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AMOR DE PERDIÇÃO - Camilo Castelo Branco

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AMOR DE PERDIÇÃO, CAMILO CASTELO BRANCO #28
	Olá, ouvinte! Seja bem vindo! Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira.
No último episódio eu li “O homem que apareceu”, conto de Clarice Lispector que está no livro A via crucis do corpo, de 1974. Hoje vou iniciar a leitura de um romance português que fez parte da segunda geração da escola literária Romantismo. Vou ler Amor de perdição, de 1862, Camilo Castelo Branco. 
O Romantismo foi um movimento estético e cultural que aconteceu entre os séculos XVIII e XIX. Deixa pra trás valores clássicos e inaugura a modernidade nas artes. Essas obras reproduzem valores de uma recém formada burguesia, e não mais das elites absolutistas. Aconteceu na Europa, mas teve sua contrapartida no Brasil. Na Alemanha, um dos principais autores do movimento foi Goethe, na Inglaterra, Lord Byron, na França, Vitor Hugo, em Portugal, Almeida Garret e Camilo Castelo Branco, de quem eu vou ler Amor de perdição, e no Brasil, Gonçalves Dias, José de Alencar, Castro Alves e Álvares de Azevedo, de quem li Noite na taverna, aqui no Literatura Oral, no episódio #21. Se tu não escutou ainda, vai lá depois, que ficou bem legal!
O Romantismo em língua portuguesa está relacionado a alguns fatos históricos, como a Revolução Francesa, de 1789, a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte, em 1807, a chegada da família real ao Brasil, em 1808, e a independência do Brasil, em 1822. 
Em cada país, o Romantismo teve particularidades, apesar de manter alguns valores comuns, como valorização do indivíduo, nacionalismo, valorização dos sentimentos, visão idealizada da mulher, tom depressivo, evasão da realidade. Em quase todos os lugares onde vigorou esse período artístico, é possível identificar 3 fases, como aconteceu em Portugal e também aqui no Brasil. Em Portugal, alguns estudiosos dividem o movimento em 2 fases somente. A primeira fase ou primeira geração é marcada por preocupações históricas e políticas. A segunda fase é a ultrarromântica, e é nessa que está situada a obra de Camilo Castelo Branco. 
A obra considerada o marco do Romantismo, em Portugal, é Camões, de Almeida Garret, lançada em 1825. Mas o movimento só se consolidou nesse país a partir de 1836, com a publicação de A voz do profeta, de Alexandre Herculano. Nessa época, o país passava por uma profunda crise econômica, política e social. Situação que se agravou com a expansão napoleônica e depois com a independência do Brasil, em 1822. Inicia-se uma revolução liberal com o objetivo de modernizar Portugal. A turbulência política que agitou Portugal no início do século XIX culminou na Revolução do Porto, em 1820, uma vitória do liberalismo burguês. Então se diz que o Romantismo acontece tardiamente em Portugal, porque o país não apresentava condições que favorecessem a consolidação do movimento, como outros países europeus. 
Em 1826, as forças conservadoras se reergueram e só foram derrotadas pelos liberais 12 anos depois. Aí então Portugal abriu-se para a Europa. Livre e fortalecida, a imprensa informava e divulgava opiniões, ampliando a capacidade crítica dos leitores. O Romantismo português está associado ao processo de modernização do país. 
Nas décadas de 1840 e 1850, observa-se o pleno domínio do Romantismo na literatura portuguesa. Temas como melancolia e morte eram frequentes, principalmente na poesia. Assim como aconteceu com a primeira geração romântica no Brasil, em Portugal os escritores buscam resgatar o passado português. No Brasil aconteceu uma idealização dos índios, e em Portugal buscavam encontrar figuras históricas que pudessem representar o caráter de um povo que começava a recuperar sua soberania. Na prosa, Camilo Castelo Branco se destaca com narrativas urbanas. 
As características do romantismo português são muito similares às do Romantismo brasileiro: byronismo, culto ao fantástico, egocentrismo, mal-do-século, medievalismo, religiosidade, libertação estilística, subjetivismo, sentimentalismo, idealização, nacionalismo ou patriotismo, culto à natureza e saudosismo. 
O byronismo é uma referência ao estilo de vida boêmio do poeta Inglês Lord Byron e inclui narcisismo, egocentrismo, pessimismo, angústia. Lord Byron deve ter sido uma figura, hein! Quanto à característica de libertação estilística, vamos entender que o romantismo é uma oposição ao Classicismo no sentido de que opta por liberdade de criação, dispensa as regras dos clássicos e faz uso de uma linguagem mais próxima da coloquial. O subjetivismo é a valorização de opiniões e expressão de pensamento de acordo com as percepções individuais, em detrimento da objetividade. Uma característica semelhante ao subjetivismo é o sentimentalismo, pela qual há exaltação dos sentimentos, em detrimento do racionalismo e forte expressão de tristeza, melancolia e saudade. Por idealização entendemos uma visão ideal das coisas, que não são vistas de forma verdadeira, mas idealizadas e perfeitas. Entra nessa característica a forma como os escritores românticos descrevem as mulheres. Aliás, os escritores eram predominantemente homens nesse movimento. O Romantismo português termina por volta de 1925, com o surgimento do Realismo. Sendo que o Romantismo havia sucedido o Arcadismo. 
Camilo Castelo Branco foi o primeiro escritor português a viver e sobreviver exclusivamente de literatura. Isso porque além de escrever alguns romances que caíram no gosto popular, Camilo tinha muita facilidade de escrever, o que facilitou que pudesse viver da literatura. Ele deixou mais de 100 livros escritos. A vida do autor tem tantas ou mais reviravoltas que os romances dele. Ele casa pela primeira vez aos 16 anos, com uma menina de 15. Depois de abandonar algumas esposas e sofrer uma decepção amorosa, ele vai para um seminário. Mas lá ele tem um caso com uma freira e é expulso do seminário. Depois disso ele vai preso por adultério por se envolver com Ana Plácida, uma mulher casada. É um período histórico em que adultério dá cadeia, em Portugal. Nesse tempo na cadeia é que ele escreve Amor de perdição. Quando finalmente fica livre e pode viver seu romance com Ana, Camilo sofre complicações em função da sífilis, que mais tarde vai deixar o escritor cego. Ufa! Vidinha louca a do Camilo!
Camilo Castelo Branco então escreve sobre os exageros do amor, sendo que ele próprio viveu envolvido em casos amorosos complicados. Alcança grande popularidade com a obra Amor de perdição, de 1862. O título é bem sugestivo da segunda geração do romantismo, misturando amor extremo e desilusão, ultrarromantismo. E uma característica interessante é que esse livro ficou conhecido como o “Romeu e Julieta lusitano”, porque narra a história de dois jovens de famílias rivais que se apaixonam. Não estranhem que vai ter algumas expressões e formas de falar diferentes, porque além de ser um texto de 1862, é em português de Portugal.
Umas palavras que eu não conhecia são essas aqui:
Facécia, que é chacota, gracejo, pilhéria. Avoenga, que se refere ao patrimônio deixado após falecimento, ou então são os ascendentes, como os avós.
Bacamarte é arma de fogo ou pessoa gorda e inepta. No mais tem algumas diferenças na forma de organizar as frases e algumas expressões diferentes, mas aí eu comento no final.
Vamos à leitura!
Amor de perdição inicia com uma dedicatória do autor, Camilo Castelo Branco, a Antonio Maria Pereira de Melo, que é um ministro de Estado, conforme ele explica. Ele comenta que algumas pessoas acham que ministros não leem romances, mas que um colega desse ministro, que outro dia fez uma fala sobre estradas de ferro, foi visto lendo Fanny. E aqui o autor deve estar se referindo ao romance do francês Ernest Feydeau, de 1858, já que Amor de perdição foi publicado em 1862. 
Camilo escreve essa dedicatória da cadeia da Relação do Porto. É aquele tempo que Camilo passou na cadeia por adultério, por ter tido um caso com uma mulher casada, Ana Plácida. Anos antes desse caso, eles namoraram e ela estava prometida a um rico comerciante brasileiro.Por essa desilusão amorosa é que o autor tinha pensado em seguir carreira de padre, mas também não deu muito certo. Nessa cadeia, ele teve notícia de um tio dele chamado Simão Botelho, que também ficou preso ali. Então a voz do narrador de Amor de perdição, que é Filipe Moreira Dias, um morador de Vila Real, se confunde com a voz autoral, porque na família de Camilo existiu um Simão, que de fato foi preso. 
O subtítulo do livro é justamente “Memórias duma família”. Camilo Castelo Branco escreve Amor de perdição inspirado na história desse tio, chamado Simão, mas não que seja uma narrativa biográfica. O romance tem como protagonista Simão Botelho, mas começa por como os pais dele se conheceram, Domingos Botelho e Rita Preciosa. Domingos era extremamente feio, sem muitos talentos a não ser tocar flauta, não que tocar flauta seja um talento menor, mas no livro isso é apresentado de forma meio cômica. E aí ele vai tocar flauta na corte, pra Dona Maria I e se apaixona por uma de sua aias, a Rita Preciosa, que era linda. Rita é nome de uma tia que criou o escritor Camilo, porque ele fica órfão de pai e mãe muito cedo. E Camilo ouvia a história do tio Simão, que foi preso, contada pela tia Rita. Quer dizer, o romance traz nomes de familiares do autor. Detalhe, assim como Camilo, Simão também tinha sido preso por viver um amor proibido, só que aos dezoito anos ele foi exilado pra Índia. 
A introdução do livro conta da busca que Camilo sobre a história de seu tio Simão nos registros da cadeia. Ele chora ao saber da tristeza que foi um menino na flor da idade ser exilado de Portugal, pra longe da família. Amor de perdição foi primeiramente lançado como folhetim, quer dizer, aos pedaços. E aí entra a importância do narrador em “falar” com os leitores, em atiçar a curiosidade pra que o leitor adquira o próximo encarte. Essa é uma característica desse narrador que fala muitas vezes como se fosse o próprio autor, Camilo Castelo Branco.
Vocês devem ter percebido na leitura de hoje, e vai ter outros exemplos, de cenas que parecem cômicas, como a chegada do casal Domingos e Rita a Vila Real, em que ela é bem irônica perguntando em que século parou aquela vila, e Domingos, que não acompanha o raciocínio da esposa, responde que tanto ali como em Lisboa o século é o mesmo. Domingos passou 10 anos tentando conquistar Rita, quando eles casam têm 5 filhos. Dona Maria, de quem Rita foi aia, é a mãe do D. João VI, que vem pro Brasil quando Portugal é invadido por tropas de Napoleão Bonaparte. Dona Maria vem com a família real fundar o Banco do Brasil e trazer uns piolhos. Entre outras cositas! 
Vimos na leitura de hoje que a família está morando em Viseu e os dois filhos homens estudando em Coimbra, o mais velho, Manuel, e Simão. Manuel, que é todo certinho, vem pra casa pedir que mandem ele pra outro lugar que ele não suporta mais morar com o irmão que fica puxando briga com todo mundo. Então Manuel é enviado pra Bragança, pra ser cadete, e Simão retorna de Coimbra com notas boas e aprovado em todos os exames, pra surpresa de todos. Enquanto ainda está em Viseu, ele se envolve numa briga grande. Um funcionário do pai leva os cavalos até o chafariz pra beber água e sem querer derruba uns vasos. Os donos dos vasos batem no funcionário e Simão interfere pra defender. Só que ele é muito violento, e contra ele ninguém se mete, porque é filho de juiz, Domingos nessa altura da vida era magistrado. Então Simão acaba machucando umas pessoas, que o denunciam e pedem que Domingos, na qualidade de juiz, faça alguma coisa. Ele até fala em prender o filho, mas nisso Rita já havia mandado dinheiro pro filhote fugir pra Coimbra até que os ânimos se acalmassem. O narrador nos apresenta dessa forma o protagonista Simão Botelho, um cara briguento, mas que no fim estava brigando pra defender um injustiçado, que era o funcionário da família. Só que no fim da confusão, o próprio Simão termina de quebrar os vasos que tinham ficado inteiros. Ah, mais uma informação que tivemos de Simão é que ele ta nem aí pra sobrenome e faz amizade com o populacho de Vila Real, pra desespero da mãe, que é uma esnobe. 
De volta a Coimbra, Simão Botelho ta se achando o valente e pregando ideias de liberdade que ouviu da Revolução Francesa. Dizia que Portugal tinha que viver uma revolução de sangue e essa era a opinião de outros jovens rancorosos com os tratados injustos da Inglaterra em relação a Portugal, e que preferiam se aliançar com a França. Simão é delatado por alguns colegas por fazer esses discursos de cunho regicida e vai preso por 6 meses no cárcere acadêmico. 
Como tinha perdido o ano letivo quando saiu da cadeia, Simão volta pra Viseu. E lá ele se apaixona por Tereza Albuquerque, sua vizinha, com quem ele conversava da janela do quarto. Aqui uma construção narrativa bem típica do romantismo, porque Simão e Tereza nunca tinham se visto e se apaixonam só de conversar pela janela. Ninguém fica sabendo dessas conversas, mas o protagonista muda completamente em função desse amor. Com 3 meses de conversas com Tereza ele se torna quieto, responsável, caseiro, e ninguém entende o motivo de tamanha mudança. Logo que ele retornou, Domingos nem deixava ele conviver com a família, foi preciso a intervenção de Rita pra deixar que sentasse a mesa pras refeições, e com o tempo a família observa a total mudança de comportamento do Simão. Ele entende que pra ficar com Tereza vai precisar se formar na faculdade, pra poder sustentar a esposa. No dia em que estão se despedindo na janela, o pai de Tereza percebe a conversa e puxa a moça. Aí entra o enredo rocambolesco de Romeu e Julieta: as duas famílias são inimigas, por conta de um litígio em que Domingos Botelho deu sentença contra a família Albuquerque. Além disso, no episódio dos vasos quebrados, Simão bateu em dois empregados da casa dos Albuquerque. De volta à Universidade de Coimbra, Simão é um aluno exemplar, e não contava a ninguém do amor por Tereza. 
Aí então acontece uma reviravolta com a personagem Manuel, o irmão mais velho de Simão. Ele volta a morar em Coimbra pra estudar Matemática, e ele que era todo certinho, se envolve com uma mulher casada e foge com ela pra Espanha. O que será que vai acontecer com esses irmãos que, no fim, nem são tão diferentes assim? E com Tereza, que tava prometida pelo pai de ser manda a um convento?
Por hoje eu fico por aqui. No próximo episódio, continuo a leitura de Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco. Fiquem bem, um abraço e até lá!
#29
Olá, ouvinte! Seja muito bem-vindo! Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura. 
No último episódio, iniciei a leitura de Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco, obra de 1862. E com isso, mergulhamos nas características do ultrarromantismo ou segunda geração do romantismo português. Muito sentimentalismo, amores impossíveis entre jovens e tudo isso ambientado no Portugal da segunda metade do século XIX. 
Na leitura anterior vimos como os pais do protagonista, Simão Botelho, se conheceram. Domingos Botelho e Rita Preciosa Caldeirão. Ela era aia de Dona Maria I e ganhou da monarca subsídios para o casal construir sua primeira casa, o que o narrador aponta como um indício de que Dona Maria estava maluca. Os dois tiveram 5 filhos, dos quais ficamos sabendo mais de Manuel, o mais velho, que era todo certinho e depois se envolve com uma mulher casada, fugindo com ela pra Espanha. Lembrem que nessa época, em Portugal, adultério dá cadeia. Inclusive o escritor Camilo Castelo Branco escreve este livro enquanto está na cadeia do Porto por ter se envolvido com uma mulher casada. E ficamos sabendo também de Simão, que era explosivo, briguento, arruaceiro, discursava por liberdade e por uma nova ordem social em Portugal, a exemplo do que aconteceu na França, com a Revolução de 1789. Ele chega a passar 6 meses no cárcere acadêmico, mas quando se apaixona pela vizinha, Tereza Albuquerque, muda completamente e se torna aluno exemplar.O problema para que fiquem juntos é que as duas famílias, Botelho e Albuquerque, são inimigas. Nós estamos no ponto em que Simão está em Coimbra, de volta à universidade, e os dois apaixonados se correspondem por cartas. 
Na época de lançamento de Amor de Perdição, 1862, Portugal estava desorganizado com as invasões napoleônicas e com a guerra civil entre liberais e absolutistas. Então quando Camilo Castelo Branco escreve um protagonista discursando sobre ideias de liberdade e de rompimento com a velha forma de governar, está bem coerente com os acontecimentos do período. 
Mas e no Brasil, o que será que acontecia na segunda metade do século XIX? Nesse período foi feita uma constituição brasileira, o trabalho escravo foi substituído pelo trabalho assalariado e aconteceu modernização nas fazendas de café do sudeste. As cidades estão crescendo e algumas indústrias surgindo. Aqui no Brasil, o Romantismo predominou na primeira metade do século XIX, então no período em que Amor de perdição estava sendo lançado e Portugal estava na segunda geração romântica, o Brasil já avançava para o Realismo. Lembrem que Memórias Póstumas de Brás Cubas, marco do Realismo, foi publicado em 1881, por Machado de Assis.
Algumas palavras diferentes que aparecem na leitura de hoje: arreeiro, que é guia de cavalgaduras ou animais de carga, alguém que aluga cavalos. Acho que a palavra vem de “arreios”, algo que se usa para montar nos cavalos. Seródios, que no texto aparece como Seródios do coração, é algo que ocorre fora do tempo ou tardio, e clavina, que pelo contexto dá pra entender que é alguma arma de fogo, é de fato a mesma coisa que uma carabina.
Vamos voltar à leitura de Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco!
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Na leitura de hoje, Simão recebe uma carta de Tereza que pega Simão de surpresa. Ele tava bem feliz em Coimbra, estudando e achando que tudo vai se acertar, porque a moça escrevia dizendo que o pai já não falava em mandar ela pro convento, quando fica sabendo que o pai de Tereza pretende casá-la com Baltasar Coutinho, o vilão da história. 
Em uma conversa com Teresa, Baltasar mostra bem qual era a realidade das mulheres no século XIX: ele ameaça a prima dizendo que se o tio morrer quem vai tomar conta do patrimônio é ele, e se ela insistir em namorar quem ela quiser, no caso o Simão, ele vai tratá-la como louca. A mulher nascia sob a autoridade do pai, casava e passava a ser governada pelo marido, e na falta de marido algum outro homem da família era quem administrava o patrimônio e decidia sobre a vida da mulher. As mulheres não tinham nenhuma voz e eram tratadas como incapazes de gerir seu patrimônio. E isso no caso da mulher ter algum, porque se fosse pobre, a situação era ainda pior. Mulher era só pra ser adorno de marido e parideira. 
Domingos Botelho descobre que a filha caçula, Ritinha, está conversando com Teresa pela janela como Simão fazia, e destrata o vizinho e sua filha. Toda essa inimizade é por conta de um litígio, que o juiz deu contra ao vizinho, e então se odeiam e proíbem as famílias de se falar! Simão retorna de Coimbra pra visitar clandestinamente Teresa bem no dia da festa de seu aniversário, e quase é pego por Baltasar, que mesmo sendo preterido, continua frequentando a casa. Ele fica hospedado na casa de um ferreiro que mora perto de Viseu, pra não dar na vista, e fica sabendo que o homem tem uma dívida de honra com seu pai, o juiz Domingos, e que já foi contratado por Baltasar pra matar Simão. E entra em cena Mariana, moça triste, filha do ferrador, que se encanta por Simão e ele não dá a menor bola pra ela. No próximo episódio, Simão vai retornar à casa de Teresa, à noite, tentando conversar com ela. Neste ponto da narrativa, os dois super apaixonados nunca se viram de perto, ou se tocaram, nada! Uma característica bem típica da geração ultrarromântica, personagens muito sentimentais, capazes de matar e morrer por um amor fulminante, sendo que mal se conhecem! Pode soar engraçado pra gente, mas na época era o tipo de narrativa que agradava aos leitores. 
Por hoje eu fico por aqui. E como este é o último episódio deste ano doido de 2020, estou gravando em 28 de dezembro, desejo um feliz e saudável ano novo a todos! Que tenhamos vacina, e que tenhamos força de nos levantar contra as injustiças e lutar sempre por um mundo melhor! E por um Brasil em que ninguém com sobrenome bolsonaro ocupe cargos públicos! Basta! Feliz 2021! Saúde e bom humor! E até o próximo episódio do Literatura Oral!
#30
Olá, ouvinte! Vocês está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira e, no momento, temos mais leitura que sugestões. 
Este é o primeiro episódio de 2021, feliz ano novo, pessoal! Muita saúde e bom humor! E boas leituras, e criticidade pra interpretar os textos que nos cercam, todos eles, discursos políticos, notícias, informações, tudo é texto e deve ser encarado com criticidade. Vamos entrar em 2021 como bons leitores do mundo!
Estamos lendo Amor de perdição, do português Camilo Castelo Branco. Esse romance de 1862 é bem característico da segunda geração do romantismo ou ultrarromantismo. No último episódio, vimos a apreensão de Teresa Albuquerque sobre o pai tentar casá-la com o primo Baltasar Coutinho. Ele é o vilão da história e pretende controlar o patrimônio de Teresa quando o tio morrer. Teresa e Simão marcaram um encontro no portão do quintal às 11 horas da noite, e existe a possibilidade de Baltasar aparecer. Enquanto isso, Simão está hospedado na casa de um ferreiro e lá ele conhece Mariana, que também se apaixona por ele. 
Vamos prestar atenção a algumas características das personagens Simão Botelho e Teresa Albuquerque, o casal protagonista. Simão é estourado, briguento, mas só quando sabe que tem vantagem, senão ele bem que pondera. Quando ele ta conversando com a Teresa na janela e o pai dela, o Tadeu, puxa a menina e ele escuta ela gritar, num primeiro momento Simão pensa em invadir a casa do vizinho bravamente pra salvar a Teresa. Salvar do próprio pai, no caso. Mas passa 1 minuto e ele releva, e na manhã seguinte já nem pensa em ficar em Viseu, na cidade em que eles moram, mas que o melhor é voltar pra Coimbra e retomar a faculdade. Mais adiante na narrativa, quando recebe a carta preocupada de Teresa de que o pai quer casá-la com Baltasar, num primeiro momento Simão explode de raiva e aluga um cavalo pra ir até Castro D’Aire, onde Baltasar mora, pra matar o seu concorrente. Mas passa 1 minuto até que o arreeiro traga o cavalo e ele já ponderou que isso seria uma loucura, que ele iria preso, e ficaria de todo jeito sem Teresa. E então resolve pegar o cavalo só pra ir a Viseu tentar ver a moça. Quer dizer, quando Simão tem tempo de pensar, de refletir, ele não irrompe em atitudes impensadas. A Teresa, por sua vez, destoa um pouco das heroínas românticas que só sofrem e choram. E destoa muito das mulheres idealizadas da segunda geração romântica brasileira, que geralmente nem tem voz, só flutuam vaporosamente envoltas em uma capa longa, em alguma neblina misteriosa, que leva a um cemitério, ou então estão sempre adormecidas. Teresa está não só acordada, como ela pensa e desafia a inteligência do seu pai. Isso é muito ousado pra uma heroína romântica, da geração do ultrarromantismo. Lembra que naquela conversa com Tadeu Albuquerque sobre ela ir pro convento, Teresa é perspicaz e diz “não pai, não me manda pro convento e eu me comprometo a não querer mais homem nenhum, nem Simão, nem ninguém. Não me obriga a casar com o Baltasar pra eu ficar aqui te fazendo companhia...”. Sendo que nunca foi intenção dela deixar de se comunicar com Simão, ela tá é pensando friamente que o pai não deve durar muito, e ela não precisa viver brigando com ele, pode ir enrolando o velho! Quando o pai impõe sua vontade, Teresa é altiva e diz que prefere que ele a mate. Aqui entra a característica do sentimentalismo exacerbado. Essas características das personagens a gente pode dizer que são lampejos do Realismo que o Camilo CasteloBranco já começava a pressentir e incluir em sua narrativa. Sendo o Realismo uma estética literária que procura apresentar o mundo sem idealizações, focar nas características mais próximas do real.
Vai aparecer na leitura de hoje a apalavra esturrinho, quando a Teresa chegar no convento. Uma das freiras vai estar com o nariz com esturrinho, que é um tipo de tabaco escuro e muito torrado, espécie de rapé. 
Vamos à leitura?
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Na leitura de hoje vimos a segunda tentativa de Simão encontrar Teresa, entrando pelo portão do quintal da casa dela, à noite. Como Baltasar ficou sabendo do combinado na noite anterior, no aniversário da moça, ele chama dois empregados para assassinar Simão quando ele chegasse, com apoio do tio, Tadeu Albuquerque. Nessa época, não havia iluminação pública nas ruas, a iluminação era com tochas, candeeiros, enfim, era mais precária. Então essas emboscadas noturnas contavam com a escuridão total. E percebam também as diferenças dos valores da época: adultério é crime e dá cadeia, mas matar alguém que quer conversar com uma moça, com o consentimento dela, aí tudo bem.
Só que os assassinos não contavam com João da Cruz. Ele é o ferreiro que está hospedando Simão nos arredores de Viseu, e tem uma dívida de gratidão com o pai do moço, que livrou João da forca em outra ocasião. Então o ferreiro se torna um protetor de Simão, e nessa noite acaba matando os dois que espreitavam o namorado de Teresa. Os dois jovens não conseguem se encontrar, por conta da confusão e da briga que se deu. No dia seguinte, com a ajuda da mendiga que já havia entregue um bilhete de Teresa a Simão, ela manda uma carta a ele, preocupada com os acontecimentos. Simão ficou ferido com um tiro e está sendo cuidado por João da Cruz.
Durante a briga, João é responsável também por uma pitada de humor na narrativa, com a perseguição aos bandidos e dizendo que não falem o nome dele na frente dos bandidos, quando ele mesmo está dizendo o próprio nome. Ele tem medo de ser denunciado pelo empregado do Baltasar que tinha ficado vivo, já que conhecem o ferreiro. Nesse ponto, o autor, Camilo Castelo Branco, faz uma crítica social sobre a diferença de justiça pra quem é rico e pra quem é pobre. O ferreiro sabe que se o estudante, filho de corregedor, for pego, com ele nada acontecerá porque tem sobrenome. Já com ele que é pobre e anônimo, é forca na certa, bastando uma denúncia. O tempo passa e a justiça continua falha, e mais branda pra quem tem dinheiro. 
Tadeu decide enviar Teresa pra um convento onde ele tem uma parente e já naquela noite ela vai pro convento local. Eu gosto que a Teresa não chora na frente das pessoas, se segura e ainda é irônica. E a sagacidade de levar escondido no peito um embrulho com tinteiro e papel, pra poder continuar escrevendo cartas a Simão. Logo nas primeiras horas no convento de Viseu ela percebe que as freiras são umas fofoqueiras, é uma falando mal da outra, um ambiente tóxico que ela nunca pensou encontrar. Essa é outra crítica social do escritor Camilo Castelo Branco, sobre a hipocrisia na ordem religiosa, minada por pessoas interesseiras e corrompidas. Outra crítica à corrupção do catolicismo português vai acontecer alguns anos mais tarde, com o romance O crime do padre Amaro, publicado 1875, do escritor Eça de Queiros. 
A escrivã do convento se oferece pra ajudar Teresa com o envio das cartas. Assim como a mendiga, essa é uma personagem importante pra que o casal continue se comunicando. 
Por hoje, fico por aqui. No próximo episódio do Literatura Oral continuo a leitura de Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco. Fiquem bem, e até lá! 
#31
Olá, ouvinte! Seja bem-vindo!
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Pessoal, o meu computador estragou e fiquei mais tempo de que eu queria sem postar episódio novo. Que aflição! A minha ideia é sempre postar na segunda, nunca ficar mais de uma semana sem episódio novo, ainda mais durante a leitura de um romance. Mas vou procurar compensar postando mais de 1 episódio nesta semana.
Desde o episódio #28 eu to lendo Amor de perdição, do escritor português Camilo Castelo Branco, livro de 1862. No último episódio, vimos que Simão Botelho tentou encontrar Teresa Albuquerque no portão do quintal da moça, à noite, conforme eles tinham marcado. Mas o primo dela, o vilão Baltasar Coutinho, com ajuda do pai de Teresa, armou uma emboscada pra matar Simão. Os dois empregados de Baltasar que foram matar Simão acabaram mortos e o protagonista baleado. E Teresa foi enviada pra um convento e ficou espantada com o clima tóxico entre as freiras. São fofoqueiras, bebem demais, se envolvem em romances, enfim, um clima promíscuo pra um convento. 
Amor de perdição é comumente comparado a Romeu e Julieta, de Shakespeare, porque trata do amor entre dois jovens de famílias rivais. Mas o enredo também lembra um outro título de Shakespeare, Muito barulho por nada, porque até agora Simão e Teresa nem sequer nunca se encontraram, tudo que fizeram foi conversar pelas janelas dos quartos, que ficavam uma de frente pra outra, já que são vizinhos em Viseu. E olha quanto sofrimento essa história já gerou: dois empregados foram mortos, Simão baleado e quase morto, Teresa confinada contra vontade num convento, prometida de ser deserdada pelo pai. Pra nós que somos leitores de outro momento histórico, que vivemos outros valores e somos acostumados a narrativas mais realistas, esse enredo romântico soa por vezes cômico ou bobo. 
Mas a gente não deve deixar de ler por isso, e muitas vezes somos surpreendidos com narrativas agradáveis de uma outra época. Eu to achando Amor de perdição com uma velocidade bem bacana, não fica um capítulo sem que aja alguma ação, não tem enrolação, sabe? É só a gente dar um desconto pra licença poética da geração do ultrarromantismo e se divertir com o que a narrativa propõe. 
Amor de perdição é representativo da segunda geração do romantismo português, que ficou conhecida como geração ultrarromântica, pelos exageros, sentimentalismo exacerbado e referências à morte. Sobre o Romantismo, o perfil literário @rodadeleituras, do Instagram, escreveu o seguinte: 
No convento, uma freira se ofereceu pra ajudar Teresa com as cartas que ela quiser escrever, e daí ela tem a chance de se comunicar com Simão. Vamos à leitura ver o que acontece!
Hoje vimos que Simão está se recuperando na casa de João da Cruz, sendo cuidado por Mariana, filha do ferrador, e Teresa fica sabendo que será transferida pra um convento na cidade de Porto. 
Ai gente, eu to com nojo do Simão e da Teresa. É muito protagonismo, são muito mimados! Todo mundo tem que ficar mobilizado pra fazer as vontades dos bonitos! Dois homens já morreram, no capítulo lido hoje a mendiga que leva as cartas de Teresa foi espancada por levar uma carta dela pelo hortelão do convento, o Simão escreve que ela fuja e que se for preciso aja com violência contra a pessoa que guarda a porta. Pera aí um pouquinho, a vida deles, a felicidade deles vale tanto mais porque nasceram ricos? Acho que os leitores da época do romantismo, quando Amor de perdição foi lançado, em 1862, não se faziam essas perguntas. Davam como certo que tudo tinha de ser feito pela felicidade da mocinha da história. Só que a gente pode fazer esses questionamentos. 
Eu to com ranço do Simão e da Teresa, não gostei do jeito que o João da Cruz trata a própria filha, a pontapés, e também não curti a atitude da Mariana. Esse capítulo nos diz de como as mulheres eram tratadas no século XIX, tudo bem que a obra é de 1862, mas narra uma história vivida no passado. O narrador ta contando algo que aconteceu com um parente dele, lá no fim vamos saber que esse narrador é filho do Manuel, portanto sobrinho de Simão, e ele ta contando uma história do passado. As mulheres, na época narrada, só podiam falar com autorização de um homem. Olha como João da Cruz ralha com a Mariana quando ela se expressa sem ter sido convidada ase manifestar. E a Teresa tem de fazer tudo que o pai queria, a opinião dela não conta. Mas eu to com ranço da Mariana também porque ela é boa demais, a ponto de dar o dinheiro da economia dela pro Simão. Ainda inventa uma mentira de que foi a mãe dele que mandou o dinheiro. Tudo tem limite! Simão percebe que a Mariana se apaixonou por ele, mas como ela é pobre, ele não dá nem bola. Sugere ainda que o pai dela arrume um casamento qualquer pra moça. E a boba ajudando e dando dinheiro das economias dela! Enfim, mas é bom comentar isso, porque às vezes fica um mito de que a gente só lê o que gosta, ou que gosta de tudo que lê! E não é assim! Tá de boas se deparar com um livro que não te agrada e deixar essa leitura. Até porque a vida é muita curta pra tanto livro bom que existe! Eu não vou abandonar Amor de perdição, vou continuar pra completar aqui a leitura comentada no Literatura Oral. Mas fica a minha impressão sincera de que não to curtindo muito. 
Mariana cavalga até o convento pra levar uma carta do Simão pra Teresa, já que a mendiga que vivia caminhando pra levar as cartas dos namorados foi espancada. Parece que a narrativa faz com que o leitor se apiede demais de uma menina rica que ta passando uns dias num convento por birra com o pai e não dê muita atenção a uma idosa ser espancada. É isso que eu não gosto. Essa diferença de valoração, de tratamento pra quem é rico (e nessas narrativas românticas merece tudo) e quem é pobre (e tem de se resignar a nunca ter nada). Como a Mariana. É muito nobre essa personagem ajudar o cara que preteriu o sentimento dela, mas não precisa dar o dinheiro das economias, né miga? Assim como na vida a gente não precisa aceitar sem questionar que alguém tenha privilégio só porque nasceu com determinado sobrenome, ou cor de pele, ou condição social, a gente pode exercitar essa indignação questionadora quando ta lendo, fazer esse exercício de tratamento diferentes com as personagens e se perguntar “por quê?”. Quando Mariana chega no convento, ela pede por uma amiga que faz a limpeza lá, a Joaquina, e pela forma como a menina atende, dá pra ver que o convento é quase como um presídio, nem a faxineira tem liberdade.
Mariana me lembra uma outra personagem muito nobre, que se vê em um triângulo amoroso e mesmo sendo preterida, ajuda o casal. É a Rebeca do clássico romance histórico de Walter Scott, Ivanhoé. Rebeca é a grande personagem desse romance de cavalaria, é uma judia que também trata dos ferimentos do seu amado, Wilfred de Ivanhoé, e depois ele casa com Rowena. A diferença entre ela e a Mariana é que Rebeca é uma judia muito rica, e a Mariana é pobre. E mesmo sendo pobre, ela pega suas economias para ajudar Simão, que está sem receber a mesada do pai e se vê sem dinheiro.
Simão ficar sem dinheiro é uma inovação de Camilo Castelo Branco no Romantismo. O narrador mesmo fala que heróis românticos nunca tinham esse tipo de problema e que os romancistas raras vezes falam em dificuldade financeira pra não enfadar o público. Ele cita que não tem um galã de Balzac sem dinheiro. O fato de Simão ter que pensar em como viveria com Teresa, como sustentaria a si e à mulher, coloca Amor de perdição mais perto das obras realistas, e faz de Simão um herói meio prosaico. Ele adormece pensando nos problemas financeiros e Mariana tem que enxotar do seu rosto um enxame de moscas que tá rondando ali nos ferimentos do rapaz. E sem saber ele aceita o dinheiro da Mariana, de quem ele tinha dito pro pai que podia até conseguir um casamento mais ou menos, já que tinha uma casinha. Quer dizer, o tipo de casamento, de pretendente que uma mulher conseguiria naquele tempo dependia de quanto dinheiro, bens a família dela tivesse. Será que isso mudou, ou meio que as relações ainda se dão dentro das mesmas esferas de condição social e financeira? Introduzir na narrativa essa informação do protagonista em apuros financeiros pode ter sido uma estratégia do escritor pra criar uma aura de veracidade da história, lembrem que Camilo Castelo Branco começa contando que houve um Simão na família dele, que ficou preso no mesmo presídio que ele, Camilo. A menção a dinheiro é tão realista, que colabora com uma capa de veracidade nessa história parcialmente biográfica do tio do escritor. Só que não é a história do Simão verdadeiro, tah?
João da Cruz cita uma atitude do Estado, se a filha ficasse órfã. O Estado interferiria, pegando todo o dinheiro deixado pra Mariana. Mais uma crítica do escritor de algo que talvez acontecesse com os mais pobres naquele período, sentenciando as meninas órfãs à miséria quando os pais morrem condenados por algum crime. Eu parei a leitura no capítulo X, quando Simão está, de madrugada, na frente do convento, esperando a comitiva que vem buscar Teresa pra transportá-la ao convento na cidade do Porto, e disposto a brigar pela garota. Por falar no número dos capítulos, nessa versão que eu to lendo, que peguei na internet, em domínio público, não consta o capítulo IX, mas não tem nenhuma lacuna na história, então acho que só faltou o número marcando o capítulo mesmo. 
Por hoje eu fico por aqui. No próximo episódio, continuo a leitura de Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco. Fiquem bem, se cuidando, que a vacina tá quase aí, apesar dos esforços do governo messias bolso pra que muitos brasileiros morressem. Um abraço e até o próximo Literatura Oral!
#32
Olá, ouvinte! Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. 
Eu sou Sabrina Siqueira e hoje continuo a leitura de Amor de perdição, do escritor português Camilo Castelo Branco. Quem mais aí tá sonhando com o dia de ir ganhar a vacina no postinho de saúde? Viva o SUS, a pesquisa, as universidades públicas, os cientistas de todas as áreas e todos os envolvidos com a vacina! 
Lembra que eu comentei que meu computador estragou, que fiquei dias sem computador? Vocês não imaginam como a qualidade da gravação melhorou depois do conserto, que foi na verdade uma baita limpeza que meu computador ganhou. Antes eu gravava e o áudio ficava super baixo. Eu levava um tempão tratando as faixas pra ficar mais audível. Não sei se tem uma relação direta, mas agora gravei e ficou da altura da minha voz natural mesmo. Eu sempre achava que era o meu microfone, pobrinho, que não prestava, mas agora to vendo que eu tava sendo sabotada por... sujeira! Então se tu tá fazendo podcast, trabalhando com captação de áudio, e assim como eu não entende muito de equipamentos, fica essa dica. Talvez tu não precise ainda investir num microfone caro, uma limpeza na parte interna do computador pode fazer uma diferença. Depois é só criar coragem de ir buscar o computador no conserto, porque dá uma vergoinha de perguntar qual era o problema, e o moço falar “não, era imundície mesmo”! 
No último episódio, vimos que Simão está hospedado na casa do ferrador João da Cruz, que se tornou um protetor dele, pela dívida de gratidão que tem com seu pai. A filha dele, Mariana, é quem cuida do estudante. Camilo Castelo Branco introduz uma inovação nesta narrativa, que é o herói romântico passar por dificuldades financeiras. Quando João percebe que seu hóspede está sem dinheiro, ele e Mariana mentem que a mãe de Simão lhe enviou uma bolsa de moedas, mas na verdade são as economias de Mariana. 
Além dos dois homens que haviam morrido na briga de quando Simão tenta encontrar Teresa, no quintal dela, à noite, no último episódio vimos que a mendiga que leva as cartas foi espancada por um funcionário do convento, onde Teresa foi confinada pelo pai. Toda essa mobilização de pessoas morrendo, brigando, se desfazendo de suas economias e de sua paz pra que Simão e Teresa possam se encontrar, coisa que nunca aconteceu, eles só conversaram pelas janelas. E eu confessei que to com ranço desse casal pelo tanto de confusão que já causaram, como se a vontade deles prevalecesse sobre a integridade e até sobre a vida de pessoas que nasceram pobres. Não é que eu não esteja gostando de nada no livro, mas esse enredo colabora pra que o leitor se habitue auma naturalização de privilégios. Como se a felicidade fosse privilégio de uma pequena casta de bem nascidos, e que todo o povo deve conviver com perdas e perigos para que a vontade desse pequeno grupo seja respeitada. Me parece que aí a gente tem um bom material pra reflexão, trazendo a experiência da leitura pra vida. Eu não to dizendo que ninguém nunca deva ter privilégios em questão nenhuma, nem que não se exerça a bondade de ajudar um jovem casal, mas podemos parar pra pensar como algumas personagens na narrativa têm maior valor, e assim é na vida. E a gente pode e deve questionar os privilégios, buscando corrigir o que achamos que não está justo, exigir direitos. Questionar inclusive nossos próprios privilégios como forma de tornar a sociedade mais justa. Enfim, a minha ideia aqui no Literatura Oral é sempre usar a literatura pra te convidar a pensar criticamente a vida. 
Parei a leitura quando Simão está na frente do convento de Viseu, esperando a comitiva de Tadeu de Albuquerque que vai levar Teresa pra outro convento, na cidade de Porto. É de madrugada, tem aquele problema da falta de iluminação, e Simão tá pronto pra brigar com todo mundo e fugir com Teresa! Neste ponto eu to no meio do livro. Vamos voltar à leitura e ver o que acontece:
Na leitura de hoje, vimos que Simão estava esperando a comitiva de Tadeu Albuquerque chegar ao convento de Viseu pra buscar Teresa e transportá-la ao convento de Porto. Quando vê Baltasar, Simão e ele discutem e o vilão é morto com um tiro. Teresa desmaia e Simão se entrega à autoridade. Há uma tentativa do meirinho de ajudar Simão, por ser filho do corregedor. Mas ele tá decidido a ser preso, pagar pelo crime e até morrer em nome de salvar Teresa do convento. O que não acontece, porque ela é levada de todo jeito.
Domingos Menezes não dá nem bola quando fica sabendo que o filho matou um homem, porque pensou que fosse em Coimbra. Ele só se importa porque o morto é sobrinho do inimigo. Aí então se sente mais corregedor que pai. Tudo porque Simão matou por ciúmes da filha do inimigo dele. Diz que preferia ver o filho morto! É uma ignorância, um exagero! Mas isso é a segunda geração do romantismo, um muito barulho por nada que não tem fim. Que super inimizade é essa, que justifica tanto ódio? A narrativa não explica bem essa briga entre os vizinhos, o que gerou uma desavença tamanha. Achei que faltou isso, seu Camilo Castelo Branco! A observação do narrador de que quando Dona Rita viu a fúria do marido, que não poderia dobrar a raiva dele contra o filho “sentiu-se mulher e retirou-se”, como se a essência do ser mulher fosse ser fraca e inútil, mostra mais uma marca da sociedade patriarcal da época. O juiz, em respeito a Domingos Menezes, também tentando livrar Simão, fica querendo que se declare louco pra se safar, ou dizer que foi legítima defesa. Desde sempre os filhos dos graúdos se safando. Mas Simão, a exceção do que vemos na criminalidade da vida real, fica irredutível em afirmar sua culpa. E Domingos aproveita pra pagar de bom funcionário público, não concede nenhuma regalia ao filho. 
Simão chegou a matar uma pessoa, o Baltasar, e isso não impediu que Teresa fosse mandada pro outro convento. São as ações levadas às últimas consequências, característica dessa segunda fase romântica. Simão não teme a forca, nem tenta fazer nada pra se defender da pena. Teresa provavelmente ficaria um tempo no convento e sairia, como ele mesmo ouviu do primo Baltasar dizendo pro pai dela, que depois de 1 ano de convento ela teria passado por uma lição. Mas Simão, que lá no início da narrativa eu disse que era uma personagem que pondera antes de tomar uma atitude, agora ele não reflete que poderia esperar esse 1 ano pra ver o que seria, se os ânimos estariam acalmados, não! Ele quer morrer e dar a essa história com a vizinha o fim mais dramático possível. 
Mariana, por sua vez, abdica de sua vida e vai morar perto da prisão, pra ficar servindo Simão. As prisões de Portugal daquela época, a narrativa se passa em 1805, pelo visto não davam comida aos prisioneiros. Cada família que providenciasse. Ah pessoal, ficou uma palavra dita errada, que não tive como arrumar: quando o empregado de Dona Rita sai com o almoço que Simão não quis, ele comenta que o amo está doido, não doído, como eu falei. 
No capítulo XII a gente vê uma reminiscência de Ritinha, a irmã mais nova de Simão, contando como foram os meses que seguiram a prisão do irmão, com a mudança da família pra Vila Real, que foi a medida que Domingos Menezes achou de impedir a esposa de ajudar o filho na cadeia, e o afastamento do corregedor da família. O motivo da inimizade com Tadeu Albuquerque era assim tão grande que justificasse tantas medidas de abandono do filho e de exagero por parte de Domingos? A narrativa é construída de forma que a gente se apiede de Simão, quase chegando a ver a personagem como vítima quando ele tá preso, mas foi ele quem procurou esse fim, agindo por impulso em matar uma pessoa. Teve um tempo em que matar por honra foi naturalizado e aceito, e parece que é o caso do tempo dramatizado nessa narrativa. Nos dizeres populares que Simão escuta enquanto vai do tribunal de volta pra cadeia, a denúncia de que só está sendo julgado porque matou um rico. Tivesse matado um pobre, estaria em casa. Quando sabe da condenação, Mariana enlouquece. E Simão chora por pensar que ela nunca recebeu carinho algum da parte dele. Vimos também que foi preciso a interferência do tio avô Antônio da Veiga, muito idoso, pra Domingos interceder pro filho não morrer na forca. 
No convento do Porto, Teresa adoece e quer morrer. Ela já vinha sem comer do convento de Viseu, e nos 7 meses em Porto ela fica pra morrer. Aqui tem uma característica bem marcante da segunda geração do romantismo, que é a invocação da morte. A personagem se vê sem saída, sufocada pelo destino infeliz, e clama pela morte. Informado de que a filha está mal, Tadeu de Albuquerque diz que prefere que morra, mas com a honra intacta! Vejam o valor que a sociedade patriarcal dá à honra, vale mais que a vida da única filha. Uma freira se oferece pra mandar uma carta de Teresa já que ela está à beira da morte, e finalmente ela consegue se comunicar com Simão. Ele também não estava se importando em morrer enforcado, mas muda de opinião quando fica sabendo que o pai intercedeu por ele e que ele será transferido, também para Porto, de onde deve ter a pena perdoada ou ser enviado ao exílio. Daí a gente vê que pais poderosos atenuando a pena dos filhos estão por aí, sendo registrados pela literatura, há muito tempo. Aqui no Brasil a gente tem esse exemplo no mais alto escalão do poder executivo. Não tem lavagem de dinheiro com compra de imóveis e lojas de chocolates que leve o filho do presidente pra cadeia. Na carta, Teresa tenta convencer Simão a morrer resignado, que ela também tá tratando de enfraquecer até a morte. Bem ultrarromantismo! Mas a resposta do moço é que bem capaz! Bora viver que ele já se safou da forca! Só que nisso Teresa já está super fraca. Será que ela vai conseguir se recuperar e viver pra tentar encontrar Simão algum dia?
O Literatura Oral tá completando 6 meses! Foram 31 episódios já! Eu to adorando fazer esse trabalho, eu acredito na leitura comentada como forma de te convidar a olhar a vida com mais criticidade. E pra quem já tem o hábito de ler e já tem um olhar crítico sobre os discursos do dia a dia, fica uma opção de entretenimento. Muito obrigada aos amigos que seguem, incentivam, compartilham, me animam pra continuar. Obrigada aos ouvintes em Portugal! Quero muito conhecer a vossa terra! Algum dia ainda! E obrigada aos brasileiros e ouvintes de língua portuguesa nos EUA! Que bom contar com a audiência de vocês! Se cuidem!
Por hoje eu fico por aqui. No próximo episódio, seguimos a saga de Teresa Albuquerque e Simão Botelho, os românticos exagerados de Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco. Fiquem bem, um abraço e até lá!
#33
Olá, ouvinte!
Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias.Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura. 
Hoje continuo a leitura de Amor de perdição, do escritor português Camilo Castelo Branco. No último episódio, vimos que Domingos Menezes intercedeu pela vida do filho e Simão será transferido para um presídio no Porto, onde deve ficar livre da forca. E Teresa está em um convento na mesma cidade, só que muito fraca, doente de amor e tristeza. Mariana, que tinha tomado conta de Simão na cadeia de Viseu, enlouqueceu quando ele recebeu a sentença de morte, pra tristeza de seu pai, João da Cruz. A família de Simão está morando em Vila Real. 
Amor de perdição foi publicado em 1862 e é interessante perceber as diferenças de recepção da obra naquele tempo e agora. A sociedade era completamente diferente, os valores eram outros, as mulheres tinham menos representatividade e a diferença social, no sentido de o que uma pessoa de uma classe ou de outra podia atingir na vida era ainda pior que hoje. Notem a diferença de tratamento, por exemplo, em relação a alguém com a idade do protagonista. Simão Botelho tem 18 anos e é tratado pelo narrador e dentro da trama como um homem feito, naquele momento em que ele chora por Mariana e o narrador diz que “chorou então aquele homem de ferro”. Hoje, uma pessoa de 18 anos é tratada mais como um adulto em formação ainda, um jovem adulto, deixando a adolescência. E com isso as expectativas que se tem de alguém nessa faixa etária são outras. O narrador faz referência ao tipo de amor dessa idade, como se fosse talvez o ponto alto da vida pra desenvolver o sentimento. Sem dúvida, é uma visão romântica e em consonância com as características do período literário. 
No episódio de hoje, chamo atenção ao tratamento dispensado ao corpo feminino, principalmente quando pobre. 
Vamos à leitura:
Na leitura de hoje, vimos que o pai de Teresa vai busca-la no convento e ela não quer ir. Como a freira responsável não obriga a garota a sair, o velho fica furioso e sai a pedir às autoridades que lhe permitam arrancar a filha do convento e que proíbam Simão de enviar cartas da cadeia. E é ridicularizado. Um desembargador, amigo de Rita Preciosa, comenta que grande mal teria sido ter deixado os jovens se aproximarem, e sugere que a culpa do assassinato de Baltasar é dele, Tadeu de Albuquerque, que provocou toda essa situação. 
João da Cruz visita Simão na cadeia, conta que Mariana está recuperada e que ele nem esperava que o prisioneiro casasse com a filha dele algum dia. Que sabe que a Mariana só poderia ser empregada de Simão. Que coisa, hein! A diferença de nascimento determina o destino da pessoa, as classes não podem se misturar pelo casamento, na sociedade mostrada neste romance português. E a comparação das mulheres com peras verdes, que os homens apalpam, é uma declaração do machismo e do pouco valor que tinham as mulheres na sociedade da época. Mas o pior é saber que as mentalidades não mudaram muito. Como se as mulheres fossem corpos à disposição, para serem apalpados e beliscados. A forma de cortejo dos homens nesse espaço da narrativa, é invadindo o espaço do corpo feminino com violência. Isso para com as mulheres pobres, que com a Teresa foi só conversinha na sacada. E a Mariana não conta com a proteção do pai, que acha graça das investidas e pensa que tem que ser assim mesmo. Quer dizer, o corpo feminino precisa estar em constante alerta pra se defender, e está sempre correndo perigo, numa sociedade patriarcal. Fosse um homem dar um beliscão na perna de outro homem, já era motivo pra um duelo, e um dos dois sairia morto. Mas em uma mulher é aceito e esperado que a mulher não revide e entenda isso como manifestação de interesse. E se a mulher demonstrar desagrado à violência sofrida, aí então é chamada de louca e se diz que tem satanás no corpo, como riu João da Cruz da filha. Tá vendo a importância de se informar sobre o feminismo como forma de se proteger e ajudar outras mulheres? O corpo feminino sempre foi desrespeitado e continua sendo. 
O ferrador leva uma carta de Simão ao convento e essa é mais uma cena com humor. Geralmente as cenas com essa personagem, João da Cruz, tem um pouco de humor, e isso é um diferencial na narrativa de Camilo Castelo Branco, porque humor não é uma característica da segunda geração romântica. Incrivelmente quem também está lá para ajudar na entrega das cartas é a mendiga que já apanhou, se recuperou e caminhou até uma cidade distante só pra ficar ao dispor de Teresa. E aqui, na minha opinião, o escritor podia ter recorrido a outro recurso narrativo, já deu da subserviência da mendiga!
E como as notícias correm nesse enredo! Quando o corregedor e um desembargador do Porto visitam Manoel, irmão de Simão, eles já sabem que a Teresa estava pra morrer e que melhorou quando soube da chegada na cidade de Simão. Sabem também que o Manuel estava fugido há um ano com uma mulher casada. E a suspeita deles faz com que Domingos descubra o paradeiro da amante do filho, em Vila Real, e a mande de volta pra Açores, da onde ela é natural. Domingos não liga pra felicidade dos filhos, não apoia nenhum dos filhos. Aliás, nesse romance, a gente tem exemplo de 3 pais ruins, cada qual a sua maneira: Domingos torce e age contra os filhos, e espancou a filha mais nova, Ritinha. Tadeu é super protetor e prefere a filha longe dele, num convento, ou morta, só porque conversava com um vizinho pela janela. E João da Cruz, até admite o valor de Mariana, mas não pra ela própria, diz isso como que pensando alto. E trata a menina a pontapés. 
Vimos que João da Cruz é morto pelo filho do almocreve que ele matou 10 anos antes. O ferrador pressente que algo de ruim está por acontecer e planeja visitar a filha, achando que é saudade dela. Da má intuição de João da Cruz, a cunhada entende que são gases e diz que ele vá tomar ar. Interessante ver como a cadeia é um lugar muito mais livre que o convento. No convento ninguém entra sem autorização especial, nem médicos. Na cadeia, Mariana fica na cela quanto tempo quiser, visitando o preso. Parei a leitura quando ela recebe a notícia da morte do pai e é consolada por Simão.
Por hoje, eu fico por aqui. No próximo episódio, finalizo a leitura de Amor de perdição, do escritor português Camilo Castelo Branco. Fiquem bem, um abraço e até lá!
#34
Olá, ouvinte!
Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e sugestões literárias. 
Eu sou Sabrina Siqueira e quero fazer um pedido ao Instagram: 
Instagram, que tal mostrar também quem deixou de seguir, além de só mostrar quem passou a seguir e quem curtiu? Porque tem um monte de perfil literário, de gente que tá na rede também falando de literatura, que se dão ao trabalho de seguir a gente por 1 ou 2 dias e depois deixam de seguir. Conseguem que a pessoa siga eles de volta e deixam de seguir. Mas gente, isso dá um trabalho! Porque agora eu fico pesquisando pra ver quem deixou de seguir e deixar também, é o mínimo. Quer dizer, essa estratégia de fingir que vai seguir pra ganhar seguidor é meio bobinha. Mas o Insta podia facilitar avisando, né? 
Neste episódio, finalizo a leitura do romance Amor de perdição, do português Camilo Castelo Branco. No último episódio, vimos que João da Cruz foi morto pelo filho do almocreve que ele tinha matado há 10 anos, e que o pai de Simão o ajudou a se livrar da forca por assassinato, gerando a dívida de honra com a família Botelho, que faz com que o ferrador se torne protetor de Simão. Vimos que a comunicação entre Teresa e Simão foi restabelecida graças a João e à mendiga, que volta à cena. Mariana melhorou da doideira e volta a ficar “presa” junto com Simão, sendo sua empregada. Sim, porque ela passa o dia na cela junto, como se estivesse cumprindo pena.
Vamos voltar à leitura de Amor de perdição e concluir esse romance ultrarromântico!
No episódio de hoje, concluí Amor de perdição! 
Vimos que Mariana vendeu as terras que herdou do pai e entregou todo o dinheiro a Simão. Ela se oferece pra ir com ele pro exílio e diz que lá vai abrir uma lojinha pra trabalhar pelo moço, pra ele não sequeimar no sol forte da Índia. Ah Mariana, o verdadeiro “amor de perdição” é esse! Só perdeu e não ganhou nada essa personagem! Ainda diz que se Simão morrer ela vai dar jeito de morrer também. É a personagem tipicamente romântica da segunda geração, que vive um amor – não correspondido – até a morte. E, de fato, quando Simão morre a caminho do degredo e seu corpo é jogado no mar, Mariana se joga junto pra morrer afogada. Baixa autoestima assim eu só tinha visto nas eleições presidenciais de 2018, que o povo dizia, ah, mas o PT roubou, então é melhor... e elegeram um maluco, que promove estupro, tortura e armamento do povo. Quer dizer, acharam que estava ruim com um partido e se puniram elegendo algo pior. 
Quando sai a sentença de 10 anos de degredo para a Índia, Tadeu de Albuquerque oferece a casa pra que mantivesse a sentença de forca pra Simão. O ódio que ele tem do vizinho que conversou com a filha pela janela vale a casa própria! Domingos Botelho, pra não deixar por menos, usa sua influência e consegue que Simão cumpra sentença em Vila Real, que não precise ir pra Índia. Mas o protagonista orgulhoso não aceita a caridade do pai e prefere ir pra Índia. Em alguns pontos da narrativa, parece que Simão já tá arrependido de ter um compromisso de palavra com Teresa e quer morrer de qualquer jeito, dispensa as possibilidades de sobrevivência por orgulho. O narrador coloca que ele tem mais ânsia de viver do que de amar, quando já está preso há meses. Primeiro parece que quer a forca. Agora, podendo cumprir pena em Portugal, escolhe ir pra longe. Porque em Portugal ele ficaria preso, e no degredo ele poderia viver livre, só sem voltar pra pátria naquele período de 10 anos. 
Quando tá entrando no navio que o levará para a Índia, Simão recebe dinheiro da mãe e, ao invés de entregar pra Mariana, que tava indo trabalhar pra sustentar o bonito, decide distribuir o dinheiro entre os outros prisioneiros. Ele prefere até atirar o dinheiro ao mar, do que entregar pra Mariana, que vem sustentando ele há 2 anos e 9 meses do próprio bolso. Ranço do Simão até o último episódio! E a Teresa também não é melhor! Mandar uma carta dizendo que morre agora porque Simão tirou dela o último fio de esperança, porque ele não quis cumprir a pena em Portugal, recluso, preferiu a liberdade do degredo! Olha, que dupla! Parece, na carta que ela deixa pra ser lida quando já estiver morta, que Teresa tá com um pouco de medo que Simão se sinta livre pra refazer a vida, e pergunta se ele conseguiria ser feliz sem ela, que de vez em quando acharia estar vendo uma sombra dela. Quer dizer, ela assusta o Simão, no caso de ele não se resolver a morrer também! E nessa carta da Teresa tem um errinho em relação à idade dela. Quando Tadeu de Albuquerque vai buscar a menina no convento, logo que Simão chega a Porto, eles têm uma discussão em que ela diz que tem 18 anos. Passam-se dois anos até que Simão está indo pra Índia, e Teresa, morrendo, diz que vai ver sua última aurora, a última de seus dezoito anos. Já era pra ela estar com 20!
Teresa relê as cartas de Simão quando está nas últimas horas de vida e lembra de tudo que sonharam, e o narrador diz que tudo naquelas imagens evocadas lembra a desgraçados. Notem que nesse romance a palavra tem uma conotação diferente da que a gente geralmente utiliza hoje, no nosso Português. Tem a ideia de pessoas sem graça, sem felicidade, quando pra nós significa pilantra, é um xingamento. E chamo atenção também pra ideia que faziam que ir de Portugal pra Índia ou África, que era efetivamente um tipo de penalidade imposta pelo Estado Português. E essa prática ajuda a reforçar o preconceito com as colônias e com os nascidos lá. Mas eu não sei se é algo que acontecia ou se é só da narrativa. 
Amor de perdição é geralmente lembrado como o Romeu e Julieta lusitano, por tratar do amor impossível entre dois jovens de famílias rivais. Mas tem pelo menos três características bem diferentes em relação ao texto de Shakespeare. Primeiro que Romeu e Julieta é uma peça, é um texto pra ser encenado, com marcas pros atores, e Amor de perdição é texto narrativo. Há quem diga que é novela, eu penso que é romance. E as outras diferenças marcantes são em relação ao enredo: no texto de Shakespeare, escrito entre 1591 e 1595, a rivalidade entre as famílias Montequio e Capuleto vem de gerações, é uma desavença que existe há muito tempo. Já no texto de Camilo Castelo Branco, de 1862, a rivalidade surge por uma discordância que o juiz Domingos Botelho dá numa causa do vizinho Tadeu de Albuquerque. É algo recente e parece que não tão importante que justifique os homens preferirem perder os filhos, abandonar a família do que relevar o ódio mútuo. E mesmo depois da desavença, continuam vizinhos, morando em casas tão coladas que os filhos adolescentes conseguiam conversar pela janela. Se o ódio era tamanho, não seria de esperar que um dos dois tivesse se mudado? Porque vizinho vira e mexe a gente encontra. E se se odiavam tanto, e até pra evitar que os filhos iniciassem uma amizade indesejada, não teria sido uma medida razoável ir morar em outro ponto da cidade? Parece que o grande amor de perdição dessa trama, além do da Mariana, é o amor em odiar um ao outro entre Domingos e Tadeu. Eles adoram se odiar, mesmo que o motivo pro ódio não seja bem esclarecido. 
Outra diferença grande no enredo é que Romeu e Julieta se encontram, se tocam, se casam e consumam o casamento, passam ao menos uma noite juntos. Já Simão e Teresa, o máximo que fizeram foi conversar da janela. Tentaram se encontrar no jardim da casa dela, uma noite, mas foi quando Baltasar enviou matadores pra assassinar Simão. Pena eles não terem tido essa ideia do jardim na madrugada durante aqueles três meses em que passaram batendo papo na janela, né? Nunca se tocaram, mas tiveram uma pequenina DR: quando Teresa escreve pedindo que Simão aceite os anos de prisão ali em Portugal e ele insiste que prefere ficar ao ar livre no degredo. Esse tipo de ponderação que eu to fazendo é cá entre nós, é um olhar realista sobre uma narrativa ficcional romântica do século XIX. Ou seja, esse tipo de comentário não cabe na análise literária, quando então a gente trabalha com o que é dado na narrativa, considerando o contexto de inserção da obra. 
O sucesso de Amor de perdição foi grande, e Camilo Castelo Branco resolveu brindar seus leitores com a versão feliz da narrativa, lançando Amor de salvação, em 1864. Não são as mesmas personagens, é a história de um amor entre jovens que sofre alguns reveses, mas se torna possível e tem final feliz. Vamos à leitura de Amor de salvação? Em um outro momento, talvez. Por hora, vimos bastante do estilo de Camilo Castelo Branco e seu ultrarromantismo, com umas veias de humor. 
No próximo episódio, inicio uma nova leitura ou trago alguma sugestão literária. Fiquem bem e até lá!

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