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AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES ● consciência : ○ é o perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente; ○ nível (relacionado ao grau de alerta do indivíduo) → depende de projeções para todo o córtex oriundas da formação reticular ativadora ascendente (FRAA), situada na porção posterior da transição pontomesencefálica ○ conteúdo → relaciona-se à função do córtex cerebral (as chamadas funções nervosas superiores), sendo afetado por lesões restritas a essas estruturas; ● estados alterados de consciência : ○ são comuns na prática clínica; ○ são um diagnóstico sindrômico e não etiológico (pode ser causado por uma grande gama de etiologias); ○ é sempre indicativa de gravidade (pois traduz uma falência dos mecanismos de manutenção da consciência); ○ são exemplos → coma ; estado vegetativo persistente ; estado mínimo de consciência ; estados confusionais agudos ; morte encefálica; ○ podem haver condições de falsas, como retirada psíquica, estado desaferentado ou locked-in syndrome ou catatonia; ● coma : ○ definida como estado em que o indivíduo não demonstra conhecimento de si próprio e do ambiente, com ausência ou extrema diminuição do alerta comportamental (nível de consciência), permanecendo não responsivo aos estímulos internos e externos e com os olhos fechados; ○ causas (tenda do cerebelo como divisor anatômico) : ■ estruturais (encefalopatias focais) → infratentoriais (acometem diretamente o FRAA) ou supratentoriais → ex. tumores, hemorragia intraparenquimatosa, hematoma subdural ou epidural, abscesso cerebral, etc.; ■ encefalopatias difusas e/ou multifocais → geralmente causadas por condições clínicas → ex. hipoglicemia, hipoxemia, hiponatremia, uremia, intoxicação aguda, hemorragia subaracnóidea, meningite e estado epiléptico, etc. ● torpor : acorda com estímulo mecânico, noção de quem é, sem noção do tempo espaço; ● estupor : acorda só com estímulo doloroso; ETIOLOGIAS ● as principais etiologias podem ser lembradas com o mnemônico AEIOU-TIPS : ○ A - álcool / acidose ○ E - epilepsia / encefalopatia / eletrólitos / endócrino ○ I - infecção (sepse, meningite) ○ O - overdose / opioides ○ U - uremia ○ T - trauma / toxicidade ○ I - insulina (diabetes) ○ P - psicose ○ S - stroke (AVCi ou AVCh) ● alterações metabólicas : ○ glicemia (hipo e hiper); ○ natremia (hipo e hiper); ○ hipercalcemia; ○ insuficiência adrenal; ○ hipotireoidismo; ○ hipercapnia (aumento de CO2); ○ uremia; ○ sepse; ○ encefalopatia hepática; ● alterações neurológicas : ○ AVC (isquêmico ou hemorrágico); ○ hemorragia cerebral; ○ tumores, linfoma, metástases cerebrais; ○ abscesso cerebral; ○ edema cerebral; ○ hidrocefalia; ○ TCE; ● alterações cerebrais difusas : ○ convulsão; ○ álcool; ○ overdose; ○ hipotermia; ○ síndrome neuroléptica maligna; ○ infecção do SNC (ex. meningite); ○ síndrome serotoninérgica; AVALIAÇÃO DO PACIENTE 1. REALIZAR ABCD + SINAIS VITAIS → a. garantir vias aéreas, oxigenação adequada, estabilidade hemodinâmica; b. PA → pode estar normal, baixa ou alta (sugestivo de causa neurológica); c. temperatura → pode haver hipotermia (pode ocorrer em intoxicações agudas e causas metabólicas) ou hipertermia (pode ocorrer em infecções, estado epiléptico, intermação, intoxicações agudas, etc.); 2. AVALIAR GLICEMIA IMEDIATAMENTE → a. se hipoglicemia → 100 mL IV de glicose 50% + tiamina IV 300 mg se indicada (etilistas crônicos, desnutridos, dieta parenteral, pós-bariátrica, entre outros); 3. MOV → monitorização (PA, oxímetro, cardioscópio), oxigênio e acesso venoso) 4. BUSCAR E TRATAR CAUSAS REVERSÍVEIS → a. história e exame físico; b. buscar sinais de trauma (inspeção do crânio em busca de sinais de fratura → equimose periorbital, edema e descoloramento da mastóide atrás da orelha, hemotímpano, perda de líquor pelo nariz ou ouvido, palpação do crânio); c. buscar rapidamente informações da doença atual e antecedentes; 5. EXAME NEUROLÓGICO (após estabilização do paciente) → a. nível de consciência; b. pupilas e fundo de olho; c. motricidade ocular extrínseca; d. padrão respiratório; e. padrão motor; f. escala FOUR (full outline of unresponsive score); EXAME NEUROLÓGICO ● realizado após estabilização clínica do paciente; ● tem como objetivo auxiliar no estabelecimento de diagnóstico etiológico; ● deve ser rápido e objetivo; ● deve ser dividido em : NÍVEL DE CONSCIÊNCIA ● escala de coma de Glasgow → é uma evidência indireta da consciência; PUPILAS E FUNDO DE OLHO ● pode mostrar evidências de doenças clínicas e inferências da pressão craniana; ● observa-se : ○ diâmetro da pupila (medido em milímetros); ○ simetria ou assimetria (iso e anisocoria); ○ reflexos fotomotores direto e consensual; ■ fisiologia do reflexo fotomotor → via aferente (II nervo craniano - ocular), integração (mesencefálica) e via eferente (III nervo craniano - óptico); ● alteração das pupilas é forte indício de lesão estrutural (exceto intoxicação aguda por atropina, por opiáceos, por barbitúricos graves, hipotermia, encefalopatia anóxica); ● principais tipos de pupila : Tipo de pupila Causa Pupilas mióticas com reflexo fotomotor presente - encefalopatia metabólica - disfunção diencefálica bilateral (hipofunção simpática leva a predomínio parassimpático) Anisocoria com miose ipsilateral à lesão, com reflexo motor preservado (pupila da sd. de Claude-Bernard-Horner) - lesão em qualquer ponto, desde hipotálamo até medula cervical baixa ou perifericamente Pupilas médias e fixas (reflexo fotomotor comprometido) - lesões da porção ventral do mesencéfalo - morte encefálica Pupila tectal (levemente dilatadas, com reflexo fotomotor negativo, apresentando flutuações em seu diâmetro - hippus - dilatando-se na pesquisa do reflexo cilioespinal - dilatação aos estímulos dolorosos-) - lesões da região do tecto mesencefálico Pupilas pontinas (extremamente mióticas, com reflexo fotomotor positivo - embora possa ser difícil de ver-) - lesões na ponte (geralmente hemorragia pontina) Pupila uncal / do nervo oculomotor (III) (extremamente midriática, com reflexo fotomotor negativo) - pode ser bi ou unilateral - herniação transtentorial lateral (herniação do uncus do lobo temporal pela tenda do cerebelo e mesencéfalo) - aneurisma da artéria comunicante posterior MOTRICIDADE OCULAR EXTRÍNSECA ● é realizada pelos nervos oculomotor (III), troclear (IV) e abducente (VI); ● a “maquinaria anatômica” necessária para a realização do movimento conjugado horizontal dos olhos está toda presente no tronco encefálico, integrando ponte e mesencéfalo; ● a análise adequada da MOE horizontal é fundamental em casos de alteração do estado de consciência → pois sua integração se dá no mesmo sítio anatômico do FRAA, de forma que interferências na integridade dessa estrutura podem ocorrer; ● a análise é feita em cinco etapas : 1. observação de movimentos oculares espontâneos, desvios conjugados do olhar ou desalinhamentos oculares; 2. manobra oculocefálica (manobra dos olhos de boneca) → realizam-se bruscos movimentos da cabeça para o lado direito e esquerdo e posteriormente no sentido de flexão e extensão da cabeça sobre o tronco → os olhos realizam movimentos em igual direção e velocidade, porém em sentido contrário ao movimento da cabeça (por conta de receptores proprioceptivos cervicais) → quando alterados, sugerem lesão do tronco cerebral; 3. manobra oculovestibular (provas calóricas) → injetar água gelada (50 a 100 ml) no conduto auditivo externo de um lado e repetir do outro lado após 5 minutos → cuidados (realizar otoscopia para excluir lesão timpânica, colocar paciente com cabeça 30º acima da horizontal) → água quente produz efeitos contrários à água fria; a. no indivíduo em coma, com vias intra tronco intactas, isso provoca desvio dos olhos para o lado estimulado; b. no indivíduo consciente, ocorre nistagmo; c. em morte encefálica, não há resposta; 4. reflexo corneopalpebral → produz-se estímulo na córnea, e como resposta há fechamento dos olhos e desvio deles para cima (fenômeno de Bell) → permiteque se analise o nervo trigêmeo (via aferente), o facial (via eferente) e área tectal (que controla os movimentos verticais do olhar); 5. observação das pálpebras → em geral, está sempre fechada no coma → presença de déficit no fechamento pode sugerir lesão do VII (facial); ● padrões de MOE : ○ movimentos oculares preservados → integridade da transição pontomesencefálica - presente em lesões focais supratentoriais ou em lesões difusas multifocais); ○ movimentos oculares comprometidos → lesões estruturais infratentoriais (lesões de tronco que destroem áreas de controle da MOE), ou causas tóxicas; PADRÃO RESPIRATÓRIO ● apesar de ser essencial na estabilização do paciente, na maior parte das vezes é um parâmetro pouco útil na avaliação do coma → pois inúmeros fatores, como acidose, doenças pulmonares ou mesmo ansiedade podem influenciar no padrão respiratório sem que se tenha uma lesão neurológica propriamente dita; PADRÃO MOTOR ● a via motora se estende do giro pré-central até a porção baixa do tronco (bulbo), onde decussam para o lado oposto até atingir a medula cervical → essa via é frequentemente afetada em lesões estruturais do SNC (raras exceções são não estruturais); ● avaliação do sistema motor deve ser sistematizada em : 1. observação da movimentação espontânea; 2. pesquisa de reflexos → atenção à simetria, analisando a presença de sinais patológicos como sinal de Babinski e reflexo patológico de preensão palmar (grasp); 3. pesquisa de tono muscular → pela movimentação e balanço passivos, com atenção a hipertonia, hipotonia e paratonia (resistência à movimentação passiva), 4. observação dos movimentos apresentados à estimulação dolorosa (no leito ungueal, região supra orbitária ou osso externo) ● alguns padrões de comprometimento motor : ○ hemiparesia com comprometimento facial → sugere envolvimento hemisférico contralateral; ○ hemiparesia com comprometimento facial e paratonia → sugere envolvimento hemisférico contralateral com herniação central incipiente ou afecção frontal predominante; ○ sinergismo postural flexor (decorticação) → consiste em uma postura em que ocorre adução, flexão do cotovelo, do punho e dos dedos no membro superior, e hiperextensão, flexão plantar e rotação interna do membro inferior → esse padrão de resposta motora sugere disfunção em nível supratentorial; ○ sinergismo postural extensor (descerebração) → consiste em postura em que ocorre adução, extensão e hiperpronação do membro superior; e extensão e flexão plantar do membro inferior, muitas vezes com opistótono e fechamento de mandíbula → pode ocorrer com lesões na altura do tronco encefálico alto; ○ resposta extensora anormal no membro superior com flacidez ou resposta flexora fraca no membro inferior → esse padrão de resposta sugere lesão em nível de tegmento pontino; ○ flacidez e ausência de resposta → sugere lesão periférica associada, ou lesão pontina baixa e bulbar; ESCALA FOUR (full outline of unresponsive score) ● melhor valor preditivo que a escala de Glasgow para pacientes intubados e naqueles com pontuação baixa na EG; EXAMES COMPLEMENTARES ● é essencial realizar imediatamente a glicemia capilar; ● exames para causas tóxicas, metabólicas, infecciosas ou sistêmicas → exames dependem muito do contexto clínico e dos achados do exame físicos; ○ perfil básico → hemograma, eletrólitos (inclusive cálcio), gasometria arterial, função renal, função e enzimas hepáticas, glicemia, coagulograma, exame de urina e eletrocardiografia; ○ outros → hemoculturas, exames toxicológicos, dosagem de anticonvulsivantes em epilépticos, dosagem de hormônios tireoidianos, hormônios adrenais etc; ● exames para causa primariamente neurológica → TC, RNM, eletroencefalograma de urgência; ● punção liquórica → auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas do SNC, podendo confirmar uma hemorragia subaracnóidea; DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS ● síndromes de heminegligência, afasia de Wernicke → pacientes que não têm alteração do nível de consciência, mas pontual baixo da escala de Glasgow; ● epilepsia (em pós-convulsivos ou crises parciais complexas); ● depressão grave e transtornos psiquiátricos; ● estado vegetativo persistente / síndrome de vigília não responsiva → há comprometimento da percepção, com relativa ou total preservação da reatividade (é um estado de vigília, sem percepção do ambiente); ● estado mínimo de consciência → situação intermediária entre estado vegetativo e plena consciência; MORTE ENCEFÁLICA ● situação de irreversibilidade e ausência de funções encefálicas; ● critérios diagnósticos para ME definidos pelo CFM : 1) diagnóstico de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar a ME; 2) descarte de situações que simulem morte encefálica (ex. intoxicações agudas, hipotermia, choque, encefalite de tronco, traumatismo facial múltiplo, síndrome do cativeiro, alterações pupilares prévias, distúrbio metabólico grave, crianças menores de 4 anos, vítimas de assassinato); 3) temperatura corporal > 35°C, saturação arterial de oxigênio > 94% e pressão arterial sistólica ≥ 100 mmHg ou pressão arterial média ≥ 65 mmHg para adultos (ou conforme a faixa etária para menores de 16 anos); 4) tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período mínimo de seis horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período deverá ser de, no mínimo, 24 horas; 5) exame neurológico (dois exames clínicos): a. Coma não perceptivo b. Ausência do reflexo fotomotor c. Ausência do reflexo corneopalpebral d. Ausência do reflexo oculocefálico e. Ausência do reflexo vestíbulo calórico f. Ausência do reflexo de tosse 6) teste da apneia (em um dos exames clínicos) → realizar obrigatoriamente apneia oxigenada para atingir o estímulo respiratório máximo (PaCO2 > 55 mmHg), constatando que não há movimentos respiratórios espontâneos; REFERÊNCIA MARTINS, H.; et al. Medicina de emergência : revisão rápida. Barueri, SP : Manole, 2017. VELASCO, T.; et al. Medicina de emergência : abordagem prática. 14. ed. Barueri [SP] : Manole, 2020.