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Carlos Skliar - Educação & exclusão-Mediação (1997)

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l'ull r.r,ilar perigos à o
:r ccorronr ia política,
:r soci,cdnde discipli
'\ lirrgtra dc sinais nos remete a uma percepção tlifcrcrrciarl a crn lcrnpo
(' ('sPtçl), sobretudo da expressão dã corpo e do alnbiclrlt produzid'o
por'('sse rnovimentor-por essa dinâmica. O rosto sc dilala,() crlrpo é
r.('rl u(r Iido em posições, posturas e sentidos que nos tir:rrn do cixo
tottstruído por uma prévia educação, culturalmclrle ouvintc.
Sérgio Andrés Lulkin
lirrr t'orrtraposição à príttica avaliatiyadiferencial na e ducação cspccial,
lrisloricaltte tlte €xecutada, uma compr€€nsão dinâmica lla avaliaçiro níro é
gtrarl ora de segregaçõesr encontrando-se a, r^ízes paratlignrirticas da
:rvaliação dinâmica na abordagem sócio-história de yygotsky.
Hwgo Orro Beyer
() srrlrl o cultural, que domina sua língua de sinais, é provedor tle no-
\ os s0rrtidos lingüisticos determinados a partir dc condiçircssrciiris. lsto significa que, através do uso da língua dc sinais,
o slrrrlo tcm condições de produzir a sua própria história.
Mauru Corcini Lopes
rdem social, defender a socie tlarl t.
a rejeição às pessoas com dcficiôrrc
nar, ou seja, a sociedade da norntit
Ricurdo Burg Ceccim
\lrrri:rnrl o-nos na idéia de qualidade, compensação c caraclcrit.ztçito
rosilir':t tl o tlóficit, é válido afirmar que o modclo sricio-anÍropolrigico
rl :r srrrrlcz e a cducação bilíngüe refletem e respondcrn rìs llrópriisb:rscs da teoria sócio-histórica do psir;uisrrr' hurnari'.
Carlos Skliar
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ldorntlo lnsolúvcl:
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lrtlr (luot por cxemplo,
rrdos, ot dcrÍlclontes mentais,
gor rilo ru.lcltos educativos
clnlr, dll'ercntes de outros
roi trmbém cspcciais,
que nlo forrm submetidos
n pnrt lcultr cosmovisÍlo
1r nlzrrçikr dr educação?
e rltórlo psrt aÍïrmar
gulrrldnde educativa desses
toc ó o de uma caracterização
ldente n pnrtlr da deficiência
toflur('nrr entõo não se está
tkr rte cducaçíio,
rlr urnt lntcrvcnçõo
r0ullct; sc sc scredita
r rlcllcl0ncin, por gl mesma,
xo rlue dclìne e domina toda
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r nÍo nc cslgrá construindo
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[llvo, rnas um vulgar
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;lrohlenru educatlvo como
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trrr.r 1xr;lulNrGo,
r.rlucnçío ntrtl, dag crianças
p. rkrr lrrrllgt ntS,
nnlÍubelor... É certo
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lonnrlol r.rlrlc
npCtlllcltlrttlc
r dllerrnclu, rrrns tlmbém
ll Íf,ft)r qU€ Ot torntr
lhrnlcr: tlnlrr.ri dc arupor
r6d| Sartt dlrPllcônch,
rrrlflt,ldol 0on0 ntlnorlrr
lrft gtrr crclurôal prrr(,1(ht
tll.crrn grlrrcnlivo.
EDUCAçÃO & EXCLUSÃO
Abordagens sócio-antropológicas
em educação especial
Cnnlos Srunn (Onc.)
Rrcnnoo Bunc Ceccly
SÉncro ANones Lulrrru
Huco Orro Beyen
Mnunn Concrrur Lopes
o
Editora Mediação
5" Edição
I'olto Alcgrr.
2006
('opyttliltl Lt tl.ry 1,,1111y1., Mr.tlilrl.lro l()t)/
Nr'rrlìrrrìì,r Ììrìrl( ri .lrr t,lrrrr |l,rli rrr IrlrrorlLrzrrl:r orr rlrrIlrr';rrlrr riuìr rrrìjr/r!il(ì.\trrs:ìr (lrì lr(lrtr)r
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rJ,( ' iI
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ll24
A Scric (.'lttlcutos rlc Ârrloria c publicação do Prograrrra de Pós-Craduação em Edr.rcaçã6
cla liaculdadc de LÌducação da Universidade Federal do Rio Grande do Sr-rl.
Conselho Bditorial: Analice Dutra Pillar, Augusto Nibaldo Silva Trivifros, Fernando Becker.
Margarctc Axt, Maria Helena Degani Veit, Nilton Bueno Fischer, Rosa Maria Hessel Silveira,
Isltrcl Cristina de Moura Carvalho e Carlos Roberto Machado.
C'oordenação editorial: Jussara Hoffinann
Capa: Bento de Abreu / Roberta Martins
Iìditoração: Daniel Ferreira da Silva
Educação & exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial /
org. de Carlos Skliar. - PorloAlegre: Mediação, 1997.
1 l2 p. (Cademos de Ar"rtoria)
1. Educação especial. 2. Educação de deficientes mentais. 3. Língua de
sinais. 4. Exclusão. 5. Alteridade. 6. surdos. I. Skliar, carlos, org. II. Títuro.
CDU 376
Catalogação na publicação
Biblioteca Setorial de Educação da UFRGS
liaça scu pedido diretamente à:
IF-RN
BrauoÌECÂ
SEBA5ÏIÃO TERAiANDÊS
NF _ Valor
NoChamada: =.-
ne 3 tl3 9_. ï:r,rroC"J.J&.$
Da ta:IL,/e.t /sS Ac..rrts içâo ---
Av. Taquara,386/908 B. Petrópolis
CFÌ 90460-21 0 PoúoAlegre/RS
Fone/Fax: (5 1) 3330.8 1 05 / 3061.8864
S i te: wr.vw.editoramedi acao.com. br
e-rnai I : cditora.medìacao@terra.com.br
Printed in Brazilllmpresso no Brasil
0iff:ï;ï,"
l
_/
Sumário
INTRODUçAO
Abordagens sócio-antropológicas em educação especial ........ 5
Exclusão da alteridade: de uma nota de imprensa a
uma nota sobre a deficiência mental ............... ........ l5
Rrcr,noo Bunc CEccnr
Atividades dramáticas com estudantes surdos ......37
SÉncro ANoRes LulrctN
O processo avaliativo da inteligência e da cognição
na educação especial: u ma abordagem alternativa................ 48
HLrco Orro BEvrR
A mediação material e sígnica no Processo
de integração de crianças surdas ............58
Mnunn Concrrur Loprs
Uma perspectiva sócio-histórica sobre a Psicologia
e a educação dos surdos ...........75
Cenros SrclrnR
INTRODUçÃO
Abordagens sócio-antropológicas
em edu cação especial
E para que estes índios se livrem do ódio que conceberam contra os
espanhóis (...) e falem a língua castelhana, se introduzirá, com mais vigor do
que até aqui, seu uso nas escolas sob os castigos mais rigorosos e justos contra
os que não a usem, depois de terem tido algum tempo para aprendê-la.
Em "Memória do Fogo" de E. Galeano (1984)
Esta obra apresenta diferentes, mas semelhantes perspectivas acerca
clcsse campo educativo que comumente recebe o nome de especial.
Como se perceberá na leitura dos trabalhos, todos os autores manifes-
tam, implícita ou explicitamente, uma insatisfação a respeito das tradi-
çõcs e dos paradigmas que, hoje em dia, predominam dentro da educa-
ção especial.
Gostaria de introduzir este volume com uma afirmação talvez tão
srrpcrflua como evidente: na atualidade, a educação especial atravessa
trrna profunda crise que, por certo, reconhece múltiplas causas e cujas
corrseqüências ainda não se podem interpretar totalmente. Mas a crise é
rlc tal magnitude que fica difícil pressagiar se a educação especial sobre-
vivcr'á a ela, se será ressuscitada - talvez pela antropologia educacional?
ou se permanecerá, simplesmente, como um objeto de curiosidade
I);ìr';ì os arqueologos da educação do século XXl.
Entretanto, a existência da crise não é um fato novo; dela se fala há
nrrrito tcmpo e de muitas maneiras. O problema reside, por uma parte,
r,rrr saber a qual crise se faz referência e,por outra em que não é tanto
,r r risc em si mesma o que interessa, mas, sobretudo, sua interpretação
rrlcologica. São os diferentes mecanismos de interpretação do fracasso
rlrc cstão gcr"ando difcrcntcs e até opostas tipologias e PersPectivas de
,rrr;ilisc. Qtrarrdo faço rcfcrôttcia a tipologias de análise, não estou fazen-
rlo rrrcrrçlìo, sintJrlcstttcrrtc, à lrabittrnl qttantificação do fracasso c, mttito
ó [:clLrcação & Exclusão
rÌìcnos, àquela quantificação realizada desde o poder adminÌstrativo da
nvaliação educativa, que confunde porcentagens com políticas.
Mas agora: quais seriam, em minha opinião, os fatores mais relevantes
quc caracterizaram e caracterizam a crítica situação da educação especial?
Em primeiro lugar, surge o problema da própria definição sobre o
quc é e o que não é educação especial ou, em outras palavras, em que
scntido se justificou uma forma especial de entender e produzir uma
cducação para certos e determinados sujeitos.
As opções, neste sentido, não parecem ser muitas: ou se tem falado
rlc cspecial porque se parte do princípio de que os sujeitos educativos -
cspeciais, no sentido de deÍìcientes - impõem uma restrição, um corteparticular da educação, ou se tem falado de especial referindo-se ao fato
rlc que as instituições escolares são particulares quanto a sua ideologia e
nrquitetura educativas - portanto, diferentes da educação geral -, ou, fi-
nalmente, tem-se falado de especial como sinônimo de educação menor,
irrclevante e incompleta no duplo sentido possível, isto é, fazendo menção
ao caráter menor e especial tanto do sujeíto como das instituições.
Em todas as definições tradicionais e mecanicistas sobre a educa-
ção especial, aparece sistematicamente um obstáculo que pode ser con-
sicJerado como insalvável:em que sentido seria possível afirmar que, por
cxemplo, os surdos, os deficientes mentais, os cegos, etc., são sujeitos
cducativos especiais, diferentes de outros grupos também especiais, mas
<1trc não foram submetidos a essa particular cosmovisão e organização
da educação?
Se o critério para afirmar a singularidade educativa desses sujeitos
c o de uma caracterização excludente a partir da deficiência que possu-
cln, então não se está falando de educação, mas de uma intervenção
rcrapêutica;se se acredita que a deficiência, por si mesma, em si mesma,
c1 o eixo que define e domina toda a vida pessoal e social dos sujeitos,
r-.rrtão não se estará construindo um verdadeiro processo educativo, mas
urrr vrrlgar processo clínico.
Por outro lado: em que sentido falar de uma instituição escolar
t's;rccialÌ Se e porque contém fisicamente aqueles sujeitos especiais, en-
t;ro não se trata de uma escola, mas de um hospital. Se, por outro lado,
\(ì tt-ata de que as instituições são especiais porque pretendem desen-
volvu' rrrna didática especial para aqueles sujeitos deficientes,então Pode
()( ()r r-cr' (luc, crÌì vcz de processos interativos de educação, exista uma
.r;rlir,rç;io sisr.crnática de recursos, cxcrcitações e mctodologias neutras
t.rlr:ritlcololiiza<Jas. Por'(rltittto, stÌ c cspcci;rl pot'qttc ó rnct-tot', Pot'q(tc
Carlos Skliar (Org.) 7
atua sobre sujeitos menores, então seria necessária toda uma discussão
embaraçosa e improdutiva acerca do significado do oPosto, isto é, acer-
ca do que significa uma educação maior Para suPostos sujeitos maiores,
uma educação completa, relevante e, inclusive, absoluta.
Ao problema do signifìcado da educação especial soma-se um se-
gundo, que talvez se derive do primeiro, mas que talvez seja totalmente
independente: se trata da insistência, ou melhor dito, da obstinação do
que poderia ser chamado o modelo clínico-terapêutico na abordagem
educativa das crianças especiais. Por modelo clínico-terapêutico consi-
dero toda a opinião e toda prática que anteponha valores e determina-
ções acerca do tipo e nível da deficiência acima da idéia da construção
do sujeito como pessoa integral, com sua deficiência específica.
A obstinação do modelo clínico dentro da educação especial nos re-
vela um clássico problema, ainda não explicado dentro desse contexto: a
necessidade de deÍìnir com clareza se esta PersPectiva educativa é aliada da
prática e do discurso da medicina ou se é aliada da pedagogia ou, como
muitos outros supõem, se deve existir uma combinação, uma somatória
provável de estratégias tanto terapêuticas como pedagógicas. Mas por acaso
existe uma contradição evidente entre modelos educativos e modelos clíni-
co-terapêuticos? É claro que sim: a concepção do sujeito, a imagem de ho-
mem, a construção social da Pessoa, etc., desenvolvem-se em linhas oPostas
ao contrastar a versão incompleta de suieito que oferece o modelo clínico-
terapêutico e a versão de diversidade que oferece - ou melhor, que deveria
oferecer - o modelo sócio-antropológico da educação. Disso resultam, por
outro lado, conseqüências futuras bem diferentes: uma questão seria a do
completamento do sujeito, e a outra, contrária, seria a do aprofundamento
dos aspectos comuns próprios da diversidade cultural.
Fica claro que a pretensão de definir os suieitos com alguma defi-
ciôncia como pessoas incompletas faz Parte de uma concepção
ctnocêntrica do homem e da humanidade. O etnocentrismo - junto a
rrrn de seus derivados mais perigosos na educação especial:o paternalismo
c um reflexo da intolerâncìa e do racismo gerado Por um modelo
cconômico-político concêntrico, que utiliza os meios de comunicação
rlc rnassa * ou o contrário * Para exercer sua teoria e sua práxìs de
f,ilobalização. Então a homogeneidade humana é a notícia, e a diversida-
rlc, inclusive a população especial, aparece sob forma de um assassinato,
.,olr o t-osto dc rrma pobreza quc sc sugerc voluntária, da violação, ctc.,
í,rtos qrrc sc cotìsotÌ'ìcnr pclo resto da poptrlação corn tlma cct-ta cttt'iosi-
,l,rrlc c voracirlrdc rrrtropofáp,ica.
8 Educação & Exclusão
E é neste sentido que o discurso da medicina se toma um aliado
incomparável da concepção clínica dentro da educação esPecial: os es-
forços pedagogicos devem submeter-se Previamente a uma Potencial - e
quimérica - cura da deficiência. O questionamento imPlícito desta con-
cepção seria o seguinte: se se tira ou se reduz o tamanho da deficiência,
se se tiram ou se reduzem as conseqüências sociais. O homem seria
homem se não fosse surdo, se não fosse cego, se não fosse retardado
mental, se não fosse negro, se não fosse homossexual, se não fosse
fanático religioso, se não fosse indígena, etc. Nada mais absurdo. Não há
nenhuma relação entre a deficiência e seus suPostos derivados sociais
diretos, pois estes não são uma conseqüência direta daquela, mas sim
das formas e dos mecanismos em que estão.organizadas e de que dis-
põem as sociedades para não exercer restriçóes no acesso a PaPéis
sociais e à cultura das pessoas, de todas as Pessoas. De fato, duas pessoas
com idênticas deficiências, e que vivem em sociedades diferentes, Possu-
em, obviamente, traietórias de desenvolvimentos diferentes'
Além disso, o papel que desempenha uma deficiência no começo da
vida de um sujeito não é de ser o centro inevitável de seu desenvolvimento,
mas pelo contrário, a força motriz de seu desenvolvimento. O cérebro dos
primeiros anos de vida é de tal flexibilidade e plasticidade que só uma Profunda
e errada abordagem clínica negaria todo Potencial de comPensação que se
reúne na direção contrária ao déÍìcit. Em outras Palavras, a criança não vive a
partir de sua deficiência, mas a Partir daquilo que Para ela resulta ser um
equivalente funcional. Tudo isto seria certo se, desde já, o modelo clínico-
terapêutico não se obstinasse tanto em lutar contra a deficiência, o que imPli-
ca, em geral, originar conseqüências sociais ainda maiores. Reeducação ou
compensação, essa é a questão. Obstinar-se contra o déíicit, esse é o erro.
A insistência do modelo clínico aplicado às crianças esPeciais cons-
titui, por sua vez, outro Ponto de partida Para uma série diferente de
problemas que existem dentro da educação esPecial.
um desses problemas é o da construção de uma Prática e de uma
tcorização que justifique essa Prática caracterizada pelas baixas exPectati-
vas pedagogicas dentro das escolas esPeciais. Para muitos, o fracasso
educativo massivo se traduz na verdadeira obrigação de pensar que são as
proprias limitações dos suieitos educativos o que origina esse fracasso.
Entretanto, existe uma interPretação alternativa contra esse fácil
silogismo. Se a escola esPecial Parte do PressuPosto de que os suieitos
cstão naturalmente limitados, toda a orientação educativa está obrigada
n oricntar-se naturalmcnte em direção a essa idéia,e os resultados,final-
Carlos Skliar (Org.), 9
mente, concordam com essa PercePção' Através dessa Particular Pers-
pectiva, o círculo das baixas exPectativas se fecha com uma notável faci-
iid"d", os magros resultados são um Produto direto da inconsistência dos
próprios alunos e não da natureza do projeto educativo'
Não há que se ruborizar se se afìrma que, na realidade, o fracasso
é resultado de uma Pressão metafísica que se exerce sobre os suieitos
especiais: eles estão presos por uma falsa concepção ideologica/pedago-
gica, estão condicionados a resPiraratravés de falsas rePresentações
iociais, regulados por meios de normas e hábitos medievais, não podem
comunica;-se pois têm que ãprender como suPerar a deficiência e ser
iguais aos demais - onde estão e quais são os demais? - em vez de jogar'
repetem, em vez de mover-se, exercitam-se'
Há uma certa hipocrisia quando se atribui toda a resPonsabilidade
do fracasso da educação especial, justamente, aos alunos esPeciais. o
fracasso é o resultado de um comPlexo mecanismo que reúne fatores
sociais, políticos, lingüísticos, históricos e culturais' e que Provém da-
queles profissionais que, dando-se conta ou não, voluntariamente ou
não, representam e reProduzem a idéia de um mundo homogêneo' com-
pacto, sem variações, sem fissuras'' À continuidade entre signiÍìcado negativo da educação especial/ pre-
domínio obsessivo de uma concepção clínica/ círculo de baixas exPectativas
pedagogicas se acrescenta outra questão muito Problemática:afalta de re-
h"*aã Jducativa sobre a educação especial. E propor uma análise educativa
para a educação especial parece uma redundância. Entretanto, o uso reitera-
do do termo educação signifìca pôr em relevo uma necessidade específica iá
csboçada anteriormente: incluir a análise dos fatos que Sovernam a educa-
ção de crianças especiais dentro dos problemas educativos 
gerais e não,
como se faz habitualmente,fora deles e quanto mais longe melhor.
A educação das crianças especiais é um problema educativo como
c também o da educação de classes PoPulares' a educação rural'â das
crianças de rua, a dos Presos, dos indígenas, dos analfabetos' 
etc' E cer-
[o que em todos os SruPos que menciono existe uma especificidade 
qtle
r>s cliferencia, mas tÃUOm há um fator comum que os faz semelhantes:
rr.ara-se daqueles grupos que, com certa displicência, são classificados
corrìo minorias; minorias que, na verdade, sofrem exclusões parecidas
rlcsdc o processo educativo'
Afronteiraentreeducaçãoeeducaçãoespecialconstitui,dcsdc
(,ssc potìco cle vista, ttmn primeira discriminação: a de impcdir qttc ;l
pcrl:rgogia cspccial clisctlrn afazeres edtlcativos;a de tcr qrlc' conìo colì-
l0 Educação&Exclusão
seqüência, refugiar-se e envergonhar-se como se se tratasse de um tema
sem importância. O fato de que a educação especial está virtualmente
excluída do debate educativo é a primeira e mais importante discrimina-
ção sobre a qual, depois, se projetam sutilmente todas as demais discri-
minações - por exemplo, as civis, legais, laborais, culturais, etc.
Entretanto, não estou falando simplesmente do direito à educação
que também assiste às crianças especiais;não é gue estas tenham que ir,
como todos os demais, à escola, à instituição escolar entendida como
um ente físico, material. Estou afirmando que esse direito deve ser ana-
lisado, avaliado e planificado conjuntamente a partir do conceito de uma
educação plena, significativa, justa, participativa; sem as restrições im-
postas pela beneficência e a caridade; sem a obsessão curativa da medi-
cina; evitando toda generalização que pretenda discutir educação só a
partir e para as míticas crianças normais.
A afirmação de que a educação especial deve ser incluída no de-
bate geral da educação, tampouco, deveria ser rapidamente interpreta-
da como uma idéia de integração à escola comum; nada mais longe
disso. Uma questão é o problema geral da educação, por exemplo, a
relação entre escola e trabalho, o problema da globalizaçã,o versus
regionalização do conhecimento, a imagem de homem presente no
projeto educativo, etc. E outra questão, bem diferente, é o debate
institucional específico, por exemplo, o aproveitamento dos recursos
humanos e técnicos, etc. lncluir a educação das crianças especiais den-
tro da discussão educativa global não significa, então, incluí-las fisica-
mente nas escolas comuns, mas hierarquizar os objetivos filosóficos,
ideologicos e pedagogicos da educação especial.
Desse modo, fazendo parte de uma educação menor, a educação
especial foi-se afastando de uma discussão significativa. Na pedagogia
especial, os sujeitos são vistos, em geral, como pessoas educativamente
incompletas e, em conseqüência, as preocupações educativas estão for-
çadas a serem corretivas e devem-se transferir em direção a uma abor-
dagem clínica; diante dos problemas da educação especial não haveria
nada que revisar, salvo os recursos, as exercitações. As metodologias,
então, se fazem neutras, acríticas, compassivas com quem as aplica.
Um exemplo típico do processo de distanciamento entre discurso
educativo geral e discurso educativo especial é representado pela ques-
tão das línguas na educação dos surdos. Um problema importante, sem
dúvida. Sobretudo para os proprios surdos. Mas quando esse problema
sc lirnita, basicamentc, a umA discussão cxclusiva cr'ìtre os ouvintcs, a ttm
Carlos Skliar (Org.) I I
debate por muitos momentos personalista e narcisista, a uma mostra dc
poderio e/ou da debilidade dos métodos parâ os surdos, ali se impõe umn
tosca restrição ao progresso das idéias educativas.
Mas o que há por trás e pela frente desta discussão entre ouvintcsl
Por trás ficou um rol de fracassos massivos, patética mostra da
incapacidade de os ouvintes discutirem sequências e hierarquias de ob-
jetivos que vão além do enigma do ovo e da galinha.
Pela frente íìca uma preocupação constante,ainda refletida naquelas
interrogações que Galaudet enunciou ante um auditório indiferente du-
rante o Congresso de Milão de 1880:deve-se acreditar que uma vez resol-
vido o problema da linguagem fica resolvido, automaticamente, o problc-
ma da educação dos surdos?Acaso linguagem e educação são sinônimos?
Outro exemplo freqüente da distância que existe entre educação es-
pecial e educação é o que se refere ao processo de alfabetização ou, melhor'
dito, ao processo tradicional de alfabetização. Enquanto várias pesquisas
demonstram que a alfabetizaçáo não só não constitui um pré-requisito irtc-
vitável para o acesso aos processos de leitura, mas que muitas vezes sc
transforma em um verdadeiro obstáculo cognitivo para isso, na educação
especial o ensino da correspondência entre fonema e grafema ocupa o ccrì-
tro de todas as preocupações referentes à questão da língua escrita.
Um último exemplo referente à distância educação/educação es-
pecial poderia ser definido como o problema ascético do currículo. A
cscola especial não discute a questão curricular a não ser em um sentido
muito superficial e acrítico.A neutralidade com que essa educação asstt-
me o currículo foi um dos mecanismos mais nocivos quanto à limitação
do acesso à informação e, sobretudo, em relação à identidade pessoal c
cultural dos sujeitos.
Agora, gostaria de voltar a uma questão anterior: a aÍìrmação de
que a educação especial deve ser incluída no debate geral da educação
tcrn sido interpretada,de fato,como uma proposta concreta de integração
rlas crianças especiais à escola regular. E notável como a via de saída pat';t
o fracasso educativo - e econômico - da educação especial seja, iusta-
rììclìtc, a inclusão física dentro de uma escola caracterizada, também, por'
urìì scm número de problemas, O certo é que agora os problemas vivcnt
IOclos iuntos na mesma sala. Desde já, não pretendo comParal" de ttrrt
rrrodo rcducionista, o conceito maiúsculo de inter-relação social à iclcia
viì},,â c prcgtriçosa de integração escolar.
A dctcr"rninação intcgracionista provórn dc ttm conittnto cspccífico
rlc fcitos coct'ctìtcs, cntr"c cles, e corììo já sc irrdicott, os t'csttltarlos litttita-
dos cncorrtrados em grande parte nas escolas especiais, a maior relevân-
cia dada a uma perspectiva interativa sobre os problemas de aprendiza-
gem, o surgimento de metodos qualitativos de avaliação educativa, o
restabelecimento das fronteiras entre a normalidade, o fracasso escolar e
as deÍìciências, preocupação das escoras por conseguir o objetivo de ensi-
nar a todos, mais além das diferenças de capacidades e interesses, etc.
Essas razões são indiscutíveis. Mas o problema é o seguinte: a escola
regulartende a produzir mecanismos educativos dentro de um marco de
diversidade cultural? A julgar pelo fenômeno e estratégia de repetência, a
exclusão sistemática, a discriminação com relação às variações lingüísti_
cas, raciais, étnicas, etc., parece que não. por causa de certas experiências
c por alguns resultados relativos a alguns casos de grupos particulares de
crianças especiais - por exemplo, as crianças surdas - as políticas de
integração transformam-se rapidamente em práticas de assimilação ou
produzem, como um efeito contrário, um maior isolamento e menores
possibilidades educativas nessas crianças.
Talvez a velha escola especial e a recente inclusão nas escolas re-
gulares constituam adornos parecidos que pretendem cobrir, com o
mesmo resultado, um rosto definitivamente debilitado.
como sair desta encruzilhada de problemas na educação especiall
Nos artigos que seguem, sobressai um conjunto de potencialidades que,
com seus respectivos matizes, induzem a pensar em uma perspectiva
socio-antropologica não so em um sentido contestatório com relação
ao modelo clínico; ela assume uma identidade própria e contribui para
urna discussão educativa geral, que excede a questão estritamente
institucional, material, física das escolas.
Neste volume se falará dos sujeitos especiais, mas o peso da aná-
lise não vai recair sobre eles, e sim, em arguns artigos sobre as formas
indignas de submissão às interpretações patológicas; e, em ourros casos,
sobre mecanismos de atividade educativos que traduzem a potencialidade
da proposta sócio-antropológica. Nem todos os trabalhos se sucedem
dcntro de uma mesma continuidade teórica e expressiva. pelo contrá-
rio, os artigos refletem, por certo, uma irregularidade no tratamento
dos problemas da educação especial;é essa mesma irregularidade o que
clá sentido, provavelmente, à existência humana.
Ricardo Burg ceccim inaugura este vorume através de uma revisão
crítica sobre o significado histórico e atual da deficiência mental. Com
url objetivo constroi uma trama a partir de uma notícia de um jornal
accrca de uma mulher encarcerada, injustamente, por sua deficiência. É
(,;rrkrs Skli;rr (Or 11 ) I I
irrtcrcssante notar corno os meios de comunicação contritrucm, às ve-
zcs impicdosamente, à formação de uma representação social, de um
cstereotipo que promove a ideia de que os deficientes são,em realidade,
sujeitos perigosos, furiosos, dignos de ser afastados e estudados com o
rnicroscópio do racismo.Tal como assinala o autor, há uma extensa tra-
dição historica cheia de mal-entendidos e de más intenções sobre a de-
ficiência mental. E talvez, como o próprio Ceccim observa, é a hora de
rebelar-se contra a justificativa mais organicista da deficiência.
O segundo trabalho corresponde a Sérgio Lulkin, que assume como
foco de sua proposta as atividades dramáticas com estudantes surdos. É
talvez a surdez, e suas acepções, o exemplo mais paradigmático da troca
dc modelo conceitual dentro da educação especial. Os surdos, considera-
clos também historicamente como pessoas incompletas, doentes e aliena-
rlas, passaram a ser vistos na atualidade como membros de uma minoria
lirrgüística e de uma cultura - ou contracultura - minoritárìa. Nessa dire-
ção, o autor avança sobre a hipotese de que as atividades dramáticas den-
l'o do contexto escolar permitem a construção e a reconstrução de uma
nrcmória sociocultural da comunidade de surdos. Essas atividades forma-
ri;rm parte da essência ideológica de um provável currículo cultural para
cssas pessoas, em contradição com as típicas disciplinas autoritárias e
('arcntes de significação cognitiva e lingüística dos próprios surdos.
No terceiro artigo, Hugo Otto Beyer assume uma abordagem alter-
rurtiva para o processo de avaliação da inteligência e da cognição na educa-
çrio especial.Tal processo avaliador,talvez um dos fatos mais dolorosos
<krrrtro do paternalismo e do colonialismo existentes nessa forma de edu-
< ução, representa também um ponto máximo de aproximação com rela-
çío aos problemas da educação geral. Não há dúvida de que a avaliação
r.rlrrcativa - como sistema vertical, unilateral, descontextualizado, de po-
(lcr', atemporal, conservador, etc. - pode produzir influências negativas no
rlcscnvolvimento da vida de um sujeito.lnclusive pode desviar seu destino
social, institucional, cognitivo, afetivo - com relação à maior das escuri-
rlcjcs existenciais. O autor propõe, além de uma significativa revisão do
c <;rrccito proprio de inteligência e de sua avaliação, uma discussão sobre a
lclrção entre dotações naturais dos sujeitos e seu destino em nível social e
t,<:<>rrômico. A explicação dessa relação so através de argumentos calca-
rlos rlo âmbito endogeno individual signifìca, para Bayer, mascarar uma
r t'rlidade que inclui, sobretudo, aspectos macro-estruturais.
No quarto artigo, apresenta-se uma experiência prática concreta
,lr.scnvolvida por Maura Corcini Lopes sobre certos mecanismos de me-
l4 Fdrrclçlo & Fxcltrsllo
diação no processo de integração das crianças surdas.A partir do enfoque
socio-historico de Vygotsl<y, a autora trabalha sobre uma ideia de ativi-
dade e, sobretudo, de integração dos surdos, bem diferente da habitual.
Trata-se daquela integração que supõe não a necessidade de que as mi-
norias percam suas características mais peculiares para parecer-se e as-
similar-se a uma virtual maioria, mas de um processo inverso: a aceita-
ção da diferença - não da deficiência - como mais um exemplo da diver-
sidade humana, paraa construção de um verdadeiro processo educativo.
No último artigo, eu analiso, também a partir de um enfoque socio-
histórico, os aspectos mais salientes da transição entre o modelo clínico e
o modelo sócio-antropológico da surdez.A partir de uma série de coloca-
ções hístóricas, metodologicas, comunicacionais e cognitivas, busco ali-
nhar a complexa trama de uma construção educativa possível para os
surdos, desde os surdos e junto aos surdos.'
A partir das perspectivas analisadas e levando em consideração as
demandas atuais da educação especial, o presente volume pode consti-
tuir um ponto de partida para desacomodar certas tradições às quais
tão acostumados estávamos. E esse o sentido primordial da produção
científica e esperamos oferecer nestas páginas uma contribuição útil nessa
direção.
Carlos Skliar
l,"t
'.r..11r.,
/l.ttr'.r:i
Exclusão da alteridade: de uma nota de imprensa a
uma nota sobre a deÍiciência rnental
RtcaRoo Bunc Crccll't
Deficiência mental: a evocação de Ritinha
Em 72-09-94 o Jornal Zero Hora, Porto Alegre-RS, traz, em págirt;t
irrteira, a matéria "Mulher inocente Passou a vida na prisão" e conta il
lristoria de Ritinha. Ritinha, Maria Olinda da Conceição Santa Rita, com 72
;ìnos e feições de mais ou menos 90 anos (Slc)r foi Presa em 29- 12-58 pot'
pcrturbação da ordem pública. Tal ofensa à ordem pública foram paln-
vr'ões e ameaças ao então Serente do Banco da Província do Rio Grandtr
clo Sul (Agência do Município de Ïãquara, interior do Estado), profcridos
rìa rua, em frente a sua residência. A pena à ofensa, determinada pclo
crrtão )uizda Comarca,foi de l5 dias de prisão,seguida de seis mcscs rì()
Manicômio Judiciário, por medida de segurança.
A faxineira, conhecida por Ritinha, algumas vezes bebia demais t',
rìcstas ocasiões, proferia impropérios nas ruas da cidadezinha, scgtlttrl<r
;r tcse jurídica.Passados os l5 dias de reclusão penal,foi levada ao M;rtti-
côrnio Judiciário, na Capital (lnstituto Psiquiátrico Forense), e exatttitt;t-
rla por médicos que a diagnosticaram e Prognosticaram: idade e Pel'sçl-
nllidade semelhante a de uma criança com três ou quatro anos- Cottsi-
rlu'ada impropria para voltar ao convívio público, por periculosidadc'
vivcrr os últimos 35 anos entre o Manicômio Judiciário e a Penitenciár'i:t
I t:rrrinina. Ritinha teve renovados, anualmente, o laudo de incapaz c I
rt.cornendação de reclusão penal por medida de segurança'
As companheiras no Presídio Feminino a reconheciam como unta
rncrrrina com rosto de velha, quecoleciona bolsas e bonecas (SlC). Nct
M;rrricômio ou no Presídio, nunca brigou ou tentou fugir, brincava o
rr.tìì[)o todo com três bonecas de pano e precisava de aiuda para ctticlr-
rlos pcssoais. NunCa recebeu visitaS OU cartas, nunca exerceLl ativiclacltr
I l.rl;r v(Ì/ (l1c rìpìr.ccc;r cxpr'<:ss;ro SIC (Scg,rrrrdo lttfor-rtr;rção Collrirl;r) (ìst()ll lìì('
r r.ír,r 
'ì(l() 
ìs tÌìlìlcl iì:i j9r'rr;tlistir it\; tì.ì() íor';rttt oltlirl;ts itlíot-tttlçõc'; <ltl ttlrlrlo rlit t'lrr
extern:ì, sua frase mais colrìum é "tem uma sacola para minrl" (SlC).
Em setembro de 94, desnutrida e doente de hepatite, foi levada a
um hospital clínico (Hospital Lazzarotto de Porto Alegre) e tornou-se
centro de atenções por sua fragilidade e puerilidade. Comunicada aVara
de Execuções Criminais, o juiz alegou emissão imediata de Alvará de
Soltura na conquista de um abrigo em que ela pudesse residir. O Diretor
do H ospital Lazzarotto, José Em íl io G ressele, ofereceu- I he h os pedagem
no hospital por tempo indeterminado.
Ritinha não cometeu crime (a perturbação da ordem pública é, no
máximo, contravenção penal;não é ato criminoso), não cometeu ofensa
ética (no máximo ã transgressão de uma normatividade de ordem mo-
ral), não pode ser considerada perigosa (sua transgressão é equivalente
à ingenuidade, amoralidade e momice), não pode ser considerada de
convivência social imprópria (apropriação é convivência e não há recur-
so possível às aprendizagens sociais que não suas tramas educacionais e
a solidariedade), mas foi retirada da liberdade, tornada responsável por
sua própria reclusão indesejada, tendo que penar o castigo do
confinamento prisional sem saber por que ou Para que, tornando-se
culpada da sua deficiência mental.
Faltou lugar para Ritinha no ordenamento
disciplinar-normal izador
Ritinha, aos 37 anos, tinha Ìdade e personalidade de uma criança
com três ou quatro anos, nas ruas bebia e dizia bobagens, então foi
condenada à clausura de um manicômio judiciário (dois castigos: um
castigo moral ao seu modo de existência - a segregação manicomial - e
um castigo penal às manifestações de sua subjetividade imprópria - a
segregação prisional).A ordem disciplinar vigente excluiu de normalida-
de as atitudes de Ritinha e a incluiu na clausura às pessoas de sua laia
anormal.
Ritinha desacata e transgride a territorialidade do triângulo poder-
direito-verdade do mundo em que vive e o faz como ela é:simplória e
singelamente. Com isso, atualiza verdades outras ao regime de verdade
vigãnte, tensionando até a sua expressão visível. É Foucault que propõe
entender o como do poder como um triângulo do poder, direito e ver-
dade: no fundo, em qualquer sociedade, existem relações de poder múl-
tiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corPo social, e estas
rclações de poder não podem se dissociar, se estabelecer, nem funcionar
IitIitolir Mcdiação
setn ulna produção, utna Aculnulnção, uma circrrlação e ttttt fttttciotìarììclìto
do discurso.
Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certâ econo-
mia dos discursos de verdade que funcione dentro e a Partir desta dupla
exigência. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só
podemos exercê-lo através da produção da verdade. lsto vale para qual-
quer sociedade, mas creio que, na nossa, as relações entre poder e verda-
de se organizam de uma maneira especial (Foucault, 1989, p. 179-80)'
A produção de verdade com Ritinha não poderia existir Para que a
verdade vígente continuasse a verdade.
A prisão e o manicômio, o juiz e os médicos, o olhar hierárquico e a
sanção normalizadora fìcam escancarados pela segregação/reclusão e sua
explicação, renovada ano após ano pelos exames que a condenam incapaz e
como imprópria para o convívio social e a encarceram Por medida de segu-
rança. O exame anual exercido no aparelho de examinar do manicômio
judiciário escancara o controle normalizante. Foucault destaca o exame como
combinação das técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que norma-
liza (Foucault, 1989, p.|64),estabelecendo sobre os indivíduos uma visibili-
dade através da qual eles são diferenciados e sancionados, forjando um cor-
po social homogêneo pelo ajustamento/adestramento dos desvios e a Pro-
dução da realidade pela fabricação da individualidade como Íìxação sobre as
singularidades de cada um, o que torma cada indivíduo "um caso que tem
que ser treinado ou retreinado, tem que ser classifìcado, normalizado, ex-
cluído, etcl' (op. cit., p. 170).
Absol utam ente i nofensiva, porquanto ingên ua s ua transgress ivi da-
de, eficientemente normal para transitar pela cidade e proferir palavras,
mas deficientemente normal para dirigir seu gesto, reger seu comPorta-
mento, sujeitar seu corPo, segundo a extremidade jurídica de seu exer-
cício, precisava ser normalizada. Podemos supor que infrações como
xingaç beber, não respeitar os rePresentantes do poder estatuído (que
representam mesmo o Estado) podem ser analÌsadas pela produtividade
de reverberações e ressonâncias, por fazer funcionar (colocar em rede)
outra transmissão de poder, ou seja, não se trata da legitimidade de seus
aros (que poderiam inaugurar outro pensar), mas da suieição aos Proce-
dimentos de dominação que devem ser renovados, reiterando a norma
que estatui verdades.
A deÍìciência de normalidade de Ritinha a fez "estrangeira em sua Pro-
pria terra" (como nas palavras de Porter: 1991, p. 162), olhada como anormal,
Editora Mediação
l8 ftlur:;rç:io & [xcltrsicr
devendo ser corrigida pelo cárcere, pela psiquiatria, pela reeducação e exclu-
ída de produzir cultura;um silenciamento radical à produção de diferença que
o contato com o outro, com o estranhamento, produz em nós. Exclui-se a
alteridade para não acolher a diferença-em-nós gue esse encontro produz.
chamamos ao outro de diferente;assim, somos normais. para continuarmos
normais não podemos abrir contatos que engendrem estados inéditos, novi-
dade ou transmutações em nossa envergadura moral.
A construção da segregação da deficiência mental
Se recuarmos no tempo, vamos encontrar uma história acompa-
nhando a deficiência mental (DM) que reconta este episodio com as
características marcantes da segregação, com iequintes de desumanização
e atrocidades.
segundo Pessoti ( I 984)2, há pouca documentação sobre atitudes ou
conceituações relativas à DM anteriores à ldade Média, sendo rara durante
este período e florescendo em seu lugar especulações sobre extremismos
mais ou menos prováveis.Acompanhando a narrativa de pessoti faço uma
descrição, balizada pela cronologia, das principais idéias, personagens e in-
terpretações relativas à DM.
Sabe-se que, em Esparta, crianças portadoras de deficiências físi-
cas ou mentais eram consideradas sub-humanas, sua eliminação e aban-
dono estavam em consonância com os ideais atléticos, estéticos e a
potência de guerreiros. Genericamente, pode-se dizer que, até a difusão
do cristianismo, aquele com deficiência não tinha alma e não era pessoa,
como as mulheres que so adquiriram status de pessoa e alma no plano
teológico após a difusão da ética cristã.Até a Renascença, aqueles com
deficiência eram expostos (abandonados à inanição). para Aristóteles,
até mesmo os filhos excedentes podiam ser expostos em nome do equi-
líbrio demográfico. com os loucos, eram abandonados ao mar nas Naus
de lnsensatos.
Ao longo da ldade Média é que se romarão pessoas e passarão a
scr conhecidos como filhos de Deus (tanto uma visão caritativa quan-
to postergadora - deixar às mãos de Deus ou entregar a Deus) e
cntregues às igrejas e conventos - explorados ou cuidados como expi-
ação redentora.
2.4 qtrlsc totalidade d;r historiografia rccorrtlda ncstc tcxto soblc;r DM cstá b;rscada
rro livro: Dcficiôrrcia rncrrtll:d:r srrpo'stição à ciôrrci;r, dc lslí;rs pcssori (citrclo).
Carlos Skliar (Org.) l9
Ate o lluminismo a igualdade de status moral ou teologico não
corresponderá a uma igualdade civil, de direitos.
Somente no século Xlll surgirá a primeira instituição para abrigar
pessoas comDM, uma colônia agrícola na Bélgica.
No século seguinte, Eduardo ll da lnglaterra baixa a primeira lei
quanto à sobrevivência e patrimômio das pessoas com DM, a Prerroga-
tiva Regis, de 1325, pela qual passam seus bens ao rei e este zelará por
seus cuidados (aos loucos, contemplados na mesma lei, cabiam os cuida-
dos sem o ressarcimento em bens). Esta é a primeira lei que distingue
doente de deficiente mental.
As pessoas com deficiência adquirem o status de seres humanos e
de criaturas de Deus,o que lhes dá direito a sobreviver e receber cuida-
dos para a manutenção da vida, mas adquirem significados teológicos c
religiosos paradoxais, serão os pequenos do Bom Deus (como anjos),
portadores de desígnios especiais de Deus ou como presa de entidadcs
rnalignas, às quais obviamente serviriam (veja seus atos bizarros).
Atitudes contraditórias se desenvolvem diante das pessoas com DM:
rrrn eleito de Deus ou um representante do castigo divino:um anjinho ou
trrn pára-raios da vingança celestial que vai receber, em lugar da aldeia, a
colera divina.
Com a hegemonia da noção de pecado, a teologia da culpa e as
correntes do cristianismo ortodoxo, as pessoas com deficiência se tor-
rrrrn culpadas da sua própria deÍìciência, justo castigo dos céus pelos
sctrs pecados ou de seus ascendentes. Possuídos pelo demônio, justifi-
(;ìrn-se o exorcismo e as flagelações e torturas.
A etica cristã termina por reprimir o assassínio ou a exposição c
r.rrtabula o dilema caridade-castigo, a ambigüidade proteção-segregação.
l)cspontam duas saídas para a solução do dilema: de um lado, o castigo
( ()rì'ìo caridade é o meio de salvar a alma das garras do demônio e salvar
,r lrumanidade das condutas indecorosas das pessoas com deficiência.
l)r: outro lado,atenua-se o castigo com o confinamento,isto é,a segrc-
1'.rção (a segregação é o castigo caridoso,dá teto e alimentação enquan-
Io csconde e isola de contato aquele incômodo e inútil sob condições dc:
tot;rl desconforto, algemas e falta de higiene).
No seculo XV vem a lnquisição, que manda à fogueira os heregcs.
I lt'r'cgcs são os loucos, adivinhos e "pessoas" com DM.
Ern 1325, t Prerrogotiva Regis garantia a sobrevida das pessoas corìì
Í )M qtrc tivesscm posses. Enr I 370, o Dìretorntnt lrtqtrisitortl/r/ arneaçn n
;rrolrr-icdlde das posscs porquc, a qrralqrrer ato julgado herctico, fic;r
20 Educação & Exclusão
autorizado o confisco dos bens (práticas como o pronunciar blasfêmias,
contestar o bispo, cometer atos homossexuais ou obscenidades), ca-
bendo os bens ao inquisidor e sua família e aos denunciantes.
O Santo Ofício mandava queimar vivas as pessoas que praticassem
o homossexualismo, se adultas, ou açoitá-las e enviadas às galés, se cri-
anças (é freqüente o desregramento erótico dos adolescentes com DM,
tanto mais em face de menores cuidados com a informação e o pouco
desenvolvimento da comunicação que facilitaria a aprendizagem e com-
preensão de regras morais).
O Diretorium ensina aos inquisidores: é manha dos hereges faze-
rem-se de tolos;responder ao que não se perguntou;não responder ao
perguntado; mudar de discurso. São indícios: incontinência nas elimina-
ções,grande inclinação por mulheres,ter vida ou conversa diferentes do
comum dos fiéis, os que têm vista torta (é torta por causa das visões do
demônio, vidência e conversa com os espíritos maus).
Ainda no século XV é editado o Martelo das Bruxas,livro da caça às
feiticeiras, adivinhos, criaturas bizarras ou de hábitos estranhos. Este manual
assevera que estas criaturas estabeleciam tráÍìco real com satanás e as for-
ças das trevãs.
Aderiram ao A4alleus tllalefcorum,bem como ao Lucemo lnquisitorum
e ao Diretorium lnquisitorum,o clero italiano e ibérico e os seguidores das
Reformas de Lutero e Calvino (este comandou pessoalmente a caça às
bruxas em Genebra, em 1545).
A Reforma ficou conhecida como a época dos açoites e das alge-
mas na historia da deficiência mental, destaca Pessoti ( op. cit., p. l2),
baseado em R. Pintner (obra espanhola de 1933 sobre crianças com
deficiência mental ou oligofrênicas). O homem é o próprio mal quando
lhe falte a razáo ou a graça celeste a iluminar-lhe o intelecto; assim,
dementes são seres diabólicos.
No século XVl, Paracelsus e Cardano, dois médicos de alta repu-
tação, com incursões em conhecimentos da filosofia e matemática, alu-
dem a DM como doença ou vitimização de forças sobre-humanas, cós-
micas ou não, e dignas de tratamento e complacência.
A jurisprudência inglesa, em 1534, duzentos anos depois da Prerro-
gotivo Regrs, define DM e loucura como doença ou resultado de infortú-
nios naturais e propõe critérios de identificação da DM: será bobo ou
idiota de nascimento a pessoa que não puder contar até 20 moedas,
nem dizer quem era seu pai ou sua mãe, nem quantos anos tem, ou que
não puder conhecer e compreender letras mediante ensino.A jtrrispru-
Carlos Skliar (Org.) 2a
dência visa a disciplinar os bens de herança e decide que aqueles que não
tivessem bens culturais não se beneficiariam de bens materiais.
No século XVlll,aParece a alternativa ideal da solução do problema
da DM.A Europa já aprendera na ldade Media a enfrentar a lepra, epidêmi-
ca e davastadora, construindo hospitais (leprosários/hospícios) e essa era
a alternativa,para o novo momento.
A tarefa de cuidar da pessoa com DM é ingrata e dispendiosa, preiu-
dica a família e o poder público, mas estas crianças/seres humanos não
podem mais serem abandonados à exposição. Paracelsus, cardano c o
educador John Locke determinavam que as Pessoas com DM podiam ser
treinadas ou educadas e que aprendiam e tinham direito a isso.Assim, não
podem ser punidas, nem abandonadas, mas são segregadas nos leprosários
(segregação que livra os governos e as famílias de sua incômoda presença).
Seguindo o relato de Pessoti, em 1797,Jean ltard (médico que se
destacou pelas descobertas no camPo da fala e da audição, médico-chcfc
aos 25 anos do lnstituto lmperial dos Surdos-Mudos) recebeu a guarda
de um menino capturado na floresta e que vivia há l2 anos como selva-
gem (conhecido comoVictor de L Aveyron, ou O Selvagem deAveyrorr),
diagnosticado por Pinel como radicalmente incapaz de aprendizagerx,
"indivíduo desprovido de recursos intelectuais por deficiência mentnl
cssencial e não fruto das privações pelo modo de vida", como os demais
idiotas que conhece noAsilo de Bicêtre ltard,partidário da idéia dc qtrtr
o homem não nasce como homem, mas é COnstruído como homctìt,
assume sua educação sistemática e individualizada. ltard preferia acrcrli-
tar nas ideias de Rousseau - a teoria do bom selvagem, Condillac íl
tcoria da estátua ou Locke - a teoria da tábula rasa.Victor aprendctr
hábitos, afalar,rudimentos de escrita e resPosta a testes de inteligência,
tt'acando-se, conforme diagnóstico, de um retardado mental profirttdo
(incapaz de discriminações mesmo grosseiras entre odores, ruídos c
irrragens, incapaz de articular qualquer som vocal humano e fixar stta
.rtcrìção em um dado objeto ou evento).
Para Pinel, tratava-se de uma doença "até o Presente incurável,
Irrcapacitante de qualquer sociabilidade ou instrução" , sendo recomclì-
rl;ivcl, unicamente, a sua intemação no Asilo de Bicêtre como os demais
rrliotas (Pessoti, op. cit., p. 39).
Todas as crianças com diagnostico de DM tinham como indicaçã<>
os ltospícios, onde eram abandonadas e completamente isoladas de opot-
turrirladcs dc cnsino c cducação.
O extrne, dtaprosf ico c prognóstico, formttlados pelo psiqr riatr:r fora rt t
22 Educação & Exclusão
desacreditadosporltard.ParaltardadescriçãoprecisadePinelnãobastou
p"|^u-a".iair; Para ele era necessário acompanhá-la 
de uma avaliação da
gÀn"r" do quadro descrito;o conhecimento dos eventos determinantes 
do
ãeficit é imprescindível"para decidir sobre a incurabilidade 
ou curabilidade
do idiotismo do selvagem" (Pessoti, op'cit'' P'40)'
EmlS00,aDMcomeçaasersugeridaaocampoproÍìssionaldame-
dicina moral (antecedente da psiquiatria e da psicologia 
clínica)' como um
p-Ut"tu, passível de tratamento medianteintervenção comportamental'
arranjo de condições ambientais ótimas Para a ocorrência 
de comporta-
mentos desejáveis, e para a cessação de atividades 
não desejadas'A ProPos-
ta técnica chamada ortopedia mental ou ortofrenia, equivaleria, 
hoie, à ree-
ducação. Entendida como patologia cerebral desde Paracelsus 
e Cardano, a
DM seria terrirorio médico e nãó pedagogico;arém de problema 
orgânico,
não havia a mínima trajetoria de uma educação especial 
fora das proposi-
ções médicas no camPo neuro-sensorial 
ou moral'
Toda sorte, conta-nos Pessoti' Passa a Pessoa com DM 
das mãos
do inquisidor às mãos do médico' De igual monta é o salto 
do conhe-
cimentohumano,poisqueateoriadadeficiênciamentalcomeçaaser
buscada nos tratados de patologia cerebral deWillis e 
Pinel (Medicina
Moral) e não mais no 
'Diretoiium dos inquisidores ou no A4olleus
ftlaleficorum' Seus determinantes deixam de ser os 
demônios' miasmas
e sortilégios e sim disfunções ou displasias corticais (ainda 
que Por
inferência ou em hiPotese)'
Pessotivainoscontarqueagrandeviradadainformaçãoemdefi-
ciênciamentalocorrequando,"u,d"t"'*inantessãoprocuradostam-
bémnahistóriadeexperiênciasdaPessoacomdeficiência.Masaquia
historia se bifurca. De um lado, o organicismo deWillis 
e Pinel, seguido
por Esquirol e outros, que marcam o fim do dogma na teoria 
da DM'
masacapturampelapsiquiatrizaçâoe'deoutrolado'aeducaçãoespeci-
al, iniciada por ltard, que derivou menos de Pinel (mestre 
de ltard) para
estabelecervizinhançaíntimacomasformulaçõesdeeducadorescomo
John Locl<e, Condillac e Rousseau'
PrevalescendoaherançadePineleEsquirol'hegemônicas'aofinal
do século XVlll, ", 
p",,ou' cám DM são denominadas de cretinos' idiotas
ou imbecis, arurunio a marca do irreversível, incurável e 
inapelável'Troca-
sedadanaçãodivinaàcondenaçãomédica'lnicia-seateoriaeugenista
(teoria que prega a degenerescência na hereditariedade 
familiar e social)'
No Tratado do Éocio e do Cretinismo' de l' F' Fodere' publicado
crn lTgl,cmTtrrim,a medicina cicntífica defende o fatalismo 
hercditário
( :tt'lor Skli'rr (( )r 1i ) 2l
daDM,documentodeestudoinevitável(enefasto)porqualqueralienisca'
neurologista,médicomoral'ortofrenistaoufreniatra'Todasasdeficiên-
cias mentai, ,ao grul"lã"t a" um quadro de degenerescência 
familiar c
de transmissão genética'
NoTratadodaMania,dePinel,dels0l(TratadoMédicoFilosofico
sobre aAlienação Mental,de PhiIippe Pinel)'a 
DM aparece t:t"i-1ï'T""1ï
emrelaçãoàdemênciasobaformademaniaeéapresentadacomoumtlpo
deinsanidade,masconsagraaDMcomopatologiacerebral,doençainevitá-
vel,herdadaequestãode"n"uropatologia,cujaúnicadestinaçáoéoleprosário
hospício asilo.
NoiníciodoséculoXlX,Esquirolclassificaoloucocomoaquelc
que conseru" rina" " ferfeição 
do.Àumano'enquanto a Pessoa com DM
tem uma organização primitiva'A loucura é uma 
doença com perda ott
prejuízo da razáo,a DM é um estado onde a razáo 
nunca se manifestotl
ou manifestará.
A DM segue estudada pela medicina e tratada como 
orgânica e
medìcalizável e, paralelamente' pela pedagogia' 
ainda que Por muitos
médicos, estudiosos das didáticas' A teoria 
da DM começará a ser aba-
ladaapenasnoséculoXXgraçasaosProgressosdapsicologia'biologia'
genetica e às ousadas iniciativas pedagógicas'
Edouard S"guin (1846), médico' àstudioso 
de didática' denuncia' sc-
gundo pessoti, a hegemània áoutrinária da medicina 
sobre a DM que mãl'c:1
todos os diferentes comPortamentos com 
uma mesma matriz'não proctt-
rando relações ."ur"ì, e uma rcoria do desenvolvimento.o 
modelo módico
eunitiírio,fatalistaeasilar-segregadoçnegaaeducabilidadedascriançascolÌì
DM por patologia ao o'gunìttì'o bioloico' Í ttt-"I:lïséculo 
XX qtrc
cste fatalismo termina, diorrendo dos estudos e proposições 
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Montessori'
Até as primeiras décadas do século XX'a produção 
científica mris
clcstacada",nDl'l,"riaadeEsquirol(1777_1840),medicobrilhantettn
clínica e na ortofrenia, auto' á" ton"lta obrigatória 
para médicos c
1>cclagogos. Para ele os idiotas 
são o que virão a ser durante toda a vi<la
C.r,t'ã Ésquirol, coloca (op' cit'' p' 88):
NoTratadodaMania,dePinel'del80l(TratadoMedicoFilosoÍìr:<r
sobreaAlienuçaot',tuntut,dePhilippePinel),aDMaparecesecutrdariattttlttttl
cmrelaçãoàdemênciasobaíormademaniaeéapresentadacornottrtttill<l
dc irrsarridacic, rnas consagra a DM como parologia 
cerebml, docnça irrcvitii
vcl,6<rrrhcla ;:i,,;" d"ì',",,,',rp.tolog,ia,ctria írrrica rlcstirtação 
c o lc1:r'.si'itr
llrlsl rici< l-a:;ilrl'
74 Edrrc;rção & Excltrsão
No início do século XlX, Esquirol classiíìca o louco como aquele que
conserva ainda a perfeição do humano, enguanto a pessoa com DM tem uma
organização primitiva. A loucura é uma doença com perda ou prejuízo da
razÁo,a DM é um estado onde a razão nunca se manifestou ou manifestará.
A DM segue estudada pela medicina e tratada como orgânica e
medicalizável e, paralelamente, pela pedagogia, ainda que por muitos
médicos, estudiosos das didáticas. A teoria da DM começará a ser
abalada apenas no século XX graças aos progressos da psicologia, bio-
logia, genética e às ousadas iniciativas pedagógicas.
Edouard Seguin (1846), médico, estudioso de didática, denuncia, se-
gundo Pessoti, a hegemonia doutrinária da medicina sobre a DM que marca
todos os diferentes comportamentos com uma mesma matriz,não procu-
rando relações causais e uma teoria do desenvolvimento. O modelo médico
e unifário,fatalista e asilar-segregador nega a educabilidade das crianças com
DM por patologia do organismo biológico. É somente no século XX que
este fatalismo termina, decorrendo dos estudos e proposições de Seguin e
também de outro médico, a médica italiana Maria Montessori.
Até as primeiras décadas do século XX,a produção científica mais
destacada em DM seria a de Esquirol (1772 - 1840), médico brilhante na
clínica e na ortofrenia, autor de consulta obrigatória para médicos e
pedagogos. Para ele os idiotas são o que virão a ser durante toda a vida.
Como Esquirol coloca (op. cit., p.88):
ficam então diagnosticáveis diferencialmente a confusão mental passa-
geira e de incidência mais ou menos geral, a loucura caracterizada como
perda irreversível da razão e suas funções, e a idiotia definida como
ausência de desenvolvimento intelectual desde a infância e devída a
carências infantis ou condições pré-natais ou perinatais.
Para Esquirol não se trata de doença, mas a privação das faculda-
des intelectuais e a falta de desenvolvimento para adquirir a educação
comum. Se não é doença, começa a esvanescer a hegemonia médica e
entra em questão a relação desenvolvimento - educação; então, rendi-
mento educacional passa a ser critério de avaliação.
Belhome (1838), discípulo de Esquirol, tem a mesma matriz de
produção teórica, e Pessoti destaca que foi dele a proposição de que
as funções intelectuais talvez não tenham se desenvolvido o bastante
para que o idiota houvesse adquirido conhecimentos e classificava a
deficiência mental com a categorização educável em casos leves, caso
dos imbecis.
C;rrlos Skllrr' (Org ) 25
Guggenbuh, médico, em 1846, Provocoll polêmicas, estimulou n
criação de instituições e, sobretudo, abalou o Preconceito quanCo à
irrecuperabilidade da pessoa com deficiência dita severa ou profunda,
alem de estimular discussões sobre a metodologia de ensino Para as
pessoas com deficiência.
A obstinação de seguin, estudioso de ltard, levou-o a desenvolver e
irnplantar a educação especial dentro de Bicêtre, lançando as bases da
compreensão psicogenética da aprendizagem na DM.Ïêrmina por desen'
volver uma fúria antimédica. É qre a hegemonia doutrinária, apanágio da
rnedicina tradicional, é avessa a evidências ou argumentos procedentes dc
origens outras que não a anátomo-patologia, a semiologia neurológica ott
a autoridade clínica.
os pioneiros da medicina moral formam uma dissidência que, pro'
rnissora às pessoas com DM, de um lado, é ameaçadora de outro-A medi-
cina oficial é indisfarçavelmente normalizadora edisciplinadora.Após as iá
tìumerosas escolas especiais, segundo os métodos de Seguin e educado-
rcs como Pestalozzi, Froebel, Comenius, Montaigne, a Comissão de Pie-
rnonte (Novos Estudos Epidemiologicos do Cretinismo, de 1848) vern
repetir o fatalismo hereditarista.A Comissão Francesa,26 anos depois
(1864), faz cair os argumentos da Comissão de Piemonte Por impcrÍcia
rnetodologica, mas retoma à teoria unitária da DM. Em 1857 emerge, com
Morel, a teoria eugenista, o Tratado das Degenerescências'
ATèoria da Degenerescência é tão abrangente quanto vaga e stl;ì
clifusão tão ampla nos ambientes médicos se deve principalmente n
trôs condições:a autoridade de Morel, o conteúdo alarmista e eugenistn
que carrega e a plasticidade com que se aiusta às mais díspares categÕ-
r-ias de fatos. O conceito de degenerescência e degradação vem nor-
rnalizar a sociedade com a sanção médica, uma medicina das reaçóes
patologicas em que a degenerescência é a processualidade da degrada-
ção da natureza; perda da perfeiçáo. Para a Teoria Moreliana dn
Degenerescência, o cretinismo é o caso tíPico (representante exem-
ptai;.n severidade da DM (a idiotia) é o último degrau da degradação
irrtelectual. As teorias eugenistas produziram cultura, seu regime de
vcrdade ganhou o senso comum e ressonância ante o doente, o defor-
rnado e toda a sorte de pessoas com deficiência, principalmente aquc-
las com DM, de absoluta reieição, como medo, segregação e asco. Estc
cstatuto de verdade, acima de tudo, catastrófico às pessoas com DM,
as convertia em portadoras do princípio degradador.A DM regridc ao
escatuto dc amcaça à segurança pública e à saúdc- das famílias c Povo-
,t
26 Educação & Exclusão
ações, "não porque alguém Pudesse ser individualmente contagiado,
mas o sangue, a genealogia, a raça ficavam exPostas ao contágio fatal"
(Pessoti, op. cit., p. la5).
Em lugar do conhecimento,
o comportamento normalizador
As teorias de Morel contribuíram menos ao conhecimento, onde
vingavam como a própria pseudociência, que ao comPoftamento, especial-
r"-n," pelo tom alarmista travestido de teoria médica.As Pessoas com DM
seriam as últimas rePresentantes das famílias em vias de degenerescência
(degenerescência total) após uma genealogia familiar de epilepsia, ócio, alco-
olismo, delinqüência, furto etc.A Pessoa com DM encarna o princípio de-
gradador (um repulsivo papel social).As teorias de Morel e seguidores vie-
ram sustentar o conceito de degenerescência da raça.A prevenção ganhava
o estatuto de preservação racial e produzia a rejeição e hostilidade à raça
degenerescente. (Ressalte-se que a teoria da degenerescência racial iuntava
crãtinismo e idiotia como unidade etiológica e desprezava qualquer viés
epidemiológico ao tabular os dados regionalizados de recenseamento)'
Havendo raças que são mais degradadas do que outras, então "não é
de estranhar que surja uma classiíìcação étnica dos idiotas dois anos aPos o
levantamento da Comissão Francesa", coloca Pessoti (op. cit., p.147) para
introduzir a obra de Langdon Down (Londres, 1866) que descreveu a
síndrome de Down, designada por ele de mongolismo, explicando a
retrogressão racial, uma regressão à raça mongolica (mais primitiva) respal-
dada na formação palpebral, onde há um encurtamento da pele. (O encurta-
mento da pele, na formação palpebral da pessoa com a síndrome descrita
por Down, representaria uma imagem mongólica e não uma imagem egíp-
cia, assíria ou maia, por exemplo, entre os Povos com olhos com formato
amendoado,pois estes últimos possuíam maior evolução sociocultural)' Down
serviu ao estudo da DM Por aPresentar um tipo novo de DM que mais tarde
permitiu superar aÏêoria Unitária da DM. De resto,descreveu uma síndrome
já reconhecida e reportada por Seguin em I 864, reproduziu a tese do inatismo
e não acrescentou novidade ao entendimento etiologico;tampouco aiudou
a esclarecer a relação entre a doença herdada e a DM'
Entre os primeiros estudos de hereditariedade, estava o estudo da famí-
lia Horn. O estudo indicou um Serme doentio, transmitido de pais para filhos,
responsável por aspectos morais, pessoais, infecciosos c acidcntcs obstctri-
cos, quc provavarn a lrcrança da icliotia. Dtrgdalc dcsct'cvctl sctc gcr-açõcs cla
Carlos Skliar (Org.) 27
famíliaJuke para provar a dotação hereditária da DM e seus correlatos sociais:
crime, pobreza e prostituição, tornando a DM um Perigo genético e ameaçì
social.Assim, a reclusão e a esterilização apresentam-se como soluções acci-
cáveis e prudentes, como ressalta Pessoti (op. cit., P.14|.
A gênese do conceito de DM, com sua origem produtiva de den-
tro do saber médico e da prática médica, se fundava em fatalidades genó-
ticas, congênitas ou neonatais.A DM é, necessariamente, uma resPostil
orgânica, portanto, necessariamente, Pertencente à nosografia medica.
Enquanto transmitida hereditariamente, escaPa ao camPo da cura, c ;t
reclusão, eliminação física ou evitamento da reprodução e proibição do
casamento entre degenerados, são as saídas médico-sociais. Atravessa-
da pelas teorias eugenistas, demonológicas e organicistas, a oligofrctti;t
não é passível, senão minimamente, de intervenção Pedagogica: dcsdt'
que aplicados em estabelecimentos especiais, os recursos higiênico-sa-
nitários e pedagogicos podem transformar "um bruto inconvenictttc,
perigoso, inútil e perturbador em um sujeito decente, inofensivo e capa/
de prestar à sociedade alguns serviços em troca dos cuidados e da pt'o-
teção que recebe dela" (texto colhido por Pessoti,p.l64, dos Diciorrá-
rios Enciclopédicos de Ciências Médicas da autoria de Olambard, 1889).
As classificações da oligofrenia e as alternativas ProPostas vat'i;t-
vam dos matizes metafísicos ou religiosos aos de responsabilidade rnot'nl
c aos de proteção à ordem social. Assim, chegamos em I 889 colÌì ,r
rndicação do asilo-leprosário aos cretinos (reclusão definitiva e tot;rl-
rÌìente tutelada), a indicação do asilo-escola aos idiotas ( onde aPrcrì-
rlc-.ssem a trabalhar para retribuir a alimentação e instrução reccbiclas,
rr:trocedendo a inculpaçáo da Pessoa com deficiência) e a prisão dotni-
riliar aos imbecis.Aos imbecis indicava-se a Prisão domiciliar Porqlrc
(.stcs, inegavelmente caPazes de aprendizagens e rápido desenvolvi-
rÌìcnto, e pessoas cujo confinamento é mais difícil de impor, precisavnrrr
.l;r vigilância permanente Para que o seu senso moral rudimentar c stln
ír'rca razão não os transformassem de mansos e inofensivos em pct'i-
.,'()sos, desacatadores e promíscuos (Pessoti, op. cit., p. 165).
A medicina do início do século XX resolvera a Presct'ição rlos
,lrvcrsos tratamentos da DM conforme a gravidade de cada qttarlt'o:
,,rnfinamcrìto ou educação especial, com estes nomes. As pcssoes cottt
,lr.íir iôtrcia dc tipo vcget;ìtiva ou scvcra, o confinamento c rcclttsão tto.'
lro.,1rícios;is dcrnais, trnt cducação cspcci;rl Pal';ì Protcgct- :t socitrrhrlt' r'
r,,rlrrzir' ()s cust()s rla rnnnrrtcrrção pírblic;r orr f;rrttilinr rlo olip,ofr'ôtrico.
A grosiçío rll Jrsicoloyli;r nc> cr.nririo lri',(tiric'r>-cicttÍífico <l;r DM 1i,r
28 [:tltrclçIo & Fxclrrsilo
nha expressão com o diagnostico psicologico proposto porAlfred Binnet.
As considerações etiologicas são menos importantes, como prova sua
contribuição psicométrica, e sua influência teórica implica uma definição
psicologica da DM que escapa do fatalismo anátomo-patológico ou
físiopatologico. Binnet, no mínimo, contribuiu para romper com a deter-
minação causal necessária entre lesão orgânica e DM, demovendo a lo-
gica de que há uma normalidade orgânica e de que qualquer desvio é
aberração.A medida de inteligência instituída pelo diagnóstico psicologi-
co de Binnet quantifica graus de desempenho em relação à média das
crianças de mesma idade, em sua significação pedagogica. O Ql, entre-
tanto, mede graus operativos de execução de função e não a potência
para operar funções, sendo útil para classificações e diagnósticos, mas
não para proposições e desaÍìos. Com Binnet,.a DM deixa de ser propri-
edadeda medicina e toma-se atribuição da psicologia como questão
teórica, o que significa tirar a DM dos asilos e hospícios e dar passagem
à escola, especial ou comum.
Em 1898, Maria Montessori vai propor a educação moral como
abordagem da DM, visto tratar-se, segundo ela, de um problema muito
mais pedagógico que médico.A cura pedagógica da medicina moral, pro-
posta pela ditadura médica, é substituída pela educação moral que não
se confunde com a prescrição da educação especial dos médicos
ortofrenistas. A diferença entre educação moral e tratamento moral
estava no fato de que o método não se limitaria à eficácia didática, mas
ao alcance da pessoa do educando, seus valores, sua autoafirmação, seus
níveis de aspiração, sua auto-estima e sua autoconsciência, segundo
Montessori (Pessoti, op. cit., p.l8l).
Paradoxalmente, se no século XX floresciam Le Case Dei BombrnÌ,
montessorianas, ressurgia com força o terror contra as pessoas com
DM, uma verdadeira propaganda alarmista. Propagam-se concepções que
beiram o retorno à fogueira: PessoticitaTredgold (1909), Femal (1912),
Goddard ( I 9 I 4), Hollingworth (l 920),Tredgold (1922), Pintner ( I 933)
e Catell (1936). Esse retrocesso nas teorias se expressa com proposi-
ções como a educação especial para prevenir a periculosidade das pes-
soas com DM e reduzir a sua inutilidade para a comunidade (elas devem
produzir alguma coisa, enquanto são mantidas sob vigilância, para com-
pcrlsar os custos a que obrigam a sociedade);a segregação da comunida-
de, sob qualquer forma, e prudente, porque assim se reduzem as proba-
bilidades de procriação de novos oligofrênicos (e particularmente ne-
ccssário separar as mulheres quando estiverem em idade de procriar) e
(';rr lo.. Skli.rr (()r 1' ) 29
r cstcrilização ó um cJos rncios clc cvitar maior incrcmcnto rra rrataliilarkt
rlc oligofrênicos. Pessoti (op. cit., p. 189) nos chama a arenção dc qrrc ó
prcciso convir que, na terceira decada deste seculo, estas afirmações jí
rrão podem ser desculpadas pela inexistência de pesquisas e divulgação
crn áreas como genética, embriologia, microbiologia e endocrinologia.
Errtão, aquilo em que podemos pensar é, novamente, no ardil do conhc-
cirnento, no furor disciplinar da sociedade, via comportamento.
No correr dos anos 30, esse conhecimento se desdobra em açõcs
políticas, demográficas e de planejamento público, enfrentando não os
lrroblemas das pessoas com deficiência ou a melhoria na sua qualidade dc
virla e saúde, mas os problemas que as pessoas com deficiência represen-
t;ìvam para a ordem e para a saúde públicas. Em I 936, mais de 20 estados
rrortcamericanos dispunham de legislação permissiva da esterilização de
rrliotas, imbecis e violadores, consolidando e ampliando a legislação dcr
r:rr'ácer eugenista como proteção contra a ameaça de degradação social,
rnoral e sanitária representada pelo convívio com seres mentalmente de-
ll< itár'ios e organicamente irrecuperáveis.
Há publicações da época que sugerem a esterilização obrigator-i;r
r.rÌì rìome da defesa eugênica da raça, para evitar, quanto possívcl, o
rr,rscimento de débeis mentais, como a esterilização compulsoria qrre
, 
'c 
oil'iA em alguns estados americanos com os criminosos habituais, bô-
lr,rrlos e alienados.
Bem, e claro que as teorias eugenistas e fatalistas raciais orr
1'r.ncalogicas caíram deÍìnitivamente com os avanços da ciência em bio-
r;rrírrrica, genética, clínica médica, obstetrícia, psicologia do desenvolvi-
nr('rìto, puericultura, etc. O psicodiagnóstico da DM invalidou sua corì-
( ('l)Ção unitária apontando diferenças qualitativas,graus e áreas de corn-
yrrorrrctimento, níveis de recuperabilidade e intervenção, proposições dc
t,,,lirrrrrlação precoce e reabilitação. Novas entidades clínicas foram cles-
( rrt:ìs c programas terapêutÌcos instituídos nas áreas de audiologia,
l,rri;rr'ia, neurologia e psiquiatria iníantil, que em diversos momentos
,rl:r u[);ìr'am condições ou respostas fisiológicas como DM. Foram desco-
lrr.r t;rs possibilidades de prevenção da DM, aconselhamento genetico c
rlrt.r;rs ;rpropriadas à recuperação de distúrbios metabolicos.A pedago-
1ii,r rlcscrrvolveu teorias educacionais capazes de operar com o descnvol-
vuìì('rìro d:r irrteligência e inúmeras tecnicas especiais de educação. A
.r',',r,,tirrrcia social, a tcrapia ocupacional, a fisioterapia e a cclucação físic;t
vr(,r,!rÌì :rrnpliar a convivôncia com as pcssoas corn DM proporrdo tccrri
' ,r,,, ('vctìfos, lnovirncrrtos rlc soliclaricrladc e colìgraçatÌìcnto.
30 [-rlrrrlç,io & [ xt lrtricr
os progressos em neuropsicorogia substituem os roturos quarita-
civos (idiota, imbecil, débil) ou quantitarivos (el 0-20,20-50, 50-75, por
cxemplo) e a psicopedagogia propõe critérios de avaliação e classifica-
ção baseados em desempenhos observados nas diversas situações. Mais
recentemente, a psicanálise vem contribuindo à produção de relações
familiares e sociais capazes de quarificar a deíìciência no campo das di-
versidades humanas, propondo um sistema de estimulação de bebês e
produção de vínculos de saúde nas relações familiares e sociais.
Esses avanços desarmaram os argumentos demográÍìcos e seu apero
eugenista de eliminação, esterilização e reclusão das pessoas com DM,
mas não foram suficientes para a libertação da deficiência de sua marca
metafísíca de maldição ou castigo do céu, nem do fatalismo clínico da
hereditariedade inevitável, nem da segregação para a educação especial,
além de essas pessoas, do ponto de vista sensorial e motivacional, serem
tratadas como se todas fossem iguais e imutáveis. Não há oferta de
emprego, não há captação das competências dessa mão-de-obra pelo
mercado de trabalho, não há trânsito social nas instituições básicas da
cidadania como saúde e educação. Ainda se pensa que a formação de
professores deva ser específica (especiarizada) em pedagogia especiar e
gue estes professores devam ser remunerados com gratificação especial
por sua ocupação com pessoas que apresentam deficiências.
A DM carrega marcas de segregação e recrusão muito fortes e uma
idéia de pcr"igo imprevisÍvel.Toda a sanha eugenista das primeiras décadas
do século XX se baseava no pensamento médico sobre as pessoas com
deÍìciência cln cstados menos graves.A idéia mestra do pensamento neste
período e a clc q.e o imbecil é,antes de tudo,um perigo público.o cretino
será internackr, o idiota será adestrado para o trabalho. o imbecil deverá
guardar prisão rlçrrniciliar.A concepção que atravessa o século XX é a de
que algumas cli;rrrças com DM sejam educáveis, mas, mesmo inofensivas são
perigosas, corrvt"rn vigiá-las continuamente. A educação possivel deve ser
realizada em t.st ;rbclcc imencos especiais, transformando esses ind ivíduos
inúteis e peripp',.s cm homens dignos de alguma liberdade e capazes de
l)restar algurrr ',r'r viços.Ao longo deste século, tanto a medicina, quanto
,r pedagogia t',r;r.'it,logia encontram na DM o dilema de suas propostas
rlc cura: a rrr.rlir irrl não sabe como tratar os débeis mentais não
, r>nfináveis, ;r 1r.rl,r1'ogia não sabe como estender-lhes seu sistema de
,'rrsino vigcrrrr',.r l,',irr>logia não sabe como medir as diferenças de capa_
, rrlade meÍìf;rl ('rrrr(.os normais e os débeis mentais para adaptar recur_
',rs. umâ plt'rrrrrrrlr. rlc síndromes se reagrupa na DM, enquanto sintoma
C:rrlos Sl<|rr (Org.) 3 I
comum, e as pessoas com deficiência estão excluídas liminarmente da
didática e da psicologia normais, quer por serem problemas médicos,
quer por não haver recursos metodológicos para investigar-lhes as capa-
cidades mentais ou ensinar-lhes o repertório escolar. Os rótulos qualita-
tivos: severo, treinável, educável, ou os rótulos quantitativos do Ql (5 I a
70 - leve, 36 a 50 - moderad o,20 a 35 - grave, menor que 20 - profun-
do,70 a 85 - borderline) servem para decretar o futuro e as oportunida-
des das pessoas com deficiência. Mesmo que Pestalozzi, Montessori e
Decroly tenham criado sistemas pedagógicos eficazes para a infância em
geral com base em seus métodos na educação de crianças intelectual-mente defìcitárias e so depois os terem estendido aos educandos nor-
mais, parece ter caído em total descrédito essa possibilidade.
Persiste a convicção da inferioridade das capacidades das crianças
deficientes e de que as técnicas didáticas eficazes com "normais" são as
que devem ser adaptadas às crianças com deÍìciência. Persiste a convicção
da inferioridade das capacidades, da potência de mutações e das contribui-
ções da pessoa com DM em qualquer circunstância da vida em sociedade
e justifica-se, resguardando a sociedade de aprender, mudar ou capacitar-
se também com estas pessoas.
Ritinha: cárcere e segregação
A prisão de Ritinha, por 35 anos, choca porque se trata de uma
mulher absolutamente inofensiva do ponto de vista criminal. Seu se-
qüestro ao convívio na pequena cidade interiorana no final da década de
50 por desacato a uma autoridade moral (o gerente do banco estatal), a
repetição na ingesta de álcool, um quantitativo de inteligência na faixa
provável 20 a 35 - retardo mental grave, remontam em seu destino o
destino funesto das pessoas com DM na história mundial.
A ação prisional seguiu-se de sanção normalizadora mais asséptica, a
proteção da sociedade com medidas do modo médico, ou seja:a segregação
de Ritinha. Degenerada mental, portadora de atos imprevisíveis ou
oligofrênica, a quem não era mais possível abandonar, porque abandonada já
era, a quem o coníÌnamento com ensinamento de trabalho não se justiÍìcava
porque já tinha uma ocupação produtiva e produzia seu próprio sustento,
restava-lhe a reclusão (um cárcere às suas atitudes) ou o hospício a que
sempre estiveram destinadas as pessoas com DM juntamente com os lou-
cos, desde que, por motivos salvíficos ou humanirários, não puderam mais
scr queimadas ou eliminadas pelo suplício. Para Ritinha, a solução ímpar,
32 Educnção & Excltrsio
seqüestrando o perigo encarnado Por ela,foi o manicômio judiciário.
A sociedade taquarense foi seqüestrada de Ritinha e esta foi inclu-
ída num sistema normalizador esPecífico,fixada num esPaço bem defini-
do, bem delimitado, suficientemente individualizador e classificador Para
determinar a segregação de sua singularidade ou a exclusão da alteridade
com sua singularidade e a eliminação de seu contágio (anúncios, denún-
cias, evocações) na cultura e na sociedade.
Examinada anualmente e renovada semPre a sua reclusão, Ritinha
foi sendo sempre julgada, classificada e enclausurada.A sua singularidade,
desconsiderada ao longo de sua vida, foi radicalmente encarcerada desde
o momento em que os disPositivos iurídico-morais foram acionados para
sancionar sua normalidade ou anormalidade. Ligada a um aParelho de cor'
reção, o manicômio judiciário, Ritinha lá permaneceu refém do abuso con-
tra sua liberdade, escancarando, agora, o abuso da sociedade contra sua
singularidade (um modo de ser diverso do hegemônico) e sua Potência
singularizadora (resultado de alteridade). Com resPaldo médico
(manicomial) e jurídico (prisional), a tecnologia Política inocenta a socie-
dade e pune Ritinha. Ritinha estará na Prisão e no manicômio, o restante
da sociedade que seia Pacato, saudável, normal e adequado Para as melho-
res relações sociais, que faça jus ao seu Patrimônio intelectual perfeito,
que preserve o ordenamento sociocultural que Permite eXPlicar atitudes,
corrigi-las pelo desenvolvimento da razáo ou modos de explicar as culPãs'
Diz a crença, construída ao longo da história (como a Porção já
resumida aqui), que para sermos uma sociedade faz-se necessário um
conjunto de instituições, regulamentos, leis, postulados médicos, filosófì-
cos, religiosos, etc. (que estatuem disPositivos de seleção entre normais e
anormaL). Ritinha ganhou um diagnóstico médico a pedido do juiz de
direito que a condenou Por desacato à ordem pública. Ela tinha a inteligên-
cia equivalente a uma criança de três a quatro anos, era Perigosa Porquan-
to imprevisível, impredizível e incontrolável, poderia Passar da inofensividade
à tara, ao desmando, à desmedida e, dada ao álcool (uma coisa comple-
mentar e sinérgica à outra), chegar ao crime, à ofensa, às agressões.
o crime de Ritinha é que não sendo a louca a que toda a cidade
assiste vagar pelas ruas, ouve caçoadas e risos, resPonde com imPropérios e
gestos sexualizados, era caPaz de trabalho e sustentâva a si mesma,freqüen-
tâva as casas de família como uma mulher comum da classe PoPular, mas,
organicamente refrat'ária aos ensinamentos e ordenamentos morais, deso-
beáecia e despertava temores e inquietações quanto ao que pudesse dizer
ou fazer, uma vez que sua comPreensão era infantil. Entre ela e seus
Cilrloi Skllar ((Jr8') tr
concidadãos (nós, de um modo geral) estabeleceu-se uma ruPtura discttnsiva,
ou seja, entre as suas atitudes inocentes e a nossa vigilância da ordern. Foi
condenada por sua inocência e destinada ao manicômio iudiciário e a sua
singularidade,aniquilando a diversidade em seu existir,foi condenada à per-
da do destino e do amor ao destino.
Vasconcellos(1993,P.284),PorexemPlo,colocaqueessaruPturiì
discursiva é tão forte entre nós e aqueles com DM Porque se localiza aí uma
diferença radical. Uma diferença ao nível da linguagem, que caracteriza o ser
humano. Não acontece, segundo o autor, uma ruPtura tão intransponÍvel
em relação, por exemplo, aà neurótico e mesmo ao Psicótico - "entre os
quenãosãoeosqueassimsãorotulados,existeumaPassagem'quando
mais não seja, pelo fato de que todos podemos tornãrmo-nos como tais",
Num mundo onde as práticas sociais se baseiam não sobre o encon-
tro das singularidades dos indivíduos, mas sobre a marca de suas diferen-
ças de ideritidades, a ausência de palavras para 
dizer de sua diversidade ó
áecisiva.Vasconcellos alerta, novamente, que a Pessoa com DM constitui-
se num "outro sobre o qual se fala, mas que não fala"' Os discursos na
deficiência mental são espaço de"projeção de interpretações e de ideolo-
gias as mais diferenciadas, ao invés de considerada matriz de significações;
iao ," parte dela, mas chega-se a ela" ("')' Não há u1 discurso desdc a
perspectiva da pessoa com deficiência, "fala-se por ela"'
A possibilidade de vida de Ritinha, uma pessoa com DM encarce-
rada no manicômio iudiciário, é a de uma vida sem sentido'
lnsistir numa normalidade intelectual é negar-se à observação da
rede de construção da subietividade.Anulando-se seu caráter aterrador
e de repúdio, atribuído, justamente, Por sua avaliação generalizadora, as
diferenças entre as Pessoas "normais" e as Pessoas com deficiência 
po-
deriam, bem mais facilmente, Produzir alteridade.A produção de subic-
tividade e a construção da inteligência resultam do encontro e das tra-
mas dos encontros que efetuam credibilidade e Passagem às singularida-
des.A diversidade do ser e existir de Ritinha encontrou a radicalidadc
da diversidade que não encontra alteridade, cumPrindo uma Pena extc-
rior à sua comPreensão e à sua PersPectiva existencial'
Porter 1iflt, p. l6l) retoma Hans Mayer Para dizer que este
enfatizou, mais que ninguém, no livro Outsiders, que a diversidade inspira
ameaça porque confere poder, e aqueles que a sociedade designa como
marginais são muitas vezes mantidos à margem iustamente Porque' no
momento certo, a presença deles será necessária no palco. Porter desta-
ca, dentre os marginais, um certo tiPo de doido, o bobo:
Ztttrlbis irtofctrsivos dc rniolo rnolc, rrorrnais o suíicicntc par.fl co-
murricarem-se, anormais o suíìciente para espantaç ofendendo e dizen_
do o que os outros não podem dizer, esses "bobos" eram capazes de
conseguir aceitação, até mesmo profissão e privilegios, numa sociedade
que dificilmente ouvia os loucos enquanto tais.
A tolice era motivo de platéia e dissorvia no riso a rebelião que
provocava. Pessoti (op. cit., p. 166) também destacava que dos imbecis
inofensivos esperava-se capacidade para algum trabalho e a capacidade até
mesmo de aceitarem caçoadas;muitos deles tinham sido Bobos da corte.
G uhur (l 99 4, p. 7 9), igualmente, assinala que "arguns eram transformados

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