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Nutrição Materno-Infantil Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Fernanda Trigo Costa Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Lactação e Leite Materno Lactação e Leite Materno • Compreender as mudanças fisiológicas do período de lactação que interferem nas necessidades nutricionais da nutriz; • Conhecer as características nutricionais do leite materno para ser capaz de planejar e elaborar orientações alimentares para esse público. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Fisiologia da Lactação; • Recomendações Nutricionais para a Nutriz; • Composição Nutricional do Leite Materno: Aspectos Nutricionais e Imunológicos; • Técnicas de Aleitamento Materno ; • Aspectos Psicológicos do Aleitamento Materno. UNIDADE Lactação e Leite Materno Contextualização O aleitamento materno envolve diversos fatores: fisiológicos, ambientais, emo- cionais e socioculturais. É composto pela lactação e a amamentação, que são bem diferentes uma da outra: a lactação diz respeito apenas às condições fisiológicas do estado materno/bebê, a amamentação vai muito além. Almeida e Novak (2004), no artigo “Amamentação: um híbrido natureza-cultura”, relatam que: As questões relacionadas à prática da amamentação têm sido objeto de interesse para diferentes atores e grupos sociais ao longo da história. Em todas as épocas, o ser humano foi levado a construir rotas alternativas para responder à demanda das mulheres que, por opção ou imposição, trilharam o caminho do desmame precoce. Desde a secular figura da ama-de-leite até a emblemática vanguarda científica construída pelo ma- rketing dos fabricantes de leites modificados, a alimentação do lactente tem servido a propósitos que não se circunscrevem exclusivamente às questões ligadas à saúde, denotando, em muitas situações, interesses re- lacionados à modulação de comportamento social e à oportunidade de auferir lucros de toda espécie. (ALMEIDA; NOVAK, 2004) Esses autores discutem os aspectos culturais que permeiam o aleitamento materno e nos fazem refletir sobre o papel da mulher como nutriz e as dificuldades encontradas para que esse gesto de amor e promoção de saúde seja concretizado. Vale a pena a leitura! “Amamentação: um híbrido natureza-cultura”. Disponível em: https://bit.ly/31j9zzC Além de entendermos os aspectos socioculturais que estão associados ao aleita- mento materno, é essencial o conhecimento das alterações fisiológicas e necessidades nutricionais da lactante ou nutriz, bem como a composição nutricional do leite materno e seus benefícios, para que possamos defender e promover condições para o manejo adequado e facilitado. Todos esses assuntos serão abordados nessa unidade e as principais questões são: como o corpo da mãe se ajusta para a produção do leite materno? Quais são as vanta- gens da amamentação natural em comparação com a amamentação com outros tipos de leite? Como é possível ajustar algumas técnicas de aleitamento para facilitar o processo? Vamos juntos nessa descoberta? 8 9 Fisiologia da Lactação As mamas, embora rudimentares nos homens, existem em ambos os sexos e são estruturas anexas à pele especializadas na produção de leite. Nas mulheres, desen- volvem-se e se diferenciam na puberdade, atingindo o seu maior desenvolvimento na gravidez e na lactação (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009). São compostas internamente por ductos lactíferos, alvéolos, células mioepiteliais, lóbulos, tecido conjuntivo e, externa- mente, por mamilo, aréola e corpúsculos de Montgomery (Figura 1) (VÍTOLO, 2015). Parede torácica Costelas Músculos peitorais Lóbulos Aréola Mamilo Ducto lactíferos Tecido adiposo Pele Figura 1 – Glândula mamária e estruturas Fonte: Adaptado de Getty Images A mamogênese (desenvolvimento da glândula mamária) apresenta dois momentos de desenvolvimento: na puberdade e na gestação. Logo no início da gestação, p ela ação dos hormônios do corpo lúteo e da placenta, ocorre a proliferação dos ductos, ra- mificações e formação lobular, a aréola aumenta de tamanho e escurece, porém, após o período de lactação, o grau de pigmentação vai diminuindo embora não retorne em absoluto à cor original. Na aréola, é possível observar pequenas papilas constituídas por uma glândula sebácea, que correspondem às glândulas de Montgomery, que se hipertrofiam na gravidez e lactação e produzem secreções oleosas e antissépticas com função protetora da aréola e do mamilo. Há também a neoformação de ácinos, responsável pelo aumento de volume da glândula mamária (Figura 2). No final da gestação, o desenvolvimento da mama é evidente e a secreção do colostro identificada pela maioria das grávidas (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009; VÍTOLO, 2015). Ácino: conjunto de células que se assemelha a muitos lóbulos “bagos’”, semelhante a cachos de uva. 9 UNIDADE Lactação e Leite Materno Lóbulos Pele Ductos Papila Gordura Não Grávida Grávida Figura 2 – Desenvolvimento das mamas durante a gestação Fonte: Adaptado de Getty Images A prolactina também tem uma ação importante no desenvolvimento mamário, promovendo, em torno do terceiro mês de gestação, a secreção de um líquido que lembra o colostro. A partir do segundo trimestre, o hormônio lactogênio placentário (após o desenvolvimento mamário promovido pelo estrogênio e progesterona) é res- ponsável pela síntese do colostro. O processo de lactação acontece em quatro estágios, com características distintas (VÍTOLO, 2015): Tabela 1 Estágio 1 No último trimestre da gravidez, inicia-se a lactogênese – aumento significa- tivo na produção de lactose, proteínas totais e imunoglobulinas, além da dimi- nuição de sódio e cloretos. No pós-parto, é quando a lactação se inicia de fato, decorrente da queda dos níveis de progesterona e manutenção dos níveis de prolactina elevados. Até o terceiro ou quarto dia, esse processo não depende da sucção da criança. Estágio 2 Apojadura ou descida do leite: há um aumento de fluxo sanguíneo e captação de glicose e oxigênio, durando de dois a três dias após o parto. Estágio 3 Galactopoese: manutenção da lactação por meio da ação do eixo hipotálamo-hipó- fise, que deve manter a produção de prolactina e ocitocina. O processo de lactação exige a produção de leite no alvéolo e a sua saída pelos ductos lactíferos. Quando o leite não é extraído, ocorre um aumento de pressão nos capilares, inibindo a nova síntese de leite. Por isso é tão importante que o bebê faça a sucção nesta fase, para que a produção de leite seja estimulada a partir do sinal enviado ao hipotálamo que irá estimular a hipófise anterior de modo a produzir prolactina e a hipófise posterior a produzir ocitocina (Figura 3). 10 11 Prolactina de sangue Impulsos sensoriais do mamilo A visão da criança ajuda o re�exo Impulsos sensoriais do mamilo ajudam o re�exo Ocitocina no sangue Ansiedade, dor ou dúvidas podem inibir o re�exo Som da voz da criança ajuda o re�exo Figura 3 - Refl exo da prolactina ou estímulo da produção de leite (esquerda) e refl exo da ocitocina, ou ejeção do leite (direita) Fonte: Adaptado de Getty Images Durante o processo de amamentação, o nível basal de prolactina irá se manter sempre elevado e aumentará ainda mais cada vez que o bebê mamar. Cerca de 3 horas após a mamada, o nível de prolactina atinge o seu pico para ir baixando gra- dualmente. Se o bebê voltar a mamar antes de esse hormônio alcançar o seu nível basal, o novo pico de prolactina irá alcançar valores ainda mais altos. Isso explica por que dar de mamar frequentemente, mesmo que de forma breve, estimula mais a produção de leite do que mamadas prolongadas, bem como reforça a importância de amamentar de maneira correta, possibilitando que o bebê sugue adequadamente. Durante a noite, tanto os níveis basais como os picos de prolactina apresentam valores mais elevados, justificando a importância das mamadas noturnas para a ma- nutenção da amamentação. Após alguns meses de amamentação, o nível basal e os picos de prolactina diminuem, mesmo a quantidadede leite produzida sendo maior. (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009). A progesterona é considerada o principal hormônio inibidor da prolactina, sendo necessária sua redução para o início da lactogênese. O estrogênio, por ser antago- nista da prolactina, também tem efeito negativo na lactação. Por que não se recomenda o uso de anticoncepcionais à base de estrogênio e/ou progeste- rona durante a lactação? A ocitocina irá atuar nas células mioepiteliais, que circundam as células alveola- res, contraindo-as, assim, o leite dentro das células alveolares vai ser ejetado para dentro dos ductos lactíferos. Também atua na musculatura lisa do útero, contraindo-a e possibilitando às mulheres que amamentam uma involução do útero mais rápida (VÍTOLO, 2015). O reflexo de ocitocina, ou reflexo de ejecção do leite, pode ser desencadeado de forma espontânea (estímulos visuais, táteis, olfatórios ou auditivos), não sendo 11 UNIDADE Lactação e Leite Materno imprescindível a estimulação física da mama. O fato de ouvir o bebê chorar, ou pensar carinhosamente no bebê, mesmo estando longe dele, já é suficiente para es- timular a ejeção. Há mulheres que relatam essa sensação como “formigamento” da mama acompanhada de gotejamento, mas há mulheres que não experimentam essa sensação, mesmo amamentando normalmente. A insegurança ou o medo podem inibir temporariamente o reflexo de ejeção do leite e dificultar a amamentação através de dois mecanismos: com a inibição direta do reflexo de oxitocina e a libertação de um antagonista, a adrenalina (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009; VÍTOLO, 2015). Podemos nos embasar neste fato para explicar- mos porque algumas mulheres passam por períodos conturbados durante a lactação e acabam por diminuir a produção de leite. Tanto a oxitocina como a prolactina são transportadas no sangue e chegam simul- taneamente a ambas as mamas. Porém, é comum observarmos mães que amamen- tam apenas em uma das mamas, deixando a outra inativa, o que pode contribuir para um desequilíbrio no autocontrole. Embora saibamos que o não esvaziamento da mama pressione os capilares e atrapalhe o estímulo de produção dos hormônios, também já é conhecida a ação do fator de inibição da lactação (FIL – peptídeo identificado no leite humano e no de outros mamíferos) que atua localmente, sendo responsável pelo controle autócrino da glândula mamária. Quando o bebê mama, extrai o inibidor e de- sencadeia a produção de mais leite. Se, pelo contrário, não mamar ou mamar pouco, o inibidor permanece na mama e frena a produção (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009). Diante do que falamos até agora, é possível observar que a maior parte das dificul- dades no processo de amamentação que poderia estar relacionada à fisiologia está associada à secreção de ocitocina, que é mais fácil de ser controlada e manejada, desde que a mãe receba orientação e apoio adequados. Após a compreensão das alterações pelas quais a mulher passa para estar pronta para o processo de amamentação, podemos iniciar os estudos sobre as recomenda- ções nutricionais para esse estado fisiológico. Recomendações Nutricionais para a Nutriz Considerando a necessidade de um desempenho adequado na lactação, podemos afirmar que o acompanhamento do estado nutricional da mulher durante a ama- mentação é tão importante quanto a assistência nutricional pré-natal. Nesta fase, um bom acompanhamento nutricional é capaz de reduzir os riscos à saúde tanto da mãe quanto do filho, por garantir à lactante suas necessidades nutricionais (preservação do estado nutricional materno), bem como do recém-nascido, já que uma mãe, em estado nutricional adequado, será capaz de produzir leite de qualidade. Em relação aos aspectos fisiológicos, espera-se uma perda de peso gradual de 0,6 a 0,8 kg/mês, nos primeiros 6 meses pós-parto. Caso as perdas de peso sejam 12 13 superiores a 2 kg/mês, podem representar risco ao processo de lactação e à saúde materna, especialmente para mulheres eutróficas ou com baixo peso. Mesmo que a perda de peso durante a lactação seja algo fisiológico, aproximadamente 20% das mulheres em lactação podem manter ou, até mesmo, ganhar peso. O mais importante na avaliação nutricional da nutriz é o acompanhamento da perda de peso e das reservas gordurosas, bem como os aspectos qualitativos da dieta, com o objetivo de prevenir perdas acentuadas da reserva gordurosa adquirida no período gestacional, garantindo substratos para a produção adequada de leite materno (ROSSI, 2015). Em relação às necessidades energéticas, estima-se que sejam necessários cerca de 900kcal para a produção de 1L de leite. Considerando que a média de produção materna é de aproximadamente 850mL/dia, é considerado um adicional energético de 500kcal para a lactante (OMS, 1985). Porém, visto que a produção de leite diminui após o bebê iniciar a introdução alimentar, o IOM (Institute of Medicine) recomenda que esse adicional seja reduzido para 400kcal após os seis meses de lactação (VÍTOLO, 2015). A utilização do adicional calórico irá depender do peso atual e pré-gestacional da mãe, e, também, da perda de peso identificada durante a lactação. Caso seja neces- sário, é possível ajustar o adicional calórico ou, até mesmo, não o utilizar. Para lactantes com estado nutricional normal, o Gasto Energético Total (GET) deve ser realizado com a utilização do peso pré-gestacional; para lactantes obesas, deve-se utilizar o peso pré-gestacional visando ao restabelecimento do estado nu- tricional e, para lactantes com baixo peso, utilizar o peso desejável que pode ser calculado por meio do IMC ideal (MUSSOI, 2014). Para o cálculo das necessidades energéticas, considerar o GET mais o adicional de lactação. As recomendações de proteína para mulheres que estão amamentando baseiam- -se na composição do leite e na quantidade média produzida por dia. Recomenda-se 1,3 g/kg/dia (peso pré-gestacional) ou de 10 a 35% do valor energético total do intervalo aceitável de distribuição de macronutrientes (IOM,1992). Em relação aos carboidratos, o consumo da mãe não influencia a composição do leite, o que já não acontece com os lipídios, cuja composição de ácidos graxos pode interferir na qualidade do leite. Os percentuais desses macronutrientes no total da dieta seguem as recomendações para mulheres não gestantes. A alimentação da lactante deve oferecer variedade qualitativa, principalmente em relação aos micronutrientes, para garantir que suas reservas não sejam utilizadas para a produção do leite, comprometendo sua saúde e, também, a composição do leite. Uma dieta variada e baseada nas recomendações dos guias alimentares pode garantir a disponibilidade desses nutrientes. Mas, nos casos em que a alimentação 13 UNIDADE Lactação e Leite Materno materna não segue um padrão adequado, muitas vezes, torna-se necessário lan- çar mão de suplementação para garantir as condições de saúde da mãe e do bebê (VÍTOLO, 2015; ROSSI, 2015). A ingestão adequada de líquidos favorece a produção de leite e recomenda-se a ingestão de 2 a 3L/dia, podendo ser composta por água, sucos, chá de ervas claras, leite e outros, exceto bebidas açucaradas. Composição Nutricional do Leite Materno: Aspectos Nutricionais e Imunológicos O aleitamento materno é o modo mais apropriado e seguro de alimentação na primeira infância. Proporciona uma combinação única de proteínas, lipídios, carboi- dratos, minerais, vitaminas, enzimas e células vivas, assim como benefícios nutricio- nais, imunológicos, psicológicos e econômicos reconhecidos e inquestionáveis. O leite secretado do nascimento até uma semana depois é denominado colostro, do sétimo ao décimo dia é chamado de leite de transição e somente após o décimo dia é classificado como leite maduro. O colostro é um líquido amarelado e espesso, rico em proteínas (imunoglobulinas) e com menor conteúdo de gorduras e lactose. As proteínas do colostro estão muito mais relacionadas com os aspectos imunológicos do que nutricionais, visto a necessi- dade de proteçãoque o recém-nascido apresenta nessa fase extrauterina. A coloração amarelada do colostro é decorrente da grande concentração de vitaminas lipossolúveis e carotenoides. Há notória concentração de Na, K, Cl e Zn e a presença de imunoglo- bulinas é altíssima, mas vai diminuindo até o terceiro dia, o que torna muito importante que o bebê receba o colostro nas primeiras 48h (VÍTOLO, 2015). Além dos anticorpos, o colostro humano contém inúmeros fatores bioquí- micos e células imunocompetentes, que interagem entre si e com a muco- sa dos tratos digestivo e respiratório do lactente, conferindo não apenas imunidade passiva, como também estímulo ao desenvolvimento e matu- ração do próprio sistema imune de mucosas do neonato. (PASSANHA; CERVATO-MANCUSO; SILVA, 2010) Na tabela a seguir, podemos observar uma síntese dos principais nutrientes e como compõem o leite materno maduro. Tabela 2 – Composição Nutricional do Leite Humano (LH) Nutriente Descrição Água Compõe 88% do leite e o aleitamento em livre demanda mantém o bebê hidratado. Proteínas Em comparação com os leites de outros mamíferos, o LH tem o menor teor de proteínas. Inclui caseína e lactoalbuminas (proteínas do soro), principalmente a alfa-lactoalbumina, importante para a síntese de lactose, e os fatores de pro- teção, como lactoferrina, lisozima e imunoglobulinas. A relação soro/proteína forma um coalho gástrico mais suave, reduzindo o tempo de esvaziamento do estômago e facilitando a digestão. Contém glutamina e carnitina. 14 15 Nutriente Descrição Aminoácidos Composição perfeitamente adequada, com reduzida quantidade de fenilalanina e tirosina. Presença de taurina (que não está presente no leite de vaca) e relação metionina/cistina adequada. Lipídios Componente mais variável do LH, fornece de 35 a 50% do total de energia ne- cessária ao bebê. Incluem os triglicérides, os fosfolípides e o colesterol, além dos ácidos graxos livres, e são derivados de gordura circulante proveniente da dieta e da reserva corporal materna ou sintetizados na própria mama a partir da glicose. Colesterol Altas concentrações, elevando os níveis sanguíneos de bebês em aleitamento natural em comparação com aleitamento artificial. Isso promove melhor dispo- nibilidade de colesterol para o cérebro em desenvolvimento. Ácidos graxos essenciais Melhor fonte desses nutrientes, com maiores concentrações de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, que são essenciais para o desenvolvimento normal dos lactentes, com destaque para o ácido docosahexaenoico (DHA), pela importância no desenvolvimento cerebral e da retina, e o ácido araquidônico, como precursor de prostaglandinas e leucotrienos. Carboidrato O principal é a lactose que metaboliza galactose (matéria prima para a substân- cia branca do cérebro em crescimento), facilita a absorção de cálcio e a coloniza- ção da microbiota intestinal. Minerais Concentração 1/3 menor quando comparado ao leite de vaca. Junto ao teor pro- teico reduzido, contribui para uma dissolução dos compostos sólidos. Propor- ciona alta biodisponibilidade de cálcio (relação cálcio/fósforo adequada), ferro e zinco, além de conter quantidades adequadas de sódio. Vitaminas do Com- plexo B e Vitaminas C (hidrossolúveis) A concentração depende da alimentação da nutriz, sendo necessária a atenção, principalmente na presença de práticas de restrição alimentar, como vegetaria- nismo ou dietas inadequadas em aspectos qualitativos. Adaptado de GUILHERME; NASCIMENTO (2013) Quanto aos aspectos imunológicos, eles estão associados à sua perfeita compo- sição e pureza, de forma a garantir um efeito protetor em relação à morbidade e à mortalidade da criança. Os anticorpos presentes no leite materno podem combater diversos microrganismos com os quais a mãe entrou em contato durante toda sua vida, e que ela já desenvolveu alguma defesa. As propriedades do leite humano capazes de estimular o sistema imunológico incluem o fornecimento de imunoglobulinas, IgA, IgM, IgD, IgE, IgG, (predominância da IgA), lisozima, lactoferrina, componentes do sistema do complemento (C3, C4), peptídeos bioativos, oligossacarídeos e lipídios com fator antiestafilococos e ação de inativação de vírus, além de fagócitos polimorfonucleares, linfócitos, macrófagos, nucleotídeos, plas- mócitos e células epiteliais (PASSANHA; CERVATO-MANCUSO; SILVA, 2010). O sistema imunológico. Disponível em: https://youtu.be/9tTKXhcLpf4 O que é uma imunoglobulina. Disponível em: https://youtu.be/Ct5wrqvfjs4 Além disso, o aleitamento prolongado traz benefício extra ao final do primeiro e segundo anos de vida, quando a incidência de diarreia é maior. A presença de leite no lúmen intestinal estimula o desenvolvimento de sua mucosa e a atividade da enzima lactase. Também é marcante a influência que o LH exerce sobre a compo- sição da microbiota intestinal do RN. Há a predominância das bifidobactérias e os oligossacarídios auxiliam na promoção do desenvolvimento da flora bífida, através 15 UNIDADE Lactação e Leite Materno da queda do pH, que impedem a multiplicação de enterobactérias, exercendo papel importante na prevenção de doenças infecciosas no recém-nascido. No que diz respeito às diferenças que podem trazer prejuízos ao bebê, além das diferenças nutricionais (Tabela 3), no leite de vaca há predomínio de beta- -lactoglobulina, proteína altamente alergênica e detectada no leite humano em pequenas quantidades, provavelmente originada de da ingestão de leite de vaca pela nutriz. O contato precoce do bebê com essas substâncias pode desenca- dear reações de curto, médio e longo prazo, relacionadas à produção de hista- mina ou imunoglobulinas em defesa a substâncias alergênicas (GUILHERME; NASCIMENTO, 2013). Tabela 3 – Comparação nutricional entre o leite materno e o leite de vaca Nutriente Leite Materno Leite de vaca Leite modificado (Fórmula) Proteína Quantidade adequada, fácil de digerir Excesso, difícil de digerir Parcialmente modificado Lipídios Suficiente em ácidos graxos essenciais, lipase para digestão Deficiente em ácidos graxos essenciais, não apresenta lipase Deficiente em ácidos graxos essenciais, não apresenta lipase Minerais Quantidade correta/ equilibrado Em excesso (desequilibrado) Parcialmente correto/ parcial-mente equilibrado Ferro Pouca quantidade, bem absorvido Pouca quantidade, mal absorvido Adicionado, mal absorvido Vitaminas Quantidade suficiente Deficiente A e C Vitaminas adicionadas Água Suficiente Necessário extra Necessário extra Fonte: Adaptado de OMS, 2005 Fica claro que o leite materno é o melhor alimento para o recém-nascido e o bebê nos primeiros meses de vida. O uso de outros tipos de leites, fórmulas ou alimentos, além de não oferecer componentes protetores, pode provocar doenças no recém-nascido. Técnicas de Aleitamento Materno Embora a amamentação seja a maneira mais natural de alimentar do bebê, tanto as mães, quanto os bebês e a família precisam de um tempo para adaptação. Ama- mentar nem sempre é fácil, principalmente nos primeiros dias, e exige muita paciên- cia e persistência, além de apoio e informação. Para a promoção adequada da amamentação, é importantíssimo que o modo como se amamenta esteja correto, ou seja, posição e pega adequadas, para proporcionar bem estar à mãe e ao bebê. Para tanto, são necessários alguns requisitos (TERUYA; BUENO, 2013): Posição adequada: • cabeça e corpo do bebê alinhados; • boca de frente para a região mamilo-areolar; 16 17 • corpo do bebê próximo e voltado para a mãe; • nádega do bebê apoiada (se for recém-nascido). Pega adequada (encaixe adequado da boca do bebê ao peito da mãe): • boca bem aberta; • lábios virados para fora; • queixo tocando o peito; • visualização maior da parte de cima da aréola. Quando cumpridos esses requisitos, a sucção é favorecida e não machuca e nem causa dores na mãe. Se, durante a amamentação, a mãe sentir dor, é sinal de pega incorreta, sendo necessário retirar cuidadosamente o bebê da mamae colocá-lo de novo, de forma correta. A posição da amamentação deve ser confortável e há formas variadas de ser feita, conforme interação da mãe com o bebê (Figura A). O apoio à mama deve ser sempre em formato de “C” (Figura 5), evitando o apoio em forma de tesoura, que impede a passagem do leite pelos ductos. A B C D A D E B C Figura 4 – Tipos de posição para a amamentação Adaptado de Getty Images A) Posição Tradicional: sentada, a mulher posiciona o bebê no colo (barriga com barriga). B) Posição Invertida: a mãe posiciona o bebê com os pés em direção à cabeceira da cama ou poltrona. C) Posição de Jogador de Futebol Americano: mulher sentada com o bebê posicionado na sua lateral. D) Po- sição deitada: mulher deitada, junto ao bebê, com apoio de um travesseiro para que a cabeça do bebê fica mais alta que o corpo. E) Posição cavalinho: mulher sentada com o bebê apoiado ao seu corpo verticalmente. A mãe apoia a cabeça do bebê com uma mão e com a outra posiciona a mama. 17 UNIDADE Lactação e Leite Materno Figura 5 – Apoio da mama em formato “C” Fonte: Getty Images Para favorecer e estimular a amamentação, é essencial que o bebê tenha tempo para mamar por completo o leite de uma mama antes de passar para a outra. A dura- ção das mamadas não está relacionada com a quantidade de leite ingerido. O volume de leite ingerido por unidade de tempo varia muito de um lactente para outro, de uma mamada para outra e ao longo de uma mesma mamada. No entanto, o teor de lipídios do leite materno aumenta gradativamente à medida que o bebê mama. O leite disponí- vel no final da mamada, ou seja, quando o bebê esvazia a mama, pode conter 5 vezes mais lipídios do que o do início, sendo ideal que primeiro o bebê esvazie a primeira mama, para depois ocorrer a oferta da segunda mama (GOUVEIA; ÓRFÃO, 2009). Quais são as vantagens nutricionais para o bebê quando a mamada ocorre até o final? Outra forma de promover a amamentação saudável e contínua é amamentar sob livre demanda, ou seja, no momento em que o bebê desejar. Em locais onde o clima é muito quente, o bebê terá mais sede e irá mamar com maior frequência, mesmo sem estar com fome. Destaque: Recomenda-se que a criança seja amamentada desde a primeira hora de vida e sempre que quiser mamar. A quantidade de leite produzida pela mulher depende principalmente do quanto a criança mama. Mais mamadas, mais leite, mais saúde! (BRASIL, 2019). Aspectos Psicológicos do Aleitamento Materno O desenvolvimento da criança depende de suas próprias características, mas tam- bém da interação com o meio em que vive. Tanto as necessidades físicas, quanto as emocionais, como se sentir segura, amada e protegida, precisam ser atendidas. 18 19 Amamentar direto do peito possibilita, através da troca de calor, cheiro, olhares, sons e toques, estimular a criança de forma a ajudá-la a se desenvolver. Sentir-se num colo que a sustente, traz segurança. Receber o leite associado ao carinho do processo de amamentação é importante para o desenvolvimento da criança e o estabelecimento de laços afetivos. Traz benefícios incontestáveis ao bebê, mas tam- bém à mãe (BRASIL, 2019). Embora natural, amamentar é um processo de escolha e persistência. Escolher por amamentar e não conseguir é uma frustração. Escolher não amamentar é um risco ao julgamento, um risco social, um risco à saúde. Escolhas envolvem riscos e resiliência. E, nesse processo de escolha, muitas vezes, a mulher se vê sozinha, por isso é tão importante uma rede de apoio para que o aleitamento materno seja esti- mulado e viabilizado (ALMEIDA; NOVAK, 2004). A mulher precisa de auxílio da família, das empresas, do governo para que possa desempenhar seu papel de mãe e de nutriz. Também precisa de informação, que pode ser obtida através de profissionais da saúde, capazes de orientar de forma acolhedora e humanizada neste momento tão importante da vida da mãe e do bebê. Ao final desta unidade, pudemos compreender como os aspectos fisiológicos, sociais e psicológicos influenciam o estado da nutriz, bem como conhecer algumas formas de auxiliar o binômio mãe-bebê no período de lactação, promovendo saúde e estimulando o aleitamento materno, condição essencial de saúde pública e uma das formas mais simples de prevenir doenças ao longo da vida. 19 UNIDADE Lactação e Leite Materno Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Mês do Aleitamento Materno https://youtu.be/FPNmyUAUTDw Leitura Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia https://bit.ly/3a2lOVj Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia https://bit.ly/33yZ3qM Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos https://bit.ly/31sXqbo 20 21 Referências ROSSI, L. Avaliação nutricional: novas perspectivas. 2. Rio de Janeiro: Roca, 2015. IOM. Institute of Medicine. Nutrition during pregnancy and lactation. An Implementation Guide. Washington: National Academy Press, 1992. VÍTOLO, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2015. OMS. Organización Mundial de la Salud. Necesidades de energía y de proteínas: informe de una reunión consultiva conjunta FAO/OMS/UNU de expertos. Ginebra: OMS, 1985. (Série de Informes Técnicos, 724.) ALMEIDA, J. A. G. de; NOVAK, F. R. Amamentação: um híbrido natureza- cultura. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 80, n. 5, supl. p. s119-s125, Nov. 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021- -75572004000700002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11/03/20. ÓRFÃO, A.; GOUVEIA, C. Apontamentos de anatomia e fisiologia da lactação. Rev. Port. Clin. Geral. n. 25, p.347-54, 2009. MUSSOI, T. D. Avaliação nutricional na prática clínica. Rio de Janeiro Guanabara Koogan, 2014. GUILHERME, J. P.; NASCIMENTO, M. P. R. O leite humano – anatomia e fisiolo- gia da lactação. In: BORGES, S. L. Manual de aleitamento materno. Sociedade Brasileira de Pediatria. Barueri: Manole, 2013. TERUYA, K. M.; BUENO, L. G. S. Manejo clínico da amamentação com aconselha- mento e referência. In: BORGES, S. L. Manual de aleitamento materno. Socieda- de Brasileira de Pediatria. Barueri: Manole, 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção Primária à Saúde. Depar- tamento de Promoção à Saúde. Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. PASSANHA, A.; CERVATO-MANCUSO, A. 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OBJETIVO DE APRENDIZADO • Fisiologia da Nutrição no Primeiro Ano de Vida e Determinação das Necessidades Nutricionais; • Lactação: Cuidados e Complicações; • Aleitamento Artificial. UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação Contextualização Dentre as diversas espécies mamíferas, a humana é a única que precisa apren- der a mamar e a desmamar, pois esses dois processos não são instintivos.O que vem ocorrendo, principalmente nas sociedades modernas, é que as mulheres pouco têm acesso às fontes tradicionais de aprendizagem, visto que os vínculos com as mulheres mais experientes nem sempre são mantidos, pelo convívio mais comum o com as famílias nucleares do que com as extensões familiares. Isso faz com que as mulheres se tornem mães com muito pouca ou nenhuma habilidade em manter a amamentação, ficando vulneráveis a ter dificuldades ou complica- ções ao longo do processo (GIUGLIANI, 2004). As mães mais persistentes e autônomas lançam mão da associação às redes maternas, buscam informações e pedem ajuda da forma que podem, mas sabe- mos que nem sempre é assim. Apesar de indiscutíveis os privilégios associados à amamentação, seja para a nutriz ou lactente, ainda é frequente o abandono da amamentação quando a mãe se vê sem saber como fazer o manejo adequado (GUINÉ; GOMES, 2015). Além disso, muitas mães não dispõem de leite ou as suas circunstâncias pes- soais não permitem dar de mamar aos seus filhos ou, ainda, existem contrain- dicações médicas nesse sentido. Diante desse cenário, o profissional da saúde é essencial e tem crescido muito a demanda de profissionais qualificados para atuar frente à essa demanda, a exemplo do profissional Consultor em Aleitamento Ma- terno (GASPARIN et al., 2020). Leia mais sobre a atuação e benefícios do Consultor em Aleitamento Materno no artigo: “Fatores associados à manutenção do aleitamento materno exclusivo no pós-parto tardio”. Disponível em: https://bit.ly/3iAXPjU Embora seja essencial o incentivo ao aleitamento materno, na impossibilidade de fazê-lo, as fórmulas infantis existentes no mercado contribuem para uma alimentação equilibrada do lactente, muito embora não ofereçam os mesmos benefícios, quando comparadas com o leite materno (GUINÉ; GOMES, 2015). Nesta unidade, vamos conhecer as formas de avaliação nutricional do lactente conforme seu crescimento, bem como as diretrizes para a determinação das neces- sidades nutricionais, sejam para lactentes em aleitamento materno ou artificial. Tam- bém vamos discutir pontos importantes sobre as possíveis complicações na lactação e os cuidados necessários, além da prescrição de fórmulas lácteas ou leite de vaca na impossibilidade da realização do aleitamento materno. No decorrer dos estudos desta unidade, propomos como questões norteadoras: quais são os aspectos essenciais a serem avaliados para a determinação do estado nutricional de lactentes e suas necessidades nutricionais? Como proceder para ofere- cer condições que atendam às recomendações nutricionais neste período, seja para 8 9 lactentes em aleitamento materno ou em aleitamento artificial? Quais são as orienta- ções que podem ser oferecidas às mães com dificuldades no aleitamento, de forma a favorecer o processo? Fisiologia da Nutrição no Primeiro Ano de Vida e Determinação das Necessidades Nutricionais O acompanhamento do estado nutricional da criança abaixo de um ano deve levar em consideração o peso, comprimento e perímetro cefálico. Essas medidas devem ser obtidas com precisão, a melhor possível, considerando a velocidade do crescimento neste período de vida. Até o sexto mês, o ganho de peso mensal é a medida de maior importância na avaliação nutricional da criança, pois possibilita o diagnóstico e a intervenção rápida, no caso da identificação de ganho de peso insuficiente. Agindo no tempo certo, evita-se que haja prejuízo no ganho de comprimento, pois efeitos de má nutrição aparecem primeiramente na curva de ganho de peso (VÍTOLO, 2015). Avaliação Nutricional do Lactente Para o acompanhamento do crescimento infantil, é importante que as medidas das variações físicas sejam aferidas de forma padronizada, para que se possa diag- nosticar a má nutrição tanto por deficit quanto por excesso (ROSSI, 2015). Em relação ao peso, por volta dos 5 meses de idade, a criança deve ter cerca de duas vezes o peso do nascimento e, aos 12 meses, cerca de três vezes. Pode-se, tam- bém, usar uma regra prática para saber o peso “ideal” para a idade no primeiro ano de vida: somar o peso do nascimento e o ganho ponderal mensal. Com base nessa regra, espera-se que, no primeiro trimestre de vida, o bebê ganhe 700 g de peso, no segundo trimestre de 600 g, no terceiro trimestre de 500g e no quarto trimestre de 400g. Outra forma para os primeiros meses de vida é considerar que o lactente deve obter um ganho de peso de cerca de 20 a 30g/dia (CARVALHO, 2017). Quando se fala sobre o comprimento, considera-se adequado que o lactente cresça em torno de 15 cm no primeiro semestre de vida e 10 cm no segundo, totalizando um crescimento de 25 cm no primeiro ano de vida. Como exemplo, um bebê que nasce com 52cm, com um ano de idade deve ter um comprimento de 77cm (CARVALHO, 2017). Além do peso e do comprimento, a medida do perímetro cefálico (PC) até os 6 meses de idade tem relação direta com o tamanho do encéfalo, sendo que seu au- mento proporcional indica crescimento adequado e melhor prognóstico neurológico. Em pediatria, o PC é utilizado como forma de diagnosticar estados patológicos de microcefalia, macrocefalia ou hidrocefalia (ROSSI, 2015). Para a interpretação e o diagnóstico dos dados antropométricos de uma criança, é necessária a elaboração de índices antropométricos, que têm a função de relacionar 9 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação as medidas, principalmente peso e estatura/comprimento, com as variáveis idade e gênero, comparando-as com um padrão de referência e estipulando pontos de corte. Esses padrões ou pontos de corte possibilitarão classificar a situação dos indivíduos avaliados dentro de uma faixa aceita ou não como normal/adequada nutricionalmente, de acordo com o esperado no referido padrão. Os três índices mais amplamente utilizados para essa finalidade (Tabela I) são peso para a idade (P/I), peso para a estatura (P/E) e estatura para a idade (E/I) (VÍTOLO, 2015). Como referência para a interpretação dos dados antropométricos, são utilizadas as tabelas da Organização Mundial da Saúde, disponíveis em: https://bit.ly/3iHLQkJ Tabela 1 – Definições dos Índices Antropométricos Índice Definição e considerações Peso por idade (P/I) Reflete o peso corporal em relação à idade cronológica da criança. A variação do peso em uma criança oscila quase ime- diatamente em resposta a qualquer problema ou melhora do estado de saúde e nutrição. Estatura por idade (E/I) Reflete o crescimento linear. O ganho da estatura é lento, por isso demora a refletir processos de carência de saúde e nutri- ção. É importante atentar-se que as crianças que são genetica- mente baixas podem não estar em condições nutricionais ina- dequadas nem em situações patológicas, apenas apresentam sua própria curva abaixo da média populacional. Peso por estatura (P/E) ou IMC Reflete a distribuição do peso corporal em relação à altura. Pode ser utilizado para o diagnóstico de excesso de peso, mas precisa de medidas complementares para o diagnóstico preci- so. Vale a atenção para crianças com curvas de peso abaixo ou acima da média populacional, pois a curva fora do “padrão” pode ser decorrente das características individuais da criança. Fonte: Adaptado de ROSSI, 2015 A relação de Peso para Idade indica déficit global, o que significa que não permite diferenciar se é um deficit agudo (resulta de um processo intenso de fome ou de doença, levando à acentuada perda de peso) ou um deficit crônico (resulta de um processo contínuo de subnutrição e/ou doença, que afeta o crescimento linear nor- mal da criança). Dessa forma, é essencial avaliar todos os parâmetros em conjunto, considerando a adequação conforme os pontos de corte – Percentis e/ou Escore-Z (Tabelas de 2 a 4). Tabela 2 – Pontos de corte de Peso/Idade para crianças de 0 a 10 anos Valores Críticos Diagnóstico Nutricional < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixo pesa para a idade ≥ Percentil 0,1 e < Percentil 3 ≥ Escore-z-3 e < Escore-z -2 Baixo peso para a idade ≥ Percentil 3 e ≤ Percentil 97 ≥ Escore-z -2 e ≤ Escore-z +2 Peso adequado para a idade > Percentil 97 > Escore-z +2 Peso elevado para a idade Fonte: Ministério da Saúde, 2011 10 11 Tabela 3 – Pontos de corte de Estatura/Idade para crianças de 0 a 10 anos Valores Críticos Diagnóstico Nutricional < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Muito baixa estatura para a idade ≥ Percentil 0,1 e < Percentil 3 ≥ Escore-z -3 e < Escore-z -2 Baixa estatura para a idade ≥ Percentil 3 > Escore-z -2 Estatura adequada para a idade Fonte: Ministério da Saúde, 2011 Tabela 4 – Pontos de corte de Peso/Estatura ou IMC para crianças de 0 a 5 anos Valores Críticos Diagnóstico Nutricional < Percentil 0,1 < Escore-z -3 Magreza acentuada ≥ Percentil 0,1 e < Percentil 3 ≥ Escore-z -3 e < Escore-z -2 Magreza ≥ Percentil 3 e ≤ Percentil 85 ≥ Escore-z -2 e ≤ Escore-z +1 Eutrofia > Percentil 85 e ≤ Percentil 97 > Escore-z +1 e ≤ Escore-z +2 Risco de sobrepeso > Percentil 97 e ≤ Percentil 99,9 > Escore-z +2 e ≤ Escore-z +3 Sobrepeso > Percentil 99,9 > Escore-z +3 Obesidade Fonte: Ministério da Saúde, 2011 A avaliação nutricional individual por meio das curvas de crescimento, além de comparar os dados da criança com as medianas populacionais, também permite avaliar a evolução nutricional da criança, comparando-a com ela mesma (ROSSI, 2015). Com esse tipo de avaliação, é possível observar três tipos de traçados nas curvas de crescimento: • Ascendente: apresenta velocidade de ganho de peso e estatura adequada, ou seja, crescimento satisfatório. Vale ressaltar que a intensidade de inclinação do traçado é importante, uma vez que a criança pode estar, por exemplo, com ganho de peso excessivo; Figura 1 – Comprimento/Altura por Idade de Meninos de Nascimento até os 5 anos (Percentis) Fonte: Adaptado de World Health Organization 11 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação • Estacionado: o traçado apresenta-se como uma reta, indicando uma “para- da” no crescimento da criança. É considerado sinal de alerta. A intervenção nutricional deve ser feita de acordo com a evolução nas próximas consultas e é importante investigar os possíveis fatores de risco que estão proporcionando essa evolução; Figura 2 – Comprimento/Altura por Idade de Meninos de Nascimento até os 5 anos (Percentis) Fonte: Adaptado de World Health Organization • Descendente: indica diminuição ou perda no ganho de peso. Neste caso, é necessário investigar os possíveis fatores de risco que estão levando a esse pro- cesso e iniciar a intervenção nutricional caso a criança já esteja na faixa de risco de deficit. Figura 3 – Comprimento/Altura por Idade de Meninos de Nascimento até os 5 anos (Percentis) Fonte: Adaptado de World Health Organization Recomendações Nutricionais do Lactente A necessidade energética do lactente é proporcionalmente muito mais alta do que a de um adulto, em decorrência da alta taxa metabólica de repouso pelo requerimen- to para o crescimento e desenvolvimento (VÍTOLO, 2015). As Tabelas 5 e 6 trazem as informações necessárias para a estimativa energéticas de crianças até 1 ano: 12 13 Tabela 5 – Equações diretas para estimativa de Necessidade Energética Total (NET) ou Gasto Energético Total (GET) Idade Sexo Equação (kcal/ dia) 0 a 3 meses Masculino (89 x P) – 100 + 75 Feminino 4 a 6 meses Masculino (89 x P) – 100 + 56 Feminino 7 a 12 meses Masculino (89 x P) – 100 + 22 Feminino Fonte: IOM, 2005 Tabela 6 – Requerimentos energéticos no primeiro ano de vida – fórmulas rápidas Idade (meses) Kcal/ dia Kcal/ kg/ dia Meninos 0 a 1 518 113 1 a 2 570 104 2 a 3 596 95 3 a 4 569 82 4 a 5 608 81 5 a 6 639 81 6 a 7 653 79 7 a 8 680 79 8 a 9 702 79 9 a 10 731 80 10 a 11 752 80 11 a 12 775 81 Meninas 0 a 1 464 107 1 a 2 517 101 2 a 3 550 94 3 a 4 537 84 4 a 5 571 83 5 a 6 599 82 6 a 7 604 78 7 a 8 629 78 8 a 9 652 78 9 a 10 676 79 10 a 11 694 79 11 a 12 712 79 Fonte: FAO/OMS/ONU, 2004 Em relação aos macronutrientes, a adequada ingestão de proteínas é muito im- portante, diante da necessidade de anabolismo decorrente da construção de novos 13 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação tecidos, típica desta fase. Durante os 6 primeiros meses, o aleitamento materno garante as necessidades proteicas: a ingestão de 800mL de leite materno, garante cerca de 1,4g/kg de peso corporal/dia. Em 2002, foi estabelecida a recomendação proteica de 9,1g/dia ou 1,52g/kg/dia como ingestão adequada (AI) para crianças de 0 a 6 meses, saudáveis e em aleitamento materno exclusivo. Para crianças entre 7 a 12 meses, foi determinada a ingestão diária recomendada (RDA) de 11g/dia ou 1,2g/kg/dia (VÍTOLO, 2015). As gorduras ingeridas pelo lactente devem oscilar entre 30 a 54% do consumo calórico total. Quando o bebê é amamentado com leite materno, o aporte lipídico até o sexto mês é de 3,8 a 6 g por cada 100 ml, sendo a fonte energética predominante. Os carboidratos são muito importantes até os 12 meses, pois garantem energia e poupam as proteínas para a construção dos tecidos. Os percentuais de carboidratos e lipídios em relação a energia diária ficam em torno de 30 a 40% e 35 a 40%, res- pectivamente (GUINÉ; GOMES, 2015). As recomendações de micronutrientes (Tabela 7) são diferentes no primeiro e no segundo semestre. O aleitamento materno garante a ingestão adequada de micronu- trientes desde que os estoques e alimentação maternos sejam adequados. Tabela 7 – Ingestão dietética de referência da Food and Nutrition Board do Insitute of Medicine da National Academy of Sciences – Dietary Reference Intakes (DRIs) Idade Vitamina A (mcg/dia) RDA Vitamina D (mcg/dia) RDA Vitamina E (mg/dia) RDA Vitamina K (mcg/dia) AI Vitamina C (mg/dia) RDA Tiamina B1 (mg/dia) RDA 0 a 6 meses 400 10 4 2 40 0,2 7 a 12 meses 500 10 5 2,5 50 0,3 Idade Riboflavina B2 (mg/dia) RDA Niacina B3 (mg/dia) RDA Piridoxina B6 (mg/dia) RDA Folato B9 (mcg/dia) RDA Cobalamina B12 (mcg/dia) RDA Ác. Pantotênico B5 (mg/ dia) AI 0 a 6 meses 0,3 2 0,1 65 0,4 1,7 7 a 12 meses 0,4 4 0,3 80 0,5 1,8 Idade Biotina B7 (mcg/dia) AI Colina (mg/ dia) AI Cálcio (mg/ dia) RDA Ferro (mg/ dia) RDA Fósforo (mg/ dia) RDA Iodo (mg/ dia) RDA 0 a 6 meses 5 125 200 0,27 100 110 7 a 12 meses 6 150 260 11 275 130 Idade Magnésio (mg/dia) RDA Manganês (mg/dia) AI Potássio (mg/dia) AI Selênio (mcg/dia) RDA Sódio (mg/dia) AI Zinco (mg/dia) RDA 0 a 6 meses 30 0,0003 400 15 120 2 7 a 12 meses 75 0,6 700 20 310 3 14 15 Lactação: Cuidados e Complicações Alguns problemas enfrentados pelas mães durante o aleitamento materno preci- sam ser precocemente identificados e tratados, para que não se tornem causas de interrupção da amamentação (BRASIL, 2015). Os profissionais de saúde têm um papel importante na prevenção e no manejo dessas dificuldades, e as observações durante as mamadas podem ser de suma importância para auxiliar as mães a evita- rem as complicações (Tabela 8). Porém, mesmo com o auxílio durante a amamentação, é possível que as compli- cações apareçam, sendo importante ter informações de como realizar o manejo para superá-las. A seguir, iremos abordar algumas das complicações mais comuns durante o aleitamento: • Ingurgitamento mamário: consiste na obstrução dos ductos mamários em de- corrência da retenção do leite nos alvéolos, o que ocorre devido ao esvaziamen- to incorreto da mama. O ingurgitamento dificulta a manutenção da amamen- tação por causar edema das mamas, com aumento considerável de tamanho, temperatura e dor, podendo ocorrer mal-estar geral. Para o manejo nesse caso, é recomendada a ordenha manual antes da amamentação (para amolecer as mamas) e aumentar as mamadas, para evitar o acúmulo de leite. Massagens leves na mama auxiliam na saída do leite e ter o apoio frequente da mama e o uso constante do sutiã, também aliviam a dor e facilitam a saída do leite queestá obstruindo os canais (GIUGLIANI, 2004); • Mamilos doloridos/trauma mamilar: as mães normalmente sentem uma discreta dor ou desconforto no início das mamadas, o que pode ser considerado normal. Porém, mamilos muito dolorosos e machucados, apesar de muito comuns, não são normais. Os traumas mamilares incluem eritema, edema, fissuras, bolhas, marcas brancas, amarelas ou escuras (PEDROSA; SILVA; MUNIZ-SILVA, 2016). As causas mais comuns são pega ou posicionamento inadequado do bebê, mas outras causas também provocam as fissuras, como: mamilos curtos, planos ou invertidos, disfunções orais na criança, freio de língua excessivamente curto, sucção não nutritiva prolongada, uso impróprio de bombas de extração de leite, não interrupção adequada da sucção da criança quando for necessário retirá-la do peito, uso de cremes e óleos que causam reações alérgicas nos mamilos, uso de protetores de mamilo (intermediários) e exposição prolongada a forros úmidos. Para o manejo, a correção das causas auxilia a evitar maiores complicações e também auxilia na cicatrização do mamilo, assim como o uso de conchas, manter o mamilo seco e o uso de pomadas cicatrizantes que não prejudiquem o bebê (BRASIL, 2015); • Candidíase: a infecção da mama por Candida albicans no puerpério é bastante comum. A infecção pode ser superficial ou atingir os ductos lactíferos, e costuma ocorrer na presença de mamilos úmidos (cândida cresce em meio com carboidrato) e com lesão. Mãe e bebê devem ser tratados simultaneamente, mesmo que a criança não apresente sinais evidentes de candidíase. O tratamento inicialmente 15 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação é local, com nistatina, clotrimazol, miconazol ou cetoconazol tópicos por duas semanas. As mulheres podem aplicar o creme após cada mamada e ele não precisa ser removido antes da próxima mamada (GIUGLIANI, 2004). Tabela 8 – Observações das mamadas Sinais de que a Amamentação vai bem Sinais de possível dificuldade na Amamentação Mãe Mãe parece estar saudável Mãe relaxada e confortável Sinai de vínculo entre a mãe e o bebê Mãe Mãe parece estar mal e deprimida Mãe parece tensa ou desconfortável Sem contato visual com o bebê Bebê Bebê parece saúdavel Bebê calmo e relaxado Bebê procura o peito, se com fome Bebê Bebê parece sonolento ou doente Bebê está impaciente ou chorando Bebê não procura o peito Mamas Mama parece saudável Sem dor ou desconforto Mama apoiada com dedos longe do mamilo Mamas Mama vermelha, inchada ou ferida Mama ou mamilo dolorosos Mama apoiada com os dedos na aréola Posição do bebê Cabeça e tronco do bebê alinhados Corpo do bebê bem perto do corpo da mãe Nádegas do bebê apoiadas Nariz do bebê na altura do mamilo Posição do bebê Bebê com pescoço ou tronco torcidos Bebê longe da mãe Bebê apoiado pela cabeça ou costas somente Nariz do bebê acima ou abaixo do mamilo Pega do bebê Mais aréola acima da boca do bebê Boca do bebê bem aberta Lábio inferior virado pra fora Queixo do bebê toca a mama Pega do bebê Mais aréola abaixo da boca do bebê Bebê com boca pouco aberta Lábios para frente ou para dentro Queixo do bebê não toca a mama Sucção Sugadas lentas e profundas, com pausas Bochecha redonda durante a mamada Bebê solta o peito quando termina a mamada Mãe apresenta sinais do reflexo da ocitocina Sucção Sugadas rápidas Esforço da bochacha durante a mamada Mãe tira o bebê do peito Mãe sem sinais do reflexo da ocitocina Fonte: World Health Organization – WHO, 2004 • Fenômeno de Raynaud: trata-se de uma isquemia intermitente causada por vaso espasmo, que costuma ocorrer nos dedos das mãos e dos pés, mas tam- bém pode acometer os mamilos. Em geral, ocorre em resposta à exposição ao frio, compressão anormal do mamilo na boca da criança ou trauma mamilar importante. Deve-se buscar identificar e tratar a causa básica que está con- tribuindo para a isquemia do mamilo e melhorar a técnica de amamentação (pega), quando esta for inadequada. Compressas mornas ajudam a aliviar a dor na maioria das vezes. O uso de analgésico e anti-inflamatório também é reco- mendado (BRASIL, 2015); • Bloqueio de ductos lactíferos: ocorre quando o leite produzido numa determi- nada área da mama, por alguma razão, não é drenado adequadamente. É ob- servado quando a mama não está sendo esvaziada adequadamente, quando a amamentação é infrequente ou quando a criança não está conseguindo remover o leite da mama de maneira eficiente. O tratamento dessa condição deve ser instituído precocemente, para que o processo não evolua para mastite. Como medidas, estão: mamadas frequentes, compressas quentes, troca de posição nas 16 17 mamadas e retirada do ponto branco (sinal de bloqueio), caso esteja presente (GIUGLIANI, 2004). • Mastite: é um processo inflamatório que ocorre mais comumente na segunda e terceira semanas após o parto, mas pode ocorrer em qualquer período da amamentação. Pode ocorrer pela complicação do ingurgitamento mamário, ra- chaduras no mamilo ou obstrução de ductos incorretamente tratados. A estase láctea por si só não causa mastite, mas pode lesar o tecido, permitindo a insta- lação de bactérias Streptococcus (α-,β- e não hemolítico), Staphylococcus (aureus e albus) e ocasionalmente pela Escherichia coli. Para o manejo, é importante identificar o que causou a mastite e corrigir o possível erro, além do uso de an- tibioticoterapia (PEDROSA; SILVA; MUNIZ-SILVA, 2016); • Abcesso mamário: normalmente, é causado por mastite não tratada ou com tratamento iniciado tardiamente ou ineficaz. É comum ocorrer após a inter- rupção da amamentação na mama afetada pela mastite sem o esvaziamento adequado do leite por ordenha. Exige intervenção imediata por drenagem cirúr- gica, de preferência sob anestesia local, com coleta de secreção purulenta para cultura e teste de sensibilidade a antibióticos, seguida de antibioticoterapia e o esvaziamento regular da mama afetada (BRASIL, 2015); • Pouco leite: muitas vezes, essa percepção é o reflexo da insegurança materna quanto à sua capacidade de nutrir plenamente o seu bebê. Essa insegurança, com frequência reforçada por pessoas próximas, faz com que o choro do bebê e as mamadas frequentes (que fazem parte do comportamento normal em bebês pequenos) sejam interpretados como sinais de fome (GIUGLIANI, 2004). A suplementação com outros leites muitas vezes alivia a tensão materna e essa tranquilidade é repassada ao bebê, que passa a chorar menos, vindo a reforçar a ideia de que a criança estava passando fome. Uma vez iniciada a suplementação, a criança passa a sugar menos o peito e, como conse- quência, vai haver menor produção de leite, processo que com frequência culmina com a interrupção da amamentação. (BRASIL, 2015, p. 65) Quando há insuficiência de leite de fato, o bebê não fica saciado após as mama- das, chora muito, quer mamar com frequência, faz mamadas muito longas e não ganha peso adequadamente (< 20 g por dia). O número de micções por dia (menos que seis a oito) e poucas evacuações, com fezes em pequena quantidade, secas e duras, são indicativos de pouco volume de leite ingerido. Ou seja, o bebê dá sinais de que está com fome e que precisa de mais leite (GIUGLIANI, 2004). Dessa forma, é importante tentar acalmar a mãe e realizar o manejo com uso das seguintes técnicas: melhorar a pega do bebê, se necessário; aumentar a frequência das mamadas; oferecer as duas mamas em cada mamada; dar tempo para o bebê esvaziar bem as mamas; trocar de seio várias vezes numa mamada se a criança esti- ver sonolenta ou se não sugar vigorosamente; evitar o uso de mamadeiras, chupetas e protetores (intermediários) de mamilos; consumir dieta balanceada; ingerir líquidos em quantidade suficiente (líquidos em excesso não aumentam a produção de leite, podendo até diminuí-la); e repousar (BRASIL, 2015). 17 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação Aleitamento Artificial Além das possíveis complicações, algumas situações impedem que o aleitamento maternoseja realizado (Tabela 9), sendo necessário iniciar o aleitamento artificial. Tabela 9 – Razões médicas aceitáveis para uso de substitutos do leite materno definidas pela Organização Mundial de Saúde Condições que justificam contraindicar a amamentação permanente Infecção pelo HIV Se a alimentação substituta é aceitável, factível, acessível, sustentável e segura. Condições que justificam contraindicar a amamentação temporariamente Doenças maternas graves Septicemia ou outras condições clínicas que impe-dem a mãe de cuidar do seu filho. Vírus do Herpes simples tipo 1 Deve ser evitado o contato direto entra as lesões ma- márias da mãe e a boca do bebê até que as lesões estejam curadas. Doença de Chagas Na fase aguda da doença ou quando houver sangra-mento mamilar evidente. Uso de alguns medicamentos como: drogas edativas, psicoterápicas, antiepilépticas e opiáceos e suas combinações Provocam efeitos colaterais tais como tontura e de- pressão respiratória. Se Posível buscar alternativas de drogas compatíveis com a amamentação. Uso de radiofármacos como o Iodo-131 radioativo A mãe pode voltar a amamentar cerca de dois meses após o uso. eta substância pode ser evitada, uma vez que existem alternativas mais seguras. Uso em excesso de iodo tópico (ex. povidone-iodato) Pode resultar em anormalidade eletrolíticas ou su- pressão da tireoide no bebê. Recomendam-se usar alternativas mais seguras e manter a amamentação. Uso de medicamentos antineoplásicos Interromper a amamentação durante a terapia. Álcool, opiáceos, benzodiazepínicos e maconha (cannabis) Podem causar sedação tanto na mãe como no bebê. As mães devem ser incentivadas a não usar tais subs- tâncias e ter apoio para abstinência. Fonte: World Health Organization – WHO, 2009 Considerando essas possíveis condições, vamos abordar, na sequência, as reco- mendações de como realizar o aleitamento artificial conforme e idade do lactente. Prescrição dietética para crianças em aleitamento artificial A amamentação deve ser protegida, para tanto, a orientação sobre pre- paro de leites artificiais nunca deve ser feita de forma coletiva. Nos casos em que há necessidade de orientar sobre o preparo de leites artificiais, essa orientação deve ser realizada de maneira individualizada e por pro- fissional qualificado. Sendo assim, o profissional de saúde deve orientar as famílias e cuidadores sobre a alimentação adequada para a criança de acordo com a sua faixa etária, respeitando as condições e desejo da família. (BRASIL, 2015, p. 119) 18 19 A Sociedade Brasileira de Pediatria (2018), recomenda que, diante da impossi- bilidade do aleitamento materno, as crianças menores de seis meses de vida sejam alimentadas com fórmulas infantis para lactentes (fórmulas de partida) e as de seis a doze meses com fórmulas de seguimento para lactentes. Apesar de proporcionar o conteúdo nutricional necessário, as fórmulas não são estéreis e estão sujeitas às mesmas preocupações de segurança, como cuidados com a higiene na preparação e abastecimento de água potável. Esses cuidados devem ser ainda maiores nos pri- meiros seis meses de vida. Conforme as Resoluções da Diretoria Colegiada nº 43 e 44, de 19 de setembro de 2011, as fórmulas infantis são classificadas como: • Fórmulas infantis de partida: produto, em forma líquida ou pó utilizado sob prescrição, especialmente fabricado para satisfazer, por si só, as necessidades nutricionais dos lactentes sadios durante os primeiros meses de vida; • Fórmulas infantis de segmento: produtos destinados a lactentes sadios a partir do sexto mês de vida até doze meses de idade incompletos; • Fórmulas infantis de segmento para crianças de primeira infância: usadas como substituto do leite materno neste período (de 1 a 3 anos). Além desta classificação geral, há fórmulas com modificações para atender casos mais específicos dos lactentes, decorrentes de alterações fisiológicas e/ou doenças tem- porárias ou permanentes e/ou para redução de risco de alergias em indivíduos predis- postos, descritas na Resolução da Diretoria Colegiada n º45, de 19 de setembro de 2011. As fórmulas infantis para lactentes correspondem a leites industrializados indicados para lactentes que não estão em aleitamento materno. A grande maioria das fórmulas existentes no comércio é elaborada a base de leite de vaca e seguem as recomendações do “Codex Alimentárius 4”. No entanto, apesar de sua adaptação com relação ao carboidrato, proteínas e vitamina, os fatores anti-infecciosos e bioativos encontrados no leite materno não são encontrados nas fórmulas infantis. (BRASIL, 2015, p. 124) A alimentação da criança que faz uso das fórmulas infantis deve seguir algumas recomendações específicas, na tentativa de repor substâncias que seriam oferecidas pelo leite materno, bem como minimizar os efeitos adversos da utilização das fórmu- las infantis, conforme observado na alimentação de crianças com fórmulas infantis (BRASIL, 2015): Crianças menores de seis meses (< 6 meses) • Fórmula infantil para lactentes; • Oferecer água entre as refeições; • Quando a fórmula é oferecida em diluição e quantidade adequada, não é ne- cessário oferecer suplementos vitamínicos, nem suplemento de ferro, pois esses estão presentes na composição das fórmulas. 19 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação Crianças maiores de seis meses (> 6 meses) • Fórmula infantil de segmento para lactentes; • A partir do sexto mês de vida, iniciar a introdução de outros alimentos, confor- me esquema para crianças amamentadas; • Oferecer águe entre as refeições; • Crianças que consomem 500ml de fórmula infantil em diluição adequada devem ser avaliadas pelo pediatra quanto a necessidade de suplementação de ferro ou de múltiplos micronutrientes. Em relação à quantidade/volume, durante os primeiros dias de vida, deve-se iniciar com 60 ml/kg/dia e aumentar 20ml/kg/dia (Tabela 11), divididos em 6 a 8 alimen- tações em 24 horas. Depois que os alimentos complementares forem introduzidos, a quantidade de leite permanece, aproximadamente, a mesma que ao administrado aos seis meses de idade, mas podem variar de acordo com a disponibilidade de leite e outros alimentos e as demandas da criança. Tabela 10 – Volume e número de refeições lácteas por faixa etária no primeiro ano de vida Idade Volume/ Refeição Número de refeições/ dia Do nascimento aos 30 dias 60 – 120 ml 6 a 8 30 a 60 dias 120 – 150 ml 6 a 8 2 a 3 meses 150 – 180 ml 5 a 6 3 a 4 meses 180 ml – 200 ml 5 a 6 > 4 meses 180 – 200 ml 2 a 3 Fonte: Ministério da Saúde, 2015 Apesar de o leite de vaca, fluído ou em pó, não ser a melhor opção de alimentação para crianças menores de 12 meses, esse alimento pode ser o único alimento dispo- nível em função do baixo custo, quando comparado às fórmulas infantis disponíveis no mercado. Por isso, é importante que os profissionais de saúde estejam preparados para orientar as mães, famílias e cuidadores quanto à utilização mais adequada e segura, quando esgotadas todas as possibilidade de relactação para manutenção do aleitamento materno e impossibilidade financeira para aquisição de fórmula: Crianças menores de quatro meses • Diluir o leite de vaca integral, conforme orientações abaixo: Reconstituição do leite em pó integral: • 1 colher das de sobremesa rasa para 100ml de água fervida; • 1 ½ colher das de sobremesa rasa para 150ml de água fevida; • 2 colheres das de sobremesa rasa para 200ml de água fervida; • Preparo do leite em pó: primeiro, diluir o leite em pó em um pouco de água tratada, fervida e filtrada e, em seguida, adicionar a água restante necessária. 20 21 • Diluição do leite integral fluído: • 2/3 de leite fluido + 1/3 de água fervida; • 70ml de leite + 30ml de água = 100ml; • 100ml de leite + 50ml de água = 150ml; • 130ml de leite + 70ml de água = 200ml. • A partir do segundo mês de vida, oferecer suplementação de vitamina C (30 mg/dia); • Se a criança não estiver em aleitamento materno exclusivo,a suplementação profilática de ferro (1 mg de ferro elementar por kg de peso/dia) poderá ser realizada a partir dos quatro meses de idade, juntamente com a introdução dos alimentos complementares, até a criança completar 24 meses; • Oferecer água entre as refeições. Crianças maiores de quatro meses • A partir do quarto mês de vida, não é mais necessário diluir o leite de vaca integral; • A partir do quarto mês de vida, deve-se iniciar a introdução dos alimentos com- plementares (conforme esquema abaixo para crianças não amamentadas e que não fazem uso de fórmula infantil); • Oferecer água entre as refeições; • O consumo máximo de leite não deve ultrapassar 500ml por dia. Até completar quatro meses de idade, o leite diluído deve ser acrescido de óleo, ou seja, 1 colher de chá de óleo para cada 100 ml. Após completar quatro meses de idade, o leite integral líquido não deverá ser diluído e nem acrescido do óleo, já que nessa idade a criança não amamentada receberá outros alimentos (BRASIL, 2015). No decorrer desta unidade, pudemos compreender como os protocolos de ava- liação nutricional são específicos para os lactentes e necessários para a avaliação do crescimento e identificação de necessidades de intervenção. Passamos pelo en- tendimento dos fatores e complicações que podem desfavorecer a continuidade do aleitamento materno e finalizamos com a descrição das possibilidades de aleitamento artificial, inclusive nos casos onde a família não dispõe de recursos ou assistência para a aquisição de fórmulas infantis. Todo esse arcabouço de conhecimento traz o embasamento adequado para a reflexão e elaboração de orientações alimentares que possibilitarão condições para o desenvolvimento adequado e sadio de lactentes. 21 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Resolução – RDC Nº 43, de 19 de Setembro de 2011 Dispõe sobre o regulamento técnico para fórmulas infantis para lactentes. https://bit.ly/31WYo1N Resolução – RDC Nº 44, de 19 de Setembro de 2011 Dispõe sobre o regulamento técnico para fórmulas infantis de seguimento para lactentes e crianças de primeira infância. https://bit.ly/31WDLmf Resolução – RDC Nº 45, de 19 de Setembro de 2011 Dispõe sobre o regulamento técnico para fórmulas infantis para lactentes destinadas a necessidades dietoterápicas específicas e fórmulas infantis de seguimento para lactentes e crianças de primeira infância destinadas a necessidades dietoterápicas. https://bit.ly/3iGilzG Fatores Relacionados com uma Menor Duração Total do Aleitamento Materno MENDES, S. C. et al. Fatores relacionados com uma menor duração total do aleitamento materno. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 24, n. 5, p. 1821- 1829, May 2019. https://bit.ly/2ZQpqVS Growth in Exclusively Breastfed Infants GIUGLIANI, E. R. J. Growth in exclusively breastfed infants. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 95, supl. 1, p. S79-S84, 2019. https://bit.ly/2VYI64A 22 23 Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométri- cos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - 2 SISVAN / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/orientacoes_coleta_analise_da- dos_antropometricos.pdf>. Acesso em 12/04/2020. ________. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saú- de da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. ________. Secretaria de atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção à Saúde. Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. CARVALHO, M. F. P. P. Desenvolvimento normal. In: Tratado de pediatria,. v. 1. 4. ed. São Paulo: Manole, 2017. GASPARIN, V. A. et al. Factors associated with the maintenance of exclusive breastfeeding in the late postpartum. Rev. Gaúcha Enferm. Porto Alegre, v.41, n.spe, e20190060, 2020. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472020000200401&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12/04/2020. GIUGLIANI, E. R. J. Problemas comuns na lactação e seu manejo. J. Pediatr. Porto Alegre, v.80, n.5, supl. p.s147-s154, nov. 2004. Disponível em: <http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572004000700006&lng=en&nrm =iso>. Acesso em: 12/04/2020. GUINÉ, R.; GOMES, A. L. A Nutrição na Lactação Humana. Millenium, v. 49, p. 131-152. 2015. PEDROSA, B. S.; SILVA, R. M.; MUNIZ-SILVA, C. C. S. Orientações para a ama- mentação adequada e complicações do aleitamento inadequado - Revisão de Litera- tura. Rev. Cient. Sena Aires. v.5, n.1, p. 79-86, 2016. ROSSI, L. Avaliação nutricional: novas perspectivas. 2. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2015. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento de Nutrologia. Manual de Alimentação: orientações para alimentação do lactente ao adolescente, na es- cola, na gestante, na prevenção de doenças e segurança alimentar. Sociedade Bra- sileira de Pediatria. Departamento Científico de Nutrologia. 4. ed. São Paulo: SBP, 2018. Disponível em: <http://www.amape.com.br/wp-content/uploads/2018/12/ MANUAL-NUTRO-SBP-2018.pdf>. Acesso em: 11/04/2020. VÍTOLO, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2015. 23 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida – Lactação Sites visitados <https://www.sbp.com.br/departamentos-cientificos/endocrinologia/graficos-de- -crescimento/>. Acesso em: 29/06/2020. 24 Nutrição Materno-Infantil Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Fernanda Trigo Costa Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Alimentação nos Primeiros Anos de Vida: Introdução Alimentar Alimentação nos Primeiros Anos de Vida: Introdução Alimentar • Conhecer as recomendações alimentares até os dois anos para desenvolver a capacidade de associar essas informações à elaboração de planos e orientações alimentares que busquem o desenvolvimento adequado de crianças nesse período de vida. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Introdução Alimentar; • Recomendações para Bebês em Aleitamento Materno; • Recomendações para Bebês em Aleitamento Artificial; • Comportamento Alimentar e Seletividade Alimentar. UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida: Introdução Alimentar Contextualização A introdução alimentar é um tema que vem sendo muito discutido em várias áreas do conhecimento, pois envolve aspectos que vão além das recomendações nutricio- nais, sendo um ponto de preocupação e ansiedade para os pais e cuidadores, resul- tando em condutas variadas, algumas adequadas, mas outras tantas não. Os lactentes, devido à sua imaturidade biológica, dependem totalmente de outras pessoas para se alimentar. Essas pessoas, especialmente as mães, por serem as principais cuidadoras das crianças, têm papel fundamental na construção do hábito alimentar infantil. Além de decidirem o que as crianças irão comer, elas determinam como a criança será alimentada (SILVA; COSTA; GUIGLIANI, 2016). Porém, mesmo sob orientação do profissional da saúde, pode ser que essas orien- tações não sejam seguidas. O artigo “Percepção e atitudes maternas a decisão materna sobre o tipo de alimen- tação a ser oferecido para o lactente é influenciada fortemente pelo parceiro, família ou amigos em relação às orientações de profissionais de saúde referentes a práticas alimentares no primeiro ano de vida” (BROILO et al., 2013) avalia as razões pelas quais as famílias não seguem as orientações recebidas dos profissionais da saúde com base nas recomendações dos guias alimentares. Discute que talvez os profissio- nais não tenham adequada formação quanto à alimentação da criança ouconvicção em relação ao tema, o que leva a orientações não alinhadas às condições sociais da população, gerando falhas de comunicação de forma a não auxiliar as famílias a entenderem o real significado e a importância das condutas corretas para a saúde da criança ao longo da vida. “Percepção e atitudes maternas em relação às orientações de profissionais de saúde refe- rentes a práticas alimentares no primeiro ano de vida”, disponível em: https://bit.ly/2VikffF A forma como a mãe cuida do seu filho é determinante para a saúde do bebê e está associada ao grau de escolaridade, às informações recebidas acerca de saúde pelos profissionais e/ou mídia, ao apoio social recebido, bem como à disponibilidade para cumprir o papel de cuidadora. A discussão sobre as condições sociais, bem como a pressão exercida sobre o papel de mãe na atualidade não pode deixar de ser discutida e promover ações para favorecer contextos em que a mãe possa estar presente nos cuidados dos filhos é essencial. Por isso, os profissionais da saúde têm a importante responsabilidade de estar preparados para acolher as famílias e fazer orientações condizentes com os estudos científicos atualizados, mas que sejam adap- tadas à compreensão e possibilidades dessas famílias, tornando-as viáveis. Nesta unidade, vamos estudar as recomendações sobre a introdução alimentar para crianças em aleitamento materno e para crianças em aleitamento artificial, bem como discutir aspectos relacionados à formação dos hábitos alimentares, essenciais para a manutenção da saúde até a vida adulta. 8 9 Durante os estudos, propomos que sejam feitos os seguintes questionamentos: quais são as recomendações para a introdução de alimentos complementares para as crianças em aleitamento materno? Há diferenças quando as crianças estão em aleitamento artificial? Como a introdução alimentar auxilia no desenvolvimento de hábitos alimentares adequados e qual é o papel dos cuidadores nesse processo? Como devem ser elaborados os planos alimentares para crianças de 6 a 12 meses? Bons estudos! 9 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida: Introdução Alimentar Introdução Alimentar O conhecimento correto e atualizado sobre a alimentação da criança é essencial para a avaliação e a orientação adequadas sobre sua nutrição (SBP, 2018). As práti- cas alimentares no primeiro ano de vida são essenciais para a formação dos hábitos da criança, sendo que esse período pode ser dividido em duas etapas: • Primeiro semestre, quando a recomendação é de que seja praticado o aleita- mento materno exclusivo ou que se atrase quando for possível a introdução de outros alimentos; • Segundo semestre, quando o leite materno já não satisfaz todas as necessidades nutricionais do bebê e é necessário introduzir gradativamente outros alimentos, com o foco numa alimentação similar à da família quando o bebê completar os 12 meses. Além disso, até completar 24 meses, é essencial que haja uma preocupação em manter uma variedade de alimentos em quantidades adequadas, para a formação não somente dos hábitos alimentares, mas, também, de condições que perdurem no decorrer da vida desse indivíduo, visto a importância sabida dos primeiros 1000 dias para a saúde na vida adulta (VÍTOLO, 2015). A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2009) adota os seguintes princípios para a alimentação complementar saudável de crianças em aleitamento materno: • Praticar aleitamento materno exclusivo do nascimento aos 6 meses de ida- de e, após, introduzir alimentos complementares, mas manter o aleitamen- to materno; • Continuar com o aleitamento materno em livre demanda, frequente, até os 2 anos ou mais; • Praticar alimentação responsiva, aplicar o princípio de cuidado psicossocial; • Praticar boa higiene e manipulação apropriada dos alimentos; • Iniciar aos 6 meses com pequenas quantidades de alimentos e aumentar a quanti- dade à medida que a criança for crescendo, mas manter amamentação frequente; • Aumentar gradualmente a consistência e variedade à medida que a criança for crescendo, adaptar às necessidades e habilidades da criança; • Aumentar o número de vezes que a criança é alimentada com alimentos com- plementares à medida que ela for crescendo; • Alimentar com uma variedade de alimentos nutritivos para assegurar que todas as necessidades nutricionais sejam atingidas; • Usar alimentos complementares fortificados ou suplementos vitamínicos para a criança, se necessário; 10 11 • Aumentar a ingestão de líquidos durante as doenças, incluindo aleitamento materno mais frequente, e encorajar a criança a comer alimentos prediletos, macios. Após a doença, oferecer alimentos com mais frequência que o habitual e encorajar a criança a comer mais. Como forma de orientar a população e promover saúde e crescimento para que as crianças brasileiras desenvolvam todo o seu potencial, o Ministério da Saúde lançou o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos (BRASIL, 2019) alinha- do às recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014). É um instrumento para orientação tanto para as famílias como para os profissionais de saúde desenvolverem ações de Educação Alimentar e Nutricional em sua atuação no âmbito coletivo e individual. Além desse material, também podemos contar com o Manual de alimentação da infância à adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP, 2018), que orienta es- pecificamente pediatras, mas que pode ser utilizado pelos demais profissionais da saúde, sobre como alimentar de modo adequado os pacientes pediátricos durante todo o seu desenvolvimento, do recém-nascido ao adolescente e ainda enfatiza aspectos importan- tes sobre a alimentação adequada na escola, na gestação e os aspectos fundamentais envolvidos na prevenção de doenças que estão relacionados com os erros alimentares. Guia Alimentar para Crianças brasileiras Menores de 2 anos: https://bit.ly/2YAwqXq Manual de alimentação da infância à adolescência da SBP: https://bit.ly/2Vp07ZE A partir dos 6 meses, recomenda-se a introdução de duas refeições à base de frutas (lanche da manhã e lanche da tarde) e uma refeição principal (salgada) para ser oferecida no almoço. Aos 7 meses, a criança poderá receber a segunda refeição salgada no horário do jantar (Quadro 1). Os alimentos devem ser modificados em sua consistência natural, frutas cruas ou cozidas raspadas/amassadas (Figura 1) e alimentos salgados bem cozidos, para que possam ser amassados com o garfo e não batidos. Durante a introdução, é importante avaliar a condição do bebê de aceitar a evolução da consistência das refeições, caminhando até os 12 meses para uma alimentação similar à da família. Quadro 1 – Esquema para a introdução dos alimentos complementares Faixa etária Tipo de alimento Até 6º mês Leite materno exclusivo 6º a 24º mês Leite materno complementado 6º mês Frutas (amassadas ou raspadas) 6º mês Primeira papa principal de misturas múltiplas 7º a 8º mês Segunda papa principal de misturas múltiplas 9º a 11º mês Gradativamente, passar para a refeição da família com ajuste da consistência 12º mês Comida da família – observando a adequação dos alimentos 11 UNIDADE Alimentação nos Primeiros Anos de Vida: Introdução Alimentar Figura 1 – Exemplo de formas para oferecer frutas às crianças durante a introdução de alimentos complementares Fonte: Adaptado de Getty Images Há sempre dúvidas a respeito de quando introduzir determinados alimentos ou mudanças, mas não há restrição quanto aos alimentos a serem oferecidos e as etapas podem ser superadas com tranquilidade: • Carnes bovinas e de aves: ao se introduzirem alimentos complementares, as carnes já podem ser incluídas para garantir a ingestão de ferro de boa disponi- bilidade. Recomenda-se o uso de carne moída ou cozida desfiada, misturada aos demais alimentos; • Vísceras: quando utilizadas, deverão ser bem cozidas, assim como as demais carnes, para evitar qualquer tipo de contaminação; • Peixes e Ovos:
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