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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS GEOGRÁFICOS Anna Paula Lombardi Geografia como ciência Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Apontar as características que definem a geografia como ciência. Identificar os elementos do pensamento científico geográfico. Reconhecer o espaço geográfico como objeto científico da geografia. Introdução Atualmente, a geografia é uma ciência consolidada. Ela pode ser definida como o estudo das relações entre os seres humanos e o espaço onde vivem. Foi no século XIX que a geografia passou a ser considerada uma ciência. Nas universidades da Europa, ela ganhou importância e se tornou uma disciplina principalmente devido aos estudos dos geógrafos alemães Alexander Von Humboldt e Karl Ritter e dos geógrafos franceses Eliseé Reclus e Vidal de La Blache. O principal objeto de estudo da geografia é o espaço geográfico. Neste capítulo, você vai conhecer mais sobre a geografia e ver como ela se efetivou como ciência. Como você vai verificar, é por meio das ações do homem no espaço que se podem analisar as categorias da geografia: paisagem, território, lugar, região e escalas. São esses elementos que a consagram como uma ciência. A gênese da ciência geográfica A geografi a pode ser compreendida como uma ciência da Terra, ou seja, que descreve a Terra. Além disso, a geografi a se apresenta como um ramo do conhecimento científi co. A sua gênese ocorreu na Antiguidade Clássica. Assim, a geografi a nasceu com os gregos, que foram os primeiros a registrar a sistematização do conhecimento dessa ciência. Desde a Antiguidade, os gregos começaram a qualifi car as informações da superfície terrestre. Contudo, o saber geográfi co é mais antigo ainda do que os fi lósofos da Grécia Antiga: as sociedades primitivas já se preocupavam com o conhecimento da superfície terrestre. Nas pinturas rupestres, havia uma compreensão da vida que levava em conta aspectos geográfi cos. Moreira (2010) esclarece que a geografia é uma forma particular de conheci- mento. Estrabão (64 a.C.– 24 d.C.) foi um dos primeiros pensadores da geografia e se dedicou a refletir sobre os ocupantes da Terra, os oceanos, a vegetação e o homem que a cultiva. Para ele, o homem, a terra, a vida e a felicidade se articulam na totalidade, no tempo e no espaço. Os estudos produzidos por Estrabão foram fundantes e essenciais para o desenvolvimento do saber geográfico. Você ainda deve considerar Immanuel Kant (1724–1804), que organiza o seu pensamento a partir da filosofia grega. Assim, com Sócrates, a “unidade de natureza” incorporava as atividades humanas no conhecimento de mundo. Já com Xenófanes, as atividades econômicas foram essenciais, e com Platão as questões políticas foram marcadas. Porém, para Kant, o auge do pensa- mento geográfico ocorreu com os filósofos modernos, como Francis Bacon (1521–1626), René Descartes (1596–1650) e Carolus Linnaeus (1707–1778). Esses filósofos fizeram com que Kant desenvolvesse as suas ideias sobre o conhecimento geográfico, ou a geografia física, precisamente pela perspectiva das ciências naturais (SALES, 2013). Kant foi professor de geografia física na Universidade de Konigsberg, na Prússia, atual Alemanha. Em 1770, ele já considerava o aspecto racional na questão do método. Kant compreendia que a razão era dada pela razão pura e que o conhecimento era dado pela experiência, pelos sentidos e sensações. A discussão sobre o método em Kant influenciou o desenvolvimento da ciên- cia. Assim, Kant dividiu as ciências em empíricas e racionais (teóricas). Ele considerava a geografia como uma ciência, de acordo com as distinções entre ela e ciências como a antropologia, a história e a física. Para Kant, a geografia física é a primeira parte do conhecimento do mundo, ou seja, um conhecimento útil em todas as circunstâncias da vida. É importante você considerar que “[...] o curso de geografia física dado por Kant influenciou, de forma direta e indireta, diversos viajantes que catalogaram o novo mundo, entre eles Humboldt” (SALES, 2013, p. 187). Geografia como ciência2 Existem dois tipos de conhecimento: a priori e a posteriori. O conhecimento a posteriori é dado na experiência, e o conhecimento a priori não se funda na experiência, mas dá suporte a ela. Assim, todo conhecimento começa com a experiência, mas nem todo conhecimento se funda (se desenvolve) nela (SALES, 2013). Pereira (1988) esclarece que, mesmo com o desenvolvimento da cartografia durante as grandes descobertas dos séculos XV e XVI, até o século XVIII, os trabalhos geográficos seguiam muitos dispersos, sem qualquer padronização ou sistematização das ideias. A abundância de temas e a descontinuidade das informações tornava impossível tratar a geografia como uma ciência, como um saber autônomo. Somente no final do século XVIII chegou ao fim o longo período inicial e preparatório da geografia e a sua pré-história. No século XIX, a geografia buscou status científico, especialmente na Alemanha. Entretanto, só recentemente ela encontrou elementos para o seu nascimento como ciência. A relação entre a cartografia e a geografia é bastante complexa. De um lado, há as atividades e os registros dos lugares que receberam a denominação de geografia na Grécia Antiga e que não se distinguem da cartografia. Esse tipo de relação deu origem, por exemplo, ao mapa-múndi do filósofo Anaximandro de Mileto (610–546 a.C.). De outro lado, no século XIX, a geografia e a cartografia se separaram, esta se tornando uma disciplina específica, considerada uma ciência. Atualmente, a cartografia, como a geografia, é considerada uma ciência responsável pela representação da realidade e pela compreensão do mundo. A cartografia está ligada ao campo do conhecimento da geografia e embasada por modelos matemá- ticos, estatísticos, com técnicas que permitem a produção de um mapa. Portanto, a geografia e a cartografia são duas ciências distintas entre si, mas uma precisa da outra para organizar as informações distribuídas em determinado espaço e representadas em mapas (PRADO FILHO; TETI, 2013). 3Geografia como ciência Elementos do pensamento científico geográfico Na Idade Moderna, com as mudanças econômicas, sociais e culturais, a ma- neira de explicar as relações entre a natureza e a sociedade foi afetada. Logo, também foi alterado o conceito de geografi a. Nesse período, eram buscadas explicações mais profundas para as relações entre a Terra e os astros, entre as condições naturais e as sociedades capitalistas. Antes, na Idade Média, a geografia era utilizada especialmente para dese- nhar roteiros, direcionando a análise de astros, a cartografia e a astronomia. Como você pode notar, havia confusão entre a geografia, a cartografia e a astronomia. Além disso, quase não se traçavam relações com a sociedade. No período contemporâneo, a geografia está ligada às explicações dos fenômenos físicos e políticos na sociedade capitalista. Assim, houve uma evolução e hoje não se consideram apenas as descrições, mas as explicações dos fenômenos e a sua distribuição (PEREIRA, 1988). No final do século XIX e início do século XX, surgiram inúmeras pu- blicações produzidas por geógrafos. Com a institucionalização da geografia acadêmica nas universidades europeias, houve uma evolução da ciência, que passou a estudar “a distribuição, na superfície do globo, dos fenômenos físicos, biológicos e humanos, [bem como] a causa dessas distribuições e as relações locais destes fenômenos”. Não se tratava mais de apenas descrever, mas de explicar os fenômenos. Com essas características, a geografia ficou conhecida como uma ciência de síntese. Nesse sentido, trabalhava com os elementos das demais ciências (antropologia, biologia, história, física), aprofundando o seu próprio desenvolvimento como ciência. Atualmente, a geografia se define como o ramo do saber científico que se dedica ao estudo das relações entre a sociedade e a natureza, ou aoestudo do modo como a sociedade organiza o espaço terrestre (PEREIRA, 1988). Segundo Mormul e Rocha (2013), no final do século XIX, a ciência ge- ográfica se originou na Alemanha, com Von Humboldt (1769–1859) e Karl Ritter (1779–1859). A partir deles, se estabeleceu a base científica da geografia. Humboldt não tinha formação em geografia; ele era botânico. Logo, a sua con- tribuição foi importante para a consolidação da ciência. As disciplinas que hoje compõem a geografia, como a biogeografia, a climatologia e geologia, foram criadas a partir de Humboldt. Já Ritter (Figura 1), com formação em ciências humanas e história, procurou explicar a evolução da humanidade relacionado os povos aos aspectos naturais. Ele descrevia sobretudo a sociedade, mas já fazia certas relações com os aspectos políticos e econômicos. Foi assim que a geografia passou a se consolidar como uma ciência. Geografia como ciência4 Figura 1. Ritter, um dos grandes nomes da ciência geográfica. Fonte: Marzolino/Shutterstock.com. Em meados do século XIX, a geografia estava ligada às explicações dos fenô- menos físicos e políticos, todavia centrada nas filiações das sociedades geográficas e nas universidades. As filiações das sociedades geográficas foram importantes e entre elas se destacam: a Sociedade Geográfica de Paris (1821), a Sociedade Geográfica de Berlim (1928), a Real Sociedade de Geografia de Londres (1830), a Sociedade Russa de São Petersburgo (1845), a Sociedade Americana de Geografia de Nova Iorque (1852), a Sociedade Geográfica de Genebra (1858) e a Sociedade Geográfica de Madri (1876). A finalidade dessas sociedades estava relacionada com a entrada do capi- talismo em uma nova fase. Nesse contexto, havia a necessidade de conhecer melhor os povos, territórios, recursos naturais e riquezas das nações. Para isso, eram financiadas viagens com exploradores naturalistas, com o objetivo de realizar e divulgar pesquisas. A divulgação ocorria por meio das revistas da época (MOREIRA, 2010). No link a seguir, acesse o site da Real Sociedade de Geografia de Londres, criada em 1830. https://qrgo.page.link/hmUN 5Geografia como ciência Na época, as sociedades geográficas eram encaradas como instituições de utilidade pública e também como incentivadoras da ciência geográfica. A Sociedade Geográfica de Paris foi a primeira a realizar expedições. A cartografia e a questão militar foram aspectos que mobilizaram as viagens. Afinal, as informações trazidas pelos exploradores e naturalistas poderiam ser usadas para campanhas políticas francesas. Um dos maiores desejos dos franceses era criar um memorial geográfico, sobretudo com informações sobre a África e a Ásia. Por trás disso, estava a intenção de partilhar esses dois continentes para explorá-los (BIAGGI, 2013). As sociedades geográficas foram instituições surgidas nas primeiras décadas do século XIX, evoluindo em duas fases distintas. O período que se estendeu de 1820 a 1870 foi o mais importante, marcado pelas atividades dos viajantes e naturalistas exploradores. Eles tinham o objetivo de cartografar ou mapear as informações das regiões do mundo desconhecidas pelos europeus. O conhecimento foi sendo acumulado pelos naturalistas para mais tarde ser analisado. O intuito dominante era a conquista: a sociedade tinha o interesse de dominação imperialista. A outra fase se estendeu de 1890 a 1920. Nela, as sociedades geográficas já não eram tão importantes e entraram em decadência. O desenvolvimento da geografia universitária coincide com o surgimento das sociedades geográficas. Ambos contribuíram para os elementos fun- dantes do pensamento geográfico e a consolidação da ciência. A geografia universitária acompanha as sociedades geográficas em sua evolução e em seus caminhos. Desse modo, em relação à geografia universitária, destacam-se: a geografia ou escola alemã e a geografia ou escola francesa (MOREIRA, 2010). Na geografia ou escola alemã, como você viu, foram importantes as contribuições de Alexander Humboldt e de Karl Ritter. Além disso, se destaca a contribuição do alemão Friedrich Ratzel (1844–1904). Ratzel ficou conhecido por dar enfoque maior ao homem em seus estudos. O interesse pelos aspectos expansionistas da Alemanha foi o que consolidou Ratzel na época. O alemão encarou a nova ciência a partir de motivações de natureza política. Geografia como ciência6 Ratzel não era geógrafo de formação. Como zoólogo e etnógrafo, ele in- troduziu o homem no campo geográfico. Ele considerava que o homem pouco podia fazer diante das condições naturais, originando a teoria do determinismo geográfico. Isso levou os geógrafos alemães a racionalizar uma geografia que valorizava o determinismo geográfico juntamente ao pensamento filosófico e político alemão. Deve-se ressaltar que nesse momento se realizava a uni- dade política das várias Alemanhas em um império, sob o reino da Prússia (ANDRADE, 1987). A geografia ou escola francesa deu maior importância aos estudos geográficos após 1871, quando os franceses foram derrotados pelo exército alemão. Antes disso, a geografia fazia parte da disciplina de história. Com uma teoria própria, porém com muitas das características da escola alemã, os franceses tiveram dois grandes geógrafos na época, Eliseé Reclus (1830–1905) e Vidal de La Blache (1845–1918). No Brasil, o pensamento geográfico de ambos já era difundido. Reclus tinha posições políticas anarquistas e compartilhava dos ideais propostos na Comuna de Paris. Foi exiliado, porém contribuiu para a ciência geográfica moderna. Ele trouxe um novo olhar para a geografia social. A partir dele, surgiram novos temas e abordagens relativas à questão social, contribuindo para o campo específico da ciência geográfica. Por sua vez, Vidal de La Blache realizou diversos estudos regionais, com ênfase nos estudos de áreas pequenas e homogêneas. Foi o primeiro professor de geografia da Universidade de Sorbonne, em Paris. Ele se dedicou a estu- dar a relação entre o homem e o meio, construída historicamente de forma diferenciada. Logo, procurou demostrar que o meio exercia influência sobre o homem, mas os homens tinham capacidade de modificar o meio. Foi daí que surgiu a teoria do possibilismo geográfico, em contradição ao determinismo geográfico (ANDRADE, 1987). Segundo Andrade (1987), o possibilismo geográfico foi importante por orientar a política de recursos naturais do espaço francês. Essa teoria tinha como característica o fato de enfatizar a superioridade da raça branca em relação às raças dos nativos da África e da Ásia. Mormul e Rocha (2013) esclarecem que tanto o determinismo quanto o possibilismo geográfico, junto à ciência geográfica, foram ideologicamente influenciados pelos interesses burgueses. O principal interesse, na maior parte das vezes, era produzir ele- mentos indispensáveis à expansão do capitalismo e à formação de cidadãos adaptados às exigências do momento. Segundo Suertegary (2003), no decorrer da história da geografia, diversos autores refletiram sobre o determinismo e o possibilismo. No caso do deter- 7Geografia como ciência minismo geográfico, a natureza é entendida como a causa da organização social. Já no caso do possibilismo geográfico, o homem tem possibilidades de transformar a natureza. Essa transformação é realizada por meio do de- senvolvimento técnico, e a relação entre a natureza e a sociedade é mediada pelo trabalho. As últimas décadas do século XIX foram marcadas por dois processos essenciais para a história do homem e da geografia. Um deles decorre do sistema capitalista, que gera uma intensa concentração de capital, gerando os grandes monopólios e a expansão territorial pelo imperialismo, que recebeu a contribuição das sociedades geográficas da época. O outro é a fragmentação do saber universal, ou seja, surgem novas disciplinas, entre elas a geografia. Os departamentos de geografia são criados nas universidades da Europa e, décadas mais tarde, nos Estados Unidos.Naturalmente, o primeiro processo não pode ser desvinculado do segundo. O espaço geográfico como elemento fundante da ciência Como você viu, a geografi a se tornou uma ciência no fi m do século XIX e no início do século XX. Primeiro, a geografi a surgiu como disciplina nas universidades da Europa e depois ocorreu a constituição das sociedades ge- ográfi cas, com os exploradores naturalistas que cooperaram com a ciência. O espaço sempre teve uma participação importante nos estudos geográfi cos, porém nem sempre as análises eram realizadas na sua totalidade. A dicotomia entre a geografi a física e a geografi a humana são entraves desde o início da ciência, e a relação entre sociedade e natureza jamais pode ser compreendida como algo fragmentado. O espaço geográfico é uma porção específica da superfície da Terra iden- tificada pela natureza, mas o homem também deixa as suas marcas nele. O homem transforma o espaço natural devido às suas necessidades. Assim, a geografia como ciência social tem como objeto de estudo a sociedade, que se refere à ação humana modelando a superfície terrestre. Além da categoria espaço, há outras outras categorias em jogo, como: paisagem, região, lugar e território (CORRÊA, 2003). Veja o Quadro 1, a seguir. Geografia como ciência8 Fonte: Adaptado de Santos (2008). Categoria Definição Lugar O lugar se relaciona à vivência e à identidade. É o espaço que pode ser sentido, onde se vivenciam as experiências. Paisagem A paisagem é um instrumento de análise do espaço ge- ográfico e mobiliza as relações humanas. Os sentimen- tos e as questão subjetivas são expressas diretamente no espaço geográfico, transformando a paisagem. Ela pode ser classificada como natural e humanizada, considerando os aspectos culturais. Território O território tem como características o espaço delimi- tado por relações de poder. Região A região expressa uma particularidade de determinado espaço ou apresenta características específicas. A região é classificada em região natural e região geográ- fica. Ela pode ser compreendida como uma porção do espaço que apresenta uma combinação de elementos da natureza. Quadro 1. As categorias de análise da ciência geográfica e as suas características O espaço e as correntes do pensamento geográfico são divididos em quatro momentos: a geografia tradicional, a geografia teorético-quantitativa, a ge- ografia crítica e a geografia humanista/cultural. A seguir, você vai conhecer melhor cada uma dessas corrrentes. A geografia tradicional (1870–1950) antecede as mudanças das décadas de 1950 e 1970. Ela substitui a geografia clássica descritiva. Nesse período, o espaço não se constitui como um conceito-chave na geografia tradicional, por mais que estivesse presente nas obras de Ratzel de modo implícito. Nessa vertente da geografia, os conceitos de paisagem e região foram privilegiados e se estabeleceu a discussão sobre o objeto de estudo da geografia e a sua identidade em relação às demais ciências. Os conceitos de paisagem, região natural, região-paisagem e paisagem cultural foram alvos de debates e estavam 9Geografia como ciência presentes na maioria dos estudos da época. Ratzel utilizou dois conceitos geográficos: o de espaço vital e o de território, também fundante em seus trabalhos e com fortes raízes na ecologia (CORRÊA, 2003). Não se pode deixar de mencionar a população e os recursos naturais cons- tituídos em determinado território. Portanto, “[...] o espaço transforma-se, através da política, em território, em conceito-chave da geografia” (CORRÊA, 2003, p. 18). O geógrafo Milton Santos se destacou no Brasil e no mundo por suas pesquisas relativas às categorias de análise da geografia. Ele foi um dos grandes nomes da renovação da geografia ocorrida em meados de 1970. A vertente teorético-quantitativa é baseada no positivismo lógico e pro- moveu profundas modificações na geografia em meados de 1950. A partir do raciocínio hipotético-dedutivo, adotou-se uma visão de ciência pela perspectiva das ciências da natureza. Assim, o “[...] espaço aparece, pela primeira vez na história do pensamento geográfico, como o conceito-chave da disciplina, os outros conceitos de lugar e território não são conceitos significativos na geografia teorético-quantitativa” (CORRÊA, 2003, p. 20). Nessa corrente geográfica, o espaço é considerado de duas formas não excludentes: as planícies isotrópicas e a representação matricial. A planície isotrópica se constitui na concepção de espaço derivada de um paradigma racionalista e hipotético-dedutivo. Todavia, utiliza modelos matemáticos para conhecer dados quantitativos como densidade demográfica, de renda e de padrão cultural. A ideia é adotar uma racionalidade econômica fundada na minimização dos custos e na maximização dos lucros ou da satisfação. Por sua vez, as representações matriciais podem ser compreendidas em re- lação aos meios operacionais que permitem extrair um conhecimento sobre localizações e fluxos, hierarquias e especializações funcionais, por exemplo (CORRÊA, 2003). A geografia crítica surge em 1970, fundamentada no materialismo histórico e na dialética. Logo, essa vertente procura romper com a geografia tradicional e com a geografia teorético-quantitativa. Nessa perspectiva, o espaço aparece Geografia como ciência10 como conceito-chave da geografia. A teoria marxista era discutida e rela- cionada às contradições dos países centrais e periféricos e às desigualdades entre esses grupos de países. O sistema capitalista é o objeto de análise dessa vertente. Por fim, a geografia humanista/cultural surge em meados de 1970. Essa perspectiva retoma os aspectos culturais e da história. Essa vertente, semelhante à geografia crítica, tem suas bases filosóficas especialmente na fenomenologia e no existencialismo (CORRÊA, 2003). A seguir, veja os principais autores que escreveram sobre o pensamento geográfico e a consolidação da geografia como ciência. Geografia tradicional: Richard Hartshorne, com Propósitos e Natureza da Geografia (1978). Geografia teorético-quantitativa: Antônio Christofoletti, com Perspectivas da geo- grafia (1982). Geografia crítica: Henri Lefebvre, com O direito à cidade (2008), e Milton Santos, com Por uma outra globalização (1996). Geografia humanista/cultural: Yi-Fu Tuan, com Espaço e o lugar: a perspectiva da experiência (1983), e Paul Claval, com A geografia cultural (1999). ANDRADE, M. C. Ciência e sociedade: uma introdução à análise do pensamento geo- gráfico. São Paulo: Atlas, 1987. BIAGGI, E. M. de. Os acervos cartográficos das sociedades de geografia: mapas e redes: o exemplo de Lyon. [s.l.: s.n., 2013]. Disponível em: http://www.cartografia.org.br/vslbch/ trabalhos/74/93/vslbch_debiaggi_1380554589.pdf. Acesso em: 24 abr. 2019. CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da geografia. In: CASTRO, I. et al. (org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. MOREIRA, R. O que é a geografia. Brasília: editora brasiliense, 2010. MORMUL, N. M.; ROCHA, M. M. Breves consideração acerca do pensamento geográfico. Geografia ensino & Pesquisa, v.17, n. 3, p. 64–78, 2013. Disponível em: https://periodicos. ufsm.br/geografia/article/view/7916. Acesso em: 24 abr. 2019. 11Geografia como ciência PEREIRA, R. M. F. A. Da geografia que se ensina à gênese da geografia moderna. 1988. 120 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1988. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/75444. Acesso em: 24 abr. 2019. PRADO FILHO, K.; TETI, M. M. A cartografia como método para as ciências humanas e sociais. 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