Prévia do material em texto
Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 5: TRANSTORNOS ANSIOSOS 1 1. Introdução Ansiedade é um sentimento vago e desagradável de medo, apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho. Em crianças, o desenvolvimento emocional influi sobre as causas e a maneira como se manifestam os medos e as preocupações tanto normais quanto patológicos. Diferentemente dos adultos, crianças podem não reconhecer seus medos como exagerados ou irracionais, especialmente as menores. A ansiedade e o medo passam a ser reconhecidos como patológicos quando são exagerados, desproporcionais em relação ao estímulo, ou qualitativamente diversos do que se observa como norma naquela faixa etária e interferem com a qualidade de vida, o conforto emocional ou o desempenho diário do indivíduo. Tais reações exageradas ao estímulo ansiogênico se desenvolvem, mais comumente, em indivíduos com uma predisposição neurobiológica herdada. A maneira prática de se diferenciar ansiedade normal de ansiedade patológica é basicamente avaliar se a reação ansiosa é de curta duração, autolimitada e relacionada ao estímulo do momento ou não. Os transtornos ansiosos são quadros clínicos em que esses sintomas são primários, ou seja, não são derivados de outras condições psiquiátricas (depressões, psicoses, transtornos do desenvolvimento, transtorno hipercinético, etc.). Sintomas ansiosos (e não os transtornos propriamente) são frequentes em outros transtornos psiquiátricos. É uma ansiedade que se explica pelos sintomas do transtorno primário (ex. a ansiedade do início do surto esquizofrênico; o medo da separação dos pais numa criança com depressão maior) e não constitui um conjunto de sintomas que determina um transtorno ansioso típico. Mas podem ocorrer casos em que vários transtornos estão presentes ao mesmo tempo e não se consegue identificar o que é primário e o que não é, sendo mais correto referir que esse paciente apresenta mais de um diagnóstico coexistente (comorbidade). Estima-se que cerca de metade das crianças com transtornos ansiosos tenham também outro transtorno ansioso. Pelos sistemas classificatórios vigentes, o transtorno de ansiedade de separação foi o único transtorno mantido na seção específica da infância e adolescência (CID-10,6 DSM-IV7). O transtorno de ansiedade excessiva da infância e o transtorno de evitação da infância (DSM- III-R8), passaram a ser referidos nas classificações atuais, respectivamente, como transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e fobia social. Os transtornos ansiosos são os quadros psiquiátricos mais comuns tanto em crianças quanto em adultos, com uma prevalência estimada durante o período de vida de 9% e 15% respectivamente. Nas crianças e adolescentes, os transtornos ansiosos mais frequentes são o transtorno de ansiedade de separação, com prevalência em torno de 4%, o transtorno de ansiedade excessiva ou o atual TAG (2,7% a 4,6%) e as fobias específicas (2,4% a 3,3%). A prevalência de fobia social fica em torno de 1% e a do transtorno de pânico (TP) 0,6%. A distribuição entre os sexos é de modo geral equivalente, exceto fobias específicas, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de pânico com predominância do sexo feminino. Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 5: TRANSTORNOS ANSIOSOS 2 A causa dos transtornos ansiosos infantis é muitas vezes desconhecida e provavelmente multifatorial, incluindo fatores hereditários e ambientais diversos. Entre os indivíduos com esses transtornos, o peso relativo dos fatores causais pode variar. De uma maneira geral, os transtornos ansiosos na infância e na adolescência apresentam um curso crônico, embora flutuante ou episódico, se não tratados. Na avaliação e no planejamento terapêutico desses transtornos, é fundamental obter uma história detalhada sobre o início dos sintomas, possíveis fatores desencadeantes (ex. crise conjugal, perda por morte ou separação, doença na família e nascimento de irmãos) e o desenvolvimento da criança. Sugere-se, também, levar em conta o temperamento da criança (ex. presença de comportamento inibido), o tipo de apego que ela tem com seus pais (ex. seguro ou não) e o estilo de cuidados paternos destes (ex. presença de superproteção), além dos fatores implicados na etiologia dessas patologias. Também deve ser avaliada a presença de comorbidade. De modo geral, o tratamento é constituído por uma abordagem multimodal, que inclui orientação aos pais e à criança, terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia dinâmica, uso de psicofármacos e intervenções familiares 2. Conceito Medo, antecipação e preocupação Fisiológica x Patológica 3. Transtornos ansiosos Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) → O Transtorno de Ansiedade Generalizada se caracteriza por ansiedade persistente e flutuante relacionada a vários aspectos da vida do indivíduo. Apresenta sintomas variáveis: nervosismo persistente, sensação de estar “no limite”, tremores, tensão e dores musculares, transpiração, sensação de vazio na cabeça, insônia, palpitações, tonturas e desconforto epigástrico. Síndrome do pânico (SP) → O Transtorno de Pânico se caracteriza por Ataques de pânico espontâneos, acompanhados de ansiedade antecipatória, ou seja, medo de vir a apresentar novos ataques, que leva à evitação das situações relacionadas à possível ocorrência de ataques. Transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) → Caracterizado pela repetição da vivência de um evento extremamente traumático, esquiva de estímulos associados com tal evento, ausência de reação e excitação aumentada persistente. Começa entre 3 meses à anos após o evento (pode durar alguns meses ou anos). Sintomas predominantes como sonhos intrusivos, flashbacks, angustia física e psicológica em relação à fatores que lembram o evento. Transtorno de ansiedade social (TAS) → O Transtorno de Ansiedade Social (TAS), também denominado Fobia Social, é o transtorno de ansiedade mais comum e o terceiro mais prevalente entre todos os transtornos mentais (Clark e Beck, 2012). Pesquisas realizadas nos Estados Unidos estimaram prevalência entre 2,5 e 13,3% para toda a vida (APA, 2002, 2014; Kessler et al., 1994; Lecrubier e Weiller, 1997) e de 7% para 12 meses (APA, 2014). Na população geral, as taxas desse transtorno são mais altas no sexo feminino, e essa diferença é mais acentuada entre adolescentes e adultos jovens. Porém, em amostras clínicas, o transtorno pode apresentar uma prevalência um pouco maior no sexo masculino, em comparação a amostras da população geral (APA, 2014). De acordo com a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5; APA, 2014), indivíduos com TAS manifestam um medo excessivo e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho. Eles temem serem vistos comportando-se de Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 5: TRANSTORNOS ANSIOSOS 3 maneira humilhante ou embaraçosa, e uma consequente desaprovação ou rejeição pelos outros (APA, 2014). Observa-se nesses pacientes um medo da avaliação negativa pelas pessoas, gerando sentimentos de constrangimento, humilhação e vergonha (Beck et al., 2005a). Caracterizam-se também por serem extremamente inibidos e autocríticos nas situações sociais que lhes geram ansiedade, comportando-se de maneira tensa e rígida, com dificuldades em articularem-se verbalmente, ocasionando prejuízos no desempenho social (Clark e Beck, 2012). Esses indivíduos podem apresentar dificuldades apenas em situações de desempenho, como medo restrito a falar ou se apresentar em público, ou indicar medo associado a diferentes situações sociais (APA, 2014). Um número elevado de pacientes com TAS também apresenta o Transtorno da Personalidade Esquiva (Heimberg, 2002), que passoua ser denominado de Transtorno da Personalidade Evitativa no DSM-5 (APA, 2014). Há autores que inclusive consideram esse transtorno da personalidade como uma forma mais grave do TAS (Chambless et al., 2008). Alguns dos fatores predisponentes ou etiológicos possíveis para o desenvolvimento do TAS podem ser fatores genéticos, neurológicos, timidez na infância, maus-tratos e experiências traumáticas (APA, 2014; Machado- -de-Souza et al., 2014; Picon e Knijinik, 2004). O TAS tende a iniciar na infância, de forma gradual, com prejuízos significativos na vida profissional, social e afetiva (Rangé, 1995). Constata-se que na prática clínica o TAS é raramente a principal razão para busca de tratamento e hospitalizações. Contudo, comorbidades psiquiátricas, como Transtorno do Pânico, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Fobia Específica, Transtorno Depressivo Maior ou Transtornos Relacionados a Substâncias Psicoativas, levam esses pacientes a procurar auxílio (APA, 2002, 2014; Beidel et al., 2004; Kessler et al., 1999; Manfro et al., 2003). Fobias específicas → As Fobias se caracterizam pelo medo persistente e irracional de objeto específico, atividade ou situação considerada objetivamente sem perigo, que resulta em necessidade incontrolável de esquivar-se ou evitar tal estímulo. ❖ A Fobia Social se constitui do medo excessivo associado à necessidade de evitar situações onde o indivíduo possa ser observado ou avaliado pelos outros, pelo temor de se comportar de modo embaraçoso ou humilhante. ❖ Nas Fobias Específicas ocorre o medo excessivo de situações particulares ou objetos, que podem ser animais, espaço fechado, fenômenos da natureza, escuridão, alimentos, escola, tratamento dentário, ou visão de sangue e ferimentos, levando a evitação ou esquiva. ❖ A Agorafobia teve seu conceito inicial ampliado para o medo de sair ou ficar desacompanhado, em lugares públicos diversos, abertos ou fechados, transportes coletivos, multidões, podendo chegar à impossibilidade de sair de casa. Está bastante relacionada com o Transtorno de Pânico e há, nas classificações atuais uma discordância sobre qual seria o fenômeno primário. Transtorno obsessivo compulsivo não é mais um transtorno ansioso ❖ O Transtorno Obsessivo-compulsivo se constitui de pensamentos obsessivos - ideias, imagens ou impulsos que invadem a consciência de forma repetida e estereotipada, causando mal-estar à pessoa - e compulsões - comportamento estereotipados, repetidos, que não levam à conclusão de nenhuma tarefa, mas têm a função de prevenir a ocorrência de algum evento muito pouco provável. Os pensamentos e compulsões são sentidos como próprios pelo indivíduo que, no entanto, não consegue evitá-los, o que lhe causa muita ansiedade, perda de tempo e da capacidade para a realização das atividades habituais. Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 5: TRANSTORNOS ANSIOSOS 4 ❖ A Depressão também pode se apresentar de múltiplas formas, com queixas psíquicas, como humor depressivo, anedonia, ideias de autodesvalorização e culpa, ideias de morte e suicídio, fadiga, sensação de perda de energia, diminuição da concentração, memória e capacidade de decidir, além de queixas somáticas, como: aumento ou diminuição de sono, apetite e peso, diminuição da libido, dores sem substrato orgânico. Podem ocorrer também alterações no comportamento tais como retrai mento social, crises de choro, abandono de atividades habituais e do cuidado próprio, comportamento suicida, retardo ou agitação psicomotora (DEL PORTO,2000). Em adolescentes pode ocorrer mau humor, irritabilidade, falta de motivação, sentimentos de tédio e prejuízo no rendimento escolar. Em idosos, múltiplas queixas somáticas podem “mascarar” o afeto depressivo. ❖ Diante de um paciente com queixas sugestivas de depressão é importante proceder a investigação no sentido de verificar a existência de outros quadros que podem causar alterações semelhantes, tais como: uso de agentes farmacológicos (contraceptivos orais, anti-hipertensivos, corticoides, etc.), doenças endócrinas, neurológicas, nutricionais, infecciosas, colagenoses ou neoplasias. É necessário também o diagnóstico diferencial com outros transtornos psiquiátricos, como Transtorno de ansiedade, Alcoolismo e outras Farmacodependências, Esquizofrenia e Transtornos Esquizofreniformes, Transtorno Esquizoafetivo e Quadros Demenciais. 4. Quadro clinico Medo Antecipação Preocupação excessiva Inquietação ou sensação de nervosismo Fatigabilidade Dificuldade em concentrar-se Irritabilidade Alterações do sono → Dificuldade em conciliar ou manter o sono ou sono insatisfatório e inquieto Sinais e sintomas físicos ❖ Tremores ❖ Dispneia ❖ Sudorese ❖ Taquicardia ❖ Náuseas/vômitos ❖ Parestesia ❖ “Bolo na garganta” ❖ Tensão muscular → Cefaleia, principalmente cervical 5. Caso clínico Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 5: TRANSTORNOS ANSIOSOS 5 Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 5: TRANSTORNOS ANSIOSOS 6 *TAG; abuso de SPA; disfunção orgânica(?) 6. Crises/ataques de pânico – 4 ou mais sintomas Palpitações, coração acelerado, taquicardia Sudorese Tremores ou abalos Sensações de falta de ar ou sufocamento Sensações de asfixia Dor ou desconforto torácico Náusea ou desconforto abdominal Sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio Calafrios ou ondas de calor Parestesias (anestesia ou sensações de formigamento) Desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização (sensação de estar distanciado de si mesmo) Medo de perder o controle ou “enlouquecer” Medo de morrer 7. Lembretes Lorazepam é o benzo mais indicado para hepatopatas Midazolam pode ser feito via IM, e é bastante rápido (mas tem meia vida ultra-curta) Diazepam NÃO DEVE ser feito via IM Evita-se ao máximo haldol EV, devido a arritmias Para quem nunca usou clonazepam, 2mg é uma dose ALTA Referências bibliográficas Aula de Dr. Francisco Medauar (13/09/2021) Castillo, A. R. G., Recondo, R., Asbahr, F. R., & Manfro, G. G. (2000). Transtornos de ansiedade. Brazilian Journal of Psychiatry, 22, 20-23. Figueiredo, M. S. L. (2000). Transtornos ansiosos e transtornos depressivos: aspectos diagnósticos. Revista da SPAGESP, 1(1), 89-97. COLVERO, L. D. A. Transtornos Ansiosos.