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03 Aula O papel do professor e o papel do aluno Maria Esther Provenzano Mônica Waldhelm DURAÇÃO 8 horas OBJETIVOS Refletir sobre a dimensão política do trabalho docente e sua relação com os alunos no âmbito da Didática. 2 Educação Tecnológica – Didática O professor deve ensinar a pensar, ensinar a aprender, a se construir, a fazer perguntas, a questionar o já sabido, desenvolvendo a inventividade e a reflexão do educando. Sua missão é promover, inventar ou reinventar a cultura no seio de um mundo que se desfaz e refaz. (Japiassu, 1983) 3.1 O quE é sEr um “bOm prOfEssOr”? A Didática traz, como um de seus aspectos, a relação professor-aluno em sua dimensão técnica, afetiva e ética. O que é ser um bom professor na contemporaneidade? O que se espera dos alunos em uma sociedade tecnologizada? Que novas relações podem ser estabelecidas entre professor e aluno? São essas questões que nos instigam a pensar esta aula. Por que alguns professores são considerados bons por seus pares, por seus alunos, pelos diretores da escola e pelos pais dos alunos? Quais são as características capazes de definir um bom professor? Será ele o inovador por excelência? Ou o professor tradicional ainda tem seu espaço de reconhecimento? O indivíduo politizado? Aquele que sabe ensinar, que domina os conteúdos, dialoga com os alunos? Ou aquele que possui boa gestão de sala de aula, que desenvolve atividades onde o aluno se sente instigado a aprender? Como muito bem observa Cunha (1994), a importância e o significado do papel do professor não dependem exclusiva- mente dele, mas dos valores e interesses que caracterizam uma sociedade em determinada época. Diz a autora que: A sociedade contemporânea já produziu a idéia do professor-sacerdote, colocando a sua tarefa em nível de missão, semelhante ao trabalho dos religiosos. A mistificação do professor foi produto social e interferiu no seu modo de ser e de agir. Evolui posteriormente para a idéia do professor como profis- sional liberal, privilegiando seu saber específico e Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 3 atribuindo-lhe uma independência que, na prática, talvez nunca tivesse alcançado (CUNHA, 1994, p.28). A concepção sobre o que é ser um bom professor é histo- ricamente construída e está presente no imaginário dos alunos e dos próprios professores no momento em que se inicia um processo de aprendizagem. Embora existam estudos que buscam definir o bom ensino e o bom professor, essa conceituação é complexa e difícil. Assim sendo, selecionamos algumas concepções e experiências que tratam do tema, com a finalidade de problematizar essa questão tão instigante para todos os que exercem a atividade docente. Ao se referir ao professor e sua função de ensinar, Penna Firme (1998) recorre a Pipper, que aponta as características do bom professor: Estudos preocupados com a excelência do professor têm apontado uma variedade de características do Quais são hoje as expectativas que a Escola e os alunos têm em relação ao professor? Que concepção construímos sobre o que é ser um bom professor? Que tipo de critérios utilizamos para avaliá-lo? O que representa um bom ensino? Como as competências do professores estão sendo construídas? Que saberes se esperam que os professores demonstrem na sociedade contemporânea? Você se considera um bom professor? 4 Educação Tecnológica – Didática professor, desde aquelas que enfatizam a dimensão aprendizagem como ‘dar oportunidade de aprender e melhorar o incentivo de aprender’ aos que se concen- tram, mais diretamente, nas qualidades do professor como ‘ser bem preparado, demonstrar conhecimento da matéria, encorajar o pensamento inteligente e independente do aluno, motivar alunos para fazerem o melhor possível, serem justos e razoáveis na avaliação dos alunos e estarem sinceramente interes- sados no assunto ensinado. (FIRME, 1998, p.32-33) A respeito do mesmo assunto, a autora ainda ressalta: Nessa mesma direção, Seldin (1975) traz a visão de decanos sobre o professor excelente, em termos, de bem preparado para a aula, motiva os alunos para fazerem o melhor possível, comunica-se com competência no nível dos alunos, demonstra compreensão do conteúdo e trata os alunos com respeito. (FIRME, 1998, p.33) Em estudos realizados com professores alfabetizadores de classes populares, Kramer e André (1984) constataram que o sucesso na atividade docente não depende diretamente do método utilizado, mas do modo como se estabelece a relação entre o conteúdo, a disciplina, o afeto e o processo de aprender. Foram identificadas as seguintes características do bom professor: compromisso com o ensinar; ▪ habilidade para mobilizar não apenas os interesses dos ▪ alunos, seu entusiasmo, como também para apresentar- lhes desafios na aprendizagem; capacidade para explicitar claramente aos alunos as regras ▪ de trabalho e suas expectativas; Capacidade para explicitar claramente as regras de ▪ trabalho e suas expectativas em relação aos alunos. Sob uma visão tradicional do ensino como processo de transmissão de conhecimentos, privilegiava-se a amplitude e a profundidade do conhecimento do docente relacionando-as Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 5 diretamente com a qualidade da aprendizagem dos estudantes. Nas décadas de 60 e 70, o desenvolvimento de recursos tecnoló- gicos e didáticos quase autônomos, colocando o professor como gerente dos recursos e fonte de estímulo para a aprendizagem dos estudantes (Gouveia, 1992 apud Villani e Pacca 1997 p. 23) obscureceu de certo modo a importância do conhecimento científico do docente em favor de habilidades de organização. Durante essas décadas, o Banco Mundial financiou projetos didáticos considerados “à prova de professor”, nos quais a qualidade do conteúdo ensinado seria garantida pelo material distribuído aos alunos. A coordenação das atividades didáticas ficaria a cargo de monitores preparados mediante cursos de treinamento específico, dispensando a formação na disciplina específica. Para Villani e Pacca (1997), as licenciaturas de curta duração, em que o conteúdo específico é bastante restrito para dar lugar aos conteúdos de caráter pedagógico, podem ser consi- deradas as versões brasileiras dessa visão. Para entender o contexto de oferta desses cursos de licencia- tura curta, precisamos voltar no tempo. Desde o inicio da década de 1970, a maioria dos docentes já era oriunda de instituições particulares isoladas e, por conseqüência, os docentes da área de ciências eram formados longe do ambiente da produção do conhecimento. A maioria dos docentes, antes formada em cursos de licenciatura plena, seria então licenciada em cursos de curta duração (dois anos) oficializados pelo Conselho Federal de Educação (resolução CFE n° 30/74). Dentre outros impactos, as mudanças na legislação pós-acordo MEC/USAID levaram à seguinte situação: primeiro, passou-se a ter no final dos anos 1970 duas classes de professores de ciências (os formados nas Instituições de Ensino Superior — IES — públicas, e os que passaram a se licenciar nos cursos de curta duração — em sua maioria em IES privadas). A maioria dos docentes formados nos cursos de curta duração comple- mentou a licenciatura em áreas como a Matemática ou Biologia. Os altos custos para instalação de laboratórios de Física e Química 6 Educação Tecnológica – Didática impediram por parte da iniciativa privada a abertura de cursos dessas disciplinas, com isso, reforçou-se a idéia de que o ensino de ciências no nível fundamental é uma tarefa exclusiva de licenciados em ciências biológicas (ROSA, 2005, p. 95). Pereira (2000 apud Nardi, Bastos e Diniz 2004 p. 60), em sua análise acerca da formação inicial de professores no período de 1980 – 1995, apresenta uma retrospectiva históricasobre o tema. Esse autor mostra que a formação de professores passou a ter destaque a partir da década de 1970 e início da década de 1980, período no qual foi discutida a reformulação dos cursos de Pedagogia e das licenciaturas no Brasil. No início da década de 1970, a formação de professores privilegiava uma dimensão técnica, em que o professor era entendido como um organizador dos componentes do processo ensino-aprendizagem (objetivos, seleção de conteúdos, estratégias de ensino, avaliação etc.) que deveriam ser rigorosamente cumpridos. Tal configuração se atribui à influência da psicologia comporta- mental e da tecnologia educacional (Nardi, Bastos e Diniz, 2004). Entretanto, verifica-se que a partir da segunda metade da década de 1970, a formação de professores volta-se à outra perspectiva: a educação sendo vista como prática social intimamente ligada ao sistema político e econômico vigente (Candau, 1982, apud Nardi, Bastos e Diniz 2004 p. 60). Segundo Pereira (2000 apud Nardi, Bastos e Diniz, 2004 p. 60), esse posicionamento ganha força na década de 80 e passam-se a privilegiar na formação do educador o caráter político da prática pedagógica e o compromisso docente com as classes menos favo- recidas. Nesse período, valorizam-se a discussão sobre a função da escola, ressaltando-se a importância do professor enquanto sujeito na transformação da realidade social de seus alunos, e a prática educativa sob uma perspectiva social mais global. Ainda na década de 80, o compromisso político e a competência técnica são aspectos amplamente debatidos, bem como a relação teoria e prática na sua formação. Nesse contexto, têm grande impacto as idéias de Schön Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 7 (1992), ressaltando o papel da reflexão na prática profissional. Segundo Nardi, Bastos e Diniz (2004), nos anos 1990, quando a Educação passa por uma “crise de paradigmas”, passa-se a dar prioridade à formação do professor-pesquisador, inserida no conceito de profissional-reflexivo. Contudo, como atentam esses autores, essa prática reflexiva, deve focar diferentes objetos, ora o conteúdo, ora a qualidade de ensino, dentre outros, não podendo se limitar às questões técnicas de métodos e de orga- nização interna de sala de aula, mas, sim, levar as discussões às questões sociais e institucionais nas quais o ensino está inserido, para que não caia no tecnicismo, mas atue sobre a dimensão formativa do educando, preocupando-se com o seu desenvolvi- mento humano integral. É interessante destacar que acerca do conceito de “bom professor’”, encontramos estudos como o de Sequeira e Silva (2004) que também dão indícios do impacto do entusiasmo docente sobre os alunos. No estudo citado, do tipo quantitativo, o foco foi a caracterização do bom professor de Física e Química, dos ensinos básico e secundário, na opinião de professores e supervisores portugueses de Física e Química. Dentre as compe- tências relacionadas com características pessoais apontadas como importantes pelos informantes estão ter bom humor e mostrar entusiasmo pela matéria e pelo ensino. Martins, Rampon e Silva (2005) e Carrijo (1999) encontraram resultados similares em seus estudos, ao investigarem o que alunos esperam de um bom professor de Ciências e Biologia, mostrando que existe uma relação direta entre a motivação do aluno com as possibilidades de interação com o professor e seu dinamismo, se deixa o aluno se expressar e utiliza recursos variados em suas aulas. As afirmações dos entrevistados estão de acordo com a literatura relativa a estudos sobre o “bom professor” em cursos de dife- rentes áreas do conhecimento e níveis de ensino. Uma enquete realizada pela revista norte americana Time apud Bordenave e Pereira (1998) revelou que aqueles que eram considerados 8 Educação Tecnológica – Didática melhores professores nos Estados Unidos não eram os que usavam as técnicas de ensino mais refinadas, mas, sim, os que, estimulados por seu entusiasmo pela disciplina que lecionavam, conseguiam contagiar seus alunos, encontrando maneiras próprias de comunicar e ensinar. Mesmo em outro contexto histórico, quando a dinâmica que caracterizava a sala de aula e as relações entre professores e alunos deveria ser bem diferente da atual, estudos como o de Lopes (1945), citado por Carrijo (1999), no qual investigava características e atitudes do professor ideal, mostram que os aspectos citados pelos entrevistados como positivos da perso- nalidade docente eram a aparência, a cortesia, o otimismo, a simpatia, a auto-direção, a boa saúde, a capacidade de expressão, a iniciativa e o entusiasmo. Já Sandefur e Adams (apud Carrijo, 1999), caracterizando o comportamento do bom professor para a eficácia do ensino, destacaram como aspectos pessoais positivos a bondade, a demo- cracia, a afetividade, o auto-controle, o otimismo, o entusiasmo, a adaptação à realidade, a clareza do discurso, o prazer em ensinar, o domínio do conteúdo geral e cultural, a originalidade das propostas de trabalho, a responsabilidade e a sistematização da apresentação dos conteúdos. São várias as abordagens dos autores no que diz respeito às características do bom professor. Em “um mundo que se desfaz e refaz”, será fácil ser de fato competente, ser um professor que promova a aprendizagem efetiva dos alunos? Demo (1996) relaciona múltiplos saberes necessários à prática docente, que muito bem expressam a complexidade dessa prática: SABER PESQUISAR: ▪ O sentido da pesquisa é o do princípio educativo, para impulsionar o saber pensar, o aprender a aprender, para melhor intervir. O professor que sabe pesquisar saberá como educar para a pesquisa. SABER ELABORAR: ▪ O professor que sabe elaborar é capaz de construir e reconstruir seu próprio projeto Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 9 pedagógico, contribuir com materiais didáticos pessoais, acompanhar e, sobretudo, colaborar na divulgação dos avanços científicos de sua área. SABER TEORIZAR AS PRÁTICAS: ▪ O professor que sabe teorizar a prática é capaz de exercitar de modo constante a autocrítica, perfazendo o vaivém entre a teoria e prática. SABER ATUALIZAR-SE PERMANENTEMENTE: ▪ Essa competência do professor consiste em sua capacidade de recuperação incessante do conhecimento que o mantém atualizado e capaz de dar conta de uma realidade em transformação. SABER LIDAR COM OS RECURSOS TECNOLÓGICOS: ▪ O professor que sabe lidar com a informática e com os meios eletrônicos de maneira geral será capaz de imprimir à escola o compromisso de estar em dia com a realidade contemporânea e, principalmente, de humanizar a técnica. SABER TRABALHAR A INTERDISCIPLINARIDADE: ▪ Este saber permite ao professor romper com a fragmen- tação entre as disciplinas gerada pelo avanço científico e tecnológico, e trabalhar, criativamente, os fenômenos educacionais de modo a recuperar a unidade perdida. SABER AVALIAR: ▪ O professor que sabe avaliar detém os procedimentos necessários para cultivar a intensidade qualitativa dos processos realmente educativos. Figura 1: É preciso ter super-poderes para ser um bom professor? Fonte: www.brasilescola.com 10 Educação Tecnológica – Didática Na mesma linha de pensamento, Perrenound (2000), ao apresentar o que considera “as dez novas competências profissio- nais para ensinar”, diante das contradições dos nossos sistemas sociais, chama a atenção para o saber dos professores no sentido de enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão. No âmbito dessa competência, o autor destaca o desenvolvimento do senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça. “Quando se pergunta aos alunos do mundo inteiro o que eles esperam dos professores, eles dizem grosso modo: um certo calor e o senso de justiça” (p.152-3). No entendimento de Perrenoud (2000), em umasociedade – com violência, preconceitos, abusos de poder, injustiças – voltada para o individualismo, somente professores isolados em uma área muito protegida, tendo resolvido não refletir sobre todas essas questões, ou animados por uma fé ingênua, podem julgar que o caminho já está todo traçado. Para os outros, há mais dilemas e incertezas do que respostas (PERRENOUD, 2000, p.154). Tomar consciência lúcida da realidade social e assumir as responsabilidades concernentes ao seu campo de atuação são competências do ensinar. Se retidão, coragem, otimismo e mil outras qualidades são imprescindíveis, alerta Perrenoud (2000) que não se pode esquecer que as competências de análise, de descen- tralização, de comunicação, de negociação são também indispensá- veis para navegar, dia após dia, com o propósito do trabalho social, em especial nas áreas “onde a sociedade se desfaz”. Reflita sobre o pensamento de Perrenoud que afirma que “somente professores isolados em uma área muito protegida, tendo resolvido não refletir sobre todas essas questões, ou Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 11 3.2 AfETiviDADE E AprEnDizAgEm Um professor entusiasmado e afetuoso poderia ser mais eficaz em despertar a curiosidade dos alunos e favorecer a aprendizagem? Pietrocola, Cruz e Custódio (2005, p. 2), em um estudo sobre conflitos cognitivo-afetivos e aprendizagem de Física, lembram que Piaget (1981) sedimentou a idéia da simbiose entre afeto e cognição na aprendizagem. Para Piaget, sem afeto não haveria interesse, tampouco motivação; e conse- qüentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e não haveria inteligência. A partir dessas considerações, os autores do estudo indagam: por que componentes afetivos são freqüentemente desconsiderados? Atualmente dicotomias vêm sendo suplantadas. Gomes Chacón (2003 apud Pietrocola, Cruz e Custódio, 2005 p. 2), ao tratar a relação afeto/cognição na Educação Matemática, sugere que os afetos formam um sistema regulador da estrutura de conhecimento do estudante. Portanto, “não basta conhecer de maneira apropriada os fatos, os algoritmos e os procedimentos para garantir o sucesso nesse sujeito” (p. 24). Assim, as dificuldades de aprendizagem da disciplina não residiriam somente no registro cognitivo, mas também nas crenças do indivíduo sobre ela e sobre si mesmo. Do mesmo modo, Alsop e Watts (2000 apud Pietrocola, Cruz e Custódio, 2005 p. 2) afirmam que a aprendizagem é influenciada por sentimentos e emoções e, reciprocamente, a aprendizagem pode influenciar sentimentos e emoções. Para eles, dependendo do status da relevância de um tópico, um estudante pode ter animados por uma fé ingênua, podem julgar que o caminho já está todo traçado. Para os outros, há mais dilemas e incertezas do que respostas.” Você concorda com ele? Quais são as certezas que possui? E os dilemas? E as incertezas? 12 Educação Tecnológica – Didática a aprendizagem estimulada ou inibida. Pietrocola (2001 apud Pietrocola, Cruz e Custódio, 2005 p. 2) em seu artigo avança na idéia de que é possível aos alunos manter vínculos afetivos com o conhecimento de Física. Isso ocorreria quando os estudantes percebessem a possibilidade de extrapolar esse conhecimento, muitas vezes limitado a situações artificiais, para interpretação da realidade; estabelecendo relações que fossem além do contexto escolar. Em suma, Pietrocola, Cruz e Custódio (2005) afirmam que é conclusão geral que a afetividade tem um impor- tante papel em nossa vida mental e que, portanto, não deve ser ignorada ao se discutir aprendizagem e suas teorias. 3.3 fOrmAçãO DE prOfEssOrEs Em umA pErspEcTivA críTicA O mundo contemporâneo está marcado por transformações de diferentes naturezas. Essas transformações interferem na vida social, provocando mudanças econômicas, sociais, políticas, culturais. A escola, como elemento fundamental da organização social, também é afetada e, por conseqüência, a atividade docente. Libâneo (2001) chama a atenção para este momento da história, denominado por alguns de sociedade pós-moderna, por outros de pós-industrial, pós-mercantil ou modernidade tardia. O mesmo autor (1997, op.cit.) esclarece que o tema da modernidade/pós-modernidade tem merecido estudos de autores estrangeiros e nacionais, sendo abordado sob vários enfoques: filosófico, econômico, sociológico, político, histórico, ou por todos esses aspectos simultaneamente. Figura 2: Jean Piaget (1896-1980) Fonte: http://commons. activemath.org/ Que saberes você considera importantes para a prática do professor? De que forma eles se expressam em sua prática? Como eles são avaliados? Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 13 Reconhecemos ser da maior relevância para a análise das diferentes percepções e concepções acerca da formação docente a questão epistemológica que envolve a reflexão sobre a moderni- dade e a pós-modernidade. Neste estudo, entretanto, não iremos aprofundá-la. Optamos por identificar algumas concepções críticas que embasam a formação de professores no âmbito que a sociedade contemporânea foi. São muitas as formulações teóricas a respeito da formação de professores; são questões complexas que desafiam o nosso estudo. Iniciamos nossa análise situando a formação de professores no contexto das reformas educacionais implementadas pelas políticas neoliberais nos países ocidentais na última década do século XX. Contreras (2002) observa que as reformas educacionais apresentaram três preocupações fundamentais: o currículo, as escolas e os professores. Os professores passaram a ter uma respon- sabilidade fundamental no êxito da reforma, como explicita o autor: os professores tornarão sua a reforma se tomarem o currículo como seu e se comprometerem com sua escola, conferindo-lhe um caráter próprio e singular. A qualidade da educação depende da qualidade das escolas, e estas, por sua vez, dependem de que os professores se comprometam com elas, de que trabalhem em colaboração com seus colegas para sua permanente melhoria, atendendo as necessidades do contexto e respondendo às demandas. O trabalho Incluímos em nossa análise teóricos que formulam suas concepções tanto no âmbito da modernidade quanto no da pós-modernidade, uma vez que ambas dimensões contribuem com nosso estudo. 14 Educação Tecnológica – Didática dos professores já não se circunscreve à sala de aula e aos alunos concretos para os quais ensina, mas agora abrange a preocupação com a escola como unidade educacional (CONTRERAS, 2000, p.241). Assim, dentre outras conseqüências das políticas educacio- nais neoliberais, verifica-se a transferência de parte da responsa- bilidade de ação do Estado para as escolas, ou seja, para a equipe de professores e gestores que nelas trabalham. O mesmo autor observa que “a avaliação que hoje possa ser feita sobre a qualidade de uma escola ou de uma instituição não poderá se dissociar da avaliação sobre a qualidade de seus professores” (p. 241). Uma responsabilidade dessa ordem acabou por ampliar o leque de questionamentos a respeito da formação de professores e, conseqüentemente, a busca de propostas que ensejassem sua maior e melhor qualificação. Uma dessas propostas é a do “professor reflexivo”. Pimenta (2002) observa que a teoria do professor reflexivo foi apropriada de forma generalizada nas reformas educacionais dos governos neoliberais, o que transformou o conceito em um mero termo, expressão de uma moda. A autora alerta para a forma simplista como os conceitos são transplantados de uma realidade para outra, muitas vezes descontextualizados, sem um estudo mais consistente de suas origens, sem uma análise crítica. Por outro lado, diz a autora, da mesma forma que os conceitos são apropriados, banalizados e usados apenas de forma discursiva,também são rápida e apressadamente descartados, como se a moda já estivesse superada. Essa questão é recorrente em nossas reformas educacionais. Conceitos importantes são transformados em pilares de reformas educacionais, começam a ser usados de forma indiscriminada e não reflexiva, caem no modismo e perdem sua função reflexiva e transformadora. Seu significado se enfraquece. Esses fatos podem ser encarados como lastimáveis, pois idéias que poderiam de fato revolucionar a ação caem no vazio do mero discurso. Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 15 Zeichner (apud AQUINO e MUSSI, 2001) defende que a atividade reflexiva exige uma situação relacional para ocorrer, pois não depende de uma ação isolada do indivíduo, mas de uma ação compartilhada coletivamente. Nesse sentido, a atividade reflexiva não se restringe à prática imediata e às intenções subjetivas do professor, mas deve estar articulada a uma análise que englobe o conjunto de significados complexos que atravessam a educação. Aquino e Mussi (op.cit.) chamam a atenção, ainda, para um outro eixo analítico-crítico relativo à reflexividade docente, que é apresentado por Giroux. Para esse autor, os professores devem atuar de forma dialética diante das restrições com que se deparam diariamente, situando suas crenças, valores e práticas dentro de um contexto. Segundo Giroux (apud AQUINO e MUSSI) “a capa- cidade de pensar sobre o pensamento aponta para um modo de raciocínio que tem como objetivo romper a ideologia ‘congelada’ que impede uma crítica da vida e do mundo, sobre a qual as racionalizações da sociedade dominante se baseiam” (p.249). Considerando essas observações, procuramos situar nosso estudo partindo do pressuposto de que a formação de professores deve ser entendida como as demais práticas sociais: imbricada na crise socioeconômica, teórica e ético-política da sociedade (FRIGOTTO, 2001). Não podemos esquecer que a retomada do discurso sobre a formação de professores, no Brasil, ocorre em um momento de expansão do desemprego estrutural e do trabalho precário. Também, não podemos deixar de buscar saídas capazes de suscitar novas esperanças e sonhos. Como nos lembra Freire (2000), Há algum conceito, recorrentes nas discussões e estudos no âmbito da Educação, que você considera que seja essencial e que, ao mesmo tempo, está se banalizando? 16 Educação Tecnológica – Didática a transformação do mundo necessita tanto de sonho quanto a indispensável autenticidade deste depende da lealdade de quem sonha às condições históricas, materiais, aos níveis de desenvolvimento tecnológico, científico do contexto do sonhador. Os sonhos são projetos pelos quais se luta (FREIRE, 2000, p.53/54). Em um mundo em constante transformação, é pertinente o pensamento de Japiassu (1983), que nos leva a duvidar de nossas certezas. Para esse autor, uma opção crítica só pode surgir da incerteza das teorias estudadas. Se estas já fossem certas e objetivas, retirariam qualquer possibilidade de se optar. Portanto, constitui um atentado contra o processo de maturação intelectual dos educandos toda pedagogia que tenta incutir-lhes a ilusão da verdade (JAPIASSU, 1983, p.19). O autor concebe a reflexão como sendo um pensamento trabalhado que “consiste em transformar o não-sabido num saber produzido, em transformar o ‘saber’ do senso comum, da experiência imediata, num saber mediatizado pela reflexão” (p.17). Nesse cenário de incertezas, cabe ao professor estimular o pensamento reflexivo, assumindo uma pedagogia que ensine a pensar e a aprender, a construir e a reconstruir, a fazer perguntas e a questionar o já sabido. Nessa mesma linha de raciocínio, complementa Freire (1996), observando que a prática docente crítica envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunde com Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 17 a prática. O seu ‘distanciamento’ epistemológico da prática, enquanto objeto de sua análise, deve dela aproximá-lo ao máximo (FREIRE, 1996, p.43-44) . No entendimento desse autor, quanto mais o professor se debruça sobre a sua prática, no sentido de entendê-la, depurá-la, mais o pensamento ganha em rigorosidade, perdendo o seu caráter ingênuo. A prática exige do professor uma definição; uma tomada de posição, rupturas. Para ele, a missão do professor, dentre outros aspectos, se expressa na luta contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais, contra a ordem capitalista vigente, os desenganos que consomem e imobilizam. Ser professor é lutar pela esperança, pela “boniteza” da própria prática, é ensinar bem os conteúdos. Alerta ainda Freire (op.cit.) que a prática docente não deve ser reduzida ao puro ensino dos conteúdos, pois “esse é um momento da atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los” (p.116). Uma das condições consideradas essenciais complementa Freire (ibid), é o respeito à autonomia do educando; “à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (p.66). Propondo uma pedagogia baseada na relação dialógica, segundo a qual professor e alunos aprendem a compreender o mundo e a criar novas alternativas de aprendizagem, o autor fala de um saber não-auto- ritário na relação professor-aluno. No seu entendimento, ensinar Figura 3: Desafios da reflexão em sala de aula Fonte: www.corbis.com 18 Educação Tecnológica – Didática não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para sua própria construção. Em “um mundo que se desfaz e refaz”, é um grande desafio ser professor, especialmente no que diz respeito à construção da própria identidade profissional. Embora as idéias contundentes de Freire venham sendo amplamente divulgadas desde os anos oitenta do século passado, verifica-se, no dia-a-dia, que os professores, em sua maioria, estão amarrados a práticas tecnicistas historicamente constru- ídas. Kincheloe (1997) observa a existência de uma mensagem subliminar que condiciona os professores a repetirem sempre o mesmo ritual, o que dá a impressão de que não pensam por sim mesmos, nem questionam suas prática. Esse condicionamento pode levá-los à apatia, à perda do interesse pelos aspectos criativos do ensino, os quais teriam originalmente os atraído para a profissão. Conforme observa Nóvoa (1995), os professores “encontram-se numa encruzilhada: os tempos são para refazer identidades. A adesão de novos valores pode facilitar a redução das margens de ambigüidade que afetam hoje a profissão docente” (p.29). A produção de uma cultura profissional é um processo longo, observa ele, mas deve ser assumida em uma perspectiva crítico-reflexiva que forneça aos professores os meios de um pensa- mento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vistas à construção de uma identi- dade, que é também uma identidade profissional (NÓVOA, 1995, p.25). Para Nóvoa (1998), a construção de uma nova dimensão da profissão e da identidade docente não deve estar subordinada e nem dependente dos vários saberes científicos, disciplinares ou de vários saberes pedagógicos. Nesse sentido, propõe que a identidade do professor seja construída de forma autônoma, Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 19 tomandopor base quatro elementos: o envolvimento da pessoa, o envolvimento coletivo da profissão, o envolvimento da escola e a reflexão sobre a prática. Giroux (1997), por sua vez, amplia a compreensão da formação docente, salientando que repensar e reestruturar a natureza da atividade docente é conceber os professores como intelectuais transformadores. A categoria de intelectual trans- formador significa uma forma de trabalho na qual o pensamento e atuação estão inextrincavelmente relacionados e, como tal, oferece uma contra-ideologia para as peda- gogias instrumentais e administrativas que separam concepção de execução e ignoram especificidade das experiências e formas subjetivas que moldam o comportamento dos estudantes e professores (GIROUX, 1997, p.136). Behrens (op.cit.) afirma que Giroux contribui significa- tivamente com os professores que procuram alicerçar sua ação docente em uma ação política voltada para a formação de cidadãos participativos, críticos e transformadores, comentando que tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogias que incorporem interesses políticos que tenham natureza emancipadora, isto é, utilizar formas pedagógicas que tratem os estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento proble- mático; utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e argumentar em prol de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. Em parte, isto sugere que os intelectuais transformadores assumem seria- mente a necessidade de dar aos estudantes voz ativa em suas experiências de aprendizagem (p.110). Ao situar sua abordagem sobre a formação de professores no seio da questão político-pedagógica mais ampla, Giroux (1992) apresenta importante contribuição para uma reflexão mais 20 Educação Tecnológica – Didática acurada do papel do professor na sociedade contemporânea. Ele afirma que os professores são freqüentemente treinados para se tornarem técnicos especializados ou administradores escolares, sendo preparados segundo concepções de especialistas em ciências econômicas. Salienta que a escola não é conside- rada como espaço de luta. De um modo geral, as escolas ficam reduzidas “à lógica estéril de gráficos de fluxos, à crescente separação entre professores e administradores e a uma tendência à burocratização” (p.16). Em tais instituições predomina a lógica da racionalidade tecnocrática, que inviabiliza a participação crítica dos docentes na construção/produção e avaliação dos currículos escolares. A redução sistemática da autonomia dos professores em termos de planejamento e desenvolvimento dos currículos e programas torna-se evidente pela difusão generali- zada de pacotes de materiais curriculares, os quais contribuem para a desqualificação, conformismo e apatia docente. Assim, Giroux (op.cit.), considera fundamental que os profissionais de ensino possam se tornar intelectuais transfor- madores, capazes de desenvolver as culturas e tradições emanci- patórias, dentro e fora das esferas públicas alternativas. Em sua concepção, a linguagem crítica se apresenta como instrumento indispensável para o enfrentamento dos aspectos ideológicos e materiais da sociedade dominante que tentam separar a questão do conhecimento da questão do poder. Nessa linha de raciocínio, a linguagem da crítica se une à linguagem da possibilidade para promover, no seio da escola, a discussão constante e a autocrítica Que ações, por parte do professor, você considera fundamentais em prol de maior reconhecimento profissional por parte da sociedade? Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 21 que permitem aos seus atores tornarem-se cidadãos capazes de “atuar como se uma autêntica democracia realmente prevale- cesse, fazendo o desespero parecer inconvincente e a esperança exeqüível” (GIROUX, id. p.33). Uma outra vertente crítica, que traz grande contribuição à formação de professores, nos é dada por Tardif (2000). Esse autor chama a atenção para a importância dos saberes profissio- nais dos professores. Esclarece que a noção de saber deve ser entendida no sentido amplo, que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades e as atitudes. Para ele, a finalidade de uma epistemologia da prática profissional é revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho (TARDIF, 2000, p.11). Nesse sentido, os saberes profissionais são construídos em função de situações particulares de trabalho e ganham expressão no contexto em que se situam. Em outras palavras, Tardif (op. cit.) fala da “contextualidade dos saberes profissionais”, obser- vando que esse fenômeno, no ensino, é de suma importância, pois as situações de trabalho colocam os professores na presença uns dos outros, levando-os a negociar e a compreenderem juntos o significado de seu trabalho coletivo. Contreras (2002 op.cit.) complementa essas perspectivas, enfatizando a autonomia profissional dos professores. Esclarece ser ela um processo que só se completa no seio da própria realidade profissional, no encontro com outras pessoas, “seja em nosso compromisso de influir em seu processo de formação pessoal, seja na necessidade de definir ou contrastar com outras pessoas e outros setores o que essa formação deva ser” (p. 214). Nesse processo, é fundamental, entre outros aspectos levantados pelo autor, a compreensão de quem somos. 22 Educação Tecnológica – Didática O autoconhecimento transforma-se assim em um fator fundamental no desenvolvimento da autonomia, porque supõe a compreensão e sensi- bilização ante a forma pela qual nossa própria posição e disposição pessoal, bem como nossas convicções e desejos, afetam o modo de compre- ensão dos outros e a maneira com que nos relacio- namos (CONTRERAS, 2002, p.214). Esse autor afirma que a autonomia dos professores deve estar vinculada ao reconhecimento social e à legitimação dos direitos do professor. Da mesma forma, a “comunidade social deve basear sua ação no reconhecimento dos professores e na pretensão de diálogo” (p. 214). ' Figura 4: A importância da Formação Continuada Fonte: http://www.escoladaamazonia.org/images/img_global/fotos/reuniao_ professores.jpg Deluiz (2001), ao falar sobre as competências esperadas dos professores no âmbito do curso em questão, explicita que elas não se restringem à dimensão técnico-instrumental. Não se trata de desenvolver competências para uma simples adaptação às necessidades do processo produtivo, mas sim de construir competências em uma dimensão sociopolítica, comunicacional e de inter-relações pessoais. Essa noção de competências se encontra ancorada nas práticas concretas dos trabalhadores, situa-se, portanto, em uma perspectiva crítica. Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 23 ATiviDADE Você considera os aspectos afetivos da relação professor- aluno efetivamente relevantes? Pense em uma situação viven- ciada por você, como professor, ou mesmo como aluno onde os aspectos afetivos foram fundamentais para que a aprendizagem acontecesse de forma eficiente. Elabore esta atividade utilizando sua capacidade de síntese, registrando suas idéias em até duas (2) laudas e envie ao tutor. Boa tarefa! 24 Educação Tecnológica – Didática rEcApiTulAnDO Esta aula trata do que é ser um “bom professor”. Vimos que essa questão é historicamente construída e está presente no imaginário dos alunos e dos próprios professores, no momento em que se inicia um processo de aprendizagem. Estudos realizados com professores alfabetizadores de classes populares, Kramer e André (1984) constataram que o sucesso na atividade docente não depende diretamente do método utilizado,mas do modo como se estabelece a relação entre o conteúdo, a disciplina, o afeto e o processo de aprender. Nas décadas de 1960 e 1970, o desenvolvimento de recursos tecnológicos e didáticos quase autônomos, colocando o professor como gerente dos recursos e fonte de estímulo para a aprendizagem dos estudantes (Gouveia, 1992 apud Villani e Pacca, 1997, p. 23), obscureceu de certo modo a importância do conhecimento científico do docente em favor de habilidades de organização. Para Villani e Pacca (1997), as licenciaturas de curta duração, em que o conteúdo específico é bastante restrito para dar lugar aos conteúdos de caráter pedagógico, podem ser consideradas as versões brasileiras dessa visão. A formação de professores passou a ter destaque a partir da década de 1970 e início da década de 1980, período no qual foi discutida a reformulação dos cursos de Pedagogia e das licenciaturas no Brasil. A formação de professores volta-se à outra perspectiva: a educação sendo vista como prática social intimamente ligada ao sistema político e econômico vigente (Candau, 1982, apud Nardi, Bastos e Diniz, 2004, p. 60). Nesse contexto, têm grande impacto as idéias de Schön (1992), ressaltando o papel da reflexão na prática profissional. Demo (1996) relaciona múltiplos saberes necessários à prática docente, que muito bem expressam a complexidade dessa prática: saber pesquisar, saber elaborar, saber teorizar as práticas, saber atualizar-se permanentemente, saber lidar com os Aula 03 – O papel do professor e o papel do aluno 25 recursos tecnológicos modernos, saber trabalhar a interdiscipli- naridade, saber avaliar. Quanto à afetividade e à aprendizagem, para Piaget, sem afeto não haveria interesse. Vimos também, que dentre outras conseqüências das políticas educacionais neoliberais, verifica-se a transferência de parte da responsabilidade de ação do Estado para as escolas, ou seja, para a equipe de professores e gestores que nelas trabalham. Discutimos que conceitos importantes são transformados em pilares de reformas educacionais, começam a ser usados de forma indiscriminada e não reflexiva, caem no modismo e perdem sua função reflexiva e transformadora. Seu significado se enfraquece. Esses fatos podem ser encarados como lastimá- veis, pois idéias que poderiam de fato revolucionar a ação caem no vazio do mero discurso. A formação de professores deve ser entendida como as demais práticas sociais: imbricada na crise socioeconômica, teórica e ético-política da sociedade (FRIGOTTO, 2001). Nessa mesma linha de raciocínio, complementa Freire (1996), observando que a prática docente crítica envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Uma das condições consideradas essenciais, para tanto, complementa Freire (ibid), é o respeito à autonomia do educando. Aula 03 - O papel do professor e o papel do aluno 26 Referências Bibliográficas AQUINO, J. G & MUSSI, C. M. As vicissitudes da formação docente em serviço: a proposta reflexiva em debate. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.27, nº.2, p. 199-380, Jul/dez, 2001. BEHRENS, M. A. Projetos de aprendizagem colaborativa num paradigma emergente. In: MORAN, J. M et al. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas (SP): Papirus, 2000. BORDENAVE, J. D. & PEREIRA, A. M. Estratégias de ensino- aprendizagem. 18. Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. 312 p. CANDAU, Vera Maria Ferrão. A Didática em questão, 2º edição. Petrópolis, Vozes, 1984. CARRIJO, I. L. M, Do professor de Ciências ideal (?) ao professor possível. Araraquara: JM Editora, 1999. CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. CUNHA, C. A pedagogia no Brasil. In: LARROYO, Francisco. DELUIZ, N. 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