provas de concursos médicos. 2.8.2 Bases para a interpretação da gasometria 2.8.2.1 paO2 e D(Aa)O2 A redução da paO2 pode ocorrer por uma baixa FiO2 (respiração hipóxica) ou uma baixa pressão atmosférica e, consequentemente, PIO2 reduzida (altitude), hipoventilação, desequilíbrio difusivo, distúrbios V/Q e shunt. A exclusão de hipoventilação como causa de hipoxemia pode ser feita pelo cálculo da D(Aa)O2, e a respiração de O2 a 100% ajuda na identificação de shunt, contudo a separação entre fatores difusivos e distributivos V/Q requer testes mais complexos. 2.8.2.2 D(Aa)O2 O cálculo da diferença alveoloarterial de O2 fornece uma indicação mais precisa da homeostase da troca gasosa intrapulmonar do que a simples análise da paO2. Ou, de forma simplificada: Em que: pressão atmosférica (Patm); pressão de vapor de água – 47 mmHg (pH2O); R = VCO2/VO2 (0,8). Em condições ideais, essa diferença deveria ser de, no máximo, 5 mmHg, já que os valores capilares finais são bastante semelhantes aos alveolares médios. Entretanto, como habitualmente se estima o valor de pressão alveolar de oxigênio, toleram-se valores até 15 mmHg como normais – em indivíduos idosos, até 25 mmHg –, sempre em ar ambiente, com FiO2 de 0,21 – os valores normais para outras concentrações de oxigênio são desconhecidos. Na insuficiência respiratória, os distúrbios de difusão (edema pulmonar) e os de ventilação/perfusão (shunt, efeito shunt e efeito espaço morto) geralmente se apresentam com aumento da diferença alveolocapilar. Por outro lado, a hipoventilação per se não afeta a D(Aa)O2. 2.8.2.3 paCO2 O CO2 tem difusibilidade melhor do que o oxigênio. Disso resulta que sua eliminação é menos afetada nos distúrbios de unidade alveolocapilar. De fato, os níveis de CO2 dependem, fundamentalmente, da ventilação alveolar, de forma que quanto maior a ventilação, menores os níveis de CO2; caso contrário, se houver hipoventilação, os níveis de CO2 ficarão elevados. As anormalidades da unidade alveolocapilar só promovem elevação de pCO2 em fases avançadas da lesão. 2.8.2.4 pH A acidose caracteriza-se pelo excesso de H+ (pH < 7,36 ou [H+] > 44 mmol/L), e a alcalose, pela depleção dele (pH > 7,44 ou [H+] < 36 mmol/L). As 2 principais variáveis que afetam o pH são: Em que: K = constante de dissociação e o coeficiente de solubilidade do CO2. Logo, quanto mais CO2 (controle respiratório) e menos HCO3- (controle metabólico) houver em dada solução, mais acidótica ela será. 2.8.3 Testes relacionados A oximetria de pulso separa a oxi-hemoglobina da hemoglobina reduzida pelas suas diferenças de absorção dos raios vermelho e quase-infravermelho. Valores elevados de carboxi-hemoglobina (HbCO > 3%) e meta-hemoglobina (HbMet > 5%) podem invalidar as medidas de saturação pela oximetria (SpO2). A SatO2 na gasometria arterial é estimada a partir da paO2 e do pH, assumindo uma reação normal entre O2 e hemoglobina. Entretanto, se esta está ocupada pelo monóxido de carbono, por exemplo, a paO2 está pouco alterada e a SatO2 é grosseiramente superestimada pela gasometria convencional. Nesse caso, somente a medida direta da SatO2 por espectrofotometria (co-oxímetro) revelará o distúrbio, já que a oximetria de pulso não difere HbO2 de HbCO. Uma situação semelhante acontece na HbMet, em que o oxímetro tende a ler valores fixos de SpO2 de, aproximadamente, 85%. A estimativa do shunt pode ser realizada pela respiração de O2 a 100% por 10 a 15 minutos. Esse procedimento elimina todo o N2 alveolar, tornando sabida a pressão alveolar de O2: Deve-se lembrar, entretanto, que essa equação simplificada só é válida quando a hemoglobina está quase totalmente saturada (paO2 > 150 mmHg). Como áreas de shunt, por definição, não têm acesso a esse O2 alveolar aumentado (mas às áreas de baixo V/Q), o valor esperado de paO2, para dada paO2, diminui proporcionalmente à magnitude do shunt (5% de shunt para cada 100 mmHg de redução da paO2 < 700 mmHg). Logo, podemos diferenciar shunt de efeito shunt. Como diferenciar os distúrbios ventilatórios pela espirometria? O distúrbio ventilatório obstrutivo é definido pelo índice de Ti�eneau < 0,7. A prova broncodilatadora, apesar de não ser 100% fidedigna, ajuda na diferenciação entre asma e DPOC, que são as principais patologias associadas. Ao exame, a asma geralmente apresenta prova broncodilatadora positiva, e DPOC, geralmente prova broncodilatadora negativa. A radiografia de tórax necessita de contexto clínico para sua avaliação? 3.1 INTRODUÇÃO A radiografia de tórax é, ainda hoje, o principal método de imagem utilizado na Pneumologia, pelo baixo custo e pela grande disponibilidade. Tem limitações quando comparada a métodos como a tomografia computadorizada, mas, em número considerável de casos, pode-se prescindir de exames mais sofisticados com a interpretação adequada desse exame. Com isso, um dado muito importante de termos em mente é que, na grande maioria das situações clínicas em que devemos solicitar exame de imagem do tórax, o exame de primeira escolha é a radiografia de tórax. Entretanto, como um método simples e bastante disponível, por vezes é utilizado de forma inadequada. O American College of Radiology enumera indicações e situações em que a radiografia de tórax é desnecessária. Listadas a seguir, estão indicações para realização de radiografia de tórax: a) Sintomas ou sinais relativos ao sistema cardiopulmonar; b) Seguimento de doença torácica; c) Estadiamento de neoplasias intra ou extratorácicas; d) Avaliação pré-operatória de qualquer cirurgia torácica; e) Avaliação pré-operatória de pacientes com sintomas cardiopulmonares; f) Acompanhamento de dispositivos implantados – tubo orotraqueal, dreno de tórax, cateter venoso central etc. Listadas a seguir, estão situações em que a radiografia de tórax é desnecessária: a) Rastreamento populacional de doenças torácicas; b) Exame de rotina para a admissão hospitalar; c) Exame admissional – a depender da exposição ocupacional; d) Rotina pré-natal a pacientes sem estigmas de doença torácica; e) Repetição de exame durante internação prolongada, sem novos sinais ou sintomas. 3.2 AS IMAGENS E INCIDÊNCIAS RADIOGRÁFICAS As imagens radiográficas se apresentam conforme a atenuação do feixe de raio X em cada uma das estruturas. Com isso, temos: ar ou gás – imagem escura; gordura – imagem cinza-escura; partes moles – imagem acinzentada; osso ou cálcio – imagem branca. Esta correlação facilita e muita no momento da interpretação. As incidências radiográficas referem-se à postura do paciente com relação à ampola de raios X: na anteroposterior (AP), fica de frente para ela, com o dorso voltado ao filme; no perfil, um dos hemitórax – habitualmente o esquerdo – é voltado à fonte de raios X, e o lado oposto direcionado ao filme (Figura 3.1). As incidências radiográficas mais utilizadas no estudo das doenças torácicas são posteroanterior (PA) e perfil (Figuras 3.1, 3.2 e 3.3). A análise das 2 incidências em conjunto permite a visualização completa detodos os segmentos pulmonares, permitindo uma avaliação tridimensional. A incidência PA tem preferência em relação à AP, pelo fato de o coração e os vasos da base terem posição mais anterior: quanto mais próximos da fonte de raios X – como na projeção AP –, maior a sua sombra no filme, bem como a sua deformação, ocultando parte do parênquima pulmonar e gerando a falsa impressão de aumento do índice cardiotorácico, limitando a análise. Figura 3.1 - Incidências radiográficas Legenda: (A) posteroanterior; (B) perfil; (C) apicolordótica; (D) anteroposterior; (E) decúbito lateral com raios horizontais – Laurell. Convém lembrar que a incidência anteroposterior é aquela em que há maior magnificação da área cardíaca, pela incidência direta dos raios. Figura 3.2 - Radiografia em posteroanterior Legenda: (T) traqueia; (C) clavícula; (E) escápula; (Diaf) diafragma; (Est) estômago – bolha gástrica; (AD) átrio direito; (AE) átrio esquerdo; (VE) ventrículo esquerdo; (Hd) hilo direito; (He) hilo esquerdo; (Ao) aorta; (APu) artéria pulmonar; (Pf) pequena fissura. Figura 3.3 - Radiografia em perfil normal Legenda: (Ao) aorta; (Pf) pequena fissura; (Cor) coração; (Gf) grande fissura; (Dd) diafragma direito; (De) diafragma esquerdo – observar o sinal “do dégradé” da coluna torácica, opaca superiormente e transparente inferiormente. A projeção em perfil é interessante para verificar se uma imagem duvidosa observada na radiografia frontal está realmente presente e em qual localidade ela se encontra, anterior ou posterior. Regiões muitas vezes ocultas na radiografia em PA, como a retrocardíaca e regiões posteriores a cúpulas diafragmáticas são bem observadas por esta incidência. A projeção AP tem aplicação especial a pacientes restritos ao leito e é largamente utilizada em UTI. Sua maior utilidade está na localização de drenos, tubos e outros dispositivos (Figura 3.4). Figura 3.4 - Radiografia de tórax em anteroposterior de paciente em UTI Legenda: (T) tubo orotraqueal; (S) sonda enteral; (E) eletrodo de monitorização. Outras incidências não raramente utilizadas são decúbito lateral com raios horizontais (Laurell), quando o paciente se deita sobre o hemitórax que se deseja estudar, adotando posição paralela ao filme (Figura 3.5). Esta é interessante para o estudo de pacientes com derrame pleural. Apicolordótica – ampola de raios X é inclinada 15° em direção à cabeça do paciente, na intenção de retirar a clavícula do campo torácico, facilitando a visualização dos segmentos superiores dos lobos superiores. Esta é interessante para avaliação de suspeita de tumor de Pancoust – tumor localizado nos ápices. Existem outras incidências, como as oblíquas e a penetrada do mediastino, com utilização bem restrita na prática. Figura 3.5 - Radiografia em decúbito lateral esquerdo com raios horizontais, evidenciando pequeno derrame pleural à esquerda 3.3 INTERPRETAÇÃO A interpretação adequada da radiografia de tórax requer o conhecimento de um exame normal. Antes de qualquer análise detalhada, é fundamental avaliar a qualidade da imagem realizada. São características de uma radiografia bem realizada: 1. Inspiração adequada: a) O sexto ou o sétimo arcos costais anteriores têm contato com o hemidiafragma, ou o nono ou o décimo arcos posteriores; b) Idosos, pacientes em vigência de dor e inconscientes frequentemente não inspiram adequadamente. Esta pode gerar aumento falso do diâmetro cardíaco e também pode levar a aproximação dos vasos da base simulando atelectasia nas bases. 2. Boa penetração: a) Nas radiografias convencionais, o examinador deve identificar de 3 a 4 vértebras torácicas. Quanto menor o número de vértebras visualizadas, menor a penetração; quanto maior, maior a penetração do exame; b) Na radiografia digital, a penetração adequada permite identificar a trama vascular por meio da sombra cardíaca. 3. Simetria: a) A análise da radiografia é comparativa, assim é importante que os 2 hemitórax tenham posição simétrica: as extremidades mediais das clavículas devem estar equidistantes em relação à apófise espinhosa vertebral. Além disso, as partes moles extratorácicas devem ser visualizadas com o mesmo contraste bilateralmente; b) A presença de rotação gera projeção de várias estruturas para o lado onde está rodado. Com isso, pode levar a falsa imagem de massa mediastinal ou falso aumento do arco aórtico. 4. Análise de todos os campos: a) Todas as estruturas torácicas são visíveis ao filme, dos ápices aos seios costofrênicos. 5. Ausência de artefatos; a) Na radiografia em PA, as escápulas devem ser retiradas do campo, o que é obtido com o paciente colocando as mãos na cintura. Joias, fios de monitorização e eletrodos devem ser deslocados para fora do campo torácico. A seguir, estão detalhes anatômicos importantes para radiografia de tórax: a) O hilo esquerdo é mais alto do que o direito, já que a artéria pulmonar esquerda cavalga sobre o brônquio principal esquerdo; b) O hemidiafragma esquerdo é até 2,5 cm mais baixo que o direito, devido ao peso do coração; c) O arco da artéria pulmonar é habitualmente côncavo: retificação ou convexidade são sinais indiretos de hipertensão pulmonar – em indivíduos jovens, entretanto, pode não representar um achado patológico; d) O índice cardiotorácico é o quociente da maior largura da sombra do coração pela largura do hemitórax: quando > 1, representa aumento da área cardíaca, que pode ocorrer nas cardiomegalias e no derrame pericárdico, por exemplo; e) Na radiografia em perfil, o hemidiafragma esquerdo é interrompido pela sombra do coração; o direito percorre todo o comprimento lateral do tórax; f) Na radiografia em perfil, a coluna torácica é mais opaca superiormente, tornando-se mais transparente inferiormente – o sinal “do dégradé” da coluna torácica. A persistência de transparência opaca em regiões inferiores indica lesão no segmento posterior do lobo inferior de um dos pulmões. Não há regra na interpretação da radiografia de tórax. O ideal é que cada médico adote a própria rotina de visualização de forma sistematizada e organizada, avaliando todas as estruturas torácicas, incluindo o parênquima pulmonar, o mediastino, as partes moles torácicas e extratorácicas e o arcabouço ósseo. Toda radiografia de tórax deve ser avaliada dentro de um contexto clínico. 3.4 SINAIS RADIOGRÁFICOS 3.4.1 Hiperinsuflação Sua principal característica é a redução das impressões vasculares pelo parênquima pulmonar, principalmente quando se prolongam para as regiões mais periféricas. O enfisema pulmonar é a principal causa na prática médica. Outros parâmetros úteis na detecção da hiperinsuflação são aumento dos espaços intercostais com retificação das costelas, retificação das cúpulas diafragmáticas – cúpula onde o ponto mais alto seja inferior a 1,5 cm de uma linha ligando os ângulos costofrênicos e cardiofrênicos –, alteração na área cardíaca – coração em gota (pequeno, verticalizado e situado centralmente) –, aumento do diâmetro anteroposterior do tórax e aumento do espaço retroesternal (Figura 3.6). Figura 3.6 - Radiografias de tórax Legenda: (A) em posteroanterior e (B) em perfil, evidenciando sinais de hiperinsuflação. Outros achados comuns na radiografia de tórax no paciente com enfisema, são: presença de bolha que nada mais é que uma estrutura de paredes finas preenchida com ar que mede mais que 1 cm; vasos hilares proeminentes, principalmente por haver menos sombra cardíaca sobreposta. Pacientes DPOC com bronquite crônica apresentam, além da hiperinsuflação, paredes brônquicas espessadas. Um dado importante, é que em pacientes com DPOC leve podemos ter radiografia normal, não necessitando obrigatoriamente da presença dos achados de hiperinsuflação. Interessante ressaltar que nas exacerbações agudas da DPOC solicita-se radiografia de tórax apenas na presença de piora clínica inesperada ou na presença de achados clínicos não compatíveis que possam indicar outros diagnósticos diferenciais. 3.4.2 Sinal “da silhueta” Em uma radiografia normal, as bordas