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RECORDAR, REPETIR E ELABORAR

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Prévia do material em texto

O texto “Recordar, repetir e elaborar”, escrito pelo Freud, aborda a técnica, ou seja, qual o modo de 
atender um paciente, o que fazer, o que falar, como o paciente se comporta diante do analista e o que o 
analista descobre ao ouvir o seu discurso (aborda tanto as ações do analista quanto as do analisando). 
A técnica é o uso da Psicanálise, é a sua ação; é a Psicanálise enquanto ferramenta. 
Quando Freud põe o título “Recordar, repetir e elaborar”, ele traz um enigma dentro do próprio título, 
porque oferece uma perspectiva de que quando o paciente está no setting analítico, ele entra em um 
processo de reminiscência, isto é, ele recorda (é o recordar), traz à lembrança, devido à memória. 
Ao chegar na análise, o paciente traz a sua queixa principal; ele chega falando da crise (queixa inicial 
= crise). O analista identifica essa queixa nas entrevistas preliminares, que devem ser, ao menos, mais 
de uma (recomenda-se três), pois em apenas uma é impossível colher todas as informações relevantes. 
Apenas após esse processo que a terapia é iniciada. Após a queixa, o paciente começa a recordar, 
ou seja, traz conteúdos que foram perdidos na memória. 
Freud entendeu que a memória é “amiga íntima” da consciência, do eu. Assim, o eu permite que a 
memória traga à luz da consciência apenas aqueles conteúdos que ele quiser e que ele considera 
que o indivíduo pode suportar – ele impede que venha para a consciência o que está no inconsciente. 
Desse modo, o recordar surge como uma evocação da memória gerenciada pela consciência (o eu); o 
que é inconsciente pode estar infiltrado/escondido – identificamos o que está no inconsciente por meio 
do processo denominado “acting-out”, o qual diz respeito à ação, à atuação/comportamento do sujeito. 
O indivíduo realiza o acting por meio da repetição. Uma cliente pode chegar ao consultório, por 
exemplo, e dizer: “nenhum homem presta, todos me abandonam, não consigo fixar em um 
relacionamento”. A semelhança de todas as suas relações é não ficar com ninguém, provavelmente 
porque existe alguma repetição de comportamento por parte dela que padroniza e oferece aos parceiros, 
inconscientemente, alguma comunicação. 
• O actting (repetição) é identificado pelo analista quando ele nota o padrão de 
comportamento do analisando na análise, por meio da transferência, e nas suas relações. 
Usando o exemplo anterior, por considerar que é abandonada a vida toda, a cliente pode, 
simplesmente, abandonar a análise sem oferecer satisfação ao analista, ou seja, ela repete: faz 
com o analista o que diz que fazem com ela. No fim, ela que abandona, mas projeta isso no outro 
(nos homens, nesse caso). 
• Todo esse processo é inconsciente; o indivíduo não consegue perceber a sua repetição de 
comportamentos. 
O “repetir” é a forma de atuação que o sujeito tem na vida, o que mostra para o analista os lampejos do 
inconsciente. 
Exemplo: uma criança foi abusada quatro vezes por abusadores diferentes. Quando chegou na vida 
adulta, ela não conseguia dizer “não”. As pessoas pegavam dinheiro dela emprestado e não devolviam; 
a sobrecarregavam com muitas atividades, seja no trabalho ou na faculdade, e ela aceitava. Nesse caso, 
o abuso não parou. Sua queixa é: “Eu sofro porque não consigo dizer não; não gosto de magoar as 
pessoas”. Sua repetição é o abuso. Infelizmente, algumas pessoas se colocam na posição de serem 
abusadas (não necessariamente de forma sexual), porque, como foram abusadas algumas vezes, 
estabelece-se um padrão de relacionamento com o mundo – é como se a relação com o mundo 
pudesse acontecer apenas via abuso; as pessoas se colocam nesse lugar, porque foi por meio dele que 
aprenderam a “ser gente”. 
• Vale destacar que isso não é um padrão para todas os indivíduos, visto que todos têm a sua 
subjetividade e individualidade. 
Sobre o enigma do título: as pessoas passam a vida repetindo, mas, quando essa repetição as 
colocam em uma crise, elas procuram a análise. Na análise, elas recordam onde se iniciou o processo 
de repetição e, a partir disso, o analista percebe como ela repete e pergunta: “Você nota essa sua 
repetição de comportamentos? Por que será que isso se repete tanto?”. O elaborar é tentar responder 
o porquê da repetição. Após elaborar, os pacientes entram em crise, pois conseguem responder à 
pergunta: “Qual a tua colaboração no caos da tua vida?”, isto é, entendem que, de alguma forma, eles 
participam do caos que está ocorrendo em suas vidas. Com isso, eles conseguem se desvincular do 
padrão, da repetição. 
• Existem indivíduos que têm a consciência, elaboram e, mesmo assim, não conseguem 
romper com a repetição. Contudo, a diferença é que deixa de ser um processo inconsciente: a 
repetição ocorre, mas eles sabem que estão repetindo. Desse modo, apesar de não haver 
mudança no comportamento, deixam de culpar os outros pelas suas mazelas e entendem que o 
que fazem com eles parte de uma escolha que é deles. Quando isso ocorre, as relações costumam 
ficar até mais fáceis, pois estes indivíduos param de se queixar por tudo. 
• A partir desse momento, existe a atuação, mas também a posição, ou seja, o modo como esses 
indivíduos se organizam e se mostram no mundo – todos os nossos comportamentos 
comunicam coisas ao mundo: o modo como arrumamos o cabelo, como nos vestimos, como 
gesticulamos, como estabelecemos nossas relações amorosas etc. Mostramos, através disso, o 
modo como queremos ser tratados. O interessante é que, mesmo assim, tendemos a nos queixar 
do tratamento que vem do outro. Porém, em análise, assumimos a responsabilidade pela 
maneira como somos tratados; é como diz o ditado popular: “as pessoas só fazem com a gente 
o que a gente permite que elas façam”. Então, se as pessoas nos tratam de um jeito x, é porque 
estamos repetindo algo no nosso sintoma e comunicando (por meio da atuação/repetição) que 
elas podem fazer o que quiserem conosco. 
Assim, ao elaborar, existem duas saídas: romper com o comportamento ou continuar na repetição e 
permitir ser tratado como os outros querem – e, o pior: tendo consciência disso e sem poder culpar 
ninguém. 
Quando o analista observa a repetição do paciente, consequentemente, encontra qual é o sintoma 
dele. O sintoma (nesse contexto, não correlacionado com psicopatologia) é o “chão” onde o sujeito se 
estabelece, se cria, se “faz gente”; está correlacionado com a repetição/atuação. Dessa forma, se o 
terapeuta puxa esse chão de vez, há um desequilíbrio na vida psíquica do indivíduo. Sendo assim, o 
analista não mexe nesse chão, nesse sintoma, mas sim, o próprio analisando, visto que a verdade 
é do paciente, então, ele mexe nela caso deseje – cabe ao analista ter paciência e aguardar o momento 
em que o sujeito vai cair a própria ficha (por insight). 
• Mesmo que ocorra o insight, vale destacar que o indivíduo nunca se livra totalmente do seu 
sintoma, visto que é o chão onde ele se ergueu. Porém, agora ele sabe como administrá-lo. 
No recordar, repetir e elaborar, o paciente aprende a se implicar no próprio problema, isto é, ele 
assume as suas responsabilidades e para de culpar todas as outras pessoas – quando isso ocorre, 
ele sai da poltrona e vai para o divã, um instrumento psicanalítico. 
• Sobre o divã: o analista se põe atrás do analisando, para que ele próprio possa: 1) perguntar e 
responder as suas próprias questões; 2) vivenciar as suas angústias; 3) saber lidar com o 
abandono. Entende-se que o olho de alguém é tudo que o paciente precisa para confirmar aquilo 
que sente – ele pode perguntar, por exemplo: “Eu fui muito rude, né?”, buscando no olho do 
analista a resposta. O analista deve dar de ombros ou devolver a pergunta: “Você acha que foi 
muito rude?”, porém, a sua própria expressão pode responder. Por esse motivo o divã se faz como 
ferramenta importante para a aplicação da Psicanálise: quando o paciente entra em análise, ele 
precisa abandonar o olhar do outro. É uminstrumento, faz parte da técnica. É o lugar de 
reflexão do sujeito. 
*Nem todo paciente está apto para a análise; alguns ficam na poltrona para sempre e nunca vai para o 
divã, ou seja, não entra em análise. O analista deve ter noção disso, pois, dependendo do sujeito, outra 
abordagem se faz mais eficiente. 
No texto “Recordar, repetir e elaborar”, Freud (1914/1980) observa que o paciente repete no 
relacionamento com o analista comportamentos e atitudes característicos de experiências 
iniciais. Ele assinala que “o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu ou reprimiu, mas 
expressa-o pela atuação ou atua-o. Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, 
naturalmente saber o que está repetindo” (p.196). A análise permite com que fantasias e 
pensamentos que nunca foram conscientes também possam ser rememorados, ou seja, cria 
condições para representações simbólicas e compreensões de seus significados. 
Na análise, o paciente desloca para a figura do analista sentimentos, pensamentos e comportamentos 
originalmente experenciados em relação a pessoas significativas de sua infância. A transferência, como 
palco privilegiado onde são encenadas as repetições, promove um ponto de encontro permanente entre 
o passado do indivíduo e o presente, com suas semelhanças e diferenças. 
SOBRE A PACIENTE RAQUEL 
Raquel, aos doze anos, estava apresentando uma série de comportamentos antissociais, como roubos, 
mentiras e falsificações. Além disso, comia com bastante voracidade, especialmente doces e alimentos 
que engordavam. Seus pais queria colocá-la em um colégio interno, por acreditarem que “ela não tinha 
mais jeito”. Apesar disso, buscaram ajuda psicológica para Raquel, o que demonstrava que havia uma 
esperança de reencontro com a filha, embora tênue. 
A relação de Raquel com a mãe era difícil; ela falava da filha com muita aversão. Parecia não “suportá-
la”. O pai era mais afetuoso e próximo da filha, mas também parecia perdido com o estado das coisas. 
A terapeuta considera que havia um ponto bastante importante como pano de fundo inconsciente de 
tamanho desencontro: Raquel era preta, enquanto seus pais e irmã menor eram loiros. A diferença física 
gritante parecia potencializar as diferenças entre ela e os integrantes da família. Os pais procuravam 
reprimir, sem sucesso, a decepção por terem uma filha com uma cor de pele associada intimamente a 
uma situação desprivilegiada e pejorativa. A mãe de Raquel queixou-se com raiva de que a filha “vivia 
no quarto da empregada”, o que evidenciava a ligação associativa que era feita com a cor de pele da 
menina. Inconscientemente, a mãe sentia que Raquel mais parecia filha da empregada do que sua 
própria filha. 
SOBRE A ADOÇÃO E AS DIFERENÇAS FÍSICAS 
O estudo da dinâmica psicológica de famílias adotivas aponta evidências de que grande parte dos pais 
e filhos adotivos quer se parecer fisicamente. Do ponto de vista dos pais, há um anseio de se 
perpetuar por meio de sua descendência biológica. Assim, muitas vezes há dificuldades 
inconscientes em relação à esterilidade do casal ou de um de seus integrantes, e diferenças físicas 
gritantes funcionam como um lembrete constante de que houve um fracasso na função reprodutiva. Do 
ponto de vista da criança, a disparidade na aparência física intensifica suas dúvidas quanto à 
solidez do elo com os pais adotivos. É como se, não sendo parecida com eles, não houvesse garantias 
de que eles a “amariam para sempre”. Além disso, a diferença física também funciona para a criança 
adotada como uma marca inevitável de que houve “uma outra mãe e um outro pai”, perdidos no passado, 
e envoltos em um mistério assustador sobre sua origem. 
Os pais de Raquel decidiram adotar uma criança depois de tentarem por muitos anos ter um filho 
biológico. Para a terapeuta, parecia haver, especialmente por parte da mãe, uma situação de má 
elaboração da impossibilidade de gerar filhos, em decorrência da esterilidade do marido. Raquel foi 
adotada com 1 mês de vida. Até então foi cuidada por pessoas intermediárias. Era um bebê saudável, 
que não dava trabalho. Recebeu muita atenção dos pais, até que adotaram outra menina dois anos 
depois, que ficou muito doente no primeiro ano de vida. Este evento parece que foi um divisor de águas 
para Raquel, que passou a ficar com muitos ciúmes da irmã, loirinha como os pais. 
SOBRE O ABANDONO 
Raquel soube desde pequena que era adotada. Seus pais lhe disseram que sua mãe biológica havia 
morrido no seu parto. Acreditavam que dessa forma estavam protegendo sua filha de sofrimento, de 
fantasias de ser abandonada. Além disso, evitavam com que ela quisesse procurar a família biológica 
quando crescesse. Era uma forma de “colocar uma pedra sobre esta história”. Na realidade, havia um 
medo inconsciente de perdê-la, como se a ligação entre pais e filha não tivesse consistência, por 
não apresentar um elo consanguíneo. 
Há na história de Raquel fatores potencialmente patogênicos no que se refere às condições boas de 
desenvolvimento de uma criança. A paciente sofreu um trauma precoce ao ser separada de sua mãe 
biológica por volta de seu nascimento. Sabe-se que, já no ventre da mãe, a criança tem um registro 
sensorial do cheiro, do andar, da respiração da genitora, e a separação precoce instaura um hiato afetivo 
no momento em que a criança não tem um aparelho psíquico capaz de compreender e processar o que 
se passou. Em seguida, nesta fase tão crucial de vida, a bebê esteve entregue a “pessoas 
intermediárias”, elementos anônimos e passageiros, quando precisava de um cuidado especial e 
profundo do ponto de vista afetivo. Felizmente, encontrou um lar adotivo, e pais que se ocuparam 
dela. Aos dois anos de idade, a perda da atenção dos pais em função da séria doença da irmã 
funcionou como outro trauma, que poderia ser comparado ao que Khan (1977) denominou “trauma 
cumulativo”. 
Raquel demonstrava, por meio dos comportamentos antissociais, a esperança de encontrar condições 
ambientais adequadas às suas necessidades. Como afirma Winnicott (1956/1988b), a privação de 
necessidades essenciais da criança pode se manifestar por comportamentos antissociais como roubo e 
destrutividade. Com seus sintomas, Raquel “amolava” os pais forçando-os a se encarregar de seu 
manejo. Havia nas suas reações a expressão de grande carência afetiva, mas também muita força 
própria, por não se conformar com uma situação de vida que lhe era tão insatisfatória. 
Ela reclamava dos pais, dizendo que eles privilegiavam sua irmã, e estava decidida a ir para um 
colégio interno, porque achava que desta forma não iria mais brigar com a mãe. Parecia que tinha a 
fantasia de que era muito destrutiva em suas relações, e que o colégio seria uma forma de contenção. 
Raquel lançava mão de um processo defensivo: saía, antes de ser mandada embora, como imaginava 
que ocorreria. O medo de ser abandonada novamente estava sempre pairando no ar, e ela apresentava 
um temor de se ligar de forma mais próxima a outras pessoas e sofrer novamente o sentimento 
de desamparo próprio de sua condição inicial de vida. Na análise, ela apresentava muito medo de se 
ligar à analista e se decepcionar novamente. 
COMO A ADOÇÃO ERA ABORDADA NA ANÁLISE 
Ela não gostava de falar sobre adoção. Contudo, mesmo que esse assunto não fosse falado 
verbalmente, passou a ser vivido no setting analítico. Raquel invariavelmente chegava às sessões 
queixando-se de fome, e muitas vezes levava sacos de doces para as sessões, que comprava na padaria 
em frente ao consultório. Começou a pedir para guardar os doces no consultório. A terapeuta percebeu 
que o que de fato lhe fazia falta era um tipo de contato harmônico, que pudesse lhe proporcionar uma 
sensação de saciedade poucas vezes alcançada em sua vida. 
Outro movimento realizado por Raquel era pedir que a analista desenhasse em suas costas para que 
ela pudesse adivinhar, com o objetivode ter certeza de que elas poderiam estar juntas, de que o vínculo 
era real, sem referência visual, mas por um contato de pele. Uma de suas maiores angústias, que 
estava sempre presente nas sessões, era o temor de perder quem ela amava. Além disso, ela 
costumava bater na parede do banheiro, para que a analista batesse na da sala de terapia, o que poderia 
simbolizar a batida de dois corações separados por uma bolsa amniótica simbólica, a parede que estava 
entre elas. Assim como na brincadeira dos toques, Raquel parecia estar buscando a mãe biológica 
perdida, de quem talvez tivesse retido, como uma “lembrança sensorial”, o barulho das batidas do 
coração. 
A analista estava “proibida” por Raquel de falar explicitamente sobre a adoção, mas, quando ela saía do 
banheiro e retornava para a sala, a analista dizia: “puxa, nós estamos nos comunicando por uma outra 
língua, a das batidas… é como se pudéssemos estar tão juntas, quase grudadas, mas também 
separadas por essa nossa parede… sabemos que uma continua existindo para a outra, mesmo que não 
nos vejamos… parece até uma mãe com seu bebê, quando ele está na sua barriga…”. O tema mãe-
filha era tratado dessa forma, sem citar diretamente a história de vida da paciente. 
DESFECHO 
O processo analítico de Raquel possibilitou-lhe uma melhora substancial nos seus sintomas. Seu 
rendimento escolar melhorou, conseguiu fazer uma dieta e emagreceu vários quilos, as brigas com os 
pais diminuíram sensivelmente assim como o medo de dormir sozinha. Nas sessões, tornou-se mais 
competitiva e menos “boazinha”. A cada passo, no entanto, surgia o temor de que a analista não a 
suportasse ou de que algo acontecesse e elas fossem separadas. Nesses momentos, Raquel recorria 
às brincadeiras dos toques e das batidas, como forma de se certificar de que elas continuavam juntas. 
A análise foi posteriormente interrompida de forma abrupta pelos pais, que enalteceram as visíveis 
melhoras da filha, mas alegaram dificuldades financeiras. Sentiam-se extremamente enciumados e 
ameaçados pela ligação que esta última estabeleceu com a analista, como se Raquel tivesse 
reencontrado a mãe biológica que viria retomar a filha. As fantasias de roubo encontraram terreno fértil 
para se desenvolver. Aconteceu afinal o que ela tanto temia: um processo de separação traumático, 
precoce. Repetia-se, na análise, a sua história de vida. 
A analista também sentiu como se a houvessem arrancado dela, como uma mãe que subitamente perde 
o seu bebê, num momento em que este necessita primordialmente dela. 
ANÁLISE DO CASO 
No processo analítico de Raquel foi possível perceber a tendência a repetir na análise os 
sentimentos, afetos e fantasias, referentes às experiências iniciais que não foram bem integradas. 
Ela pôde utilizar o espaço e a presença da analista para trazer à tona aspectos cruciais de seu psiquismo, 
como a grande carência de um objeto materno consistente, sua fixação oral, a magnitude de suas 
angústias de perda e separação das pessoas a quem estava ligada. 
Em certos momentos das sessões, por meio da transferência estabelecida, a analista representava 
para a paciente a mãe biológica perdida, de quem ouvia as batidas concatenadas do coração, ou 
sentia o toque da pele. Em outras ocasiões, a analista fazia o papel de uma mãe adotiva que poderia 
recebê-la com toda a sua continência e carinho. Havia ainda um fantasma que se repetia e era 
identificado com a analista, especialmente ao se aproximar o fim das sessões: a pessoa que a 
abandonaria e a faria sofrer muito. 
Os pontos tratados na análise não se baseavam apenas em fatos vividos ou sentimentos reprimidos. 
Havia as experiências traumáticas, como o abandono da mãe biológica, e as dificuldades com a mãe 
adotiva. Ao lado delas, se encontravam as fantasias e sentimentos de Raquel, entrelaçados com seus 
impulsos e desejos peculiares. 
As brincadeiras de toques e das batidas na parede podiam ser consideradas rememorações de 
experiências passadas, abortadas na sua continuidade, e traumáticas que estavam sendo repetidas na 
situação analítica. 
A análise de Raquel incluiu momentos de muita regressão, que iam ao encontro das observações de 
Winnicott (1954-1955/1988a) que afirma que o indivíduo defende seu self contra o fracasso ambiental 
específico por meio de um congelamento da situação de fracasso. Há uma convicção inconsciente, que 
pode se tornar uma esperança consciente, de que em algum momento surgirá a oportunidade de uma 
experiência que descongelará a situação de fracasso. O indivíduo, por meio da regressão, 
reexperimentará essa experiência, mas agora em um meio ambiente que fará a adaptação adequada. 
Neste caso, a regressão faz parte do processo de cura. 
Quando ocorria a brincadeira dos toques na parede, havia um detalhe importante: era Raquel quem 
imprimia o ritmo e a intensidade deles. Desta forma, ela criava a analista. Era alimentada a ilusão, 
primordial na construção do psiquismo do bebê, de que ela era a responsável pelo aparecimento e 
desaparecimento do objeto, de que a existência e ação dele dependiam dela. É desta forma que o 
indivíduo saudável se apropria do mundo numa fase primitiva da vida e se sente vivo e criativo. 
Raquel necessitava de um espaço que lhe permitisse cada vez mais, pelo tempo necessário, viver a 
experiência de encontrar um objeto que pudesse se adaptar a ela, acompanhando-a no seu ritmo, e na 
sua intensidade. Algo que não havia acontecido de forma satisfatória precisava acontecer. 
 
Na situação analítica é criado um espaço potencial que permite ao sujeito se desenvolver criativamente 
ou restabelecer uma “área de brincadeira” comprometida pelo impacto de uma zona traumática. O 
analista oferece ao analisando o ambiente suficientemente bom, que permite a esse último 
retomar o curso crescente de seu desenvolvimento emocional. Ao lado da recordação do que foi 
reprimido, abre-se espaço para a construção dos aspectos de si mesmo que ficaram como que 
congelados, à espera de um entorno adequado para este processo vital. 
O “recordar, repetir, elaborar e construir” expressa de forma magistral a riqueza da clínica psicanalítica. 
Permite com que o passado, presente e futuro possam ter uma maior integração, ao abrir espaço para a 
restauração do que já foi vivido mas ficou danificado, e para a construção inesgotável dos elementos que 
formam um ser humano mais pleno. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS: 
LEVINZON, Gina Khafif. Recordar, repetir, elaborar e construir: a busca do objeto materno na análise de 
uma menina adotada. Rev. bras. psicanál, São Paulo, v. 44, n. 4, p. 155-164, 2010. Disponível em 
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486641X2010000400014&lng=pt&nrm=i
so>. Acesso em 27 abril 2022. 
Aula da professora Nizanéia Matos – Faculdade da Região Sisaleira (FARESI).

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