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DIRETORIA DA FEBRASGO 2020 / 2023 Marta Franco Finotti Vice-Presidente Região Centro-Oeste Carlos Augusto Pires C. Lino Vice-Presidente Região Nordeste Ricardo de Almeida Quintairos Vice-Presidente Região Norte Marcelo Zugaib Vice-Presidente Região Sudeste Jan Pawel Andrade Pachnicki Vice-Presidente Região Sul Agnaldo Lopes da Silva Filho Presidente Sérgio Podgaec Diretor Administrativo César Eduardo Fernandes Diretor Científico Olímpio B. de Moraes Filho Diretor Financeiro Maria Celeste Osório Wender Diretora de Defesa e Valorização Profissional Imagem de capa e miolo: passion artist/Shutterstock.com COMISSÃO NACIONAL ESPECIALIZADA EM GINECOLOGIA ENDÓCRINA - 2020 / 2023 Presidente Cristina Laguna Benetti Pinto Vice-Presidente Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva Secretário José Maria Soares Júnior Membros Andrea Prestes Nácul Daniela Angerame Yela Gomes Fernando Marcos dos Reis Gabriela Pravatta Rezende Gustavo Arantes Rosa Maciel Gustavo Mafaldo Soares Laura Olinda Rezende Bregieiro Costa Lia Cruz Vaz da Costa Damásio Maria Candida Pinheiro Baracat Rezende Sebastião Freitas de Medeiros Tecia Maria de Oliveira Maranhão Vinicius Medina Lopes 2021 - Edição revista e atualizada | 2018 - Edição anterior Sangramento uterino anormal Descritores Sangramento uterino; Hemorragia uterina; Menstruação; PALM-COEIN CID N92 Como citar? Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Sangramento uterino anormal. São Paulo: FEBRASGO; 2021. (Protocolo FEBRASGO-Ginecologia, n. 28/ Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina). Introdução Sangramento uterino anormal (SUA) é definido como perda mens- trual excessiva, caracterizada por alteração para mais em um dos parâmetros quantidade ou volume, duração ou frequência,(1) com repercussões físicas, emocionais, sociais, materiais e na qualidade de vida das mulheres, que podem ocorrer isoladamente ou em com- binação com outros sintomas.(2) O SUA é a condição responsável por um terço das consultas ginecológicas e dois terços das indicações de histerectomia ao redor do mundo,(3) afeta até 40% das mulheres em alguma fase da vida, além de ser a causa mais comum de anemia fer- ropriva em mulheres durante o período reprodutivo.(3,4) O impacto é negativo na qualidade de vida das mulheres, sendo a vida social e os relacionamentos prejudicados em quase dois terços dos casos.(5,6) * Este protocolo foi elaborado pela Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina e validado pela Diretoria Científica como Documento Oficial da FEBRASGO. Protocolo FEBRASGO de Ginecologia, n. 28. Acesse: https://www.febrasgo.org.br/ Todos os direitos reservados. Publicação da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). 4 Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 https://www.febrasgo.org.br/ O SUA pode ser agudo, definido como um episódio de sangramen- to uterino intenso que necessite de intervenção imediata, ou crônico, nos casos em que alterações no padrão de sangramento menstrual persistem por pelo menos seis meses.(3,7) Os parâmetros de normali- dade do sangramento menstrual estão descritos na tabela 1. Qualquer alteração nessas referências deve ser classificada como SUA.(8) Tabela 1. Parâmetros de normalidade de sangramento uterino segundo a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) Parâmetro avaliado Definições Frequência Ausente: amenorreia Infrequente: > 38 dias Normal: ≥ 24 a ≤ 38 dias Frequente: < 24 dias Duração Normal: ≤ 8 dias Prolongada: > 8 dias Regularidade Normal: variação entre o mais curto e o mais longo dos ciclos ≤ 7 a 9 dias Irregular: variação entre o mais curto e o mais longo dos ciclos ≥ 8 a 10 dias Volume sanguíneo (referido pela mulher) Leve Normal Intenso Fonte: traduzido e adaptado de Munro MG, Critchley HO, Fraser IS; FIGO Menstrual Disorders Committee. The two FIGO systems for normal and abnormal uterine bleeding symptoms and classification of causes of abnormal uterine bleeding in the reproductive years: 2018 revisions. Int J Gynaecol Obstet. 2018;143(3):393–408.(8) Etiologia A nomenclatura atual referente ao sistema de classificação para as causas de SUA divide as possíveis causas em estruturais e não es- truturais. São nove categorias dispostas de acordo com o acrônimo PALM-COEIN: pólipo, adenomiose, leiomioma, malignidade do en- dométrio, coagulopatia, disfunção ovulatória, endometrial, iatrogê- nica e causas não classificadas previamente.(8) Em revisão de 2018, a FIGO reforça o fato de que as três primeiras letras da sigla (P: pólipos, 5 CNE em Ginecologia Endócrina Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 A: adenomiose, L: leiomiomas) podem ser vistas em exames comple- mentares, mas podem não ser a causa do SUA:(8) • Pólipos endometriais: a prevalência dos pólipos endometriais varia de 7,8% a 34% em mulheres com SUA, sendo mais comuns em mulheres na peri e na pós-menopausa.(9) • Adenomiose: sintomatologia variável, destacando-se dor pélvi- ca, fluxo menstrual com duração prolongada na fase folicular ou sangramento de maior volume relacionado, essencialmente, à profundidade do miométrio atingido. Estimativas da prevalência de adenomiose variam amplamente, de 5% a 70%, em parte pela inconsistência do diagnóstico, que pode ser feito pela sintomato- logia clínica associada a exames de imagem, como ultrassonogra- fia (USG) transvaginal e ressonância nuclear magnética (RNM) de pelve.(10) Na ecografia, recomenda-se o uso dos critérios sugeridos para avaliação morfológica sonográfica uterina (morphological uterus sonographic assessment [MUSA]), que avalia não apenas a interrupção da zona juncional, mas também outros achados su- gestivos de adenomiose, como espessamento miometrial assimé- trico, cistos miometriais e zona juncional irregular,(11) o que é ca- paz de aumentar a sensibilidade e a especificidade desse método, tornando-a semelhante à RNM na avaliação dessa condição. • Miomas: os sintomas variam de acordo com a localização. Segundo a FIGO, os miomas são classificados em submucosos, in- tramurais e subserosos e exames de imagem e histeroscopia são ferramentas úteis para melhor classificação.(8) Os submucosos são os mais envolvidos com o SUA, além de também apresentarem mais relação com infertilidade e perdas gestacionais.(8) • Hiperplasias e doenças malignas do endométrio: a malignida- de, embora deva ser lembrada em todas as etapas da vida, tem 6 Sangramento uterino anormal Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 sua incidência aumentada após a menopausa, em especial em mulheres com fatores de risco, com destaque para obesidade, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, história de nuli- paridade, menopausa tardia ou anovulação crônica, em razão de mais exposição estrogênica do tecido endometrial.(8,12) • Coagulopatias: qualquer alteração dos mecanismos de coagulação pode se expressar clinicamente por SUA. Sendo assim, pacientes que apresentem queixa de aumento de volume menstrual desde a me- narca, epistaxe, gengivorragia ou histórico de dificuldades de coagu- lação em situações de traumas ou cirurgias devem ser investigadas para distúrbios de coagulação. A causa mais comum é a doença de von Willebrand, porém também devem ser lembrados hemofilia, disfunções plaquetárias, púrpura trombocitopênica e distúrbios da coagulação associados a doenças como hepatopatias e leucemia.(7) • Disfunções ovulatórias: sangramentos anovulatórios são mais frequentes nos extremos da vida reprodutiva, mas podem ocor- rer em qualquer época. Os distúrbios ovulatórios mais prevalen- tes durante a menacme são a síndrome dos ovários policísticos, a anovulação secundária à obesidade e as de causas centrais, como as de origem hipotalâmica.(8) Sangramentos anormais de- correntes de outras disfunções ovulatórias, como insuficiência do corpo lúteo e encurtamento da fase folicular da pré-meno- pausa, também devem ser considerados.(8) • Distúrbios primários doendométrio: deve-se suspeitar de diagnós- tico de exclusão em ciclos menstruais regulares, sugestivos de ovu- lação normal e sem outra causa definível. Indica uma desordem primária do endométrio, como alterações de hemostasia endome- trial local, secundária à deficiência local de agentes vasoconstrito- res, excessiva ou acelerada lise do trombo endometrial (hiperfibri- 7 CNE em Ginecologia Endócrina Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 nólise) ou aumento de substâncias vasodilatadoras. Pode ainda ser decorrente de resposta inflamatória exacerbada, como na doença inflamatória pélvica.(8) A manifestação mais típica do sangramento uterino anormal de etiologia primária endometrial é o excesso de fluxo menstrual (heavy menstrual bleeding).(8) • Causas iatrogênicas: condição clínica bastante comum e de difícil manuseio terapêutico, decorrente do uso de diferentes tipos de subs- tâncias. Estas podem ser sistemas intrauterinos medicados ou iner- tes e agentes farmacológicos que alteram diretamente o endométrio, interferindo nos mecanismos de coagulação do sangue ou influen- ciando a ovulação. Também anticoncepcionais hormonais estão, com frequência, associados a sangramentos intermenstruais e man- chas (spotting). Outros medicamentos que podem estar envolvidos são anticoagulantes, ácido acetilsalicílico, antiepilépticos, hormônio tireoidiano, antidepressivos (em especial, tricíclicos), fenotiazinas, tamoxifeno e corticosteroides.(8) • Outras condições não previamente classificadas: incluem-se lesões locais ou condições sistêmicas raras que podem causar SUA, como malformações arteriovenosas, da hipertrofia mio- metrial, da istmocele e das alterações müllerianas.(8) Diagnóstico • Avaliação clínica: história clara de sangramento, anamnese minu- ciosa e detalhada do padrão menstrual, uso de medicações, cirur- gias prévias, antecedentes obstétricos e histórico de sangramentos em outros sítios, como gengivorragia e epistaxe, frequentes em coagulopatias. Exames físicos geral, abdominal e pélvico podem identificar e resolver condições como pólipos cervicais e miomas “paridos” durante o atendimento, além de excluir patologias do tra- to genital inferior, que podem causar sinusorragia e sangramento 8 Sangramento uterino anormal Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 intermenstrual.(13) Na prática, o volume de sangramento é difícil de ser mensurado, mas deve-se levar em conta o impacto do sangra- mento sobre a rotina da paciente e, logicamente, sinais e sintomas de repercussões sistêmicas da perda (anemia com ou sem repercus- sões por perda volêmica aguda). • Exames complementares: betagonadotrofina coriônica huma- na (β-hCG) para descartar gestação e hemograma completo. Solicitar avaliação ultrassonográfica para identificar ou descar- tar causas estruturais. Diante das suspeitas de lesões focais, pode-se complementar a in- vestigação com histerossonografia, histeroscopia e biópsia de endomé- trio. A biópsia endometrial pode ser indicada sem evidência de lesão es- trutural e com espessamento de endométrio, especialmente nas obesas e com idade acima de 45 anos, ou na presença de fatores de risco para câncer de endométrio, além dos casos de SUA persistente, com falha te- rapêutica e dúvida diagnóstica. Pode ser realizada ambulatorialmente, utilizando pipelle ou cureta de Novak, ou mediante dilatação e cureta- gem convencional, ou, ainda, guiada por vídeo-histeroscopia.(14) Causas sistêmicas devem ser pesquisadas em situações específicas quando a epidemiologia ou a clínica sugerirem, com investigação inicial através de tempo de sangramento e de coagulação e contagem de plaque- tas, sendo recomendável o seguimento conjunto com hematologista.(15) Na suspeita de distúrbios ovulatórios (irregularidade mens- trual), com ou sem outros sintomas associados, realizar a dosagem de prolactina e exames de função tiroidiana, para o diagnóstico di- ferencial das anovulações. Outras dosagens hormonais apenas se justificam em casos isolados.(13) No SUA agudo, a gravidade do quadro clínico e as condições de atendimento nem sempre permitem que a causa específica do sangra- mento possa ser investigada antes da intervenção inicial (Figura 1). 9 CNE em Ginecologia Endócrina Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 Fi gu ra 1 . F lu xo gr am a pa ra a p ro pe dê ut ic a e o tr at am en to d o SU A. Sa ng ra m en to Ag ud o Es ta bi liz ar pa ci en te Pa ra r sa ng ra m en to Co m co nt ra in di ca çã o a es tr og ên io Se m co nt ra in di ca çã o a es tr og ên io Es tr og ên io + Pr og es ta gê ni o Tr at am en to Ci rú rg ic o Le sã o es tr ut ur al (+ ) Pó lip o Ad en om io se Le io m io m a M al ig na s Pr og es ta gê ni o iso la do Ác id o Tr an ex âm ic o Fa lh a te ra pê ut ic a Sa ng ra m en to Cr ôn ic o Ul tr as so no gr a� a pé lv ic a Le sã o es tr ut ur al (- ) Se m d es ej o de ge st aç ão Es tr og ên io + Pr og es ta gê ni o Falha terapêutica /Fatores de risco Tratamento Cirúrgico Cirurgia e outros tratamentos Pr og es ta gê ni o iso la do Ác id o Tr an ex âm ic o An ál og o do G nR H AI N E SI U- LN G Co m co nt ra in di ca çã o a es tr og ên io Se m co nt ra in di ca çã o a es tr og ên io Se m a no vu la çã o Ác id o Tr an ex âm ic o In du zi r ov ul aç ão AI N E Co m a no vu la çã o Co m d es ej o de ge st aç ão Co ag ul op at ia En do m et ria l O vu la tó ria Ia tr og ên ic a N ão c la ss i� ca da s Av ali ar qu eix a Ex clu ir g es ta çã o Pe rg un ta r: fat or es de ris co e m ed ica çã o e m us o Re pe rc us sõ es h em od in âm ic as : so lic ita r h em og ra m a 10 Sangramento uterino anormal Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 Tratamento Causas estruturais Para SUA estrutural, há uma modalidade terapêutica específica para cada causa. Os pólipos são tratados com polipectomia histeroscó- pica. Os miomas submucosos e os intramurais com componente submucoso geralmente são tratados cirurgicamente, enquanto os demais podem ser submetidos a tratamento farmacológico, que tem como opções os mesmos medicamentos disponíveis para SUA de causa não estrutural. Não havendo resposta ao tratamento clínico, deve-se considerar a abordagem cirúrgica, na qual a via e o tipo de abordagem dependerão do número, da localização, do tamanho do mioma e do desejo futuro de concepção. De acordo com a proporção de componente submucoso ou intramural, define-se a melhor abor- dagem cirúrgica. Nos casos em que a maior parte da lesão encontra- -se intracavitária, a exérese pode ser exclusivamente histeroscópica, enquanto lesões com grande componente intramural devem ser manejadas por laparoscopia ou laparotomia.(16,17) Em miomas muito grandes, pode ser utilizado análogo do hormônio liberador de gona- dotrofina (GnRH) previamente à cirurgia, por cerca de três meses, para redução do volume e recuperação de pacientes com anemia.(18) Após falha de tratamento clínico e impossibilidade de realização de miomectomia, ou quando não há desejo de preservar a fertilidade, a histerectomia poderá ser indicada, por via vaginal, laparoscópica ou laparotômica.(17) Em alguns casos de miomas uterinos em que se deseja preservar a fertilidade e em casos de adenomiose grave, pode ser empre- gada a embolização das artérias uterinas.(19) O manejo da adenomiose também deve ser pautado no desejo reprodutivo da mulher, pois a histe- rectomia é o tratamento definitivo, porém, em muitos casos, a sintoma- tologia pode ser controlada de maneira farmacológica, com as mesmas 11 CNE em Ginecologia Endócrina Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 opções medicamentosas das causas não estruturais, havendo mais pre- ferência pelos regimes contínuos ou estendidos de anticoncepcionais combinados e pelouso de progestagênios isolados. Há destaque para o sistema intrauterino de levonorgestrel, por apresentar mais taxas de amenorreia e menos efeitos colaterais, com evidências demonstrando melhora na perda sanguínea, na dor pélvica e no tamanho uterino.(20,21) Alterações neoplásicas e pré-neoplásicas do endométrio têm grande importância como diagnóstico diferencial, porém apresen- tam conduta particularizada que não será abordada neste texto. Causas não estruturais O tratamento pode ser medicamentoso ou cirúrgico (Figura 1). O tra- tamento medicamentoso do SUA baseia-se na ação dos esteroides se- xuais e de outros mediadores inflamatórios sobre o endométrio, além do controle hemostático do sangramento. As opções disponíveis são tratamento hormonal (estrogênio e progestagênio combinados, pro- gestagênio oral cíclico ou contínuo, progestagênio injetável, sistema intrauterino liberador de levonorgestrel) e tratamento não hormonal (anti-inflamatórios, antifibrinolíticos) (Tabela 2). Os contraceptivos combinados contendo estrogênio e progestagênio reduzem a perda sanguínea menstrual em 35% a 72%, sendo uma opção terapêutica para a maioria das causas de SUA sem alteração estrutural.(22-25) Os progesta- gênios isolados também causam atrofia endometrial por vários meca- nismos e têm ação anti-inflamatória, porém ainda há lacunas no conhe- cimento de como promovem redução do sangramento. Embora possam ser indicados para a maioria das mulheres, seu uso é particularmente relevante para as que apresentam contraindicação ou não toleram o uso de estrogênios. Há diferentes progestagênios utilizados por diferentes vias e doses, sendo seu uso preferencialmente em regime contínuo, por via oral, injetável, subdérmica ou intrauterina. O uso cíclico, por 10 a 12 Sangramento uterino anormal Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 14 dias, está indicado apenas nos casos de SUA associado à disfunção ovulatória. Os principais limitantes ao uso contínuo de progestagênio isolado são sangramentos inesperados decorrentes de instabilidade endometrial. Os progestagênios podem apresentar efeitos colaterais como sangramentos irregulares, mastalgia, cefaleia, edema e acne, que podem limitar seu uso.(26) Não há evidências conclusivas acerca do uso do progestagênio injetável de depósito no SUA, porém há estudos mostrando que pode promover amenorreia em até 24% das mulheres, sugerindo que seja uma boa opção para mulheres com sangramento au- mentado. Frequentemente, os efeitos colaterais levam à interrupção de sua utilização, principalmente por sangramentos irregulares, cefaleia e ganho de peso, sobretudo em mulheres que aumentam em 5% o peso corporal nos primeiros seis meses de uso.(27) Não há estudos suficien- tes para apontar o uso do implante de etonogestrel no SUA, devendo-se considerar que o principal efeito adverso dessa opção terapêutica é san- gramento irregular nos primeiros seis meses de uso. O SIU-LNG libera 20 µg de levonorgestrel diariamente, resultando, por vários mecanis- mos, em atrofia endometrial, com redução do sangramento, podendo ser utilizado em todas as idades.(28) O SIU-LNG é considerado mais efeti- vo para o controle do SUA do que os tratamentos orais de progestagênio, além da grande redução no volume de sangramento (que varia de 71% a 96%) com consequente melhora na qualidade de vida, é um método que apresenta boa aceitação, considerando o tratamento prolongado, com menos incidência de efeitos adversos.(29) Há risco aumentado de expulsão do dispositivo quando há irregularidade da cavidade uterina, devendo-se evitar a inserção nesses casos. O efeito adverso mais rela- tado é ocorrência de sangramento inesperado, sobretudo nos primei- ros meses de uso, mas de maneira menos desfavorável que no uso de implante de etonogestrel, pelo maior potencial atrófico do SIU-LNG.(30) 13 CNE em Ginecologia Endócrina Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 O tratamento não hormonal do SUA inclui o uso de antifibrino- líticos ou de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE). São particu- larmente indicados a mulheres que não desejam usar hormônios ou tenham contraindicação ao seu uso, ou, ainda, pretendam engravidar. Antifibrinolíticos são medicações que reduzem a fibrinólise, podendo diminuir o volume de sangramento em até 50%.(31,32) O mais usado é o ácido tranexâmico, que tem meia-vida curta, devendo ser adminis- trado três a quatro vezes ao dia, com dose recomendada variável de acordo com as diferentes fontes da literatura (Tabela 2). Efeitos colate- rais são escassos e relacionados a sintomas gastrointestinais. São con- traindicações ao ácido tranexâmico história pessoal de tromboembo- lismo e insuficiência renal. Os AINEs exercem sua ação por meio da inibição da cicloxigenase, que é a enzima que catalisa a transformação de ácido araquidônico em prostaglandina e tromboxano. Podem ser usados isoladamente ou como terapia adjuvante de um tratamento hormonal. Um dos AINEs mais estudados com essa finalidade é o áci- do mefenâmico, que deve ser usado durante os dias de fluxo mens- trual, reduzindo também a queixa de dismenorreia. Efeitos colaterais mais frequentes estão relacionados a desconforto gastrointestinal, devendo ser evitado por mulheres com história de úlcera péptica.(30,33) Outra opção terapêutica são os análogos do GnRH de depósito, geral- mente usados quando há falha em outras terapias clínicas, lembrando que não devem ser utilizados por mais de seis meses, em razão do im- pacto sobre a massa óssea secundária ao hipoestrogenismo. Também podem ser utilizados antes de cirurgias, por exemplo, em miomas, em especial para possibilitar a recuperação em casos de anemia.(34) Evidências para o uso de desmopressina em SUA por doença de von Willebrand são reduzidas e ainda inconclusivas para recomendar tal fármaco, sendo indicada terapia hormonal como contraceptivos 14 Sangramento uterino anormal Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 combinados orais, com preferência por regimes estendidos.(35) O tra- tamento cirúrgico no SUA sem causa estrutural é indicado quando há falha do tratamento clínico. Dentre as formas de tratamento cirúrgico, destacam-se a ablação do endométrio e a histerectomia.(36) Tabela 2. Tratamento medicamentoso para SUA crônico (manutenção) Medicação Regime Eficácia Contraceptivos combinados Contraceptivos combinados por via oral, transdérmica ou anel vaginal, diversas formulações – todos com posologia de bula. Alta Progestagênio oral Sem ou com função ovulatória: uso contínuo. Desogestrel 75 mg ou Dienogeste® 2 mg Com disfunção ovulatória: adequar dose/dia, uso por 12 a 14 dias consecutivos, podendo ser iniciado do 12o ao 15o dia do ciclo menstrual. Acetato de medroxiprogesterona oral (5 mg a 10 mg), acetato de noretisterona (5 mg), progesterona micronizada (200 mg a 400 mg) ou didrogesterona (10 mg). Alta Sistema intrauterino de levonorgestrel Inserção de SIU-LNG com liberação de 20 µg/dia. Alta Acetato de medroxiprogesterona de depósito 150 mg, IM, a cada 12 semanas. Baixa/ moderada Análogo de GnRH Acetato de leuprolida (3,75 mg, mensalmente, ou 11,25 mg, trimestralmente), intramuscular, ou gosserrelina (3,6 mg, mensalmente, ou 10,8 mg, trimestralmente), subcutâneo, por, no máximo, seis meses. Alta Anti-inflamatório não esteroidal Ibuprofeno 600 mg a 800 mg, de 8/8 h, ou ácido mefenâmico 500 mg, de 8/8 h. Moderada Ácido tranexâmico • Swedish Medical Products Agency (MPA): 1 g a 1,5 g, três a quatro vezes ao dia, oralmente, durante três a quatro dias (podendo a dose ser aumentada para até 1 g, seis vezes ao dia). • European Medicines Agency (EMA): 1 g, três vezes ao dia, durante quatro dias (podendo a dose ser aumentada, mas respeitando-se a dose máxima de 4 g por dia). • US Food and Drug Administration (FDA): 1,3 g, três vezes ao dia, por até cinco dias, ou 10 mg/kg, via intravenosa (com dose máxima de 600 mg/dose, de 8/8 h, por cinco dias, em casos de sangramento sem lesão estrutural). AltaÁcido épsilon- aminocaproico Ácido épsilon-aminocaproico oral (comprimidos de 500 mg), dois a quatro comprimidos, de 8/8 h ou de 6/6 h, por até sete dias. * * Não há referências específicas na literatura para o uso de ácido aminocaproico. Seu uso baseia-se na similaridade de efeito com o ácido tranexâmico. Fonte: Sangramento uterino anormal. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2017. 39p. (Série Orientações e Recomendações FEBRASGO, n. 7/Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina).(37) 15 CNE em Ginecologia Endócrina Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 Tratamento do sangramento uterino anormal agudo Os objetivos do tratamento do SUA agudo são controlar o episódio vigente de sangramento, estabilizar a mulher e reduzir o risco de perda sanguínea excessiva nos ciclos subsequentes. A escolha do tratamento depende da estabilidade hemodinâmica, do nível de hemoglobina, da suspeita da etiologia do sangramento, de comor- bidades associadas e do desejo reprodutivo. O tratamento de escolha inicialmente é medicamentoso, podendo ser hormonal ou não hor- monal. As opções hormonais disponíveis incluem contraceptivos orais combinados ou progestagênios isolados em altas doses, estes preferencialmente para mulheres com contraindicação ao uso de es- trogênios (Tabela 3). Os antifibrinolíticos(38) e os AINEs são opções não hormonais (Figura 1) (Tabela 3), utilizados de forma semelhante a seu uso nos casos crônicos, havendo, ainda, a opção de antifibrinolítico na forma endovenosa (Tabela 3). A decisão por internação baseia-se no volume do sangramen- to, na estabilidade hemodinâmica e nos níveis de hemoglobina no momento do atendimento. Após adequado controle, recomenda-se que o tratamento seja mantido por uma das opções hormonais cita- das, por, no mínimo, três ciclos, objetivando a recuperação da per- da sanguínea.(38) As modalidades terapêuticas cirúrgicas incluem curetagem e histerectomia, dependendo das condições clínicas e do desejo reprodutivo da mulher.(13,38) Alguns estudos relatam o uso de sonda Foley insuflada com 30 mL como balão de tamponamen- to, uma alternativa que apresenta bom controle agudo e temporá- rio do sangramento, porém com resultados apresentados em estu- dos do tipo relatos de casos.(39) 16 Sangramento uterino anormal Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 Tabela 3. Tratamento medicamentoso para SUA agudo Contraceptivo oral combinado (30 µg de EE) Um comprimido, três vezes ao dia, até parar o sangramento (pelo menos dois dias) Após um comprimido/dia, durante três a seis semanas Contraceptivo oral combinado (30 µg de EE) Um comprimido, a cada seis horas, até parar o sangramento Um comprimido, a cada oito horas, durante dois a sete dias Um comprimido, a cada 12 horas, durante dois a sete dias, seguido por um comprimido ao dia Progestagênio isolado: medroxiprogesterona Medroxiprogesterona 60 a 120 mg/dia até parar o sangramento (pelo menos dois dias), seguido por 20 a 40 mg/dia, durante três a seis semanas Progestagênio isolado: medroxiprogesterona Medroxiprogesterona 10 mg, a cada quatro horas (máximo de 80 mg), até parar o sangramento Após a cada seis horas, durante quatro dias Após a cada oito horas, durante três dias Após a cada 12 horas, durante dois dias, por duas semanas, e, então, diariamente Progestagênio isolado: noretisterona Noretisterona 5 a 15 mg/dia até parar o sangramento (pelo menos dois dias), seguida por 5 a 10 mg/dia, durante três a seis semanas Progestagênio isolado: noretisterona Noretisterona 5 a 10 mg, cada quatro horas, até parar o sangramento Após a cada seis horas, durante quatro dias Após a cada oito horas, durante três dias Após a cada 12 horas, durante dois dias, seguida por um comprimido diariamente Progestagênio isolado: megestrol Megestrol 80 a 160 mg/dia até parar o sangramento (pelo menos dois dias) Após 40 a 80 mg/dia, durante três a seis semanas Ácido tranexâmico Ácido tranexâmico oral (comprimidos de 250 mg), 15 a 25 mg/kg (dose usual de 500 mg, de 8/8 h), por, no máximo, sete dias. Ácido tranexâmico endovenoso (50 mg/ml), em doses de 500 a 1.000 mg, de 8/8 h, por, no máximo, três dias. Se mais de três dias, passar para o oral (total máximo de sete dias). Ácido épsilon- aminocaproico Ácido épsilon-aminocaproico oral (comprimidos de 500 mg), dois a quatro comprimidos, de 8/8 h ou de 6/6 h, por até sete dias. Ácido épsilon-aminocaproico endovenoso 1 g, de 8/8 h ou 6/6 h (dose máxima: 4 g/dose). Fonte: Traduzido e adaptado de Munro MG; Southern California Permanente Medical Group’s Ab- normal Uterine Bleeding Working Group. Acute uterine bleeding unrelated to pregnancy: a Southern California Permanente Medical Group practice guideline. Perm J. 2013;17(3):43-56.(38) Recomendações finais • Na avaliação etiológica do SUA, seguir o acrômio PALM-COEIN. • Para diagnóstico do SUA, inicialmente excluir gravidez em mu- lheres em idade fértil, avaliar parâmetros de frequência, duração 17 CNE em Ginecologia Endócrina Protocolos Febrasgo | Nº28 | 2021 e volume menstrual, realizar exames físicos geral e ginecológico completo e avaliação ultrassonográfica pélvica para investigar SUA de etiologia estrutural ou não. • O tratamento do SUA depende da etiologia. • O SUA agudo com repercussão hemodinâmica requer estabiliza- ção clínica da mulher antes da investigação etiológica. • Em geral, a primeira linha de tratamento do SUA é medicamen- tosa, destinando-se o tratamento cirúrgico a falha ou contrain- dicação a tratamento clínico ou a casos de instabilidade hemo- dinâmica importante. Curetagem uterina auxilia a interromper o sangramento agudo e fornece material para estudo histológi- co do endométrio. É relevante a mulheres com mais de 50 anos, obesas e hipertensas. Na decisão terapêutica, considerar, além da etiologia, medicamentos e recursos tecnológicos disponíveis e o desejo reprodutivo e de preservação do útero da mulher. Referências 1. Fraser IS, Critchley HO, Munro MG, Broder M. Can we achieve international agreement on terminologies and definitions used to describe abnormalities of menstrual bleeding? Hum Reprod. 2007;22(3):635–43. 2. National Collaborating Centre for Women’s and Children’s Health. National Institute for Health and Clinical Excellence. Heavy menstrual bleeding. NICE clinical guideline 44 [Internet]. London, UK: RCOG Press; 2007 [cited 2018 Aug 19]. Available from: http://www.nice.org.uk/nicemedia/pdf/CG44FullGuideline. pdf 3. Lasmar RB, Dias R, Barrozo PR, Oliveira MA, Coutinho ES, da Rosa DB. Prevalence of hysteroscopic findings and histologic diagnoses in patients with abnormal uterine bleeding. Fertil Steril. 2008;89(6):1803–7. 4. 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